Editoria: Justiça
Data: 22/9/2014
Uma dívida de R$ 4.300 do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)
está tomando as atenções e energias de advogados e instituições financeiras. O julgamento,
marcado para o dia 24 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), seria aparentemente
inofensivo não fosse o potencial multiplicador que carrega.
O que a Corte se propôs a definir é sobre quem recai a responsabilidade pelo recolhimento
do IPVA sobre veículos financiados com alienação fiduciária em garantia. De quem
financiou o carro? Do banco? De qualquer um dos dois?
A questão é complexa e, justamente por isso, os cinco ministros da 1aTurma do STJ
decidiram, no início de agosto, remeter o caso para análise da 1a Seção, que uniformiza a
jurisprudência de questões tributárias. É a primeira vez que a seção analisará o assunto. O
recurso é do Banco GMAC, da General Motors. A relatoria, do ministro Sérgio Kukina que,
inicialmente, não aceitava analisar o recurso.
O processo está pautado para a sessão do dia 24. Mas o adiamento é possível a depender a
extensão da pauta da sessão.
Os próprios ministros já perceberam que a origem do litígio é especialmente uma. Há 11
anos, o Estado de Minas Gerais tem exigido o imposto das instituições financeiras com base
na Lei estadual no 14.937, de 2003. Pelo artigo 5o da norma, o devedor fiduciário
(consumidor) e o arrendatário (instituição financeira) respondem solidariamente pelo
pagamento do IPVA.
Segundo advogados, a discussão também já chegou aos Estados de São Paulo e no Distrito
Federal. Eventual decisão favorável ao Fisco poderia ser o estopim para a pulverização da
cobrança em outros Estados. “O julgamento terá inequívoca repercussão para o setor e o
modelo de alienação fiduciária hoje adotado pelas financeiras”, afirma Renata Correia
Cubas, sócia do Mattos Filho Advogados.
Eis a tarefa do STJ: definir quem é, de fato, o proprietário do veículo durante a execução do
contrato de financiamento.
A análise da questão passa pela Constituição, pelo Código Tributário Nacional, pelo
conceito jurídico de propriedade previsto no Código Civil e na doutrina, por resoluções do
Conselho Monetário Nacional e do Banco Central e até do Código de Trânsito Brasileiro.
De acordo com a Constituição, o IPVA recai sobre a “propriedade de veículos automotores”.
Na alienação fiduciária, o carro objeto do financiamento, por exemplo, fica como garantia
do banco em caso de inadimplência do consumidor. Por isso, o problema de interpretação.
O consumidor tem a posse, mas não o domínio do bem enquanto o banco tem o domínio,
mas não a posse.
Em julgamentos reiterados, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) tem aplicado a
legislação mineira ao entender que a propriedade do veículo é da instituição financeira. A
Advocacia Geral do Estado foi procurada para comentar a tese, mas informou que não se
manifesta sobre “processos específicos em andamento”.
No STJ, a 2a Turma já iniciou o julgamento de um caso do Banco Mercantil. No entanto, um
pedido de vista do ministro Mauro Campebell, feito há quase dois anos, impede a
conclusão.
Em 2010, o escritório Mattos Filho Advogados traçou linhas de defesa contra a tese do
Fisco. O pedido partiu da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e
Investimento (Acrefi). O estudo de 22 páginas, coordenado pelo sócio Flavio Mifano,
conclui que as instituições financeiras não poderiam ser contribuintes nem responsáveis solidariamente ou por atribuição - pelo recolhimento do imposto. “O credor possui uma
mera garantia, não podendo ser havido como proprietário, pois jamais poderá usar e gozar
da coisa e o seu direito de dispor e reivindicar somente nasce com o inadimplemento
contratual do devedor”, afirma, no documento.
De acordo com a advogada Renata Correia Cubas, abriu-se a oportunidade de apresentar
aos ministros os impactos contratuais e financeiros de uma decisão desfavorável ao setor.
“Eventual desvirtuamento do instituto da alienação fiduciária, alteração e/ou interpretação
extensiva de seus contornos trará impactos ao modelo de negócio que conhecemos hoje,
não somente na delimitação das obrigações contratuais, mas na própria segurança jurídica
quanto à extensão da responsabilidade das partes”, afirma.
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