EDUCAÇÃO FÍSICA E EDUCAÇÃO ESPECIAL: A RELAÇÃO DE PARCERIA
ENTRE PROFESSORES QUE TRABALHAM NO MODELO DE ENSINO
COLABORATIVO
Patrícia Santos de Oliveira¹
Melina Thais da Silva²
RESUMO
A proposta de trabalho baseada no modelo de ensino colaborativo, têm se
mostrado como uma possibilidade de serviço de apoio à inclusão de alunos
com deficiência na rede regular de ensino. Contudo, o grande desafio está em
como desenvolver relações de parceria entre os profissionais da escola. Assim,
este trabalho tem como objetivo investigar as relações de parceria que se
estabelecem entre um professor de Educação Física e de Educação Especial
que atuam no modelo ensino colaborativo. Esta pesquisa caracteriza-se como
um estudo de caso de abordagem qualitativa. Para tanto, participaram dois
professores do ensino básico, um especialista em Educação Especial atuando
no ensino colaborativo e um professor de Educação Física, ambos tinham em
comum um aluno com transtorno do espectro autista. Como forma de coleta de
dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas, as quais foram
transcritas na íntegra e posteriormente analisadas com base na análise de
conteúdo do tipo categorial. A partir do discurso dos professores entrevistados
é possível considerar que o fortalecimento de relações colaborativas efetivas é
prejudicado, dentre outros fatores, pela ausência de tempo em comum entre os
professores para diálogo, planejamento e reuniões. Assim, é necessário que
sejam definidos horários dentro do ambiente escolar para que os professores
possam dialogar, planejar e refletir sobre estratégias a serem utilizadas junto à
seus alunos público alvo da Educação Especial, contribuindo assim, para o
fortalecimento do vínculo colaborativo.
Palavras-chave: Ensino Colaborativo, Educação Física, Educação Especial.
INTRODUÇÃO
No Brasil os modelos de serviços de Atendimento Educacional
especializado são direcionados quase que exclusivamente às salas de
recursos Multifuncionais (BAPTISTA, 2011). Dessa forma, outros modelos
como o ensino itinerante, a consultoria colaborativa, o ensino colaborativo,
entre outros, infelizmente, se constituem como práticas pouco comuns em
muitas escolas brasileiras. Dentre esses modelos de serviço, os baseados na
colaboração tem ganhado um significativo destaque na literatura nacional. O
modelo de ensino colaborativo tem sido objeto de estudo em diferentes
pesquisas como as realizadas por Zerbato et al (2013), Vilaronga e Mendes
(2014), dentre outros. Tais autores apresentam a necessidade de fortalecer o
ensino colaborativo como um dos modelos de serviços possíveis dentro do
Atendimento Educacional Especializado (AEE).
O ensino colaborativo pode ser compreendido como um modelo de
prestação de serviço oferecido pela Educação Especial no qual existe a
parceria entre os professores do Ensino Regular e Educação Especial, os quais
compartilham a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar uma turma
composta por estudantes com e sem deficiência (MENDES; VILARONGA;
ZERBATO, 2015).
Existem diversos desafios para a implementação de serviços que se
baseiem no trabalho colaborativo, pois a cultura escolar considera que a
atuação do professor é mais eficaz de forma individualizada, o que acaba por
desconsiderar o contexto e atuação colaborativa de todos envolvidos com o
aluno (CAPELLINI, 2004).
Por isso a colaboração é um processo que deverá ocorrer de forma
gradativa. Assis, Almeida e Mendes (2011), citam que o ensino colaborativo
não ocorre com rapidez e facilidade, pois o professor precisa refletir sobre suas
práticas e estabelecer relação de parceria. Para isto, o professor precisa estar
aberto e disposto a realizar o trabalho. Larson&Lafasto (1989) afirmam que
uma pareceria colaborativa não é facilmente alcançada. É necessário que
ocorram muitas discussões, trocas de ideias e saberes, opiniões resoluções de
problemas, sendo assim os conflitos se tornam inevitáveis. Para que ocorra
confiança e respeito é preciso de tempo e a ocorrência de práticas para que
sejam estreitados os laços entre os professores e o desenvolvimento de
confiança e respeito pelo seu parceiro.
De acordo com Mendes, Vilaronga e Zerbato (2015) o grande desafio se
encontra em como desenvolver as relações de parcerias colaborativas entre os
profissionais da escola. Deste modo, para que essas relações de parcerias
sejam desenvolvidas se faz necessário investigar e compreender, sobretudo,
como estas se estabelecem no cotidiano escolar. Assim este estudo tem como
objetivo investigar as relações de parceria que se estabelecem entre um
professor de Educação Física e de Educação Especial que atuam no modelo
ensino colaborativo.
METODOLOGIA
A presente pesquisa se caracteriza como um estudo de caso de
abordagem qualitativa. Como critério de inclusão dos participantes foi
estabelecido que os professores deveriam ministrar aulas para um aluno com
deficiência em comum, e que o professor de Educação Especial deveria atuar
no modelo de Ensino colaborativo, de modo a dar suporte aos professores
responsáveis pelas disciplinas curriculares. Assim, participaram da pesquisa
dois professores, um especialista em Educação Especial atuando no ensino
colaborativo e um professor de Educação Física, ambos docentes em uma
escola da rede municipal de ensino de um município de médio porte do interior
do Estado de São Paulo, que tinham em comum um aluno diagnosticado com
Transtorno do espectro autista.
Quadro 1: Caracterização dos participantes
Participante
s
Idade
Formação
Professor Tempo de
a
experiência
PEE
32
Formada em Pedagogia com
habilitação em educação
Especial
Educação
Especial
8
PEF
48
Formada em Educação Física e
em pedagogia
Educação
Física
22
Com a finalidade de preservar a identidade dos participantes da
pesquisa eles serão identificados pela sigla PEE e PEF, que se referem
respectivamente a professor de Educação Especial e professor de Educação
Física.
Para a coleta de dados foi elaborado dois roteiros de entrevista
semiestruturada, um para o professor de Educação Especial e outro para o
professor de Educação Física. A elaboração de dois roteiros distintos teve
como finalidade direcionar os questionamentos às especificidades de cada
área de atuação. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas
na integra. Como técnica de análise dos dados, foram utilizados os estudos de
Bardin (2009) e Moraes (1999) sobre análise de conteúdo.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da análise dos resultados foram estabelecidas duas
categorias de análise, foram estas: Momentos de diálogo e interação entre os
professores da Ed. Especial e de Educação Física no cotidiano escolar; Busca
por informações e compartilhamento de informações sobre o aluno.
Momentos de diálogo e interação entre os professores da Ed. Especial e
de Educação Física.
No que diz respeito aos momentos de conversas entre o professor
de Educação física e Educação especial, ambos destacam que estes são raros
e praticamente inexistentes em seu cotidiano escolar. Esse fator acaba por
impedir que os professores possam conversar, dentre outros assuntos, sobre
estratégias e metodologias de ensino mais adequadas, assim como as
possibilidades e dificuldades encontradas pelo aluno durante a aula.
Nos momentos de trabalho em conjunto, no contexto das aulas de
Educação Física, uma comunicação mais aprofundada se torna impossível,
uma vez que nestes momentos elas estão atuando junto aos alunos o que
torna inviável o estabelecimento de diálogos.
A gente se vê pouco, né... a professora da sala eu
converso mais, a professora de educação especial a
gente quase não conversa, a não ser quando ela está
junto com ele o aluno. (PEF)
O mesmo é mencionado pela professora da Educação Especial.
(...) da educação física eu só acompanho o G.que é a S.
(professora de Educação Física) né, só uma aula, as
outras não. (PEE)
De acordo com PEE os únicos momentos de encontro, entre ela e
outros professores, ocorre durante as aulas ou quando algum aluno do
atendimento especial não vai à escola.
(...)só converso quando eu estou na sala ou quando falta
algum aluno assim de repente falta algum aluno e eu
quero fazer alguma coisa (...). (PEE)
Subcategoria–Planejamento em conjunto com outros professores
Ao serem questionados sobre os momentos de planejamento em
conjunto com outros professores,a professora da Educação Especial afirma
que estes momentos não ocorrem.
Não tem, não tem momento nenhum(... )horário de fato
para planejamento, não tem!(PEE)
A falta de horários para planejamentos é reafirmada na fala da professora de
Educação Física.
(...) os horários...não bate horário de HTPC e de HTPI. Às
vezes é isso, porque, eu acho assim, quando tem os
horários, principalmente no HTPI elas estão com outros
compromissos outras atividades (...)(PEF).
Tanto a PEE quanto PEF, afirmam que este tempo em comum não
existe. Em relatos anteriores PEE, comenta que poucos professores recorrem a
ela para esclarecer dúvidas relacionadas ao aluno com deficiência. A ausência
de tempo e horários em comum fora do horário de aula entre as docentes pode
ser um dos fatores que limita o estabelecimento do diálogo entre as
professoras de Educação Especial e Educação Física. Günther e Molina Neto
(2000), Zerbato et. al. (2013) em seus estudos, também destacam que muitos
professores apontam a necessidade de tempo para o estudo e reflexão junto
com seus pares, e que infelizmente esses momentos não são possíveis devido
ao acúmulo de carga horária e incompatibilidade de horário. Assim,
Considerando os três graus dos estágios de colaboração apresentados por
Gately e Gately (2011), o nível de colaboração entre as professoras de
Educação Especial e de Educação Física participantes do estudo, ainda se
encontra no estágio inicial, ou seja, elas se comunicam de forma superficial e
procuram estabelecer um relacionamento profissional entre si, contudo a
comunicação é formal e não ocorre frequentemente. Assim para que se
fortaleça uma ação colaborativa entre ambas é necessário que se estabeleça
um vínculo comunicativo mais próximo e frequente.
Busca por informações e compartilhamento de informações sobre o
aluno.
Com relação à busca por informações, a professora de Educação
Física destaca que quando possui dúvidas sobre os alunos com deficiência,
recorre aos colegas de profissão. Para ela, o professor ao deter o
conhecimento terá maior facilidade em trabalhar na prática com o aluno com
deficiência de forma a não promover sua exclusão.
(...) procuro o pessoal...procuro ver o que a gente faz.
(...)Acho interessante essa questão da gente saber um
pouquinho. (...) se você já tem um conhecimento, você
pode não ter a prática dele, mas você vai adquirindo.
(PEF)
A professora da Educação Especial também costuma recorrer a sua
colega de profissão e em outros casos busca informações nos livros e
pesquisas na internet. A mesma coloca que há momentos com outros
profissionais da sua área em que pode conversar e fazer colocações sobre
suas dúvidas ou dificuldades, mas são poucos estes momentos. Conta sobre
um caso específico em que tinha dúvidas e solicitou ajuda de seus superiores
que ofereceram um curso para auxiliá-la, porém o tempo foi curto.
(...) eu tinha o L. ele era DV, e eu não sabia nada de
braile, então elas até que se propuseram me ensinar
reservaram um tempo para eu ir lá no espaço Braille
então eu ia no horário de trabalho eu ia lá aprender o
braile tem reuniões... que nem agora quinta feira a gente
vai ter uma reunião da educação especial normalmente é
colocado as dúvidas, as questões, mas não é sempre,
né...é raro esses momentos. (PEE)
Dessa forma pode-se destacar que apesar de ambas trabalharem na
perspectiva do ensino colaborativo, ou seja, trabalham como co-responsáveis
de um mesmo grupo de alunos, ambas mantêm diálogo mais frequente com
seus pares da mesma área de conhecimento.
Conforme PEF a presença do professor da área da Educação
Especial é importante no espaço escolar. A mesma relata resultado positivo de
um trabalho que realizou em parceria com a professora especialista para uma
atividade festiva da escola.
(...) a gente tem professor de educação especial...então a
gente ainda consegue! (...) a gente faz a festa Junina,
com o aluno autista e ela ia junto lá na quadra ensaiar
com a gente, foi um projeto final, a festa junina a gente fez
junto, teve integração em educação física e educação
especial! (PEF).
A experiência de trabalho citada foi realizada entre as disciplinas de
Educação Física e de Educação especial, assim é possível considerar que
existem momentos de colaboração entre os professores do ensino especial e
de Educação Física, no entanto essa situação ocorre de forma pontual e em
eventos específicos e não parece ser recorrente no cotidiano escolar.
Segundo PEE, os professores do ensino regular solicitam pouca sua
ajuda. A professora relata que os alunos com deficiências, acompanhados por
ela, frequentam as aulas somente com a sua presença. Situações como estas,
acabam por favorecer posições mais confortáveis ao professor do ensino
regular, uma vez que a responsabilidade em planejar e preparar a aula para o
aluno com deficiência acaba por ser quase que exclusivamente do professor de
ensino colaborativo.
(...) aqui, eles(alunos da educação especial) só vão
quando eu estou junto, então eles (professores) não
precisam saber de nada porque eles não ficam com a
criança (...)(PEE)
Os professores quando questionados sobre quais meios eles
utilizavam para buscar informações a fim de lidar com os desafios do trabalho
com crianças com deficiência no contexto inclusivo, ambos disseram que
recorrem com maior frequência aos colegas mais próximos, os quais
geralmente são professores da mesma área de conhecimento. Dessa forma, é
possível considerar que as relações estabelecidas entre o professor de
educação especial e de educação física, podem não estar sendo efetivos para
o estabelecimento de práticas inclusivas significativas.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao investigar as relações de parceria que se estabelecem entre um
professor de Educação Física e de Educação Especial que atuam no modelo
de ensino colaborativo é possível considerar que o estabelecimento de
relações colaborativas efetivas ainda são prejudicadas, dentre outros fatores,
pela ausência de tempo em comum entre os professores para planejamento,
reuniões e conversas sobre os alunos. Nas aulas de Educação física ainda
emerge outro desafio que se relaciona às especificidades dos conteúdos
referentes à cultura corporal de movimento e da necessidade de recursos
específicos da área de Educação Física escolar.
Assim, se faz necessário refletir sobre o papel do professor de
Educação Especial neste contexto, principalmente no que se refere à sua
atuação nas aulas de Educação Física, uma vez que este ainda que tenha os
conhecimentos relacionados às adaptações e recursos metodológicos para a
inclusão de alunos com deficiência, não dispõem de conhecimentos específicos
próprios da área de Educação Física referentes aos conteúdos da Cultura
Corporal de Movimento.
Não é possível estabelecer vínculos de parceria colaborativa caso
não tenham a possibilidade de dialogar, refletir e discutirem. Assim, para que
as práticas colaborativas ocorram é necessário que haja momentos em que os
professores possam dialogar planejar e refletir sobre estratégias a serem
utilizadas com o aluno com deficiência, e por tanto devem existir momentos de
convivência definidos dentro do ambiente escolar para que o vínculo
colaborativo se fortaleça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, C. P.; ALMEIDA, M. A.; MENDES, E. G. Ensino colaborativo: um
relato de experiência sobre o desenvolvimento de parceria colaborativa.
Revista de Educação, v. 6. N. 11, 2011.
BAPTISTA, C. R. Ação pedagógica e educação especial: a sala de
recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Rev. Bras.
Ed. Esp., Marília, v.17, p.41-58, 2011.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa; Portugal: Edições 70, Coleção:
extra coleção, 2009.
CAPELLINI, V. L. M. F. Possibilidades da colaboração entre professores do
ensino comum e especial para o processo de inclusão escolar.Tese de
doutorado, Universidade Federal de São Carlos, 2004.
GATELY, S. E.; GATELY, F. J. Understanding coteaching components.
Teaching Exceptional Children, v. 33, n. 4, p. 40-47, mar./apr. 2001
GÜNTHER, M. C. C; MOLINA NETO, V. Formação permanente de professores
de educação física na rede municipal de ensino de porto alegre: uma
abordagem etnográfica. Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, 14(1):72-84,
jan./jun. 2000.
LARSON,C. E.; LAFASTO, F.M.J. Team Work. Newbury Park, California: Sage
Publications,1989.
MENDES, E. G.; VILARONGA, C.A. R.; ZERBATTO, A. P. Ensino
colaborativo como apoio à inclusão escolar: unindo esforços entre
educação comum e especial.Edufscar: São Carlos 2015.
MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n.
37, p. 7-32, 1999.
VILARONGA, C. A. R; MENDES, E. G. Ensino colaborativo para o apoio à
inclusão escolar: práticas colaborativas entre os professores. Rev. bras.
Estud. pedagógicos, Brasília, v. 95, n. 239, p. 139-151, jan./abr. 2014.
ZERBATO, A. P.; VILARONGA, C. A. R.; MENDES, E. G; PAULINO, V. C.
Discutindo o papel do professor de educação especial na proposta de coensino em um município do interior de São Paulo. Anais do I Simpósio
Internacional de Estudos sobre a Deficiência – SEDPcD/Diversitas/USP Legal –
São Paulo, junho/2013.
¹Universidade Federal de São Carlos - Rua Sebastião Machado, n. 110, São
Carlos- SP.
² Universidade Federal de São Carlos- Rua Vereador José Mariutti Sepe, n. 04
– Jd. Cardinalli, São Carlos – SP.
Linha: 2- Fundamentos teórico-metodológicos
aprendizagem e avaliação em Educação Física
do
processo
ensino-
Download

Clique Aqui Para Abrir