AS POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA: AVANÇOS OU LIMITES AO DIREITO DE TODOS À EDUCAÇÃO? Ana Paula Hamer ski Romero ­ SEMED/PR aph.romer [email protected] Neide da Silveir a Duar te de Matos ­ SEMED/PR nds.duar [email protected] A década de 1990 caracterizou­se, no plano da política educacional brasileira, por expressivo enfoque na ampliação do acesso à escolaridade básica, estendida a todos os alunos. No que tange à educação especial, esta tendência se refletiu na defesa pela escolarização das pessoas consideradas com deficiência no ambiente de ensino comum ou regular 1 . Resguardados os diversos vieses pelos quais a concepção de educação especial esteve pautada, frente à própria especificidade dos distintos momentos históricos, para os efeitos deste estudo, o especial da educação, conforme definem Sousa e Prieto (2002, p.125), se refere, [...] às condições requeridas por alguns alunos que demandam, em seu processo de aprendizagem, auxílios ou serviços não comumente presentes na organização escolar. Caracterizam essas condições, por exemplo, a oferta de materiais e equipamentos específicos, a eliminação de barreiras arquitetônicas e de mobiliário, as de comunicação e sinalização e as de currículo, a metodologia adotada e o que é fundamental, a garantia de professores especializados, bem como de formação continuada para o conjunto do magistério. Diante destas considerações, delimita­se como objetivo deste trabalho, apresentar algumas das principais proposições que orientam a política pública para a educação especial brasileira a partir da década de 1990, particularmente aquelas que explicitam como esta é concebida e qual é o locus da sua oferta. A partir de tais proposições, busca­se analisar alguns fatores que têm se constituído em limites, não somente à efetivação do direito dos alunos com deficiências à educação no ensino regular, como também ao seu acesso à educação com qualidade. Elegeu­se para este propósito, parte 1 Embora durante a década de 1990 seja evidenciada a defesa pela escolarização de todos os sujeitos, e as recomendações de documentos internacionais já sinalizam para uma perspectiva da inclusão escolar, deve­se ponderar que neste período não há ainda, no Brasil, a configuração deste paradigma. Há um longo percurso histórico para a sua implementação, que não se esgotou na década de 1990, mas que, nos anos posteriores ao respectivo período, revelou, e vem revelando contornos mais definidos de uma orientação inclusiva, principalmente no que tange à defesa da escolarização de todos os alunos, inclusive os que possuem deficiência, na educação comum ou regular.
do arcabouço legislativo e diretivo para esta modalidade de ensino, a saber, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada em 2008. Concomitante a esta análise discutiu­se alguns pontos presentes no Currículo de Educação para a Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel/PR que, reconhecendo os limites estruturais de um sistema que muitas vezes impede o acesso a uma educação de qualidade por todos os indivíduos, sustenta sua defesa, a partir dos referenciais teóricos da Psicologia histórico­cultural, no entendimento de que a escolarização de pessoas com e sem deficiências contribui fundamentalmente para que os sujeitos que dela participam alcancem níveis mais desenvolvidos de pensamento. Para esta intenção, são apresentados alguns aspectos do capítulo que trata dos Pressupostos Teóricos para a Educação de Pessoas com Deficiência. A análise acerca das políticas públicas no contexto da inclusão social e escolar deve estar norteada pela compreensão de que estas refletem a realidade social, uma vez que constituem e instituem­se num amplo processo de lutas, revelando as marcas, as determinações e também as contradições de seu tempo histórico específico. Nesse sentido, o processo de inclusão, [...] consiste na relação travada em contexto histórico­social, por sujeitos sociais, ou seja, uma prática complexa e contraditória, com sentido de luta, de embate, que convive necessariamente com o seu contrário ­ a exclusão­, mas que se estabelece na direção de questionar e superar práticas sociais baseadas na desigualdade (GARCIA, 2004, p. 2). Ao mesmo tempo, as políticas sociais, entre estas as educacionais, também expressam os interesses próprios da sociedade capitalista, portanto, da fração de classe dominante. Nessa perspectiva, situa­se o Estado, que tem na vida material dos indivíduos a sua base, sendo que este “[...] não existe como obra da classe dominante, mas, ao surgir como resultado do modo material de vida dos indivíduos, assume a forma da vontade dominante” (MARX, ENGELS, 1986, p.386). Por esta razão, o Estado é concebido enquanto histórico, concreto e de classe, portanto, máximo para o capital, uma vez que “[...] no processo de correlação de forças em curso, é o capital que detém a hegemonia” (PERONI, 2003, p. 22). Um Estado que, ao impor estratégias mercadológicas orientadas para o lucro, promove a redução de custos sociais, ocasionando, por conseqüência, implicações diretas nas formas de elaboração, execução
e resultado das políticas. Assim, analisar as políticas públicas no contexto da promoção da inclusão social e até mesmo da escolar é, antes de tudo, concebê­las enquanto circunscritas aos limites impostos pelo próprio sistema capitalista, portanto, na contramão de uma perspectiva orientada para a efetivação da igualdade a todos os sujeitos, seja esta no plano social, econômico ou até mesmo escolar. Ao mesmo tempo em que articula­se a proposta da inclusão aos determinantes econômicos, e por esta razão, se reconhece os limites estruturais para a sua concretização, dada a contraposição de interesses de uma sociedade dividida em classes; também entende­se que esta tendência não só se revela no bojo dos próprios embates sociais, como também, sendo produto destes, pode se traduzir, doravante, em determinadas conquistas. Sobre esta dinâmica, Sanfelice (2006, p.35) analisa que: [...]mesmo nos limites estruturais em que vem ocorrendo a inclusão educacional, ela também acontece, muito provavelmente, para além das necessidades objetivas da lógica posta pela primazia do capital [...]. A inclusão educacional é obtida por segmentos sociais que se mobilizam com esta finalidade, talvez surpreendendo planos oficiais, planejamentos estratégicos, recursos previstos, [...], e enfim, implodindo uma certa política educacional conduzida pelo Estado. Esse conflito faz com que as relações sociais se movimentem por caminhos nem sempre desejados pelo capital ou pelo Estado, mas ainda assim é administrável. Frente a estas premissas, as políticas públicas não devem ser concebidas de forma linear, como uma simples sucessão de decisões restritas a uma dada esfera governamental. Além disso, por considerar­se a própria especificidade do contexto em que são elaboradas e implementadas, e articulando­as à compreensão de Estado, não deve ser pretensão deste estudo a análise ou propriamente, a simples denúncia das lacunas existentes entre o que é proposto no corpo da lei e o seu real cumprimento. No debate das proposições nacionais de uma educação que se pretende inclusiva, julga­se procedente também compreender que o ideário da inclusão escolar não se reduz à mera iniciativa de promoção de acesso educacional somente ao grupo das pessoas com deficiências ao sistema escolar comum ou regular. A filiação deste discurso é ampla, ultrapassa a questão educacional, uma vez que tem suas bases fundadas nos determinantes sociais, políticos e econômicos. Considerando­se este contexto e analisando­se parte dos determinantes circunscritos à meta de ampliação do acesso ao nível de escolaridade básica, deflagrada a partir dos anos 1990, tem­se que é resultado de um processo que preconizou ampla
reforma educacional. Em linhas gerais, pode­se dizer que esta tendência objetivou, fundamentalmente, a implementação de estratégias tendo­se como referência a propalada inserção dos países considerados em desenvolvimento nos padrões mercadológicos e competitivos propostos pelas circunstâncias da mundialização do capital 2 . O principal postulado que lançou os alicerces para as redefinições da política educacional da década de 1990, em amplitude internacional e nacional, foi a Declaração Mundial de Educação para Todos 3 , na qual os países signatários assumiram o compromisso com a universalização da educação básica, traduzida na oportunização de seu acesso, extensivo a toda população. Pautando­se em metas que preconizaram não só a “[...] satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos” (UNESCO, 1990, p. 4), o referido documento contemplou a destinação de tais medidas a todos os grupos considerados minoritários, entre esses, o grupo das pessoas com deficiência. Neste sentido, indicou que “[...] as necessidades básicas das pessoas com deficiência requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência como parte integrante do sistema educativo” (UNESCO, 1990, p.5). No ano de 1994, foi realizada a “Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais”, na qual resultou a Declaração de Salamanca, que em linhas gerais, reafirmou a necessidade dos países assegurarem, como parte de suas metas, a freqüência do aluno com necessidades educacionais especiais4 no sistema de ensino regular. No Brasil, parte das intenções propaladas nos referidos documentos internacionais se consubstanciou, entre outras, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional­ nº 9.394/96. O compromisso assumido internacionalmente, pela igualdade de acesso aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência como parte integrante do sistema educativo , promoveu a incorporação da educação especial no sistema 2 Mészáros (2002) considera o contexto de transição do século XX para o XXI como um estágio histórico do desenvolvimento transnacional do capital, uma nova fase do imperialismo hegemônico global. Chesnais (1996, p. 22), designa­o de novo regime de acumulação, um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro ou, também, “regime de acumulação financeirizada”. De acordo com este autor, a mundialização do capital representa “[...] um modo específico de funcionalismo do capitalismo mundial [...]”, cuja organização está pautada “[...], sobretudo pelas operações e pelas escolhas de formas de capital financeiro mais concentradas e centralizadas do que em qualquer período anterior ao capitalismo.” 3 Documento resultante da “Conferência Mundial de Educação para Todos” realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia). 4 Terminologia utilizada no respectivo documento para designar “[...] todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem” (UNESCO,1994, p. 18).
educacional brasileiro, ao ser referenciada enquanto modalidade de ensino. Assim, tem­ se que, a partir da LDB/96, a educação especial é definida como “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 2001a, p.24). A especificação que trata do acesso ao ensino regular em caráter preferencial tem suscitado, na contemporaneidade, polêmicos embates, uma vez que se abriram precedentes para a compreensão de que a oferta da educação especial poderia continuar acontecendo em outros espaços de ensino, que não os ditos regulares. O próprio documento legitimou essa possibilidade ao estabelecer, que “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 2001a, p.24) 5 . Tal perspectiva, associada a outros determinantes, vai se consubstanciar na existência de um significativo impasse na trajetória das políticas para a educação especial. Assim, com base nos referenciais da LDB/96; ao mesmo tempo em que se vislumbraram novas possibilidades de articulação da educação especial ao sistema geral de ensino, o que poderia sugerir um passo importante rumo a uma concepção mais centrada na questão educacional, contraditoriamente, também reforçou­se o seu caráter dual historicamente instituído, quando assegurou a concomitância entre o atendimento educacional realizado no ambiente regular de ensino e aquele ofertado nos espaços especializados 6 . É evidente, contudo, que esta realidade não se apresenta unicamente determinada pelos meros dispositivos legislativos, mas sim por uma conjuntura complexa de fatores, entre estes, os referentes à concepção de educação dos sujeitos com deficiências, os embates realizados por segmentos sociais em defesa da permanência dos modelos educacionais especializados, os limites estruturais que se impõem ao processo de transformação pretendido, entre outros. 5 Faz­se necessário indicar que o modelo educacional instituído no período em que foi elaborada e implementada a LDB/96, era o da Integração. Em linhas gerais, tal modelo preconizava a participação de todos os sujeitos com deficiência na sociedade, sendo necessário o seu “preparo”. No plano educacional, a forma de promover este “preparo” era possibilitar sua freqüência paralela ao ensino regular em modalidades especializadas. Àqueles considerados “sem condições” de serem integrados ao sistema de ensino regular, deveriam então freqüentar os modelos educacionais especializados (GLAT,BLANCO, 2007). 6 A saber, o atendimento realizado nas escolas exclusivamente especializadas e nas classes especiais.
Estes limites e impasses têm se revelado de uma forma muito evidente ainda na contemporaneidade, quando, a partir da análise dos últimos censos escolares, é possível constatar que, embora exista um processo significativo de crescimento de matrículas de alunos considerados com necessidades educacionais especiais no ensino regular, esta tendência, contudo, não tem se traduzido em redução significativa da participação dos modelos educacionais especializados. Neste sentido, considerando­se os resultados dos Censos Escolares 7 em relação às matrículas dos alunos com necessidades educacionais especiais 8 na Educação Básica, no ano de 2004, por exemplo, de um total de 566.753 matrículas, desses, 371.383 alunos freqüentaram as escolas exclusivamente especializadas ou classes especiais, ou seja, 65,53%. No ano de 2005, das 640.317 matrículas totais, 378.074, ou 59,04% foram computadas nesse modelo de atendimento. No ano de 2006, conta­se com um total de 700.624 alunos sendo que destes, 375.488 receberam atendimento nos espaços educacionais especializados. Embora seja possível constatar uma redução da participação deste tipo de atendimento no período analisado, mesmo assim, no ano de 2006, as escolas exclusivamente especializadas ou classes especiais, ainda responderam por 53,59% das matrículas totais da educação especial. Diante desta realidade, faz­se necessário ponderar que o visível e crescente aumento do número total de matrículas dos alunos considerados com necessidades educacionais especiais na educação básica não deve sugerir a compreensão de que a absorção destas matrículas tenha sido efetivada pelas vias do ensino regular. Os dados referenciados permitem concluir que a porta de entrada para a escolarização, de uma significativa parcela destes alunos ainda tem sido, unicamente, pelas vias do ensino segregado. A partir desta análise, concorda­se com GARCIA (2006, p. 313), quando afirma que: “A política educacional brasileira apóia­se no discurso da educação inclusiva, especialmente no que tange à educação básica. Contudo, os mecanismos de que dispõe para evitar e minimizar a exclusão escolar não superam os elementos que geram a desigualdade educacional[...]”. As marcas deste impasse se traduzem nas proposições mais recentes para a área, no qual é reafirmada a necessidade da escolarização de todos os alunos no sistema de ensino regular. Como exemplo, tem­se a Política Nacional de Educação Especial na 7 Elaborados pelo INEP/MEC e consolidados no relatório “Evolução da Educação Especial no Brasil” (s/d), disponível em www.http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/brasil/pdf. 8 Terminologia utilizada pelo INEP na apresentação dos dados estatísticos.
Perspectiva da Educação Inclusiva 9 , cujo conteúdo está orientado fundamentalmente para esta defesa e seus tópicos abarcam questões de cunho metodológico, propositivo e diretivo de uma educação inclusiva. Embora este documento não tenha caráter legislativo, é necessário considerar que há neste uma marca muito evidente da ênfase à articulação da educação especial ao sistema regular de ensino. Pelo fato de não terem sido encontradas no documento referências específicas sobre as formas de atendimento especializado realizado em outros espaços que não o ensino regular, as proposições contidas conferem as bases para a compreensão de que, na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial deverá perder o caráter substitutivo de um ensino até então assumido e materializado nos atendimentos em escolas e classes especiais. Neste sentido, a educação especial no respectivo documento é concebida como: [...]uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008, p.15, grifos nossos). É importante situar que a iniciativa que envolve a supressão das formas de atendimento em ambientes especializados, embora possa sugerir indicativo importante para o processo da proposta de inclusão escolar, não deve, em hipótese alguma, se constituir em fator de garantia para a sua consolidação. Isto porque, conforme já abordado, os fatores circunscritos ao debate da inclusão escolar são amplos e complexos, e por esta razão, não se esgotam nesses encaminhamentos. Desta forma, muito mais do que promover o acesso dos alunos aos ambientes educacionais comuns, é necessário que estes espaços ofereçam as devidas condições para o seu percurso educacional. Sobre esta questão, julga­se procedente a análise e discussão que diz respeito ao direito ao apoio especializado destinado aos alunos com deficiência. No que concerne a LDB/96, esta questão assim está especificada, no artigo 58: “haverá, quando necessário, 9 Elaborada pelo MEC/SEESP em 2007 e lançada em 2008. Conforme consta, “A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas à necessidades educacionais[...]” (BRASIL, 2008, p. 14).
serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela da educação especial” (BRASIL, 2001a, p.24 ). Tal assertiva deve ser analisada com algumas ponderações, uma vez que o caráter circunstancial no qual é tratada a questão do apoio especializado 10 , pode colocar em risco a disponibilidade destes serviços nas escolas e, conseqüentemente, ferir o direito deste aluno à apropriação da aprendizagem em condições de igualdade com os demais. Os cômputos estatísticos dos últimos anos têm se revelado desfavoráveis quando o especial das necessidades educacionais de alguns alunos, na maioria das vezes consubstanciado na demanda pelos serviços de apoio especializado; ao que parece, estão insuficientes. Se considerarmos, por exemplo, os dados do Censo Escolar divulgados pelo INEP/MEC 11 , no ano de 2004 há o registro de 195.370 matrículas totais de alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares, sendo que destes, 96.192, ou 49,26%, não tiveram acesso, naquele ano, ao atendimento educacional especializado. No ano de 2005, em que foi contabilizado um número total de 262.243 alunos, destes, 147.409, ou 56,21% não receberam qualquer tipo de apoio especializado para sua escolarização. No ano de 2006, dos 325.138 alunos, consta que 188.705, ou 58,04% freqüentaram as salas de aula do ensino regular sem os devidos serviços.
Mais preocupante do que evidenciar a relevante porcentagem de alunos que não dispõem de qualquer tipo de apoio em seu percurso educacional é constatar o caráter crescente destes números nos anos analisados. Isto certamente é um indicativo importante para compreender­se que o ingresso de muitos alunos no sistema de ensino regular não tem sido acompanhado de uma organização que qualifique a sua permanência ao longo do seu processo de escolarização. Entende­se que a análise destas questões é pertinente, pois desvela os pontos frágeis da complexa trama que sustenta a proposta da inclusão escolar. Assim, pensar em acesso à escolarização para as pessoas consideradas com deficiência sem conferir­ lhes as necessárias condições para que seu percurso educacional seja cumprido com 10 Embora não constem especificações na referida legislação sobre que tipos de atendimento estão previstos no serviço de apoio especializado, utilizamos a Resolução CNE/CEB nº2/ 2001, no qual há referência no artigo 8º aos “serviços de apoio pedagógico especializado realizado nas classes comuns”. Contempla a atuação colaborativa de professor especializado em educação especial, atuação de professores intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis, atuação de professores e outros profissionais itinerantes intra e interinstitucionalmente, prevê a disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, locomoção e à comunicação, e também o atendimento em sala de recursos, em caráter de complementação ou suplementação curricular (BRASIL, 2001b). 11 Dados apresentados no relatório: Evolução da Educação Especial no Brasil (2008).
qualidade, é relativizar a questão da inclusão à mera perspectiva da presença deste aluno em sala de aula. Prieto (2006, p. 35­36), ao discorrer sobre alguns dos desafios que se impõem para a efetivação da educação como um direito de todos, ressalta que um destes consiste em: [...]não permitir que esse direito seja traduzido meramente como cumprimento da obrigação de matricular e manter alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns. Se assim for, ou seja, se o investimento na qualidade de ensino não se tornar uma ação constante[....] nesse caso, eles podem ter acesso à escola, ou nela permanecer, apenas para atender uma exigência legal, sem que isso signifique reconhecimento de sua igualdade de direitos. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, por sua vez, confere um novo tom à questão do apoio educacional especializado, uma vez que, conforme consta no documento, este aspecto é abordado em caráter de obrigatoriedade. Assim, estabelece que: “Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento educacional especializado é organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2008, p.16, grifos nossos). Não obstante o fato de disponibilizar­se de um documento nacional que direcione metas mais ambiciosas para que o processo da inclusão possa ser implementado com qualidade, como é o caso da referência ao caráter não mais circunstancial, mas sim obrigatório do atendimento educacional especializado aos alunos, além de outras metas; julga­se procedente ponderar que tais recomendações, por estarem atreladas a outros condicionantes, poderão se constituir em impeditivos para a sua concretização. Um destes determinantes, diz respeito à própria gestão das políticas públicas educacionais, em específico as de educação infantil e das primeiras séries do ensino fundamental. Em decorrência do processo de municipalização do ensino fundamental 12 , “a política educacional brasileira tem deslocado progressivamente para os municípios 12 A municipalização do ensino fundamental é parte do processo de descentralização dos poderes na oferta dos serviços públicos. Foi estabelecida na Constituição de 1988 e regulamentada pela LDB/96. Conforme esta última, é atribuída aos municípios a oferta de educação infantil e ensino fundamental. Assim, no Artigo 11 da LDB/96, fica determinado que os municípios incumbir­se­ão de: “I­organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando­os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados [...]” (BRASIL, 2001a, p 14).
parte da responsabilidade administrativa, financeira e pedagógica pelo acesso e permanência de alunos com necessidades educacionais especiais[...]” (PRIETO, 2006, p.51). Este deslocamento de responsabilidades aos municípios pode implicar, sobretudo, em maneiras distintas de administrar­se as questões sobre direito à educação dos respectivos alunos, uma vez que estão determinados tanto pelas suas reais condições de gestão de políticas, quanto naquelas que dizem respeito ao próprio financiamento destas. Em continuidade ao debate, apresentamos, a seguir, algumas considerações pertinentes a gestão das políticas públicas de educação especial no município de Cascavel/PR. Na discussão que se propõe, ao mesmo tempo em há o reconhecimento de que o contexto social, político e econômico mais amplo imprime limites à concretização de melhores condições educacionais aos alunos com deficiências, há também a busca por espaços de atuação que consolidem ações voltadas a uma perspectiva mais qualitativa de condições educacionais. Diante do exposto é preciso localizar em Cascavel, município a Oeste do Paraná, o histórico do seu atendimento e a justificativa de uma produção teórica que defende o desenvolvimento da capacidade dos indivíduos de pensar e agir planejadamente. Em decorrência da legislação apresentada anteriormente, tem­se no âmbito municipal, a implementação de alguns atendimentos na Educação Especial. No que se refere à Rede pública Municipal de Ensino, podemos citar o Projeto para Classes Especiais das Escolas Municipais de Cascavel (1978) como sendo a primeira ação. Na década de 1990, num esforço de garantir atendimento especializado aos sujeitos que apresentavam alguma diferenciação no ritmo de aprendizagem e desenvolvimento, o Centro de Atendimento Especializado à Criança é criado. Integrando equipe médica multidisciplinar e pedagógica, o Centro compreendia um conjunto de serviços educacionais, de prevenção e reabilitação dos alunos. Atualmente os alunos recebem Atendimento Educacional Especializado (AEE) pela rede municipal de ensino e atendimento especializado pela rede de apoio. O AEE se destina a alunos com deficiência física, mental, sensorial (visual e pessoas com surdez parcial e total), alunos com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades (que constituem o público alvo da Educação Especial) também podem ser atendidos por esse serviço. É importante destacarmos que atualmente na Rede Municipal de Ensino são oferecidos os seguintes atendimentos, nas escolas comuns: Salas de Recursos (SR) e
Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) e Centro de Atendimento Especializado a Deficiência Física (CAEDF) e, em espaços próprios: Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento à Deficiência Visual ­ CAP e Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez ­ CAS. Contamos ainda com as Classes Especiais, que no momento, encontram­se em caráter de extinção por ser um modelo de educação substitutiva, divergindo com o processo de educação adotado pela concepção teórica que norteia o currículo. A Rede de Apoio é ofertada pelos serviços de saúde: Unidade Básica de Saúde UBS, Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSI), Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPSAD), Centro de Atendimento Especializado à Saúde do Neonato Criança e Adolescente (CEACRI) e Centro de Reabilitação (baixa, média e alta complexidade). O Atendimento Educacional Especializado é organizado para suprir as necessidades de acesso ao conhecimento e à participação dos alunos com deficiência e dos demais que são público alvo da Educação Especial, nas escolas comuns. Constitui oferta obrigatória dos sistemas de ensino, embora participar do AEE seja uma decisão do aluno e/ou de seus pais/responsáveis. No ano de 2008, foram contabilizadas no município, 4.524 matrículas na Educação Infantil, 22.654 no Ensino Fundamental Anos Iniciais e 889 na Educação de Jovens e Adultos, sendo que os alunos que recebem Atendimento Educacional Especializado estão assim distribuídos, conforme a tabela a seguir: EDUCAÇÃO ESPECIAL ALUNOS Atendimento Educacional Especializado CE 194 SR 514 SRM 12 CAS 273 CAP 99 CAEDF 07 TOTAL 1099 Fonte: Documentação escolar SEMED ­ 2008 Para atuar na Educação Especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Neste sentido, os professores vêm recebendo formação continuada, nas disciplinas do Ensino Fundamental e nas áreas específicas
(Deficiência Mental, Auditiva, Visual, Física, Altas Habilidades e Transtornos Globais do Desenvolvimento). Esta formação é estendida a todos os professores. Embora os sujeitos com deficiência necessitem de metodologia adaptada, recursos específicos e instalações adequadas, a Educação Especial constitui­se em Educação, suas finalidades são as mesmas, tornar indivíduos com e sem deficiência capazes de agirem de modo mais independente possível. Assim, com o intuito de assegurar uma ação educativa orientada por princípios que possibilitem uma educação humanizadora foi objetivado o Currículo para Rede pública Municipal de Ensino de Cascavel. O documento resulta de um processo coletivo dinâmico de estudos e discussões entre os profissionais da educação. Também traz em seu bojo a manifestação da necessidade de uma unidade teórica, conferindo direção e intencionalidade na ação docente. Assentado nos pressupostos do método Materialista Histórico Dialético o documento corrobora que a função social da escola é a socialização do conhecimento elaborado historicamente pela humanidade, ou seja, a defesa de uma educação humanizadora para pessoas com e sem deficiência, considerando que é por meio da escolarização que ocorre transformações psíquicas significativas nos sujeitos que dela participam. Com os fundamentos da Psicologia Histórico­Cultural, o Currículo aponta para o entendimento de que um bom ensino se adianta ao desenvolvimento dos sujeitos, permitindo que o professor localize na prática educacional o espaço que a ciência deve ter. Leontiev (1978, p.235) deixa isto bastante claro quando afirma que “O desenvolvimento, a formação das funções e faculdades psíquicas próprias do homem enquanto ser social, produzem­se sob uma forma absolutamente específica ­ sob a forma de um processo de apropriação, de aquisição”. Desta forma, compreende­se que o processo educacional pode elevar o homem da sua condição primitiva à forma cultural, ultrapassando o determinismo biológico, entendendo que a deficiência não retira do homem a sua possibilidade de humanização, pois, não é em si uma doença, mas uma condição com a qual a pessoa convive. Os estudos de Vigotski (1997) nos apontam que a deficiência é um fato biológico, porém o professor não tem que atuar no fato, mas nas conseqüências sociais deste, seu papel incide no ensino e, desta forma, no desenvolvimento de vias colaterais.
Sob este aspecto, a deficiência não é fator impeditivo do desenvolvimento e sim o que implica sob tal condição, são as vias diferentes para ocorrer o desenvolvimento. O aluno terá acesso aos mesmos conteúdos que qualquer outra criança, mas por caminhos diferentes daqueles realizados pelos demais, oportunizando a este, como a qualquer outro indivíduo, passar do desenvolvimento primitivo ao cultural, pois o princípio de desenvolvimento cognitivo e da personalidade é o mesmo, para a criança com ou sem deficiência. A superação do biológico se constitui no processo de apropriação da produção cultural universal “a cultura e o meio ambiente refazem uma pessoa não apenas por lhe oferecer determinado conhecimento, mas pela transformação da própria estrutura dos seus processos psicológicos” (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 228). Os processos naturais pelos quais a criança inicia sua vida, rapidamente se modificam dando origem a uma forma inteiramente nova, onde os constituintes naturais biológicos transformam­se em processos complexos, formados como resultado da influência cultural e, de uma série de condições resultantes da relação ativa da criança em seu meio social. Para tanto, a educação da pessoa com deficiência deve partir do pressuposto de que simultaneamente com a deficiência existem as possibilidades de compensação deste “limite” e que são as possibilidades que devem ser incluídas na prática educativa, superando a concepção de determinismo biológico. CONCLUSÕES É inegável o avanço das iniciativas nacionais referentes à promoção do acesso educacional a todos os indivíduos, deflagradas e intensificadas a partir da década de 1990. É questionável, contudo, o alcance destas iniciativas quando o foco de análise recai na qualidade da educação ofertada. O percurso realizado, nos limites deste estudo, revelou alguns obstáculos que se impõem, no plano educacional, à consolidação do direito da pessoa com deficiência à escolarização com qualidade. Entretanto, tais obstáculos não se restringem ao espectro das políticas sociais, educacionais, nem tampouco devem ser explicadas a partir do âmbito das práticas escolares. Assim, embora a discussão tenha focalizado alguns aspectos circunscritos à
realidade educacional das pessoas com deficiência, em nenhum momento esta discussão deve prevalecer como restrita especificamente à educação especial. Ao contrário, pois perceber no interior desta realidade a existência de alguns avanços e (ainda muitos) limites é compreender que a gênese destes está fundada no próprio modo de organização social, na sociedade cindida em classes, e no Estado promotor da manutenção dos interesses da classe dominante. Por esta razão, os limites da concretização de políticas igualitárias são estruturais. Assim, não é possível analisar as políticas sociais e educacionais, sem se imiscuir da discussão concernente ao âmbito da própria sociedade, que, estruturada e mantida pela lógica do capital, agudiza as relações sociais. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Ministério da Educação. Evolução da educação especial no Br asil. Disponível no site: www.http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/brasil/pdf. Acesso em 12 maio 2008. ____. CONGRESSO NACIONAL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 2 ed. Revista­atualizada­ampliada. Bauru, SP: EDIPRO, 2001a. (Série Legislação). ____. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Resolução CNE/CEB 2/2001. Diár io Oficial da União,14 de setembro de 2001a. Seção 1E, p.39­40. Brasília, 2001b. ____. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Per spectiva da Educação Inclusiva, 2008. CASCAVEL(PR). Secretaria Municipal de Educação. Cur rículo para a rede pública municipal de ensino de Cascavel. Cascavel, PR: Ed.Progressiva, 2008. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Discursos políticos sobr e inclusão: questões para políticas públicas de educação especial no Brasil.In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Educação, 2004, Caxambu. CD­Rom 27ª Reunião Anual da ANPEd, 2004 v.CD rom. p. 1­14
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AS POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA