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Alternativo
O Estado do Maranhão - São Luís, 10 de janeiro de 2014 - sexta-feira
"A maneira como o
'Confissões' encarou
os adolescentes foi
importante. Quando
eu vi a peça no
teatro, caí aos
prantos. Era a voz
dos jovens"
Daniel Filho, diretor de
cinema e televisão sobre
ter feito a série Confissões
de Adolescentes,
nos anos 1990
Hoje é dia de...
Café de La Musique
Meia-entrada
Prorrogado até este fim de semana a
programação do Café de La Musique na
Casa dos Smith (Avenida Litorânea),
começando sempre às 22h. Hoje tem os DJs
Diego Moura, Carol Legally, Klinger e o
italiano Giona Guidi (Café Armani – Milão).
Amanhã, será a vez da dupla Léo Verão e
Daniel Freitas, com seus arranjos de rock
misturado com ritmo sertanejo. Domingo,
para o encerramento, foi escalado o DJ
alemão Tocadisco, parceiro de nomes como
David Guetta e Steve Angelo. Os ingressos
estão à venda na bilheteria da Casa dos
Smith e na Ótica Diniz (Tropical e Shopping
da Ilha). Informações: (98) 3199 1054,
8428 8198 e 91937156.
A venda de ingressos com meia-entrada para o show de O
Rappa acontece hoje, a partir das 9h no Trapiche (Ponta D’
Areia). A compra só será efetuada mediante apresentação da
carteira e será vendido apenas um ingresso por pessoa. O show
acontece no dia 25 na Lagoa da Jansen.
Passeando pelo meu passado
Ubiratan Teixeira
F
az algum tempo, lá pelos idos dos anos 40
do século passado, fui proprietário de um
negro: um negrinho de minha idade, mesmo assim minha propriedade, assim como ele
mesmo se considerava e nós maranhenses considerava.
A posse foi simples e linear; um acidente doméstico envolvendo incestos, burlas sexuais,
amores proibidos, cios incontidos.
Filomena era a negrinha bem-amada de Dona Dica, matriarca assumida de nosso clã, que
sujigava sua mucama como bem de raiz e como
instituição que deveria se manter castiça – ah!
Mas quem refreia o grito da carne quando ela,
sumarenta, se fende em desejos, palpitações humosas, arquejantes apelos?
Do fundo de sua origem zuniram as setas sensuais dos orixás fecundantes fazendo com que
o desejo úbere de Filoca se manifestasse em fúria acontecendo em secretos rituais nas madrugadas da penumbrosa morada inteira da Rua
dos Afogados. As canções gemidas em prazerosos tons que emanavam dos porões da casa, os
suspiros de um peito farto e aqueles odores adocicados que emanavam dos secretos rituais penetravam minha câmara de donzelo pelas frestas das tábuas do assoalho.
— Seu Viégas, estou escutando rumores estranhos no porão da casa, todas as noites, comentava minha mãe durante o café.
— Vou trazer um pelotão da 1ª Companhia para acabar com esses ratos, prometia
o Sargento.
E os ratos gemiam, resfolegavam, suspiravam fartos.
Um dia Filomena amanheceu com enjoo e
nos seguintes vivia pelos cantos pálida e suarenta, vomitando tudo o que comia.
— Isso é verme, comentava meu pai. Vou
trazer um vidro da “Panvermina” pra empurrar nela.
— Carece não, seu Viégas; que isso é essas
sarandágens que ela vive comendo escondi-
— Suas vergonhas foram visitadas: não
tá vendo?
No tempo adequado o cafuné de Dona Dica foi levada para desovar o ratinho na maternidade do Estado, bem ali na Rua dos Remédios; e eu fui encarregado de saber se era
macho ou fêmea.
Cheguei amedrontado na casa de saúde,
sem ainda saber direito de que se tratava, na
minha cabeça despida de qualquer conceito
Pegou sua camisola de dormir, suas
grampinas, seus panos rendados, seus
brincos e pulseiras, seus pós de arroz e sumiu
numa nuvem de Cashmere Bouquet
do da gente. Essa pequena é mais esgalgada
que sei lá o quê!
E enfiavam purgante de sal amargo goela
abaixo da criatura que engolia a beberagem sem
tugir nem mugir, veio a tal da “Panvermina” entre outras mezinhas sem maiores resultados, até
que chamaram Dona MundicaPecoapá para indagar dela se poderia dar uma pista sobre o mal
que estaria definhando com a pobre danigrinha.
— Chiii, Dona Dica! Tem mal nenhum; se
tem, já foi praticado. Não tá vendo que a descarada tá é prenha?
— Como assim?
ou preconceito nessa área, o nascimento de
uma criança deveria ser uma coisa misteriosa, um tanto quanto suja, senão imoral, vejam como as coisas mudam.
“Menina”, disse quando voltei. E o sargento Viégas foi registrar a menina: DorotyLamour, a pedido de Dona Dica, fã de carteirinha da rainha do Pacífico.
Quando no dia seguinte foram visitar a “Dorotilamur”, assim como assentou o escrivão do
Cartório no livro de registros, do que mais se admiraram foi dos “argumentos sexuais” do bebê.
— Seu côrno! Tu não conhece mais piroca de
macho, repreendeu o sargento ali mesmo ao pé
da cama, na Maternidade.
(Ainda hoje existe uma Dorotilamur zanzando por aí, enquanto o varão que deveria estar
deliciando donzelas com sua espada de alegrar
entre/pernas, assumiu o seu Doroty pessoal).
Crescemos juntos, praticamente. Cuidei dos
seus cuidados enquanto entendidos, ensinei o
fedelho a andar, falar e rezar, a rir e urinar como
homem, tudo como homem. Era meu: ganheio na borda do berço; servi-o antes que me servisse – que quando estava no ponto de me servir, não servia mais.
Pegou sua camisola de dormir, suas grampinas, seus panos rendados, seus brincos e pulseiras, seus pós de arroz e sumiu numa nuvem de
Cashmere Bouquet.
Apareceu alguns anos depois; linda como
uma deusa africana de boa origem; airosa naquele cafetã de pano da Costa,belos seios, bunda empinada, coxas resistentes, dentadura perfeita. Oito anos mais novo que eu, parecia uma
estátua adulta.
Confesso que fiquei fascinado no primeiro
instante; nunca imaginava que pudéssemos produzir uma transformação tão radical sem o auxilio do bisturi. E senti que não havia me enganado quando falei mulher. Perguntar por onde
teve andado, nem pensar. Abençoei-lhe como
manda o ritual e confesso que invejei. O leitor
pode pensar mal de mim; mas o invejei.
Por que havia acertado na mosca naquela
manhã de maio de 1939: Menina.
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