A Educação Matemática do Aluno da EsPCEx frente às demandas da sociedade informacional Jefferson Biajone1 Escola Preparatória de Cadetes do Exército RESUMO A Matemática, enquanto saber instrumental para o conhecer e lidar com o entorno natural, social, cultural, econômico, político e tecnológico que constituem o lócus de exercício da cidadania, talvez nunca tenha assumido maior relevância para esse exercício do que nos dias atuais, se encarado o fato de que no atual contexto de produção e difusão informacional sem precedentes, sociedades regulam a vida de seus cidadãos por meio de dados e indicadores numéricos que influenciam decisões as quais, muitas vezes, são “consumidas” indiscriminadamente, levando o seu consumidor – o cidadão comum – a interpretações que muitas vezes não correspondem à realidade. Na escolas militares de Ensino Médio das Forças Armadas, os reflexos dessas alterações não são menos impactantes e tornam-se cada vez mais evidentes e concretos: a atualidade tecnológica informacional tem exigido do aluno egresso daquelas escolas não apenas uma sólida formação intelectual, mas um preparo para o exercício competente de uma cidadania fundamentada em valores e atitudes que o habilitem à enfrentar os desafios imprevisíveis da era da informação. Por essas e outras razões, o presente texto apresenta a Educação Matemática do aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército enquanto saber chave para uma formação integrada e integral desse aluno no que diz respeito às presentes demandas e constantes evoluções que irão exigir dele um constante aprender a ser, fazer, conviver e, sobretudo conhecer. Palavras-chave: Educação Matemática; Sociedade Informacional; Cidadania; Atributos da Área Afetiva; Ensino Militar. Contextos de mudança, adaptação e desafios É sabido que o mundo atual, impregnado e impulsionado pela ciência e pela tecnologia, vem se configurando como uma imensa aldeia global, na qual os Estados que a compõem se encontram cada vez mais econômica, social e politicamente interdependentes entre si. 1 Licenciado em Matemática e Mestre em Educação Matemática pela UNICAMP. Oficial professor adjunto de Matemática da Seção de Ciências Matemáticas da Escola Preparatória de Cadetes do Exército. E-mail: [email protected] Adjacente à crescente onda de interdependência, se dão avanços nas tecnologias de informática e de outros meios de comunicação que têm colocado a informação num patamar de destaque, por ser esta cada vez mais abundante e de rápida obsolescência. Sob este contexto de produção e difusão informacional sem precedentes, sociedades regulam a vida de seus membros por meio de dados e indicadores numéricos que influenciam decisões as quais, muitas vezes, são “consumidas” indiscriminada e passivamente, sem uma prévia depuração, levando o seu consumidor a interpretações que podem muitas vezes não corresponder à realidade. E é na reflexão sobre os efeitos perniciosos desta revolução da informação, que se evidencia a necessidade preemente do cidadão atual de estar preparado para não somente ler e compreender tal mundo em suas transformações, mas em condições de nele atuar e contribuir – seja formando opiniões apropriadas e/ou tomando decisões conscientes – para o progresso da sociedade em que vive. O Aluno da EsPCEx, cidadão brasileiro e gestor em formação da força terrestre, encontra-se plenamente inserido nesta “era da informação” e, em função da especificidade de suas atribuições enquanto cidadão e futuro oficial, deverá estar em condições de adaptar-se às demandas atuais de forma versátil e inteligente, a fim de que possa enfrentar os desafios e conviver com as incertezas que o presente estado de coisas a ele propicia(rá), seja nas lides do meio civil e/ou castrense. Adaptar-se, na precisão integral do termo, não se refere somente à capacidade de perceber “a transformação e de mobilizar-se para agir, de modo equilibrado e eficiente, no cenário que está se configurando; mas, também, diz respeito à plasticidade que permite atuar, em cada momento, em diferentes tipos de ambiente” (Diretrizes de Modernização do Exército, 1995) Ora, para se poder atuar com semelhante plasticidade em contextos de ação globalizadora e profusão informacional à semelhança dos que hoje existem e repercutem no seio das forças armadas, é fundamental que o Aluno tenha desde a fase preparatória de sua carreira uma formação que lhe habilite à organizar e compreender situações, formular hipóteses, prever resultados, elaborar estratégias e utilizar raciocínios dedutivos e indutivos com vistas ao seu importante papel de cidadão militar. Concebendo, assim, a Matemática como arte, técnica, modo ou ainda estilo de se explicar, aprender, conhecer e lidar com o ambiente natural, social, cultural, imaginário e/ou tecnológico, seja para a tomada de decisões, seja para a avaliação de resultados de estratégias ou ainda para o entendimento dos julgamentos qualiquantitativos que a mídia hoje veicula com base neste saber, a Seção de Ciências Matemáticas (SecMat) da EsPCEx entende que a educação matemática sob sua auspicies deve contemplar, dentre os vários objetivos formativos a que se dispõe, o exercício do grau de adaptabilidade do Aluno para que ele possa bem atuar frente às evoluções do mundo. Compreendendo, pois, a relevância da educação matemática deste aluno para os tempos em questão, a Seção prioriza a sua ação pedagógica em torno de três eixos didáticometodológicos, a saber: 1) aprender Matemática fazendo matemática, 2) emprego dos meios de informática e 3) interdisciplinaridade entre os saberes fundamental e militar Eixos e práticas matemáticas educativas O Aprender Matemática fazendo matemática refere-se ao aprender a aprender apontado pelas Diretrizes de Modernização do Ensino do Exército (DMEE) nos diversos cursos de formação da Força. Esta modalidade de aprendizagem se fundamenta na premissa de que ao Aluno cabe o protagonismo da construção de seu conhecimento, ao invés da espera pelas respostas prontas de questões assinaladas pelo professor em listas de exercícios de repetição e rotina. De fato, a rápida obsolescência da informação impede que o professor se encontre como a fonte única dos saberes do aprendizado discente. O Aluno deve sim ser o protagonista da construção de seus conhecimentos, se o objetivo é que ele seja capaz de continuar aprendendo e de se auto-aperfeiçoar/atualizar ao longo de toda a sua vida. Uma das principais estratégias da Seção de Ciências Matemáticas para se atingir este fim é proporcionar ao discente situações onde ele possa mobilizar conceitos aprendidos no enfrentamento de problemas, seja à frente da turma formulando considerações e questionamentos mais aprofundados sobre o conteúdo, seja na solução de questões-desafio, ou ainda, na proposição de algoritmos alternativos de resolução dos exercícios propostos ou da teoria demonstrada pelo professor. A participação do Aluno em olímpiadas nacionais de Matemática, faz parte também do rol destas estratégias, uma vez que a sua habilidade de organizar e compreender situações, formular hipóteses e elaborar estratégias de ação são – nos momentos de desequilíbrio e superação que são as olímpiadas – sobremaneira colocados à prova em prol da representação da qualidade educativa da Escola Preparatória de Cadetes do Exército junto aos demais estabelecimentos de Ensino Médio no país. O trabalho do plantão de dúvidas de Matemática/Desenho, realizado pela Seção em parceira com alunos-monitores voluntários, tem demonstrado ser outra forma de não só aprender Matemática fazendo matemática, mas de vivenciar importantes atributos da área afetiva, na medida que estes alunos estão presentes nos plantões (iniciativa e responsabilidade) tirando dúvidas dos colegas em dificuldade (tolerância, camaradagem e sociabilidade), auxiliando na resolução de exercícios trabalhados ou não em sala de aula (cooperação), revisando os conteúdos (comunicabilidade) e propondo soluções alternativas aos problemas em mãos (sensibilidade e perspicácia). Se no aprender a aprender o foco é a ação do Aluno, não menos ocorre no tocante ao emprego dos meios de informática. Com efeito, partindo do princípio de que o domínio das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) são hoje requisito fundamental para se bem atuar mesmo nos cargos mais simples, a SecMat compreende que a inclusão digital do Aluno da EsPCEx pode encontrar significativa base de suporte nas aulas de Matemática e Desenho por estas se utilizarem de softwares educativos e amplo acesso à internet enquanto fonte de ensino e pesquisa. Experiências em anos anteriores realizadas pela cadeira de Matemática no ensino da Geometria Analítica intermediado por diversos ambientes computacionais não só demonstraram ser possível tal inclusão como realçaram o papel que o computador enquanto máquina de pensar pode assumir no desenvolvimento do raciocínio hipotético-dedutivo do Aluno e na análise que ele faz do erro e das estratégias que toma para corrigi-lo. Trabalhos atualmente desenvolvidos pela cadeira de Desenho com diversos softwares têm evidenciado semelhantes resultados, ao viabilizar para o Aluno estudos em tempo real de projeções planas e descritivas. A utilização da Internet também tem encontrado seu espaço nas aulas de Matemática e Desenho. O sítio da SecMat na intranet da EsPCEx tem disponibilizado arquivos, listas, gabaritos, notas de aula e curiosidades relativas aos conteúdos em andamento em ambas as cadeiras e servido também de portal de notícias dos eventos os quais a Seção participa: olímpiadas da Olímpiadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas, visitas à outros estabelecimentos de ensino congêneres das Forças Armadas, desafios militares, avisos ao Corpo de Alunos, participação em encontros pedagógicos, entre outros. Estas e outras experiências de uso das tecnologias da informação e da comunicação só corroboram a tendência de que nos próximos anos – seja no espaço físico ou virtual de sala de aula – a competência digital será condição sine qua non para que o futuro oficial do Exército Brasileiro possa atuar com proficiência nos contextos da profusão de dados e informatização de meios. No que se refere ao terceiro eixo de ação da SecMat – a interdisciplinaridade entre os saberes fundamental e militar – trata-se da adaptação posta em prática pela Seção ao quesito interdisciplinaridade das DMEE, tomado por base o seguinte questionamento: seria possível integrar conteúdos do ensino fundamental (Ensino Médio) com conteúdos do ensino militar (Instrução Militar)? Se analisadas as missões propostas pela Seção para as duas edições do Desafio Militar2 EsPCEx de 2008 (DM EsPCEx) realizadas pelo Corpo de Alunos no referido ano, observa-se que que tal nível de trabalho interdisciplinar entre ambas as dimensões formativas do Aluno foi possível sim de ser atingido. Tomando a primeira edição do Desafio daquele ano como exemplo, foram nela interpenetrados conteúdos do Ensino Fundamental das cadeiras de Matemática e Desenho, a saber, trigonometria/relações métricas, arco capaz e geometria plana, com assuntos do Ensino Militar acerca de nós, amarrações, orientação por bússola, rudimentos de armamento, munição e tiro. Não obstante, foi na segunda edição do Desafio Militar que não somente um grau maior de interdisciplinaridade entre os âmbitos fundamental e militar da formação do Aluno pode ser vivenciado, mas também entre seções de ensino da EsPCEx. De fato, as Seções de Ciências Matemáticas, Ciências Naturais nas cadeiras de Fìsica e Química e Idiomas, na cadeira de Inglês e Espanhol, se uniram para no trabalho em conjunto de seus professores propiciar uma missão única que foi realizada pelos alunos por ocasião do evento. Esta missão conjunta interpenetrou extensa gama de conhecimentos fundamentais e militares, a saber, estimativa de medidas/distâncias, trigonometria, composição química, eletricidade, vocabulário militar, leitura de cartas, progressão diurna, segurança de armamento, rudimentos sobre abordagem de suspeitos e sobre minas e explosivos. Pelo exposto, percebe-se que as duas versões do DM EsPCEx de 2008 sinalizaram para a possibilidade de que até assuntos além de ambas as esferas formativas da EsPCEx 2 O Desafio Militar trata-se de atividade de trabalho interdisciplinar envolvendo os saberes disciplinares e os saberes militares da formação do aluno da EsPCEx em uma série de missões a serem cumpridas ao longo de todo um dia. Pelos resultados positivos que obteve na promoção da interdisciplinaridade, o Desafio Militar foi objeto de reportagem no Noticiário do Exército de nº 10.459, em 1º de Março de 2008. pudessem ser contemplados, propiciando ao Aluno contanto, ainda que rudimentar, com conteúdos que posteriormente verá na Academia. Não obstante, além da interdisciplinaridade entre disciplinas e ensinos, diversos atributos da área afetiva puderiam ser evidenciados e sobejamente vividos durante o cumprimento das missões do DM EsPCEx, salientando-se dentre eles: a liderança por parte dos chefes de grupo; cooperação por parte de cada integrante no cumprimento da missão; disciplina para ouvir um ao outro, obedecer as instruções do oficial orientador, do colega em comando; meticulosidade para apreciar/avaliar a dificuldade do desafio; adaptabilidade para enfrentar os obstáculos oferecidos e suplantá-los e decisão para tomar a atitude correta em face aos meios oferecidos e à crescente passagem do tempo, sempre a pressionar os grupos. Considerações finais Se é na interação do sujeito com o conhecimento que ele aprende, organiza-se e compreende situações, formula hipóteses, prevê resultados, elabora estratégias e utiliza raciocínios dedutivos e indutivos, então entende-se que uma educação matemática que privilegia o protagonismo do educando nunca foi tão necessária para a formação do Aluno da EsPCEx quanto a que neste artigo foi apresentada, tendo em vista o contexto de mudanças, adaptações e desafios que ele vivenciará no desempenho de suas atribuições enquanto cidadão e futuro oficial do Exército Brasileiro. Se priorizada a construção dos conhecimentos individual e coletivamente, como as experiências didáticas desenvolvidas pela Seção de Ciências Matemáticas puderam contemplar, pode-se obter níveis de raciocínio e investigação lógicos do educando de tal forma que a Matemática/Desenho abstenha-se da sua roupagem tradicional de acumulado de fórmulas e algoritmos, para se tornar um arcabouço de possibilidades de ação e posicionamento críticos apoiados na criatividade, adaptabilidade, iniciativa, decisão e perspicácia do educando matemático militar. Este arcabouço sem dúvida será colocado à prova no incessante avanço da produção e difusão informacional que atualmente (re)significa todos os setores da sociedade e será por estar em condições de adaptar-se às demandas que surgirão, aos desafios que enfrentará e as incertezas que conviverá, que o Aluno de hoje será o oficial e cidadão preparado, informado e competente de amanhã. Referências Bibliográficas: D’AMBROSIO, Ubiratan. 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