II SEMINÁRIO BRASILEIRO DA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL1 Título: Desafios para a Coordenação do SAG do caju no Maranhão Área Temática: Coordenação de Cadeias Produtivas André Meloni Nassar2 Matheus Kfouri Marino3 Isadora Herrmann4 ABSTRACT The objective of this paper is to suggest the adoption of public and private strategies in improving the participation of the Maranhão State in the cashew agri-chain. Due to its high potential, Maranhão State could be producing cashews to be industrialized to reach both foreign and domestic consumers. However, the actual demand has made the coordination of economic agents and agri-chain extremely necessary. Therefore public and private agents have been challenged by the need of developing productive stages in the State´s area. The present paper not only presents these challenges, but also points out some intervention strategies for improving the production and attracting industrialization and processing stages. The proposition of intervention strategies will be presented after cashew agrichain competitiveness is analyzed. The competitiveness of cashew agri-chain is discussed in accordance with the approach of industrial organization, transactions characterization and agri-chain coordination. 1 Este paper é parte de um projeto de pesquisa desenvolvido pelo PENSA/USP para o Governo Estado do Maranhão. O estudo completo contou a participação de equipe da Gerência de Planejamento (Geplan) coordenada por Carlos Alberto Marques, Sug-Gerente de Ciência e Tecnologia. O relatório completo encontra-se disponível no site do Governo do Estado do Maranhão (www.ma.gov.br). O SAG do caju foi escolhido como objeto de estudo por meio de um seminário realizado com os agentes do Governo e da iniciativa privada antes do início do trabalho. 2 Eng. Agrônomo (ESALQ-USP), Mestre e Doutorando em Administração pela FEA-USP é pesquisador do PENSA (FIA-FEA-USP). Endereço para correspondência: Rua Ministro Godói, 657, apto. 111, São Paulo, SP, 05015-000. Fone: 11 3673-9574 / 9627-9122. [email protected] 3 Eng. Agrônomo (UNESP), Mestrando em Engenharia de Produção pela UFSCAR é pesquisador do PENSA (FIA-FEA-USP). [email protected] 4 Eng. Agrônoma (ESALQ-USP), Mestre em Administração pela FEA-USP é pesquisadora do PENSA (FIA-FEA-USP). [email protected] The final aim is to suggest pilot projects designed to be implemented in specific regions of Maranhão, being public and private agents designed to execute these, as well as, evaluate their results. 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste texto é a proposição de instrumentos de intervenção voltados a aumentar a participação do Estado do Maranhão no sistema agroindustrial do caju (SAG do Caju). O princípio fundamental deste trabalho consiste no fato de que os mercados consumidores do SAG do Caju estão fora do Maranhão mas demandam produtos e atributos específicos que podem ser ofertados por projetos privados dentro do Estado. Para atender esta demanda, faz-se necessária a coordenação dos diversos agentes do sistema, foco central do trabalho. A premissa básica é que a elevação da inserção do Maranhão no SAG do Caju, desde que proposta em projetos piloto viáveis e sustentáveis, gerará elevação de renda, novas alternativas de ocupação econômica e profissionalização empresarial do conjunto de agentes que estiverem diretamente relacionados aos projetos piloto. Sabe-se que os mercados de consumo dos produtos de caju estão fora do Maranhão mas o Estado possui grande potencial de produção e industrialização dos seus derivados. Os agentes públicos e privados, entretanto, têm alguns desafios pela frente para fazer com que as etapas produtivas se desenvolvam na região. Este texto procura apresentar esses desafios e propor ações de intervenção para que a produção passe a crescer, atraindo, no futuro, as etapas de industrialização e beneficiamento. As propostas de intervenção procuram promover melhor coordenação do sistema entre produtores e beneficiadores. Espera-se que o modelo de intervenção proposto crie novas formas de relacionamento entre o Estado e os agentes privados, eliminando a função paternalista do setor público e a função reativa do setor privado, ainda muito comum no Maranhão. Não se pretende transformar o Maranhão no maior estado produtor de caju do Brasil mas sim criar soluções viáveis e passíveis de replicação em função das oportunidades de mercado. A proposição de ações de intervenção é precedida pela análise de competitividade e de coordenação do SAG do caju. O texto está dividido em diversas seções. Na seqüência, apresenta-se a metodologia do trabalho. A seção 3 traz a delimitação do SAG e os agentes e transações que serão objeto de análise. A seção 4 2 discute a competitividade revelada do SAG. No capítulo 5 discute-se a estrutura industrial do SAG. A seção 6 traz a análise de coordenação. O capítulo 7 discute a competitividade do Estado do Maranhão e os entraves para elevação da inserção do estado no SAG do caju. Por fim, a partir da análise de coordenação do SAG propõe-se os projetos mobilizadores e ações públicas. 2. METODOLOGIA O presente capítulo apresenta os passos metodológicos utilizados na condução do estudo. 2.1. Estudo da Organização Industrial A primeira etapa do trabalho apoio-se no estudo da organização industrial do SAG do caju, em busca de três objetivos (Farina et alii, 1997; Saes & Farina, 1999; :Jank et alii, 1999): (i) Caracterizar cada agente/indústria do SAG do caju (ii) Dimensionar os mercados consumidores (iii) Identificar as oportunidades Atendendo os objetivos citas acima, o estudo da organização industrial estruturou-se da seguinte forma: a) Delimitação do SAG genérico apontando os agentes e as transações relevantes; b) Dimensionamento do mercado: tamanho dos mercados de consumo nacional e estrangeiro, fluxos de comércio e produtos substitutos e complementares c) Condições de oferta: produção doméstica e mundial e custos de produção agrícola e industrial; d) Caracterização individual dos setores componentes do SAG a partir das seguintes variáveis: padrão de concorrência, estrutura da indústria, ciclo de vida da indústria e padrões de qualidade exigidos; e) Identificação de grupos estratégicos (Farina et alii, 1997; Zylbersztajn e Farina, 1997) f) Logística de transporte (infra-estrutura e custos) g) Identificação de mercados sub-explorados e/ou inexplorados (oportunidades) 2.2. Caracterização das transações (ECT) Essa etapa do trabalho volta-se à compreensão das estruturas de governança atuais e das novas estruturas que poderão surgir para atender os mercados. Ela é 3 dedicada à uma análise descritiva das transações, identificando as ineficiências existentes. Para o desenvolvimento desta etapa, focou-se a análise das seguintes variáveis: especificidade dos ativos, assimetria informacional, incertezas e freqüência de ocorrência (Zylbersztajn, 1995, 2000). 2.3. Análise da competitividade regional O objetivo deste capítulo é determinar quais etapas e agentes integrantes do SAG do caju que estão localizados no Maranhão e se as diversas regiões do Estado apresentam nível de especialização para o desenvolvimento da cadeia de produção. A partir das análises desenvolvidas nos itens anteriores, pretende-se identificar: a) Se os segmentos e transações estão (ou deveriam estar) delimitados pela fronteira política do Estado b) Quais agentes ou etapas produtivas deveriam ser atraídos para o Estado c) Quais os fatores de competitividade regional (vantagens comparativas e competitivas) d) Quais as necessidades de capital humano, incluindo as lideranças locais presentes e) Que estruturas de apoio (ex: infra-estrutura, capacitação, etc) o Maranhão oferece 2.4. Análise de coordenação do SAG: Sub-SAG´s estritamente coordenados A partir da matriz de oportunidades resultante da análise do item anterior, procurar-se-á identificar a adequação das estruturas de governança existentes e as necessárias para atender estas oportunidades. Esta análise será traduzida em projetospiloto viáveis para implementação recomendados ao Governo do Estado do Maranhão e os agentes privados locais (Zylbersztajn, 2000). 3. ESTRUTURA DO SAG DO CAJU5: DELIMITAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS TRANSAÇÕES Na delimitação de um sistema agroindustrial são apresentadas as diferentes indústrias/setores que estão integrados ao sistema, apontadas as transações relevantes e definidas as fronteiras do SAG. Um sistema agroindustrial típico é definido da indústria de insumos até os consumidores finais (Zylbersztajn, 1995). Para o SAG do caju, foram definidos os seguintes agentes (figura 1): 4 FIGURA 1. DELIMITAÇÃO DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL DO CAJU Mercado Interno Mercado Externo Distribuição Varejista Importador T1 Trade Brokerr T4 T3 Segundo Processamento T2 T7 Bosques Naturais Indústria de suco Plantios Comerciais T5 Indústria de polpa T6 T8 T12 T9 Outras indústrias Fruto in natura Indústria de ração T10 T11 Atravessador Insumos Alimentação animal Primeiro Processamento T13 Viveiros de Mudas Fonte: Pensa - Indústria de insumos: produção de mudas6, máquinas, fertilizantes e defensivos para os plantios comerciais. Note que apenas a produção de mudas é um segmento específico do caju. Em relação aos bosques naturais, considerou-se que não há aplicação de insumos. - Produção agrícola e extrativismo, considerando que faz parte desse setor toda a atividade de coleta de caju no solo e colheita no pé. - Corretores, que inclui todos os intermediários de castanha. Excluindo as áreas de produção própria da indústria de castanha e casos esporádicos de venda direta, esse setor é responsável por toda comercialização de castanha. A comercialização do pedúnculo geralmente é feita por venda direta para a indústria, embora existam corretores que também atuem nesse segmento. - Indústria de beneficiamento/processamento. Esse setor se divide em três grupos estratégicos: beneficiamento de castanha, incluindo o corte e a torra, processamento 5 A base conceitual deste capítulo encontra-se em Farina, et alii (1997) Embora faça parte do SAG do caju, as indústrias de máquinas para beneficiamento do castanha e do pedúnculo não foram incluídas na análise porque a tecnologia é conhecida e disponível não sendo um impeditivo para o desenvolvimento do sistema. Caso fosse identificado que a tecnologia de processamento era um problema de coordenação, a análise da estrutura dessa indústria teria sido feita. 6 5 do pedúnculo para suco/polpa de caju, doces, alimentos à base de caju, etc e a indústria que atua na comercialização do fruto de mesa. A indústria de corte de castanha está focada no mercado externo, ao passo que as demais atuam no mercado interno. - Distribuição varejista com destaque para os supermercados no mercado interno e externo. - Consumidores nacionais e internacionais. As transações mais relevantes para este estudo são as relações entre a produção agrícola e o setor industrial e deste com os agentes compradores internacionais. Já nas transações entre a indústria e o mercado internacional, deve-se analisar os canais de distribuição hoje vigentes para a amêndoa de castanha de caju (ACC). O canal de distribuição no mercado internacional é composto pelos seguintes agentes: - Broker ou trader localizado no Brasil ou nos países de destino - Importador - Torrefadores - Varejistas: supermercados e pequeno varejo - Consumidores industriais 4. COMPETITIVIDADE REVELADA: DIMENSIONAMENTO DOS MERCADOS DE CONSUMO O mercado internacional para os produtos do cajueiro está estruturado ao redor dos derivados da castanha de caju, que é amêndoa de castanha de caju (ACC) e os derivados do pedúnculo, do qual se faz suco e diversos tipos de doces e bebidas. Não há mercados abertos para os derivados do pedúnculo embora existam registros de exportações brasileiras de suco de caju. - São transacionados dois tipos de produtos: castanha de caju e amêndoa de castanha de caju (ACC). O beneficiamento final da ACC, que é a torra, salga e embalagem, é realizada nos países de destino, sendo que o mercado internacional do produto pronto é residual. O Brasil, por exemplo, exporta amêndoa pronta para consumo para os países do Mercosul em pequenas quantidades. Os países produtores são também consumidores mas os mercados mais dinâmicos e rentáveis estão nos países de mais alta renda per capita. O mercado consumidor divide-se entre os países produtores e consumidores e aqueles 6 exclusivamente consumidores. No primeiro mercado, estão Índia, Brasil e alguns países africanos (Moçambique, Tanzânia e Quênia) (Paula Pessoa at alii, 1995), embora o caju seja aproveitado integralmente, o consumo tem pouca expressão econômica. No segundo mercado, o consumo está dirigido para a amêndoa de caju. Este mercado, estimado em US$ 670 milhões no fluxo de transações internacionais (Fao, 2000), tem grande importância econômica e garante a remuneração dos países produtores. Em outras palavras, todos os países produtores estão orientados para o mercado internacional de ACC, deixando à margem o mercado doméstico de castanha e pedúnculo. Não há dados exatos sobre o consumo mundial de amêndoa de caju mas os fluxos de comércio podem ser usados como referência. As importações mundiais de ACC foram de 147,5 mil toneladas em 1998 e seguem com tendência de crescimento. Dentre os mercados consumidores, destacam-se os Estados Unidos e União Européia detendo 78% do total em 1998. O restante divide-se entre Austrália, Japão, Canadá, China e Singapura (gráfico 17). GRÁFICO 1. IMPORTAÇÕES MUNDIAIS DE AMÊNDOA DE CASTANHA DE CAJU (TONELADAS) 160.000 140.000 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 90 91 92 93 94 95 96 97 EUA UE Austrália Japão Canadá China Singapura Outros 98 Fonte: Fao e Iplance 7 No gráfico acima foi descontado do total das importações mundiais o volume importado pela Holanda e exportado dentro da União Européia. Por isso, os volumes da União Européia e do total mundial estão abaixo da estimativa pela Fao. 7 Pelo gráfico observa-se que o tamanho do mercado é crescente mas as participações dos importadores muda ao longo do tempo. Enquanto os EUA seguem com volumes importados constantes, levando à queda na participação de mercado, UE, Austrália, China e Singapura apresentam crescimento. A posição do Brasil no mercado internacional deve ser analisada em relação aos seus concorrentes, que são os países produtores e exportadores. O gráfico 2 apresenta as exportações dos três países mais importantes. Observa-se que o volume total eqüivale a 85% do total transacionado. Apenas Moçambique vem perdendo participação de mercado. A Índia é o maior exportador mundial detendo pouco mais de 60% das exportações mundiais e o Brasil vem em segundo lugar com 30-35%. GRÁFICO 2. EXPORTAÇÕES DE ACC: PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES PRODUTORES 98 97 96 95 94 93 92 91 90 0% 10% 90 91 20% 30% 92 93 40% 94 50% 95 60% 96 70% 97 80% 98 Moçambique 5% 5% 5% 2% 5% 5% 3% 3% 3% Brasil 33% 32% 37% 30% 22% 30% 35% 34% 30% Índia 61% 63% 57% 68% 73% 66% 62% 62% 66% Fonte: Fao e Iplance Além das diferenças nos processos de beneficiamento da castanha, os posicionamentos estratégicos do Brasil e da Índia nas exportações são distintos. A Índia necessita importar castanha in natura porque sua produção é insuficiente para atender suas exportações. A produção indiana atende cerca de 50% de sua demanda 8 exportadora, considerando uma produção de 150 mil toneladas de castanha e um equivalente castanha nas exportações de 300 mil toneladas8. Enquanto a Índia detém 52% das importações dos EUA e 59% das importações da UE, o Brasil tem participação de 28% nos EUA e 7% na UE (tabela 1). Apesar do Brasil não estar perdendo participação no mercado internacional, a Índia tem sido mais dinâmica em suas estratégias no comércio internacional. As empresas indianas contam também com apoio de organizações de promoção junto ao mercado internacional, destacando-se o Cashew Export Promotion Council of India, órgão especializado na promoção das exportações de derivados de castanha de caju9. TABELA 1. EXPORTAÇÕES BRASILEIRA E INDIANAS PARA EUA E UE Total (ton.) 1 Brasil (ton.) 2 Índia (ton.) 2 Participação Brasil (%) Participação Índia (%) EUA 64.405 18.241 33.631 28% 52% UE 41.832 2.752 24.678 7% 59% 1 Dados de 1998, sendo que para a UE foi excluído o comércio intra bloco Dados de 1999 Fonte: Fao, Secex, CEPC e Imports Commodity Report 2 5. ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL 5.1. Consumidor Os três mercados relevantes definidos têm características peculiares e não podem ser analisados em conjunto. Dadas as especificidades de cada um deles e os diferentes atributos procurados pelos consumidores, o sistema agroindustrial do caju dividide-se em três sub-sistemas estratégicos entre a produção rural e o consumidor final. Foram definidos como mercados relevantes: amêndoa de caju, integrada ao mercado de nozes para snacks/aperitivos e sobremesas (chocolates, sorvetes, etc), suco de caju, integrado ao mercado de sucos naturais e caju in natura. Convencionou-se chamar o mercado de castanha em mercado de nozes ou amêndoas. O mercado relevante da amêndoa de caju é o de nozes para snacks (aperitivos) e sobremesas (chocolates, sorvetes, etc). Além da ACC, compõem também esse mercado: amendoim, noz comum, pecam, castanha do Pará, avelã, amêndoa, 8 As exportações indianas de ACC são de 75 mil toneladas anuais, o que eqüivale a 300 mil toneladas de castanha de caju utilizando coeficiente de 0,25 kg de ACC para cada 1 kg de castanha de caju. 9 Um detalhemento das ações do CEPC of India poderá ser obtido no site http://www.cashewindia.com/. 9 pistache e macadâmia. Estima-se que 60% das amêndoas no mundo sejam consumidas como aperitivos e o restante vai para a indústria de doces e panificação (Nomisma, 1994, citado por Lopes Neto, 1997). O mercado de aperitivos é composto por diversos tipos de produtos, sendo que as nozes são um dos componentes. Além das nozes fazem parte desse mercado doces/chocolates, biscoitos, frutas secas e snacks típicos (batatas chips, pipoca, etc.). Esse mercado representava 15 bilhões de dólares em 1990 nos EUA (Cohen, 1991), sendo que as nozes detinham 6% do total das vendas. Dentro do mercado de aperitivos, a concorrência se dá entre as nozes e os demais tipos de produtos. As empresas precisam oferecer todos os tipos de nozes e investir muito em propaganda e inovação de produto. As nozes são consideradas bens de luxo e não são percebidas pelo mercado como produtos nutritivos. Nesse sentido, sua demanda existe apenas nas classes de alta renda. No mercado de nozes, os amendoins são líderes com quase 53% das vendas nos EUA (Wold, 1992)10, seguido dos mixes de nozes com 21,4%. A amêndoa de caju detinha 12,1% desse mercado, sem contar com o produto vendido no mix de nozes. A concorrência entre as nozes é menos relevante do que a necessidade de ampliação de seu mercado total. A amêndoa de castanha de caju e a castanha do Pará têm um diferencial em relação às demais nozes, que são consideradas “nozes temperadas” (Gunnerod, 1994), e que têm hábito de consumo, nos países do hemisfério norte, associado às épocas frias do ano. As castanhas, por serem produtos de origem tropical, escapam desse grupo. Por outro lado, o consumo de castanha não consegue crescer sozinho, sem que haja expansão do mercado de nozes. A tabela 2 abaixo sintetiza as características do mercado de consumo: 10 O amendoim não é uma noz mas está considerado nesse mercado porque o hábito de consumo, torrado e salgado, é o mesmo das nozes típicas. O produto é o regulador de preço porque é o de menor custo (Lopes Neto, 1997). 10 TABELA 2. CARACTERÍSTICAS DOS MERCADOS CONSUMIDORES DE DERIVADOS DE CAJU Produto/Mer Mercado de Consumo cado Relevante Atributos Valorizados Amêndoa de Internacional: EUA, Tamanho caju/Snacks União Européia, Integridade e aperitivos Japão, Canadá, China Coloração e Austrália Amêndoa de caju/Sobrem esas e doces Suco de caju/Bebidas Naturais Nacional: grandes Integridade cidades Coloração Internacional: idem Sabor item anterior Coloração Nacional Nacional: grandes Conveniência cidades Sabor Coloração Fruto in Nacional: natura/Sobre cidades mesas Fonte: Pensa grandes Sabor Coloração Tamanho Características Especificida de do caju para o consumidor Composto em mixes com outras Alta amêndoas / puras EUA: menor exigência em coloração UE: maior exigência em sanidade Grande dificuldade para segmentar o produto brasileiro Vendido à granel ou embalado com Alta ou sem visualização do produto Conjugação do sabor da amêndoa Baixa com outros produtos: chocolates e sorvetes Mercado migrando para sucos Média prontos para consumo É o primeiro suco mais consumido no Brasil depois da laranja O caju avermelhado é preferido em Média relação ao amarelado No mercado internacional de amêndoa, os produtores mundiais, incluindo o Brasil, atuam como fornecedores do produto que será processado para consumo final no país de destino. Se o destino do produto for o mercado de aperitivos, a amêndoa passa por torra e salga. Se o destino for para chocolates e sobremesas, a amêndoa á quebrada e utilizada in natura ou torrada. Não se sabe da existência de comércio internacional para produtos prontos e embalados. As barreiras à entrada impostas pelas indústria de torrefação nos países de destino são grandes, especialmente pelos investimentos em marca e na logística de suprimento para aquisição das diferentes amêndoas que compõem os mixes. Os torrefadores, no país de destino, adquirem a ACC, torram e embalam juntamente com outras amêndoas. Os torrefadores compõem os mixes levando em conta as preferências dos consumidores e os preços relativos das amêndoas (Leite, 1994). Um disparada de preço da ACC não acompanhada pelas outras amêndoas, por exemplo, faz com que os torrefadores diminuam a proporção do caju no mix. O mercado de suco passa por mudanças importantes especialmente na forma de consumo do produto final. Embora tenha um apelo de mercado forte pois são produtos naturais, o suco de caju ainda enfrenta problemas junto ao consumidor por sua adstringência. Além disso, é um produto ainda comercializado engarrafado, não pronto para beber. 11 O mercado para o fruto in natura passa por processo de desenvolvimento. Dada a alta perecibilidade do pedúnculo, ele precisa ser transportado resfriado e consumido rapidamente (no máximo 15 dias após colheita). É um mercado crescente para produtos grandes, avermelhados e pouco adstringentes. A ACC e o fruto in natura podem ser considerados produtos de luxo voltados às pessoas de alta renda. São produtos de custo unitário alto e com alta elasticidade renda11. 5.2. Indústria de Processamento Apesar da indústria de processamento de cada sub-sistema ter características próprias, todas enfrentam o mesmo problema: sazonalidade de produção. Na indústria de suco esse é um aspecto mais grave pois só há oferta de pedúndulo de caju ao redor de 4 meses por ano. A indústria de comercialização do fruto in natura também sofre esse problema mas o capital imobilizado é menor quando comparado à indústria de suco tendo em vista que o processamento se resume a refrigerar o produto. Na indústria de castanha, todas as empresas precisam carregar grandes estoques em volumes para 6 meses de consumo. Todas fizeram pesados investimentos em equipamentos para secagem e estocagem da castanha (Paula Pessoa at alii, 1999). A indústria de processamento de castanha de caju está localizada no Nordeste brasileiro, especialmente predominando no Ceará. Há empresas de grande porte no Rio Grande do Norte e Piauí e diversas empresas de pequeno porte, nesse caso presentes também no Maranhão. É uma indústria construída a partir de incentivos fiscais iniciados dos anos 60 depois da criação da SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste)12. Os últimos levantamentos sobre a capacidade de processamento de castanha de caju datam do final da década de 80. O número obtido, ao redor de 285 mil toneladas/ano, é utilizado até hoje como correto (Leite, 1994 e Oliveira, 1992). Naquela data estimou-se a ociosidade em 54% ao longo do ano, incluindo o período de entressafra (Leite, 1994). O custo industrial de um empresa de grande porte é estimado em R$ 2,4 a 2,8/kg de amêndoa produzida, exclusive matéria prima (Almeida e Soares, 1996). Os custos de 11 São poucos os estudos que estimam a elasticidade renda pelos produtos do caju. Esta é uma conclusão tirada a partir da análise qualitativa de cada mercado. 12 Todo o processo da disponibilização dos incentivos fiscais à industrialização e produção de caju estão muito bem documentos em diversos estudos de Leite (1994), Lopes Neto (1997), Oliveira (1992). 12 processamento de castanha de uma indústria de pequena escala variam de R$ 3,6 a 3,8/kg de amêndoa produzida exclusiva matéria prima (no valor inferior foram retirados os impostos e custos financeiros de estocagem) (Embrapa, 1996). Os custos de processamento na unidade produtiva foram estimados em R$ 3,5/kg de amêndoa produzida exclusive castanha (Associação de Apoio das Comunidades do Campo, 1997). As empresas de grande porte são mais competitivas em custo e o mercado remunera de forma homogênea a amêndoa produzida. 5.3. Produção Rural O cultivo de caju no Brasil foi estimulado para um propósito: ofertar matéria prima para uma indústria de processamento de castanha e pedúnculo em expansão a partir dos anos 60. Diversos mecanismos de apoio governamental foram colocados à disposição dos produtores e dos industriais. Foram esses mecanismos que permitiram a parcial verticalização hoje existente entre produção e processamento (Leite, 1994, Oliveira, 1992). A indústria de castanha desenvolveu-se mais rapidamente do que a processamento do pedúnculo, tornando este um produto secundário para os agricultores. Os cajuais hoje existentes estão espalhados por todo o Nordeste mas, em grande parte, concentrado nos Estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Os cajuais são de dois tipos: (i) Bosques naturais, plantações desordenadas para fins de reflorestamento, sem qualquer trato cultural. (ii) Cultivo, de cajueiro anão precoce (enxertado ou não) e de cajueiro gigante (nativo). A grande maioria dessas plantações foi financiada pelos programas da Sudene, por meio do Finor (Fundo de Investimento do Nordeste) e por recursos para reflorestamento pelo extinto IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) por meio do Fiset (Fundo de Investimento Setorial) (Lopes Neto, 1997 e Leite, 1994). Não se sabe ao certo quanto hectares de caju existem plantados e em bosques naturais. Os dados do IBGE apontam para mais de 500 mil ha a partir do levantamento da área colhida de castanha de caju13. Pelos dados do Censo Agropecuário 1995/96, a área colhida foi de 493 mil ha. O mesmo dado do Censo referente à produção de pedúnculo de caju aponta para uma área colhida de 145 mil ha. 13 A diversidade é muito grande nessas áreas. Alguns estudos mostram que os plantios no Ceará estão apresentando rendimentos em queda e não recebem tratos culturais (Paula Pessoa, 1997 e Oliveira, 1992). Os dados do IBGE mostram que o rendimento está em queda nesse Estado, que ainda produz mais de 50% da castanha brasileira, mas segue ascendente no Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Maranhão. Os dados do Censo apontam para uma produção de castanha da ordem de 156 mil toneladas. Os dados da evolução da produção de castanha dos últimos 10 anos mostram que os volumes oscilam fortemente de ano para ano. Uma das explicações está relacionada à problemas climáticos que podem levar a queda no rendimento dos cajueiros de ano para ano. Apesar dessa explicação ser correta, e os dados de produtividade regional corroboram-na, a causa das oscilações na produção está mais relacionada a fatores econômicos do que tecnológicos. O produtor da caju, com exceção daqueles que são industriais também, segue os estímulos de preços. Tendo em vista que a maioria deles recolhe o caju do chão, essa atividade se dá com mais ou menos intensidade em função de outras atividades agrícolas, os sinais de preços enviados pelos intermediários no início da safra e condições de financiamento oferecidos pelo mercado. Em outras palavras, se os intermediários estiverem descapitalizados, sem capacidade de adiantar o pagamento, mesmo que os cajueiros tenham produzido bem, essa produção não é absorvida pelo mercado. A produção, assim, é mais determinada pelas condições de preço do que pelos problemas climáticos. 6. ANÁLISE DE COORDENAÇÃO O ambiente competitivo da indústria de processamento de castanha se dá no mercado internacional porque grande parcela da produção é destinada ao exterior. O que se verificou, entretanto, é que não há concorrência de fato nessa indústria. O mercado internacional é comprador e, desde que as amêndoas estejam em conformidade com as normas sanitárias, este absorve todos os produtos independentemente de sua classificação. Há preços alinhados com a classificação e estes remuneram melhor as amêndoas inteiras, alvas e grandes. Vantagens competitivas podem ser obtidas por ganhos no rendimento industrial, ou pela maior participação de ACC inteiras no mix final da empresa. 13 Dados da produção agrícola municipal. 14 Os contratos formais existentes nesse mercado são as cartas de crédito emitidas para cada transação mas torna-se cada vez mais comum o importador financiar o exportador. Esse financiamento equivale ao adiantamento de recurso, mais praticado na época de formação de estoques dos exportadores brasileiros. Nesse mercado a concorrência se dá por preço e os ganhos dos processadores elevam se eles são capazes de ofertar os produtos mais valorizados. Embora não exista uma bolsa internacional, a ACC é uma commodity que tem seus preços formados pelos importadores. O preço FOB de exportação no Brasil é um desconto de frete e seguro até o porto de entrada no país importador. As exportações são feitas FOB e as cotações variam dia a dia. Esse padrão de concorrência se replica em todo o sub-sistema da castanha de caju até o produtor, proporcionando baixo incentivo para melhoria de qualidade. O padrão de concorrência no suprimento de castanha também é preço, com os patamares variando em função da classificação da matéria prima. A castanha é classificada por seu tamanho e a umidade é utilizada como critério mínimo de aceitação. Embora a concorrência seja via preço e a indústria tenha capacidade ociosa, as empresas não competem entre si por matéria prima na safra. Em primeiro lugar porque todas elas, com exceção da Iracema14, possuem plantios próprios de caju. O nível de verticalização varia sensivelmente de 10% a 50% de fornecimento próprio de sua demanda15. Em segundo lugar porque as empresas estabelecem contratos informais com intermediários adiantando recurso no início da safra. Geralmente são esses intermediários que estabelecem a competição de preço entre si, especialmente no final da safra. A indústria de suco é formada por dois perfis de empresas: os processadores e envasadores e os processadores e produtores de polpa. Para ambos o caju é um dos componentes de seu portfólio. O mercado de polpa ocupa os canais de distribuição das refeições fora do lar, ao passo que o mercado de suco para beber segue os canais de consumo direto via supermercados. O suco de caju tem perdido mercado para outras frutas, em especial as de clima temperado. Pode-se dizer que o mercado total de suco deverá crescer mas o crescimento do consumo de caju para suco será menos do que proporcional. Em outras palavras, o caju perderá participação de mercado. O caju é mais perecível do que as demais frutas para sucos. 14 15 A Iracema é a única empresa de capital internacional. Sua proprietária é a empresa Nabisco. Dado obtido nas entrevistas realizadas. 15 A indústria de esmagamento do fruto precisa estar próxima às áreas de plantio porque o pedúnculo colhido e separado da castanha precisa chegar em até 24 horas para esmagamento. As indústrias hoje compram diretamente do produtor ou compram polpas congeladas de extratoras de sucos. A restrita mobilidade em termos de regiões e alta perecibilidade do pedúnculo obrigam as empresas a formarem grandes estoques de suco concentrado sendo obrigadas a comprar em 4 meses todo o volume de pedúnculo para produzir suco por um ano. Na entressafra do caju, apenas as máquinas de envase estão em operação enquanto as de esmagamento seguem paradas. O desenvolvimento das tecnologias de resfriamento do pedúnculo poderiam minimizar os efeitos da sazonalidade. Não pela armazenagem de pedúnculo mas elevando a capacidade de aquisição em diferentes regiões ampliando o período da safra16. Atualmente essa não é uma solução viável dado o alto custo. O desenvolvimento genético do cajueiro também reduz o problema da sazonalidade. Essa indústria é muito exigente em qualidade, tanto no seu processo de produção quanto no suprimento de matéria prima. Enfrentam problemas em obter pedúnculos de boa qualidade porque os plantios tem maior densidade de cajueiros gigantes e os produtores recolhem o caju do chão. O ideal para essas empresas é se fornecerem de pomares de caju anão precoce pois permite o recolhimento do fruto no pé, já em seu ponto de maturação ideal. Vale lembrar que essa indústria já satisfaz a demanda brasileira e, mesmo assim, consome uma pequena parte do pedúnculo produzido. Esse mercado não é, portanto, dinâmico e com possibilidade de grande crescimento. A tabela 3 apresenta o ambiente competitivo na indústria de processamento de caju. TABELA 3. AMBIENTE COMPETITIVO E PADRÃO DE CONCORRÊNCIA NO PROCESSAMENTO DE CAJU Indústria de Mercado de processamento consumo Amêndoa de Internacional caju Nacional Amêndoa de Internacional Variável de Estratégia da firma concorrência Preço Elevação de market share Padronização Elevação das ACC de alto padrão no mix de produto Abertura de novos mercados Preço Marca Promoção Qualidade Investimento em promoção do produto e marca Ações para elevar o consumo per capita de ACC Obtenção de certificação internacional 16 Esse item será desenvolvido em maior detalhe posteriormente mas a safra de caju segue o calendário das chuvas. As primeiras regiões a produzirem são o Cerrado e o Maranhão e os últimos são os estados da costa nordeste do país (Paraíba). 16 caju orgânica Suco de caju Nacional Marca Suco de caju Internacional Qualidade Fruto in natura Nacional Qualidade Exportações em conjunto para elevar escala Desenvolvimento de parcerias com indústrias de grande porte exportadoras Investimento em promoção do produto e marca Desenvolvimento de novos produtos Abertura de novos mercados Investimento em pesquisa e desenvolvimento Gestão de cadeia de refrigeração Desenvolvimento de parcerias com atacadistas e supermercados Fonte: PENSA Verifica-se elevada especificidade dos ativos nas relações, e certo grau de incerteza, demonstrando que a simples transação via mercado é insuficiente para disciplinar o relacionamento dos agentes. Diante do relatado, procura-se questionar as estruturas observadas sinalizando possíveis arranjos esperados em função dos problemas gerados. A próxima tabela exibe os principais pontos abordados: TABELA 4. Principais problemas existentes em virtude das estruturas observadas e sinalização dos arranjos esperados na relações do SAG do caju Transação Estrutura Observada Estrutura Esperada Problema Observado T1 Importador/ Trader Mercado Mercado T2 Trader/ 1º processamento Mercado Mercado T3 2º processamento/ varejista interno T4 Suco/ Varejista interno T5 Polpa/ Varejista interno Integração Vertical Contratos Mercado Mercado Mercado Contratos Baixos índices de amêndoa de alto padrão Elevado risco devido as oscilações nas cotações internacionais e no suprimento de matéria-prima Classificação brasileiros diferente da mundial Baixos índices de amêndoa de alto padrão Elevado risco devido as oscilações nas cotações internacionais e no suprimento de matéria-prima. Elevada assimetria informacional, não incorporando as tendências do mercado nos produtos Baixo desenvolvimento tecnológico Elevada integração vertical Inexistência de contratos que garantam a freqüência e o volume de fornecimento dentro dos padrões da empresa Não acompanha as tendências do mercado em busca de conveniência Baixa qualidade dos produtos Baixos incentivos para investimentos em infra-estrutura para o transporte de perecíveis Baixa qualidade dos produtos Dispersão geográficas dos agentes Inexistência de mecanismos que garantam a qualidade (certificados) Incertezas na garantia de suprimento ao longo do ano Baixo desenvolvimento tecnológico Desperdício de grande volume de pedúnculo Mercado potencial inexplorado 17 T6 Polpa/Suco Mercado Contratos T7 1º processamento/ 2º processamento T8 1º processamento/ suco Mercado Contratos Integração Vertical Contratos T9 1º processamento/ polpa Integração Vertical Contratos T10 1º processamento/ fruto in natura T11 Atravessador/ 1º processamento Mercado Mercado Mercado Merado T12 Produção/ Atravessador Mercado Mercado T13 Produção/ 1º processamento Mercado Contratos Baixos incentivos para investimentos em infra-estrutura para o transporte de perecíveis Baixa qualidade dos produtos Inexistência de mecanismos que garantam a qualidade (certificados) Incertezas na garantia de suprimento ao longo do ano Baixo desenvolvimento tecnológico Baixa especialização na atividade Baixa incorporação das tendências de consumo Baixa garantia de suprimento no tempo a preços estáveis Mercado pouco atrativo, residual do internacional Pouco incentivo para a especialização de novas variedades Baixos investimentos especializados na colheita e no transporte Indução para Integração Vertical Pouco aproveitamento do pedúnculo Pouco incentivo para a especialização de novas variedades Baixos investimentos especializados na colheita e no transporte Indução para Integração Vertical Pouco aproveitamento do pedúnculo Baixa garantia de qualidade e freqüência Mercado potencial inexplorado Necessidade de abertura de mercado Atravessadores agregam custo para o sistema (Margem), dificultam o fluxo da informação entre o produtor e a indústria, entretanto, desempenham alguns serviços, como aglutinação da oferta de caju, estocagem e conhecimento dos ofertantes regionalmente, evitando a integração vertical da indústria. Atravessadores agregam custo para o sistema (Margem), dificultam o fluxo da informação entre o produtor e a indústria, entretanto, desempenham alguns serviços, como aglutinação da oferta de caju, estocagem e conhecimento dos ofertantes regionalmente, evitando a integração vertical da indústria. Elevados custos de transação Baixa qualidade e padrãodos produtos ofertados Má distribuição dos riscos Assimetria informacional Falta de incentivos para o investimento em tecnologia já desenvolvidas Dificuldade de financiamento Regularização da freqüência Fica evidente a predominância do mercado como estrutura de governança observada, evidenciando a falta de coordenação do sistema. A baixa qualidade dos produtos, a falta de garantia de suprimento ao longo do ano, a presença de intermediários, os elevados custos de transação e a sinalização de mercados potenciais inexplorados são conseqüências da falta de coordenação entre os agentes do sistema. Contratos de longo prazo poderiam reduzir os riscos, garantir os atributos exigidos pelos clientes, com freqüência de fornecimento no tempo, substituindo os 18 intermediários e reduzindo os entraves do sistema. A coordenação poderá se dar por sub-sistemas estritamente coordenados. Apesar da indústria de castanha atuar principalmente no mercado internacional, a formação dos preços aos produtores ocorre quase que de forma independente, ficando sujeita à estratégia do mercado de intermediários. A priori, a existência de uma indústria de intermediação não é sinônimo de ineficiência. O industrial fica espremido entre as cotações internacionais e os preços impostos pelos atravessadores, que muitas vezes não caminham juntos. A dispersão dos produtores em termos locacionais e de escala implica na necessidade de agentes que agreguem a produção e arquem com os custos transacionais de negociação e de transporte da castanha. O problema desse sistema, baseado exclusivamente no mercado e renegociador de preços a cada transação, é que ele não provê os incentivos necessários para que o produtor invista no seu negócio. O sistema de comercialização na castanha de caju tende a inibir a iniciativa de produtores que queiram especializar-se no negócio, adotando tecnologia de produção e que pretendam ter na castanha fonte de renda. Em outras palavras, a atividade castanha de caju não remunera os investimentos necessários para a formação de áreas de caju em sistemas especializados. As estruturas de governança vigentes entre produtores-atravessdores-industriais são perfeitamente adaptadas para um produto de baixa especificadade, oriundo de investimentos com baixo custo de oportunidade do capital. Já nos sistemas especializados, o produto castanha e o capital investido ganham especificidade para o produtor que passa a exigir um sistema de incentivos na relação com seu cliente. Isso é impossível de ser feito no padrão atual. Disso decorre que qualquer iniciativa de expandir a produção de caju do Maranhão, em sistemas especializados, implica na necessidade de desenvolvimento de novos padrões de relacionamento entre produtor-indústria, mesmo que a indústria seja a já existente no Ceará. Será preciso desenvolver novos canais de suprimento, que premeiem volume e qualidade para que este novo produtor seja remunerado. 7. COMPETITIVIDADE REGIONAL: INSERÇÃO DO MARANHÃO O desafio para o Maranhão incrementar seu acoplamento no SAG do Caju é elevar a área cultivada e a produção de caju do estado em um sistema produtivo de plantios organizados, com mudas selecionadas para, no médio prazo, oferecer castanha para a indústria cearense e, no longo prazo, ofertar o pseudofruto inteiro ao mercado e 19 fornecer polpa de caju para as empresas de envase de suco. O crescimento da produção viabilizará indústrias de beneficiamento maranhenses de pequeno porte, em sistemas manuais ou semi-mecanizados se a produção for certificada como orgânica por organismos internacionais. A partir da análise dos mercados consumidores dos produtos derivados de caju, desenvolveu-se a matriz de oportunidades para o Maranhão. A síntese das idéias encontra-se na tabela 5: TABELA 5. MATRIZ DE OPORTUNIDADES PARA O MARANHÃO Produto Amêndoa caju Inserção do Maranhão de Fornecedor de matéria prima Fatores limitantes Pesquisa Remuneração do capital investido Preços (canal de comercialização tradicional) Distância das indústrias Amêndoa de Fornecedor de matéria caju orgânica processador e exportador prima, Pesquisa Pequenas escalas Coordenação da ação coletiva dos produtores Pesquisa Remuneração do capital investido Distâncias das indústrias Distância dos centros de consumo Canais de distribuição Remuneração do capital investido Condições climáticas Pedúnculo caju de Fornecedor de matéria prima Pré-processador de polpa Fruto in natura Produtor e distribuidor Fonte: PENSA Os projetos piloto deveriam decorrer naturalmente da tabela acima mas algumas considerações precisam ser colocadas a respeito da cajucultura no Maranhão. A primeira delas é a pequena área plantada da cultura no estado. O Maranhão detém 2% da área colhida de castanha do Brasil e 3% da produção brasileira. Esse volume representa 5,8% da capacidade instalada da maior empresa de beneficiamento de castanha e 1,4% da capacidade de processamento no Ceará. Essa quantidade produzida, por si só, mantém os produtores do estado em situação marginal no SAG. A segunda observação refere-se à necessidade de pesquisa de campo. Estima-se que o Maranhão possuam 50 mil ha de cajueiro, sendo 7 mil ha de cajueiro anão precoce, enxertado ou não (Lima et alii, 1999)17. Não existem no Maranhão trabalhos de campo avaliando o potencial produtivo em termos de castanha e pedúnculo dessas regiões de cajueiro anão. O estudo mais detalhado foi feito pela Embrapa com a 20 participação dos técnicos da Geplan para avaliar a aptidão agrícola das terras cultivadas com cajueiro no Maranhão (Lima et alii, 1999). Mas não foi realizado uma avaliação dos pés em produção. Não se sabe, por exemplo, a produtividade desses plantios e se as características da castanha e do pedúnculo18. A terceira consideração é a questão do custo de oportunidade do capital. Só ocorrerão investimentos em plantios de caju no Maranhão se a atividade remunerar o capital investido. A atividade de produção de caju no Maranhão ainda é insipiente, em pequeno volume e realizada em padrões pouco comerciais. A inserção do estado passa pelo estímulo a novos plantios em padrões comerciais de cajueiro anão precoce enxertado. Essa atividade exige capital para investimento que começa na formação dos jardins clonais para produção das mudas19, passa pelo plantio das mudas e pelo tempo de três anos para começar a produzir. Considerando que, em um primeiro momento, a colheita de castanha será a única fonte de recurso, essa atividade deve ser capaz de remunerar o capital investido pelo produtor. Cabe ao investidor decidir se uma atividade econômica remunera ou não o investimento realizado mas, de antemão, constatou-se que a estrutura de formação dos preços da castanha não oferece os incentivos necessários para novos investidores. Para que um novo padrão de produção de caju surja, no Maranhão, a estrutura de governança na transação produtor-indústria deve ser diferente do mercado puro como hoje vige20. Para um produtor especializado e comercial de caju, seja de grande ou pequena escala, o produto caju e sua atividade ganham especificidade. Para o industrial, uma castanha classificada e de padrão homogêneo também torna-se mais específica. Daí porque essa transação tem atributos diferentes e exige o desenvolvimento de nova estrutura do governança. Para isso é preciso desenvolver novos canais de 17 Os dados do IBGE mensuram a área plantada e colhida de castanha mas não o estoque em área de cajueiros. Os valores obtidos pelo IBGE, no Censo e na Pesquisa Agrícola Municipal, são inferiores porque não são estimados a partir do total de área plantada de cajueiros no Maranhão. 18 Apesar das condições de pluviometria do Maranhão não prejudicarem a fecundação dos pés, a maior umidade do estado pode prejudicar o pedúnculo favorecendo o desenvolvimento de antracnose. Se isto de fato ocorrer, o aproveitamento do pedúnculo para suco e fruto in natura terá sérias restrições nas regiões mais úmidas do Maranhão. 19 Hoje é muito caro comprar mudas no mercado porque a Embrapa tem capacidade limitada de produção, seu concorrente, a Vildan ainda é pouco conhecida no mercado e o transporte das mudas tem alto custo. Os produtores que optaram por produzir em grande escala, como a Itauera, tiveram que estruturar seus próprios jardins clonais. 20 Paula Pessoa, a partir de dados da Embrapa, estima que a taxa interna de retorno de um projeto de investimento em cajueiro anão precoce em condições de sequeiro seja de 5% ao ano na exploração da castanha, por um período de 20 anos. Se for acrescida a receita da venda do pedúnculo para indústria de suco, a taxa se eleva para 8%. A taxa seria de 8% na exploração da castanha em cajueiro anão irrigado. 21 comercialização do produto, aproximando o produtor da indústria e criando mecanismos de pagamento por qualidade, padrão, volume e sazonalidade. O grande risco dessa proposição é a não aceitação da indústria e a concorrência com os canais tradicionais. Feitas essas considerações, pode-se definir as propostas e os projetos piloto a serem desenvolvidos. Cabe ao Governo do Estado do Maranhão, juntamente com a Embrapa, avaliar o potencial produtivo das áreas de cajueiro anão precoce já em produção. Essa avaliação deverá ser feita com base no estudo da aptidão agrícola das áreas com cajueiro no Maranhão já publicado pela Embrapa (Lima, 1999). Essa avaliação será fundamental para diminuir o risco do negócio para os novos investidores. Ela deverá ser feita em parceria com os produtores e poderá aproveitar a produção da safra que se inicia em outubro deste ano. Os projetos piloto estão alinhados com a estratégia de inserção do Maranhão no SAG do caju. Essa estratégia prevê as seguintes etapas, seqüenciais e cronológicas: a) Elevar a produção de castanha de caju no Estado a partir do desenvolvimento de projetos piloto bem sucedidos; b) Viabilizar a atividade especializando os produtores em fornecimento de matéria prima castanha para as indústrias do Ceará; c) Criar indústrias de médio/pequeno porte e tecnologia semi-mecanizada para processamento de castanha diferenciada (orgânica) para exportação. Esse sistema de processamento não se viabiliza no mercado não diferenciado de amêndoa. 8. PROJETOS MOBILIZADORES Projeto Mobilizador 1: Grupos de Produtores Especializados no Suprimento de Castanha de Caju Regiões escolhidas: Anapurus/Santa Quitéria e Codó/Caxias/Arairoses Os projetos piloto consistirão em investimentos privados no plantio de caju, priorizando as regiões acima definidas. As regiões deverão especializar-se em fornecimento de castanha para as indústrias do Ceará. Duas indústrias demonstraram grande interesse em criar canais exclusivos de suprimento. Esse canal deverá ser negociado entre grupos de produtores e as duas empresas, incluindo um novo sistema de pagamento de castanha de caju que valorize, em termos monetários, a classificação e homogeneidade do produto. Em um primeiro momento a castanha deverá ser 22 classificada na indústria mas, a medida que o projeto crescer, a classificação poderá ser feita na região de produção. Os produtores receberão pelo preço posto fábrica, sendo responsáveis pelo transporte do produto, seguindo a atual prática do mercado entre industriais e atravessadores. Para que os industriais tenham interesse nesse projeto, há necessidade de garantir oferta de, no mínimo, um caminhão toco (12 toneladas) por semana. Estimando o período de safra em 6 meses, o fornecimento conjunto de 12 toneladas implicará em 288 toneladas na safra e, para uma produtividade de 500 kg/ha, 576 ha de cajueiro anão precoce cultivado, se toda a castanha produzida por colhida e aproveitada. Para o êxito dos projetos será fundamental o compromisso dos empresários à medida que o volume produzido crescer e os produtores forem se organizando. Esse compromisso deverá se configurar em uma política de preços transparente e não especulativa de ambas as partes. As empresas Iracema e Irmãos Fontenele poderiam ser parceiros inciais. Projeto Mobilizador 2: Mini-Fábricas de Processamento de Castanha Orgânica Regiões escolhidas: Zé Doca/Araguanã, Esperantinópolis/Tuntum/Barra do Corda O segundo projeto será a instalação de mini-fábricas para exportação de amêndoas orgânicas certificadas. Essa etapa deverá ser realizada nas regiões selecionadas mediante verificação das adaptações necessárias para certificar os produtores junto aos organismos internacionais. Nesse caso, a presença de pequenas unidades produtivas será um importante critério de escolha. As mini-fábricas poderão seguir o modelo proposto pela Embrapa de pequenas empresas de quebra da castanha mas uma central para comercialização. O objetivo deste projeto será a exportação de amêndoa e não a torra e salga para venda no mercado interno. Em um primeiro momento, a exportação do produto final poderá ser em parceria com as cargas das grandes indústrias tendo em vista que estas possuem conhecimento e escala. A maior dificuldade desse sistema será sua coordenação e os incentivos para que os produtores não vendam sua produção para os intermediários. A semelhança do Projeto 1, será importante motivar empresários para exercerem a coordenação do sistema. 23 9. 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