IX CONGRESSO MÉDICO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA Brasília-DF, 24 de Setembro de 2014 Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Brasília DIAGNÓSTICO ECOGRÁFICO TARDIO DE HIDROANENCEFALIA EM RECÉMNASCIDO PREMATURO: RELATO DE CASO Anita de Oliveira e Souza1, Raquel Nascimento Matias1, Rebeca Alevato Donadon1, Marina Sousa da Silva1, Paulo Roberto Margotto2. 1Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Brasília, 2Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Católica de Brasília (Orientador), Unidade de Neonatologia Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB). Email: [email protected] www.paulomargotto.com.br Brasília, 30 de setembro de 2014 Objetivo Relatar caso de hidroanencefalia em recém-nascido prematuro, diagnosticada por exame ecográfico de rotina, a fim de alertar a comunidade acadêmica da importância da ecografia transfontanela em prematuros com idade gestacional inferior a 34 semanas. Relato de Caso Recém-nascido (RN), masculino, nascido de parto vaginal, pré-termo e baixo peso, dia 17/07/2014. Bolsa rota no parto com saída de líquido amniótico claro. Evoluiu com desconforto respiratório importante e necessitou de reanimação neonatal. Mãe, J.M.C.S., chegou ao HMIB, em período expulsivo, pélvico, após começar sentir dores abdominais no dia 16/07/2014. EXAME FÍSICO (AO NASCIMENTO): REG, hipoativo, hipotônico, hipocorado leve, taquidispnéico, hipotérmico, cianótico, SpO2 oscilante 83-88%. Aparelho Respiratório: Murmúrio vesicular rude, com crepitações, desconforto respiratório importante, batimento de asa de nariz e tiragens de fúrcula e subcostal. Aparelhos cardiovascular, abdominal e demais sem alterações; DADOS DO NASCIMENTO: Idade Gestacional semanas Peso: 1975g Estatura: 44cm (IG)-Capurro: 32 Perímetro cefálico (PC): 32cm Apgar: 6(1’) e 8(5’) TS RN: A positivo / CD: negativo TS materna: ? Relato de Caso Antecedentes Gestacionais e Perinatais: Mãe: 16 anos (G1P1A0), procedente do Guará II. natural de Brasília-DF, residente e Não realizou pré-natal: refere não ter tido conhecimento da gestação – informa data da última menstruação em 20/12/2013. Não realizou sorologias ou vacinação. Ingeriu bebida alcoólica durante toda gestação. Nega uso de outras drogas. Fez uso de Tandrilax®, Atroveran® e Suplementos alimentares. Praticou exercício físico intenso: durante 2 horas/dia – 6 dias/semana. Fez uso irregular de pílula anticoncepcional durante gestação. Mãe nega outras patologias prévias. Figura 1: RN de J.M.C.S. Imagens a, b e c mostrando RN mostrando aparência normal após o nascimento com antropometria normal para a idade. Margotto, PR. Relato de Caso EVOLUÇÃO (17 – 20/07/14): Apresentou radiografia (17/07) sugestiva de Taquipnéia Transitória do Recém Nascido (TTRN). Neutropenia (10%) + Leucopenia (4700): suspeita de infecção inespecífica (pré natal não realizado). Sorologias maternas (17/07): VDRL, HIV, Hepatites B e C, Rubéola, Citomegalia, Toxoplasmose IGG e IGM) Negativos. Hemoculturas do RN (19-20/07): negativas. Antibioticoterapia por 7 dias: Ampicilina+Gentamicina (19-26/07) Icterícia com hiperbilirrubinemia sem incompatibilidade aos 4 dias de vida fototerapia por 4 dias. EVOLUÇÃO (21 A 28/07/2014): Sugando bem ao seio materno (suga forte e deglute bem); Diurese e fezes normais, sem distermias, eupnéico ao ar ambiente. Teste da Orelhinha (22/07/14): Normal Relato de perda de peso melhora posterior. Relato de Caso 28/07/2014: RN com 11 dias de vida – solicitada Ecografia Cerebral (exame realizado dia 29/07/14). Figura 2: Ecografia Transfontanela – RN de J.M.C.S, com 12 dias de vida, evidenciando presença de tronco e fossa posterior preservados e Hidroanencefalia. Margotto, PR. Solicitado TC de crânio Figura 3: Tomografia Computadorizada Cerebral – RN de J.M.C.S, com 15 dias de vida. Imagens a,b,c e d evidenciando substituição completa dos hemisférios cerebrais por líquor, sem caracterização da arquitetura ventricular e com preservação de foice cerebral. Nota-se pequena porção do mesencéfalo, tronco encefálico e cerebelo preservados. Fossa posterior é relativamente pequena. Não foram observadas calcificações patológicas. Radiologia HMIB. Relato de Caso 05/08/2014 – Avaliação da Neurologia Pediátrica (RN com 19 dias de vida): RN sem queixas. Sono e sucção preservados. Reflexos arcaicos normais e simétricos. Reflexos miotáticos normais. PC=32cm. Pares cranianos normais. 08/08/2014 – Parecer da Neurocirurgia (RN com 22 dias de vida): "Não há indicação cirúrgica no momento. Seguimento ambulatorial no HCB com a neurocirurgia, podendo ter alta hospitalar”. Relato de Caso - Desfecho 09/08/2014: Alta hospitalar com 23 dias de vida, estável, sugando bem ao seio materno e ganhando peso, com orientações para controle ambulatorial e seguimento com a Neurocirurgia. 18 a 23/08/2014: Paciente, 32 dias de vida, retorna ao hospital com quadro de vômitos, desidratação e hipoatividade a esclarecer. Evolui com elevação de excretas nitrogenadas (IRA pré-renal?), bradicardia (central?) e pneumonia bilateral. Seguiu com anasarca, dessaturação e bradicardia importantes, apresentando episódios de apnéia e cianose em extremidades e região perioral. Foi a óbito - não responsivo a manobras de reanimação. Discussão Hidroanencefalia é uma condição congênita grave e rara (1:10.000 gestações), descrita primeiramente por Cruveilhier (1835,) que afeta o sistema nervoso central em recém-nascidos (RN). Há ausência total ou quase total dos hemisférios cerebrais, geralmente preservando tronco cerebral, tálamo e cerebelo, cursando com crânio de aparência normal. Oclusão precoce e bilateral das artérias carótidas internas interrupção do suprimento sanguíneo dos hemisférios cerebrais necrose tecidual extensa infarto da região não vascularizada durante a gravidez e deixa intacto os remanescentes telencefálicos (occipital e temporal basal, nutridos pela circulação vertebrobasilar. Parênquima cerebral substituído por espaços com fluidos. Visão, audição, movimento dos olhos, recebe e coordena informações referentes ao estado de contrações dos músculos e postura. Manutenção do equilíbrio e postura corporal, controle do tônus muscular e dos movimentos voluntários. Condutor de impulsos nervosos, relaciona-se com funções vitais como: respiração, FC, PA, e reflexos como mastigação, movimentos peristálticos, fala, piscar de olhos, secreção lacrimal. Figura 4 . Encéfalo Discussão Fatores Associados: vírus teratogênicos, parasitas, fatores genéticos, infecções congênitas (toxoplasmose, CMV, herpes simples), exposição ambiental a substâncias tóxicas, uso materno de cocaína, tabagismo, anóxia intrauterina e malformações vasculares. Clínica: RN mantém quadro neurológico normal, pelo menos nas 1as semanas de vida; o aumento do volume craniano pode ser pouco evidente ou inexistente e a sucção e preensão são preservadas, como visto no RN relatado. Reflexos próprios do RN são mantidos com o passar do tempo. Incoordenação ocular e rigidez intermitente e outros achados não foram encontrados nesse caso, mas são descritos na literatura. Pode ter associação com outras malformações (renal, cardíaca e outros orgãos). Discussão Diagnóstico: USG Gestacional: Screening cuidadoso das características faciais e da anatomia intracerebral até o 1º trimestre pode alertar quanto a malformações. 100% detecta no 2º trimestre defeitos do SNC. Diagnóstico precoce pode dar aos familiares opções sobre o futuro da gestação. Ecografia Transfontanela: Pode ser realizada sem que haja manipulação/deslocamento do RN. Baixo custo, não irradiante, não necessita de sedação. Precisão satisfatória quando comparada a TC e RNM. Exclui outras patologias comuns em RNs prematuros, como hemorragia intracraniana e leucomalácia periventricular, responsáveis por sequelas neuropsicomotoras passíveis de interferência em sua evolução. Recomendada em todos os RNs prematuros até o 5º dia de vida. Tomografia Computadorizada ou Ressonância Magnética de crânio. Discussão Prognóstico: Seria diferente? Raramente é compatível com uma sobrevida superior a um ano. RNs evoluem com graves anormalidades neurológicas e evoluem com óbito. A sobrevivência de hidroanencéfalos por mais de algumas semanas requer a integridade do hipotálamo capacidade de regulação da temperatura corporal. Uma sobrevida prolongada também pode ser esperada se correlacionada à ausência de malformações associadas em outros órgãos. Acentuada mortalidade durante os dois primeiros anos de vida após este período a expectativa de vida é indefinida. Conclusão Essa condição congênita, de etiologia multifatorial, geralmente está relacionada a alteração vascular cerebral. Quaisquer alterações faciais ou da anatomia intracerebral devem servir de alerta e estimular o rastreio de anormalidades do sistema nervoso tais como a descrita no caso. Devido a discordância entre a ausência de clínica notória e o prognóstico ruim, vê-se a importância do diagnóstico ecográfico precoce durante a gestação e nos primeiros 3 dias de vida, principalmente em RN prematuros, o que ajuda a definir e preparar a família quanto ao prognóstico. Referências Bibliográficas Lam, Y.H., Tang, M.H.Y. Serial sonographic features of a fetus with hydranencephaly from 11 weeks to term. Ultrasound Obstet Gynecol 2000; 16: 77-79 Bae, J.S., Jang, M.U., Park, S.S. Prolonged survival to adulthood of an individual with hydroanencephaly. Clin Neurol Neurosurg. 2008 Mar;110(3):307-9 Merker B. Life expectancy Mar;110(3):213-4. Tsai JD1, Kuo HT, Chou IC. Hydranencephaly in neonates. Pediatr Neonatol. 2008 Aug;49(4):154-7. Quek YW1, Su PH, Tsao TF, Chen JY, Ng YY, Hu JM, Chen SJ. Hydranencephaly associated with interruption of bilateral internal carotid arteries. Pediatr Neonatol. 2008 Apr;49(2):43-7. Gabriel M L, Piatto V B, Souza A S. Aplicação clínica da ultrassonografia craniana com Doppler em neonatos prematuros de muito baixo peso. Radiol Bras, 2010, Jul/Ago; 43(4):213-218 Rodrigues, C M. Estudo de caso: Derivação Ventrículo-Peritoneal. Brasília: Hospital Regional da Asa Sul, 2007. Disponível em www.paulomargotto.com.br . Caso Clínico: Derivação ventrículo-peritoneal in hydranencephaly. Cristiane Medeiros Rodrigues Clin Neurol Neurosurg. 2008 Obrigada! Internas Raquel, Marina, Rebeca e Anita. Dr Paulo R. Margotto (Ago/2014 – HMIB) Nota do Editor do site, Dr. Paulo R. Margotto. Consultem também! Serial sonographic features of a fetus with hydranencephaly from 11 weeks to term. Lam YH, Tang MH. Ultrasound Obstet Gynecol. 2000 Jul;16(1):77-9. Artigo Integral! Quanto à etiologia, pensa-se ocorrer devido a uma destruição de um cérebro normal que é substituído por líquido. Semelhante lesão tem ocorrido em animais com a ligação das artérias carótidas. Este mecanismo pode também ocorrer em fetos humanos! Veja a evolução ultrasssonográfica de um caso de hidranencefalia fetal a partir de 11 semanas de idade gestacional (a cabeça parecia pequena e a testa inclinada) Hidrocefalia fetal e neonatal (significado da dilatação ventricular no feto e recémnascido) Paulo R. Margotto VENTRICULOMEGALIA CEREBRAL FETAL A dilatação ventricular representa a mais freqüente anormalidade cerebral observada nos fetos. Em 60% dos casos, a dilatação ventricular é isolada. Pilu e cl, mostraram que a largura atrial dos ventrículos laterais de fetos normais permanece constante durante a gestação, com um diâmetro médio de 6,9+-1,3mm, sendo considerada moderada ventriculomegalia um diâmetro entre 10-15mm e severa ventriculomegalia acima de 15mm. O ponto de corte para a ventriculomegalia na ressonância magnética foi largura atrial >10mm. Wyldes e Watkinson usam o termo hidrocéfalo quando o diâmetro atrial é maior que 15mm e com rápido aumento. Devido ao aumento da espessura do córtex durante a gestação, o tamanho relativo dos ventrículos laterais diminui de 70% com 18 semanas a 30% com 28 semanas de gestação e permanece constante a seguir. O neonatologista ao receber um RN com história de ventriculomegalia fetal deve se informar se a ventriculomegalia foi aparentemente isolada ou associada com outras anormalidades e se foi transitória, unilateral ou leve. O ultrasom deve ser realizado para a detecção de malformações cerebrais, entre as quais a hipoplasia ou aplasia de corpo caloso, Síndrome de Dandy-Walker, lisencefalia, holoprosencefalia, esquisencefalia e estenose de aqueduto de Sylvius. Investigar erros inatos do metabolismo. Muitas malformações são diagnosticadas intraútero, mas em 16-25% dos bebês com ventriculomegalia aparentemente isolada haviam malformações associadas somente diagnosticadas após o nascimento como: lesões cardíacas, atresia de esôfago e renal e anormalidades genitais. Aneuploidia tem sido relatada em 3% das ventriculomegalias isoladas e em 36% quando associada a malformações. A trissomia do 21 tem sido associada com ventriculomegalia isolada em 3,8%.