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Terça-feira, 12 de agosto de 2014
JC JornaldaLei
Jornal do Comércio - Porto Alegre
DIA DO ADVOGADO
‘Não existe iniciativa do governo
Juliano Tatsch
[email protected]
ISAAC AMORIM/AGMJ/DIVULGAÇÃO/JC
Nascido em Uberlândia, em 11
de junho de 1975, Paulo Abrão é
mestre em Direito pela Unisinos e
doutor em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de
Janeiro. O secretário nacional
de Justiça tem uma ligação forte
com o Rio Grande do Sul. Além
do mestrado na Unisinos, é
professor da Pucrs, tendo sido
coordenador do departamento de
Direito Público da universidade
entre os anos de 2003 e 2007.
Também foi coordenador da
assessoria jurídica da Secretaria
Municipal de Educação de Porto
Alegre, e membro dos conselhos
municipais de Ciência e Tecnologia
e de Segurança Pública da Capital.
Além de acumular os cargos de
secretário Nacional de Justiça e de
presidente da Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça, é juiz do
Tribunal para a Justiça Restaurativa
em El Salvador. Como acadêmico,
também foi o organizador das
obras Assessoria Jurídica Popular
(Edipucrs), Diálogos em Direito
Público (Edipucrs) e Repressão
e Memória Política no Contexto
Ibero-Americano (Universidade de
Coimbra/MJ).
Criada pelo Ministério da Justiça
em 28 de agosto de 2001, a Comissão
de Anistia tem como missão analisar os
pedidos de indenização formulados pelas
pessoas que foram impedidas de exercer
atividades econômicas por motivação
política entre setembro de 1946 e outubro
de 1988. Por volta de 73 mil pedidos de
anistia política foram recebidos até agora
pela comissão. Desses, 63 mil já passaram
pela análise do grupo, que é presidido
pelo mineiro Paulo Abrão. Aos 39 anos de
idade, o secretário nacional de Justiça é
uma das vozes mais fortes do governo em
defesa de uma nova interpretação da Lei
da Anistia de 1979, que permitiu o retorno ao País de perseguidos políticos e, ao
mesmo tempo, serviu como
um salvo conduto para os
servidores públicos que
cometeram crimes durante
o regime militar.
Conforme levantamento do portal Contas Abertas, desde 2002, mais de
R$ 5,2 bilhões já foram
pagos em reparações econômicas a perseguidos
políticos do período militar.
As indenizações são pagas
de duas formas: parcela
única ou mensal e permanente. Ainda de acordo
com o Contas Abertas, do
total pago, R$ 3,9 bilhões
foram em prestações mensais e R$ 1,3 bilhão, em
indenizações retroativas.
Em torno de 40,3 mil requerimentos de
anistia já foram deferidos.
A passagem do aniversário de 50 anos
do golpe militar voltou a colocar em foco,
com grande visibilidade, diversas questões relativas ao regime autoritário e os
reflexos do período na atual democracia
brasileira. Uma delas é a Lei da Anistia.
Abrão já expôs posições firmes a respeito do assunto. Sobre a necessidade
de torturadores serem levados ao banco
dos réus, disse, em um artigo, que “não
se trata de revanchismo, pois não se
deseja torturar os torturadores, mas sim
processá-los e julgá-los segundo o devido
processo legal e o direito ao contraditó-
rio”. Em outro texto, afirmou que “apenas
um legalismo deturpador pode sustentar
que a figura ‘crimes políticos’ abrangeria
condutas como o ‘estupro político’ ou o
‘choque elétrico político’. Nenhuma lei
conseguiria considerar a tortura crime
político, implícita ou explicitamente”.
Em entrevista ao Jornal da Lei, o
secretário nacional de Justiça fala sobre
o contexto político no qual a lei foi criada
e aprovada, sobre a necessidade de o
Estado brasileiro cumprir a sentença
condenatória emitida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e sobre
a proposta em tramitação no Senado
que revisa o entendimento da lei, entre
outros pontos.
Jornal da Lei - Quando a Lei da
Anistia foi criada, o contexto político e social talvez não
permitisse uma legislação muito diferente da
que foi instituída, pois
era preciso apaziguar
a situação. Hoje, entretanto, o cenário é outro. Passados 35 anos
da criação da lei, qual a
avaliação que pode ser
feita de seus efeitos na
sociedade brasileira?
Paulo Abrão - A
luta pela anistia é uma
luta pela liberdade. Em
um primeiro momento,
os movimentos sociais
clamavam pela anistia
ampla, geral e irrestrita.
Posteriormente, o governo fez uma lei. Essa lei foi
aprovada por um Congresso controlado
e não democrático, inclusive com senadores biônicos, cerca de um terço deles.
Esse projeto de lei foi aprovado por uma
votação apertada, inclusive (206 votos
a favor e 201 contrários). O conceito de
anistia, nesse segundo momento, se
apoiava na ideia de impunidade. Já na
Constituição Federal de 1988, a ideia de
anistia era diferente, era de reparação.
A anistia foi entendida como reparação
pelos constituintes. Não é à toa que o
Estado brasileiro criou a comissão de
reparação, com o nome de Comissão de
Anistia, a qual eu presido. Hoje, por sua
vez, os movimentos sociais e de direitos
“Foi uma
lei imposta.
Quando uma
ideia é vendida
como tudo
ou nada, se
trata menos de
um acordo e
mais de uma
chantagem.”
humanos trabalham para associar o
conceito de anistia ao conceito de verdade e justiça.
JL - O senhor já se manifestou
publicamente dizendo que não se
trata de revisar a Lei da Anistia, e
sim de interpretá-la adequadamente. O que significa isso?
Abrão - O significado do conceito
de anistia está em permanente transformação. Existe um debate consistente
sobre isso. Nessa discussão, se diz que
a lei de 1979 não prevê em nenhuma
de suas linhas, em nenhuma de suas
palavras, o perdão ao crime de tortura.
Nesse debate, se defende que a tortura não é crime político e que a ação do
agente torturador foi uma ação paralela
às ações oficiais do regime. Não havia
autorização da ditadura para a tortura,
pois não existiam leis que permitiam a
sua prática. Por isso, se afirma que não
se constituía em crime político. Foram
os tribunais superiores que alargaram
as interpretações da lei, dizendo que a
abrangência dela valia para toda e qualquer conduta relacionada à resistência
e à repressão. No mundo jurídico, essa
interpretação se tornou comum. A narrativa política dá sustentação às interpretações que o Judiciário teve. Essa
narrativa diz que a Lei da Anistia foi
um acordo necessário para a redemocratização do País.
JL - Quem defende a manutenção da interpretação da lei como
está fala que ela foi resultado de
um acordo político necessário na
época.
Abrão - O Congresso tinha duas
leis para votar. A oposição apresentou
uma proposta de anistia ampla, geral e
irrestrita. Ela foi derrotada. Uma anistia restrita foi aprovada, como queria o
governo. Como falar em acordo político
se um lado foi derrotado? Foi uma lei
imposta. Quando uma ideia é vendida
como tudo ou nada, se trata menos de
um acordo e mais de uma chantagem.
O acordo político para a transição não
aconteceu em 1979. Ele ocorreu em
1985.
JL - O Brasil já foi condenado
pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos por não cumprir
os tratados internacionais dos
quais é signatário e deixar impune
Transformações culturais precisam partir da sociedade, diz Maria do Rosário
Suzy Scarton
[email protected]
Entre janeiro de 2011 e abril
de 2014, a gaúcha Maria do Rosário ocupou a titularidade da
Secretaria dos Direitos Humanos
da Presidência da República.
Como responsável pelas ações
referentes ao tema, a então ministra e atual deputada federal
(PT) teve de lidar com questões
relativas a reparações e responsabilidades do Estado sobre as
violações ocorridas durante o
regime militar.
Mesmo pressionada pela Organização das Nações Unidas, a
presidente Dilma Rousseff não
aprovou a iniciativa que busca
a revogação da Lei da Anistia.
Maria do Rosário justifica a posição da presidente tecendo a ideia
de que essa solicitação deveria
partir da sociedade. “É uma medida que deve unir os esforços do
parlamento e da sociedade brasileira, que traga uma mudança
cultural. Tal alteração precisa
envolver as novas gerações na
luta pela punição dos criminosos
da ditadura. Não é algo a ser imposto pelas autoridades”, reflete.
Para a ex-ministra, a condenação dos crimes seria vital para
completar a transição à democracia. “Esses atos violentos praticados pelo Estado formaram uma
geração de agentes, de policiais,
de membros de Judiciário. Se
tomarmos a decisão de estancar
isso, ainda que o efeito não possa
ser sentido com a responsabilização criminal, a retirada do direito
de anistia dos agentes do Estado
vai dar uma visão diferente no
enfrentamento dessa violência.”
Entretanto, ela admite que
a questão não é tão simples,
uma vez que um dos principais
subterfúgios é o pacto de silêncio
que os militares fizeram entre
si. “A busca por esclarecimentos
é o maior legado. A força da Co-missão da Verdade, por exemplo,
não é um fim em si mesmo. Faz
parte de um processo de tomada
de consciência do País diante das
violências praticadas naquela
época, que foram disfarçadas de
crime político”, explica.
Uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
de dezembro de 2010, condena o
Estado brasileiro a investigar os
fatos e apontar culpados pelos abusos cometidos durante a repressão
à Guerrilha doAraguaia. Criou-se
então, a dúvida: a sentença teria
validade, uma vez que a Lei da
Anistia já vigorava no País? Maria
do Rosário afirma que sim. “Os
crimes de desaparecimento são
crimes prolongados, uma vez que
os corpos nunca foram encontrados. Tortura é imprescritível,
inafiançável. São atos contra a
humanidade”, reitera.
Para a ex-ministra, é praticamente impossível que os familiares das vítimas encontrem
paz caso a ideia de revogação
da lei seja descartada. “Essas
pessoas foram apresentadas
como terroristas. Foi dito que
elas foram mortas por terem resistido à prisão. Na maioria das
vezes, foram assassinadas de
forma covarde depois de sessões
bárbaras de tortura”, relata. “Os
parentes sempre têm esperança
de descobrir o que realmente
ocorreu, não importa quantos
anos já tenham se passado. O
Estado deve isso a eles.”
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`Não existe iniciativa do governo