José Vicente Bandeira de Mello
Cordeiro
Engenheiro mecânico, mestre em
Engenharia de Produção pela PUC-RJ,
doutorando em Engenharia de Produção
pela UFSC e professor da FAE Business
School.
E-mail: [email protected]
A LOGÍSTICA COMO
FERRAMENTA PARA
A MELHORIA DO
DESEMPENHO EM
PEQUENAS
EMPRESAS
ADMINISTRAÇÃO INTEGRADA
DAS ATIVIDADES DE LOGÍSTICA
BENEFICIA CLIENTE E EMPRESA
A logística vem sendo apontada nos últimos anos como um
dos principais instrumentos para o aumento da
competitividade em empresas dos mais diversos setores.
Grandes empresas criaram departamentos e diretorias de
logística e passaram a visualizar seus fluxos de materiais,
de informações e de recursos financeiros de um ponto de
vista interfuncional. Como continuidade desse processo, a
nova onda de Supply Chain Management1 fez a perspectiva
deixar de ser apenas interfuncional para se tornar
interorganizacional. A competição nos setores de ponta vem
se dando não mais entre empresas, mas entre cadeias de
suprimento.
A logística, como disciplina relacionada à gestão de
negócios, surgiu há pouco tempo. Entretanto, as atividades
que compõem o seu foco já são realizadas pelas
organizações desde o início da produção em massa e
incluem o planejamento e controle das atividades de
suprimentos, produção e distribuição física. A grande
mudança proporcionada pela logística é a integração
dessas atividades no âmbito da empresa, seus fornecedores
e seus canais de distribuição, incluindo os fluxos de
materiais, informações e seus impactos nos fluxos
financeiros. Portanto, a logística trata de atividades
existentes em qualquer empresa e, por isso, pode ajudá-la
a melhorar seus resultados.
Diante desse cenário, o empreendedor ou o gestor da
pequena empresa pode se questionar sobre a viabilidade
da logística em seu negócio. Não seriam as ferramentas da
logística recomendadas apenas para as grandes
empresas? De fato, grande parte da literatura especializada
aborda, principalmente, exemplos de grandes empresas: a
cadeia automobilística e a produção just-in-time2 (JIT); o
revolucionário caso de postponement3 da Dell Computers;
a construção de centros de distribuição; a eliminação de
intermediários no caso de alguns fabricantes de bebidas;
entre outros. Juntos, esses exemplos dão a impressão de
que a logística é coisa para grandes corporações, quando
na realidade não é.
Entretanto, antes de sugerir medidas para pequenas
empresas, é importante frisar que a logística, como
ferramenta para a melhoria do desempenho, deve ser
pensada no contexto de uma estratégia.
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PAPEL DA LOGÍSTICA
Clientes tendem a escolher produtos e serviços que
maximizem seu valor líquido. O valor líquido entregue ao
cliente pode ser estimado pela seguinte equação:
VALOR LÍQUIDO ENTREGUE AO CLIENTE = (VALOR OU
BENEFÍCIO TOTAL OBTIDO PELO CLIENTE) – (CUSTO TOTAL
DE OBTENÇÃO DO VALOR)
O valor total obtido pelo cliente em uma aquisição inclui
suas percepções relacionadas ao produto, serviços
agregados, características pessoais e benefícios de imagem
obtidos. Por outro lado, o custo total de obtenção desse
valor inclui custos monetários, de tempo (tempo perdido),
de energia física (cansaço físico) e psicológicos (stress).
A estratégia de uma empresa é, em sua essência, uma
proposta de valor aos seus clientes, ou seja, é a maneira
pela qual esta tentará entregar aos seus consumidores um
valor líquido superior ao dos concorrentes. Existem diversas propostas genéricas
valor. Podem ser
As ferramentas da de
citadas cinco: a) muito
logística são mais por mais; b) mais
mesmo; c) o mesmo
recomendadas pelo
por menos; d) menos por
apenas para as muito menos; e) mais por
Em cada uma
grandes empresas? menos.
dessas propostas, a
Não! A logística trata primeira parcela é uma
edida do valor
de atividades m
entregue pela empresa
existentes em ao cliente, e a segunda é
medida do custo
qualquer empresa e uma
incorrido por este para
pode também ajudar obtê-lo, ambas medidas
m relação aos
as pequenas a econcorrentes.
melhorarem seus
resultados
Num
contexto
estratégico, o papel da
logística é contribuir para
que a empresa consiga maximizar o valor entregue ao
cliente e o valor agregado por ela própria. O valor agregado
pela empresa pode ser medido pela diferença entre a
receita total e a despesa total incorrida para obtê-la,
incluindo os custos de oportunidade. De forma geral, as
medidas de desempenho logístico podem ser divididas em
duas categorias: nível de serviço e custos logísticos.
Um elevado nível de serviço fará com que o cliente perceba
um aumento do valor líquido recebido. Por exemplo, quanto
menor o tempo de entrega de um produto a partir do pedido
do cliente, maior será o valor de uso do produto e, ao mesmo
tempo, menor será o sacrifício percebido pelo cliente na
sua aquisição. Pelo lado da empresa, melhorias nos
indicadores de nível de serviço tendem a vir acompanhadas
por incrementos nas receitas obtidas devido a aumentos
das vendas ou dos preços cobrados.
Por outro lado, os custos logísticos dizem respeito aos
custos incorridos pela empresa para proporcionar
determinado nível de serviço a certos clientes ou mercados.
Esses custos incluem os gastos com transporte,
armazenagem, manutenção de estoques e de
processamento de pedidos. Melhoria de desempenho nesta
categoria representa um maior valor agregado pela
empresa devido a reduções das despesas totais. Além
disso, baixos custos logísticos também podem permitir que
uma empresa cobre um preço menor, dentro de uma
proposta de valor do tipo “o mesmo por menos” e acabe
aumentando sua receita.
Embora exista um trade-off4 entre os dois grupos de
medidas, as empresas que ainda estão dando seus
primeiros passos na área têm aqui uma grande
oportunidade. Nesses casos, a implantação de algumas
medidas pode contribuir de forma simultânea para a
melhoria do nível de serviço e para a redução dos custos
logísticos, aumentando o valor percebido pelo cliente e o
valor agregado pela empresa.
MEDIDAS PRÁTICAS
Embora existam pequenas empresas, ágeis e competitivas
no que se refere ao desempenho logístico, muitas das
empresas de pequeno porte costumam se incluir no grupo
daquelas nas quais as atividades logísticas não estão
integradas. Para essas, algumas medidas simples podem
contribuir para um aumento significativo do desempenho
em termos de nível de serviço e custos logísticos,
proporcionando aumento do valor líquido oferecido ao
cliente e do valor agregado pela empresa. Essas medidas
seriam, entre outras:
a) seleção de estratégias logísticas em função das propostas
de valor escolhidas;
b) escolha de fornecedores e canais de distribuição com
base em custos logísticos totais;
c) utilização de um sistema de
informação comum para as
atividades de compras de
insumos, planejamento e
programação da produção e da
distribuição.
• Seleção de estratégias
logísticas em função das
propostas de valor escolhidas
A adoção de medidas
simples pelas
pequenas empresas
pode contribuir para
um aumento
significativo de seu
desempenho, em
termos de nível de
serviço e custos
logísticos,
proporcionando
aumento do valor
líquido oferecido ao
cliente e do valor
agregado pela
empresa
Inicialmente, é fundamental que
a empresa não se deixe levar
pelo estado da arte praticado
pelas grandes empresas. A
logística empresarial deve
sempre considerar seu contexto
estratégico. Não é porque uma
grande empresa do setor de
alimentos e bebidas decidiu
terminar seus contratos com
suas distribuidoras e fazer seus
produtos chegarem aos pontos
de venda por meio de centros
de distribuição próprios que
uma pequena empresa deverá
seguir esse caminho. Muito pelo contrário, empresas
pequenas devem buscar canais de distribuição ágeis e nos
quais predominem custos variáveis. Parcerias com os
Correios e empresas como o FedEx, por exemplo, são bemvindas nesses casos, bem como com distribuidores
próximos aos mercados-alvo. O custo unitário da distribuição
poderá ser maior do que o da grande empresa, mas será
menor do que se a empresa resolvesse fazer ela própria a
distribuição de seus produtos. Nesse caso, não existe
volume para justificar os elevados custos fixos de uma
distribuição própria. O mesmo vale para outras tendências
relacionadas a suprimentos e produção. Portanto, não se
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deve deixar levar por modismos! É
preciso definir a proposta de valor,
selecionar os clientes-alvo e projetar
um sistema logístico capaz de
entregar o valor proposto ao menor
custo possível!
• Escolha de fornecedores e canais
de distribuição com base em custos
logísticos totais
A aquisição de
softwares caros não é
um pré-requisito para
se ter atividades
logísticas integradas.
Muitas empresas
conseguem excelente
desempenho logístico
no que se refere a
custos e nível de
serviço, utilizando
planilhas Excel
desenvolvidas por seus
colaboradores para a
sua realidade
Muitas empresas ainda selecionam
seus fornecedores com base no preço
de venda. Entretanto, não consideram
que o lote mínimo de venda pode ser
elevado e que eventualmente o
fornecedor barato costuma não
cumprir com os prazos de entrega.
Nesse caso, embora o preço pago
pela unidade seja o menor do
mercado, a empresa estará
incorrendo em grandes custos de
armazenagem ou oferecendo a seus
clientes um baixíssimo nível de
serviço. O lote mínimo gera grande estoque de ciclo,
enquanto os atrasos constantes exigem grandes estoques
de segurança. Situações semelhantes costumam ocorrer
na escolha de modais de transporte para a distribuição.
Embora tenha um custo unitário baixo, o transporte por
navio pode, muitas vezes, exigir a manutenção de grandes
estoques no início e no final do percurso, tendo em vista
um determinado nível de serviço. Muitas vezes, o barato
acaba saindo caro. Portanto, meça seus custos logísticos
considerando sempre sua totalidade, ou seja, os gastos
com transporte, armazenagem, manutenção de estoques
e de processamento de pedidos.
• Utilização de um sistema de informação comum para
as atividades de compra de insumos, planejamento e
programação da produção e da distribuição
Esta terceira proposta diz respeito ao compartilhamento
de informações entre as atividades logísticas de
suprimento, produção e distribuição como medida para a
redução de estoques e aumento do nível de serviço. É
fundamental utilizar as previsões de compra por parte de
clientes para programar a produção e para comprar os
materiais necessários. Embora isso possa parecer óbvio
para alguns, muitas empresas pequenas continuam com
setores de compras independentes. Esses compradores
costumam conseguir ótimos descontos com os
fornecedores e acabam enchendo a empresa de estoque.
Buscam ótimos funcionais e deixam de atingir o ótimo
interfuncional. Portanto, salvo em casos especiais, o
momento para compras de insumos de grande valor de
giro deve ser definido por um sistema do tipo Materials
Requirements Planning (MRP)5 e não pelo comprador. Os
estoques de materiais de menor valor de giro podem ser
acompanhados por sistemas baseados em pontos de
pedido, mas também exigem algum tipo de controle
informatizado e não devem ser repostos aleatoriamente.
Um ponto que normalmente costuma sufocar as pequenas
empresas é a exigência de fornecimento JIT por parte de
grandes clientes. Fornecer em regime JIT, sem programar
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sua produção interna pelo mesmo
sistema, pode significar a abertura
de um grande rombo de caixa.
Portanto, se a empresa opera em
um mercado no qual o fornecimento
JIT é uma tendência nítida, deve
pensar em começar de imediato a
implantação desta filosofia
internamente, combinando-a com o
MRP e os sistemas de ponto de
pedido.
Por fim, cabe uma consideração
sobre a questão da tecnologia. A
aquisição de softwares caros não
é um pré-requisito para se ter
atividades logísticas integradas.
Muitas empresas conseguem um
excelente desempenho logístico
no que se refere a custos e nível
de serviço tendo por base planilhas
Excel desenvolvidas por seus
colaboradores especificamente
para a sua realidade. A compra de
um software deve vir apenas em um segundo momento, e
este deve ser customizado junto ao fornecedor de sistemas
de informática. O mais importante, nesse caso, é fazer com
que os dados sejam compartilhados pelas áreas de
suprimento, produção e distribuição física, o que deverá
produzir grandes melhorias de custos e nível de serviço,
contribuindo para que a empresa entregue efetivamente o
valor proposto aos seus clientes e melhore o seu valor
agregado, ficando mais próxima de seus objetivos de longo
prazo.
NOTAS
1
Administração da Cadeia de Suprimentos.
Just-in-time (“no momento certo”) é uma ferramenta de gestão
de suprimentos, que consiste na manutenção e administração
2
de estoques mínimos de insumos e de produtos, com objetivo de
reduzir custos e o investimento em materiais.
3
Postponement (postergação) é um conceito operacional, que
consiste em retardar o acabamento de um produto até que
cheguem os pedidos dos clientes. Algo parecido com “deixar
para amanhã o que pode ser feito amanhã”. O objetivo do
postponement é reduzir o estoque de produtos acabados e trazer
flexibilidade operacional.
4
Trade-off é um conceito utilizado em economia, sem tradução
adequada em português, que exprime a idéia de que, para se
obter algo que se deseja, é necessário sacrificar ou abrir mão de
alguma coisa que se tem. As empresas devem buscar o equilíbrio
do trade-off. No caso em questão, melhorar o nível de serviço
sem onerar demasiadamente o custo logístico.
5
Planejamento das Necessidades de Materiais.
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a logística como ferramenta para a melhoria do desempenho