Dá um tempo aí: como as grandes empresas estão obtendo acordos de isenção fiscal ______________________________________________________________ A ActionAid é um movimento global de pessoas trabalhando juntas para conquistar mais direitos humanos para todos e vencer a pobreza. Acreditamos que as pessoas em situação de pobreza tem o poder para gerar a mudança para si, para seus familiares e suas comunidades. A ActionAid é uma catalisadora da mudança. Dá um tempo: como as grandes empresas estão obtendo acordos de isenção fiscal ActionAid, junho de 2013. www.actionaid.org 1 Introdução Uma das principais razões para os países em desenvolvimento não alcançarem muitos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e escapar da pobreza persistente que assola até os países mais pobres que atingem níveis decentes de crescimento econômico, é a falta de receita do governo para pagar escolas, hospitais, estradas e outros serviços públicos. Como a recessão nos países desenvolvidos oferece ainda outra desculpa para eles renegarem seus compromissos de ajuda no exterior, até a última gota de gastos do governo é importante. Imagine, então, o que você pensaria se os governos dos países em desenvolvimento estivessem dando centenas de bilhões de dólares desta preciosa receita para as pessoas ricas nos países desenvolvidos, por quase nada em troca? E se, apesar da ampla evidência de que isso raramente tem qualquer impacto sobre o investimento ou o crescimento econômico, eles continuaram e até aumentaram esses gastos? Esqueça o "e se". Toda semana, as empresas que operam em países em desenvolvimento recebem uma doação de mais de dois bilhões de dólares na forma de incentivos fiscais; isenções do regime fiscal padrão que os outros têm de seguir. Supostamente para incentivar as empresas a investir, na prática esses incentivos subsidiam investimentos rentáveis que, na maioria dos casos, teriam sido feitos de qualquer maneira, e alguns até mesmo "expulsam” os investidores locais. Os incentivos fiscais são um produto da lógica econômica errada, má formulação de políticas e, infelizmente, às vezes da corrupção que tem colocado os países em desenvolvimento uns contra os outros em uma espiral descendente de concorrência fiscal. Se somente os incentivos que as empresas isentas de imposto de renda fossem cancelados amanhã, já seria liberada receita suficiente para colocar todas as crianças em idade escolar primária na escola, para cumprir todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados à saúde, e sobraria o suficiente para investir em programas agrícolas necessários para acabar com a fome. Este documento combina uma nova pesquisa com estudos de caso existentes para mostrar o que o fim de incentivos fiscais desnecessários poderia fazer. 2 Incentivos fiscais: o básico Um incentivo fiscal (também conhecido como redução de impostos) é, em essência, um acordo especial dado a uma empresa para incentivá-lo a investir. Nesta seção vamos apresentar alguns exemplos de incentivos fiscais revelados pela ActionAid para demonstrar como cada um funciona. Incentivos generalizados Estes são os incentivos embutidos no regime de tributação das empresas, projetado para tornar o investimento mais atraente. Um exemplo comum é "depreciação acelerada", que permite que investidores amortizem o custo das despesas de capital contra os seus lucros tributáveis de forma mais rápida do que normalmente poderiam fazer. Embora, em teoria, uma empresa não pague menos impostos em longo prazo como resultado de tal incentivo, na prática, ela pode ser explorada por planejadores fiscais. Incentivos legais específicos Aplicam-se a empresas que atendam a determinados critérios, geralmente porque eles estão operando em um setor que o governo quer incentivar, estão produzindo para exportação, ou estão localizadas em uma área particular, principalmente zonas econômicas especiais. No início deste ano, a ActionAid da Inglaterra mostrou como a Zâmbia Sugar, controlada por britânicos, levou o governo da Zâmbia à justiça para ganhar o direito de se beneficiar de um tipo diferente de incentivo. Apesar de três quartos de sua renda ser derivada da industrialização do açúcar, a empresa convenceu o tribunal em 2007 que seu lucro todo deveria ser classificado como 'agrícola'. Isto a qualificou para um incentivo que reduziu sua taxa de IRC para 15% (10% desde outubro de 2012) em comparação com a taxa normal de 35%, uma perda estimada de 3,6 milhões de dólares por ano para o governo da Zâmbia em anos futuros.1 Alguns desses incentivos são aplicáveis por um período fixo de tempo no início de um incentivo – as chamadas "isenções fiscais temporárias". Por exemplo, Gana 1 Sweet nothings: the human cost of a British sugar giant avoiding taxes in southern Africa, ActionAid UK, 2013. http://bit.ly/WZnAc8 3 oferece às empresas de processamento agrícola isenção de cinco anos de imposto de renda, enquanto que as empresas que operam em zonas francas (que incluem, por exemplo, as subsidiárias de grandes multinacionais de alimentos Cargill, ADM, Barry Callebaut e Nestlé) podem se beneficiar de isenção fiscal por dez anos.2 As zonas francas respondem por quase três quartos de circulação de mercadorias das florestas de Gana.3 Além de reduções ou isenções de impostos sobre as corporações, as zonas econômicas especiais muitas vezes oferecem às empresas isenções de impostos retidos na fonte sobre os pagamentos ao exterior e impostos sobre operações de importação e exportação. Incentivos discricionários Estes incetivos são específicos para um investidor particular e são negociados entre a empresa e o governo, estão geralmente disponíveis apenas para grandes investidores multinacionais, o que coloca as empresas nacionais em clara desvantagem. Muitos dos exemplos mais injustos são encontrados nos contratos negociados entre governos e investidores nas indústrias extrativas (petróleo, gás e mineração). Por exemplo, em 2011, a ActionAid da Suécia revelou os termos ultrajantes do incentivo fiscal negociado entre o governo da Tanzânia e a PanAfrica Energy, uma empresa sediada em Jersey e criada com o apoio do Fundo Sueco, de propriedade do governo, como parte de uma joint venture para explorar o campo de gás Songo Songo da Tanzânia. Embora a Corporação de Desenvolvimento do Estado da Tanzânia receba menos de um quinto dos lucros da joint venture, ela concordou em pagar 100% do imposto de renda de todo o empreendimento, isentando a PanAfrica Energy de sua conta de imposto por 25 anos. 4 Incentivos discricionários podem ser concedidos pelas autoridades fiscais ou promotoras de investimentos, ou por políticos. As grandes somas de dinheiro envolvido significa que muitos destes incentivos são negociados em circunstâncias obscuras e não transparentes. Muitos são mantidos em sigilo, longe da apuração parlamentar ou pública. 2 Tirado dos sites Ghana Investment Promotion Centre e Ghana Free Trade Zone Board, http://www.gipcghana.com e http://www.gfzb.com.gh Wilson Prichard, Taxation and development in Ghana: finance, equity and accountability, 2009. http://bit.ly/dD9HjI 4 Swedfund. ActionAid Sweden, http://bit.ly/120z2pl 3 4 Os piores tipos de incentivos fiscais Alguns incentivos fiscais são mais prejudiciais e menos justificáveis que outros. Aqui estão alguns tipos de isenção que acreditamos que devem ser evitadas a todo o custo: 1. Incentivos discricionários. Negociado a portas fechadas, vulneráveis à corrupção e interesses estabelecidos, estes negócios distorcem o mercado a favor dos investidores com maior influência política. 2. Isenções fiscais temporárias. Os incentivos fiscais que se aplicam por um período fixo de tempo no início de um investimento para atrair investimentos de ganho rápido que muitas vezes seguem adiante quando seus termos preferenciais terminam, ao invés de estabelecerem o tipo de compromisso de longo prazo que traz novas habilidades, tecnologia e conexões para a economia local. Alternativamente, eles distorcem as decisões de investimento, incentivando as práticas de curto prazo, e podem levar a 'agitação', onde as empresas fecham continuamente e se reinventam com uma razão social ou entidade jurídica diferente para se beneficiar de uma nova isenção fiscal. 3. As zonas francas. As empresas também podem ser atraídas pela infraestrutura, apoio ao negócio e proximidade com outras empresas que podem ser oferecidos em polos econômicos dedicados. Mas incentivos fiscais aqui são desnecessários, e estimulam as empresas a ficarem dentro da "bolha", reduzindo a interação com empresas nacionais que poderiam se beneficiar de conexões de lá para cá. 4. Acordos de estabilidade. Alguns investidores estrangeiros se beneficiam a partir de acordos especiais que os isolam de futuras alterações do regime fiscal. Enquanto as empresas nacionais não têm opção a não ser cumprir com as mudanças futuras que possam aumentar seus custos, esses investidores começam a ficar com todos os termos especiais que negociaram, bem como as taxas de imposto no momento em que investiram por décadas, se não permanentemente. Isso significa que os futuros governos para as próximas gerações ficam presos a decisões governamentais tomadas em determinado ponto do tempo a despeito de mudanças na situação econômica ou das evidência sobre o sucesso ou fracasso destas políticas fiscais. 5 A ascensão e aumento de incentivos fiscais De acordo com um estudo recente do FMI os países em desenvolvimento estão presos em uma "corrida parcial para o fundo" no que diz respeito a incentivos fiscais.5 Em média, um investidor prudente obtendo incentivos generosos em um país em desenvolvimento foi capaz de ter uma alíquota de 5% em 1996, mas este número baixou para próximo de zero dez anos depois. A competição mais significativa foi na Ásia, cuja média de melhor taxa efetiva foi a menos generosa e ficou em 10% em 1996, mas que caiu tanto que em 2006 foi negativa! 6 A Tabela 1 mostra crescimento perturbador na utilização de incentivos fiscais em toda a África subsaariana durante um longo período de tempo. A maioria dos países já oferecem isenções fiscais temporárias para os investidores, bem como um conjunto de benefícios no âmbito de um código de investimento. As zonas francas, que mal existiam em 1980, são agora usadas pela metade da região.7 Pior ainda para as finanças públicas dos países africanos, esta oferta de incentivos fiscais tem sido acompanhada por uma redução nas taxas de impostos sobre as sociedades legais: entre 1980 e 2005, a taxa média da África subsaariana diminuiu de 40% para 33%, uma enorme redução em termos reais. Tabela 1: A proliferação dos incentivos fiscais na África subsaariana Tipo de investimento incentivo fiscal Proporção de países oferecendo incentivos em … 1980 2005 Isenção Fiscal Temporária 45% 69% Redução das Taxas CTI 10% 51% Investimentos Aprovados 59% 56% Incentivos para exportação 10% 28% Zonas Francas 3% 46% Código de Investimento 31% 74% Fonte: FMI8 5 S. M. Ali Abbas and Alexander Klemm, A partial race to the bottom: corporate tax developments in emerging and developing economies, IMF Working Paper, 2012. http://bit.ly/16nc6FP ibid 7 Michael Keen and Mario Mansour, Revenue mobilization in sub-saharan Africa: challenges from Globalization, IMF Working Paper, 2009. http://bit.ly/11l2Zl7 8 ibid 6 6 A perda de receita por meio de incentivos fiscais Apenas alguns países em desenvolvimento publicam relatórios dos “gastos fiscais" detalhando as receitas fiscais dadas por meio de incentivos para pessoas físicas, empresas ou comportamentos. De fato, em muitos países, parece que até mesmo o próprio governo não está ciente de quanta arrecadação é postergada, o que obviamente significa que não pode ter avaliado os custos e benefícios das suas políticas. Quando os dados estão disponíveis, eles demonstram a escala da epidemia de incentivo. Em 2008/2009, o governo queniano deu 123 milhões de dólares em incentivos generalizados de promoção de investimentos, 68 milhões de dólares através de zonas econômicas especiais, e 120 milhões de dólares em incentivos para exportadores.9 Bangladesh só publicou números uma vez, em 2005, que mostram que quase um terço da perda de receita (o equivalente a 10% da receita de imposto de renda que arrecadam) foi a partir de isenções fiscais temporais (tabela 2).10 Tabela 2: Perda de receitas por meio de incentivos fiscais de empresas em Bangladesh, 2005 11 Tipo de investimento Imposto de renda postergado milhão US$ Ações de imposto de renda arrecadada Isenção Fiscal Temporária 36.6 9.8% Isenções e deduções 38.2 10.2% Reduções da Taxa de Imposto* 9.7 2.6% Diferimentos 17.7 4.7% Créditos tributários 3.0 0.8% Outros* 7.9 2.1% Total 113.1 30.2% * Os dados do governo incluem um adicional de 28 milhões de dólares nas duas categorias de imposto de renda pessoal, o que não incluímos supondo que ele é distribuído proporcionalmente entre eles. Em 2011, a ActionAid publicou dados do governo de Ruanda que mostram que as perdas de incentivos fiscais constituíam um quarto de sua receita fiscal potencial mais de 234 milhões de dólares.12 Em 2013, na ausência de dados publicados do governo, a Rede de Justiça Econômica de Malaui, organização parceira da ActionAid, estimou a quantia fiscal perdida através de isenções, olhando para uma amostra de contas das empresas. De 2008-2012, é estimado que mais de três bilhões de dólares 9 Tax Incentives and exemption regime in Kenya: Is it working?, Institute of Economic Affairs Budget Focus 30, 2012. http://bit.ly/12tLbcr 10 M. Golam Mortaza and Lutfunnahar Begum, Tax expenditures in Bangladesh: an introductory analysis, Bangladesh Bank Policy Note, 2006. http://bit.ly/14AZnj9 11 ibid 12 East African taxation project: Rwanda country case study, Institute of Policy Analysis and Research/ActionAid Rwanda, 2011. http://bit.ly/1bDRpGe 7 foram postergados, quase exatamente o mesmo valor do imposto de renda arrecadado das empresas durante esse período. Tabela 3: Receita postergada estimada através de incentivos fiscais, no Malaui, 20082012 Setor Imposto postergado (milhãoUS$) Mineração 2 902 Industrial 276 Varejo / cadeias 115 Agro processamento 69 Total 3363 Fonte: Rede de Justiça Econômica do Malaui13 Para estimar a perda de receita em todos os países, começamos a partir de uma amostra de relatórios de despesas fiscais que pudemos obter, para um total de 16 países em desenvolvimento, de tamanhos, renda per capita e regiões variadas.14 Os governos variam muito em como definem, segmentam e calculam gastos fiscais, então, para ser o mais consistente possível nós limitamos nossa análise a isenção de apenas um tipo de imposto: o imposto de renda corporativo. Os números referem-se apenas aos incentivos legais, e não levam em conta os discricionários. Um exemplo é mostrado abaixo. Tabela 4: Receita postergada através de isenções de imposto de renda em países da amostra País Ano Imposto de renda postergado através de incentivos … Em dólares Média de 16 países Como proporção do PIB 0.60% Como parcela do imposto de renda corporativo levantada 24% Bangladesh 2005 113,162,000 0.19% 30% Costa Rica 2010 296,232,800 0.82% 28% Quênia 2008 158,461,600 0.52% 21% Moçambique 2007 154,720,800 1.93% 77% Fonte: Dados compilados pela ActionAid a partir de dados governamentais disponíveis on-line Aplicamos a média dos 16 países para renúncia fiscal como proporção do PIB. O resultado é uma estimativa de que mais de 138 bilhões de dólares tenham sido 13 Alexander Kusamba Dzonzi, A study on Malawi’s taxation system and its implications on the poor (2012), relatório para a Malawi Economic Justice Network. Disponível mediante solicitação. 14 A lista completa: Argentina, Bangladesh, Butão, Chile, Costa Rica, República Dominicana, Guatemala, Índia, Quênia, Marrocos, Moçambique, Paquistão, Peru, Ruanda, África do Sul, Uruguai. Alguns países, como Gana e Malaui, não foram incluídos porque nos relatórios que obtivemos os números não são analisados de forma a nos permitir encontrar somente um dado de imposto de renda corporativo. Restringimos a amotragem a estimativas de despesas tributadas fornecidas pelos governos. Apesar da amostra não ser aleatória, não conseguimos encontrar nenhuma associação entre alguma medida de receita postergada e medida econômica simples (PIB per capita, imposto/PIB, etc). Por isso tomamos a média simples da receita postergada (para evitar um viés em relação em relação a grandes países). 8 dados pelos governos a cada ano apenas em isenções do imposto de renda de pessoa jurídica estatutária.15 Tabela 5: Receita postergada estimada através de isenções de imposto de renda Imposto de renda anual postergado (bilhão US$) Países em desenvolvimento por região Europa e Ásia Central 24.5 Oriente Médio e Norte da África 4.7 Leste da Ásia e Pacífico 55.1 Sul da Ásia 13.8 África Subsaariana 7.6 América Latina e Caribe 33.2 Países em desenvolvimento por renda Baixa 2.5 Baixa-média 29.2 Alta-média 104.5 Total 138.9 Fonte: cálculos da ActionAid Estes números são apenas a ponta do iceberg, porque eles só consideram o imposto de renda corporativo. Um relatório da Comunidade do Leste Africano afirma que o custo de isenções de importação para Uganda, Tanzânia e Quênia foi mais de um bilhão de dólares só em 2008.16 Além de tudo isso está o custo das isenções fiscais discricionárias, tais como aquelas que dizem beneficiar a PanAfrica Energy na Tanzânia . O custo humano dos incentivos fiscais Os mais de 138 bilhões de dólares que estimamos que foram perdidos através incentivos fiscais corporativos é um número enorme. É o suficiente para colocar todas as crianças em idade escolar primária na escola, cumprir todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio relacionados com a saúde, e investir em programas agrícolas necessários para acabar com fome.17 Mas apenas cancelar um incentivo poderia fazer uma grande diferença: Na Zâmbia, a renúncia fiscal em um único ano a partir de apenas uma empresa (Zâmbia Sugar) através de incentivos fiscais, provavelmente poderia cobrir a 15 Segundo a OECD, o total da ajuda dos membros do Development Assistance Committee em 2012 foi de 125.6 billhões de dólares. Ver em http://bit.ly/10wwoZt 16 The east African community trade report 2008, EAC, 2010. http://bit.ly/120A6ta 17 Dados de educação: http://gmr.uis.unesco.org/ Dados de saúde: http://www.oecd.org/social/poverty/49301301.pdf Dados de fome: http://www.fao.org/docrep/013/i2107e/i2107e27.pdf. Cálculos completos disponíveis sob soliciatção. 9 metade do custo total das intervenções nutricionais necessárias para enfrentar a desnutrição infantil no país.18 Para a Tanzânia, os 10 milhões de dólares americanos sacrificados para a PanAfrica Energy por ano poderiampagar pela educação de 175 mil meninas.19 Estudo de caso - Millicent, Quênia Millicent Ouma é a enfermeira chefe e diretora da clínica de saúde Wema em Kibera, Nairóbi, a maior favela da África Oriental. A clínica conta com três enfermeiros, um clínico e um técnico de laboratório em tempo parcial. Não há hospitais públicos em Kibera, e as pessoas que vivem aqui têm que confiar em clínicas como a de Wema para cuidados médicos. "Kibera é totalmente negligenciada em termos de serviço público. O governo não recolhe impostos suficientes e, portanto, eles têm que priorizar onde gastar o dinheiro. As favelas são alguns dos perdedores: nos falta tudo em termos de serviços de saúde. Nós fazemos o nosso melhor em minha clínica, mas precisamos de mais recursos.” O custo dos incentivos fiscais se estende além das reduções nos gastos públicos. Para compensar a perda de receita, os governos também aumentam os impostos sobre as pessoas comuns, e mesmo aqueles que vivem na pobreza. Em muitos países, isso significa maior valor acrescentado a impostos sobre bens e impostos especiais de consumo sobre os combustíveis usados pelas pessoas para iluminação e cozinha. Os incentivos fiscais também corroem a confiança no sistema fiscal, prejudicando a “moral do imposto”. Proprietários de pequenas empresas confrontadas com impostos, como Caroline Muchanga, que vende açúcar produzido pela Zâmbia Sugar, sente que o sistema é injusto. "A Zâmbia Sugar deveria estar pagando mais impostos do que nós", afirma ela.20 Em um levantamento de pequenos empresários conduzido pela Rede de Justiça Econômica de Malaui, 85% afirmaram que o sistema fiscal do país era injusto, e 67% se opõem a incentivos para investidores estrangeiros.21 O respeito ao imposto é especialmente prejudicado por casos de pessoas influentes e empresas que exploram sua posição para ganhar uma vantagem fiscal. 18 Sweet nothings, ActionAid UK, op cit. Swedwatch, ActionAid Sweden, op cit. 20 Sweet nothings, ActionAid UK, op cit. 21 Alexander Kusamba Dzonzi, A study on Malawi’s taxation system and its implications on the poor (2012), relatório para a Malawi Economic Justice Network. Disponível mediante solicitação. 19 10 Vale a pena o sacrifício? O crescimento desenfreado de incentivos fiscais para grandes empresas em países em desenvolvimento é preocupante, porque há um amplo consenso entre os conselheiros de política que esses incentivos fiscais são, na melhor das hipóteses, ineficazes e, na pior, prejudiciais para o crescimento econômico nacional e para outros países concorrentes. Em 2011, um relatório preparado para o G20 pelo FMI, OCDE, Nações Unidas e Banco Mundial - organizações que incentivaram no passado países a adotar incentivos fiscais - concluiu: 22 Incentivos, inclusive isenções de impostos corporativos (ICE) em zonas francas continuam a prejudicar a receita do ICE; onde a governança é pobre, eles podem fazer pouco para atrair investimentos e quando o fazem atraem o investimento estrangeiro direto (IED), isto pode ser à custa do investimento doméstico ou ID a algum outro país. Investimentos baseados em isenções fiscais também podem rmostrar-se transitórios. Pesquisas de investidores ilustram a inutilidade de muitos incentivos fiscais das empresas. Em recente inquérito de motivação com Investidores do Banco Mundial para a Comunidade do Leste Africano, 93% dos investidores disseram que teriam investido de qualquer maneira caso os incentivos fiscais não tivessem sido ofertados; incentivos fiscais ficaram classificados em 17º lugar, atrás de uma série de fatores, incluindo as taxas de câmbio, de utilidade, infraestrutura de transporte, e os outros benefícios das zonas francas: em muitos casos, os benefícios para os negócios de bens públicos que só podem ser fornecidos através de receitas fiscais em primeiro lugar.23 Quando pesquisadores da Universidade de Nairobi perguntaram para as empresas suas principais razões para investir no Quênia, eles obtiveram um resultado semelhante: apenas 1% citaram as isenções fiscais disponíveis em zonas econômicas especiais.24 Há até mesmo razão para questionar o valor da pequena percentagem de investimentos que podem ser atraídos por incentivos fiscais. Um estudo do FMI publicado em 2009 mostrou que, enquanto as taxas mais baixas de imposto sobre as sociedades legais e mais isenções fiscais parecem atrair investimentos estrangeiros 22 Supporting the development of effective tax systems: a report to the G20, IMF/OECD/UN/World Bank, 2011. http://bit.ly/WeS2T9 23 Edward Mwachinga, Results of investor motivation survey conducted in the EAC, World Bank, apresentação feita em 12.02.13 em Lusaka. http://bit.ly/14B0AqE 24 Bethuel Kinyanjui Kinuthia, Determinants of foreign direct investment in Kenya: new evidence, documento apresentado na Conferência anual African International Business and Management, em Nairóbi em agosto de 2010. http://bit.ly/16ngfd6 11 para países em desenvolvimento, não teve nenhum efeito sobre o investimento total ou sobre o crescimento da economia.25 Como acabar com incentivos fiscais Há sinais de que alguns países em desenvolvimento estão começando a parar a corrida para o fundo. A ministra das Finanças de Uganda, Maria Kiwanuka, prometeu eliminar gradualmente isenções fiscais e eliminar incentivos fiscais discricionários. "Os investidores querem todas as boas estradas, água encanada e energia elétrica", disse ela. "O Governo precisa fornecer isso, mas como devemos entregar essa infraestrutura se você está ocupado pedindo isenções fiscais? Onde é que vamos arranjar o dinheiro?"26 Após críticas da ActionAid em Ruanda, o orçamento de 2012/2013 de Ruanda anunciou uma redução de incentivos fiscais projetada para salvar 8 milhões de dólares - um bom começo para reduzir o custo total de 234 milhões dólares.27 Enquanto os governos precisam parar a oferta de incentivos fiscais, isso por si só não é suficiente. Incentivos reduzidos devem ser acompanhados de outras duas medidas importantes: transparência e cooperação. Primeiro, os incentivos fiscais precisam ser abertos para apuração pública e parlamentar. Por exemplo, na Zâmbia o Ministro das Finanças, Alexander Chikwanda, anunciou que o seu governo vai rever a "proliferação de incentivos fiscais ineficientes" como parte de uma "avaliação de diagnóstico de todo o sistema fiscal" durante 2013.28 Os governos devem contar sistematicamente o custo total de incentivos fiscais através relatórios publicados de despesas fiscais, como as que usamos para calcular os números neste relatório. Os relatórios devem ser publicados anualmente, ao mesmo tempo em que o orçamento, para informar o debate sobre os planos do governo. Eles devem incluir a renúncia fiscal por meio de incentivos discricionários, bem como os estatutários. No início deste processo, os governos também terão de seguir o exemplo da Zâmbia na realização de uma auditoria de base completa para revelar e informar o custo de todos os incentivos fiscais já existentes. Em segundo lugar, os governos precisam cooperar entre si no nível regional para desenvolver uma abordagem coordenada para a concorrência fiscal. O Código de Conduta da União Europeia sobre a Tributação das Empresas é um modelo de 25 Alexander Klemm, Causes, benefits, and risks of business tax incentives, IMF Working Paper, 2009. http://bit.ly/198s8EL 26 Citado em Kiwanuka rules out tax incentives, PESA Times, 27.05.13. http://bit.ly/10imT4Q 27 John Rwagombwa, Republic of Rwanda: budget statement for FY 2012/2013, 14.06.12. http://bit.ly/11FhxvG 28 Alexander Chikwanda, Zambia’s 2013 budget in full, 14.10.12. http://bit.ly/12LpPJ4 12 desenvolvimento que países poderiam seguir e aprimorar: apesar do código não contrariar alguns aspectos graves de regimes fiscais internacionais dos membros da UE, no entanto, estabelece um piso sobre os tipos mais nocivos da concorrência fiscal que os Estados membros não vão se envolver.29 O Código de Conduta da Concorrência Fiscal Prejudicial proposto pela Comunidade do Leste Africano é uma oportunidade para colocar em prática um marco comparável, porém mais robusto.30 Apelamos a todos os governos e parlamentos dos países em desenvolvimento para: Eliminar todas as isenções fiscais. Rever publicamente todos os incentivos fiscais, avaliando as despesas fiscais (o montante do imposto postergado por meio de incentivos), garantindo que os incentivos sejam bem orientados e proporcionais aos benefícios esperados para os cidadãos. Assegurar que todas as fases de novos incentivos requeiram aprovação parlamentar, e também que qualquer novo incentivo oferecido seja fundamentado na legislação que o torna disponível a todos os investidores qualificados, estrangeiros ou nacionais. Isso efetivamente significa o fim dos incentivos fiscais discricionários. Publicar um custo e justificativa para cada incentivo oferecido, seguido pelo monitoramento das condições e um registro de custos e benefícios para que o público possa ver o impacto dos incentivos fiscais. Conceder ao Ministério das Finanças (e não somente à autoridade de Promoção de Investimentos) poderes sobre as decisões de incentivos fiscais. Abster-se de cláusulas de estabilidade (que travam incentivos fiscais de longo prazo), quando da negociação de novos incentivos fiscais e acordos de investimento. Garantir que os incentivos fiscais sejam auditados para verificar se o investimento para o qual é oferecido um incentivo realmente foi realizado. Coordenar incentivos fiscais legais com grupos de países vizinhos para combater a concorrência fiscal. 29 30 Recommendation on aggressive tax planning, European Commission, 6.12.2012. http://bit.ly/TNyFM0 EAC considers model agreement to tackle double taxation, EAC Secretariat, 6.4.11. http://bit.ly/19zDnZA 13