Foi esse brilho que alertou a gota de água da chegada do caracol. Por enquanto estava no princípio da subida e não corria perigo, mas perto dela o talo era mais fino e, à medida que se aproximasse, o peso do caracol faria tremer as flores e provocaria a sua queda. Gritou com todas as forças da sua voz de água, mas o caracol não a ouviu. Prosseguia o seu passeio matinal parando em cada ramo para apreciar a vista, pouco interessado no que se passava lá em cima. Tanto se esforçou a gota para chamar a atenção do caracol que quase perdeu o equilíbrio e, se não tivesse tanto medo de ficar reduzida a uma minigota, teria começado a chorar. Tão ocupada estava em não desviar o olhar do trajecto do novo invasor, ela que tinha corrido tantos perigos pequeninos, que não teve tempo de pensar no maior de todos: o sol. Pouco a pouco, enquanto a gota estava distraída, o sol fez-se mais quente e foi evaporando a sua água, e quando deu por si já estava outra vez sentada numa nuvem rodeada de milhões de gotas vaporosas, prontas a deixar-se cair quando lhes chegasse a ordem de chover. A Gota de Chuva Era uma vez uma gota de chuva. Apareceu com os primeiros raios de sol e era tão redonda, brilhante e transparente que parecia uma pedra preciosa esquecida por uma fada numa pétala de rosa. Enquanto as outras gotas falavam e se divertiam a deslizar pelas folhas das outras plantas do jardim, a gota redonda nem se Cristina Norton O Barco de Chocolate Lisboa, Dom Quixote, 2007 mexia. Não queria estragar a sua forma e temia que o mais pequeno movimento a dividisse em muitas gotinhas sem o mesmo brilho. Um beija-flor, que saiu do seu esconderijo com a claridade que veio depois da chuva, aproximou-se da rosa para provar o seu néctar. que a folha no alto da roseira era o lugar ideal para lançar o fio mais comprido. Mas a gota redonda pediu-lhe para ir tomar o pequeno-almoço noutro A gota tentou afastar o perigo explicando os seus porquês. A lado. O movimento rápido que o pássaro tinha de fazer com as asas aranha, que era muito resmungona, ficou zangada de ter de refazer para se equilibrar no ar podia fazê-la rebolar pela pétala abaixo e cair no chão. uma parte do trabalho por causa de uma gota maçadora e, depois de uma troca de palavras desagradáveis, continuou a tecer a rede com O beija-flor reconheceu que ela era muito bonita e, como nunca a baba que saía da sua boca para esse efeito. lhe tinham feito um pedido semelhante, acedeu ao desejo da gota. Mas a gota teimosa encontrou tantos argumentos para a Ainda que lamentasse perder um sumo tão delicioso, virou-se, deu dissuadir, que a aranha, farta de ouvir um nunca acabar de palavras uma vista de olhos pelos canteiros e voou rapidamente em direcção que lhe cortavam a inspiração, decidiu mudar de rumo e poisar a às Camélias. última ponta da teia na Glicínia. Pouco tempo depois, um mosquito aterrou numa folha da Enquanto continuava redonda e brilhante, sem se mexer, roseira. Tinha a garganta seca por ter feito uma longa viagem desde pensava como era difícil a vida naquele jardim. Tinha de lutar pela sua o pinheiro, onde dormia, e pensou que aquela água era do tamanho sobrevivência com toda a imaginação e usar do poder da palavra para ideal para acabar com a sua sede. se defender dos mais fortes. A gota redonda pediu-lhe para ir beber à poça de água formada Das gotas brincalhonas não ficavam nem rastos; teve os seus na terra, ao pé das raízes da Buganvília, pois tinha visto outros momentos de inveja ao ouvi-las rir e cantar, mas agora não se insectos voarem nessa direcção e o lugar devia ser mais do seu arrependia de todos os seus cuidados. Afinal, ainda lá estava no agrado. O mosquito, que gostava de beber em boa companhia, mesmo lugar em que tinha caído do céu. concordou e fez um voo a pique até ao charco, onde encontrou alguns Um caracol dorminhoco que não gostava de madrugar acordou amigos que já lá estavam desde a madrugada. A gota suspirou aliviada e descansou alguns minutos de todos com o piar de uns pardais que disputavam os bagos de arroz espalhados na noite anterior à volta da gamela do cão. estes contratempos. Pôs as antenas de fora, esticou o pescoço, olhou em redor e O sossego durou pouco porque, de repente, viu avançar na sua decidiu dar um passeio. Nada melhor para começar bem o dia do que direcção uma aranha com idade para ter teia própria. Vinha devagar, escalar uma planta. A roseira onde tinha passado a noite parecia-lhe tecendo a linha da sua rede com cuidado, tentando não se enganar a mais indicada. O seu talo era largo, liso e tinha poucos espinhos. nas voltas para não ficar presa na sua própria armadilha. Faltava-lhe Começou a subir lentamente, deixando ao passar um largo rasto de pouco para acabar a sua primeira obra e, quando olhou em frente, viu baba brilhante.