Fundação CEPEMA ano I - Nº 1 - Agosto 2007
LAR DA RAINHA:
Apicultura e
Agrofloresta no
Sertão Central
Cearense
Frente Cearense por uma
Nova Cultura de Águas e
Contra a Transposição do
Rio São Francisco - entrevista
com Magnólia Said
SÍTIO BOM
JARDIM NA SERRA
DA IBIAPABA:
Dona Terezinha e a
natureza de mãos dadas
para recuperar a vida
Fundação CEPEMA
e Ministério do Meio
Ambiente/PDA
contribuindo para o
desenvolvimento do
Maciço de Baturité
Seu Gerardo e Maycon:
Lições de vida (Serra da
Meruoca)
Editorial
Índice
Ponto de Vista ............................................................................ 03
Lar da Rainha: apicultura e agrofloresta no Sertão Central do
Ceará ........................................................................................... 04
Agente de Agricultura Ecológica: a terra trabalhada por outros
olhos e mãos ............................................................................... 08
Parcerias em Prol da Agrofloresta ........................................... 12
Geração de Renda e Preservação Ambiental, Agrofloresta às
Margens do Sitiá (Quixadá) ..................................................... 14
(Capa) Sítio Bom Jardim na Serra da Ibiapaba: Dona Terezinha
e a natureza de mãos dadas para recuperar a vida .................. 16
Sempre é Tempo de Aprender ................................................. 20
Estudos com Geoprocessamento no Maciço de Baturiré ....... 23
Maciço de Baturité: duas mulheres, duas histórias de respeito e
amor à natureza .......................................................................... 25
Frente Cearense por uma Nova Cultura de Águas e Contra a
Transposição do Rio São Francisco (entrevista com Magnólia
Said) ............................................................................................ 28
Mais do que uma revista, Agrofloresta é
um registro de histórias de vida e de amor
ao meio ambiente. É o
reencontro da mulher Danilo Galvão no SAF de Dona Noda Rocha, comunidade Jardim e do homem do campo emi
Mulungu/CE.
com a natureza, através da compreensão da importância da preservação
ambiental e da prática ecológica do manejo agroflorestal. Relatar o sucesso de experiências de implantação de sistemas agroflorestais pelos olhos e bocas
de agricultoras como Dona Terezinha, Dona Noemi e
Dona Irene, ou de agricultores como Seu Gerardo, Seu
Aroldo e Tadeu foi o impulso que motivou a Fundação
CEPEMA a apostar na publicação de uma revista sobre
agrofloresta.
Convidamos você a passear conosco pelo interior do
Ceará. Tomar um suco de acerola com Dona Noemi,
olhando seu quintal na comunidade Jardim, Mulungu,
ou sentar, com um cafezinho da hora, na varanda do
sítio de Dona Irene em Guaramiranga, cidades do
Maciço de Baturité; saborear o mel do apiário Lar
da Rainha em Tapuiará, distrito de Quixadá, Sertão
Central ou conversar com o menino Maycon na casa
de farinha do sítio do avô, Seu Gerardo, em Alcântaras na Serra da Meruoca. E quem sabe acompanhar,
junto com Seu Aroldo, o reflorescer das margens do
rio Sitiá ou aprender com Dona Terezinha o porquê de
investir em agrofloresta.
E, no meio de tantas histórias de vidas, conhecer o
trabalho realizado pela Fundação CEPEMA e seus parceiros em defesa do meio ambiente, da agricultura familiar, trilhando um caminho para o desenvolvimento
humano, sustentável e solidário. O convite está feito,
agora cabe a você aceitá-lo!
Danilo Galvão, presidente da Fundação CEPEMA
FUNDAÇÃO CEPEMA
17 anos de história
Sobral, 1989. Nasce o Centro de
Educação Popular em Defesa do Meio
Ambiente, CEPEMA, com apoio da organização não-governamental sueca, Framtidsjorden (Terra do Futuro). Dois anos
depois, o Centro transforma-se na Fundação Cultural Educacional Popular em
Defesa do Meio Ambiente.
Inicia, assim, o caminho em direção
da segurança alimentar e da educação
2
em agricultura orgânica. Reuniões, cursos, conversas informais com agricultores
e agricultoras começam a despertar uma
consciência ecológica em mulheres e homens do campo. A semente para o desenvolvimento sustentável está, então,
lançada.
Com ações que vão de programas
de rádio – como o “Natureza de Todos
Nós”, produzido entre 1990 e 2000 – a
cursos de formação, como os de agente de agricultura ecológica, ADAE, realizados sistematicamente há 14 anos, a
Fundação CEPEMA firma sua atuação em
prol do fortalecimento da agricultura familiar.
Dezessete anos passados, a Fundação CEPEMA assume o desafio do
desenvolvimento sustentável através da
agrofloresta e educação ambiental. Expande suas ações pelo interior cearense
– Maciço de Baturité, Serra da Meruoca,
Serra da Ibiapaba e Sertão Central – e
em Fortaleza, trabalhando diretamente
com agricultores e agricultoras e com a
juventude do campo e da cidade.
Ponto de Vista
O Roçado é a Escola do Agricultor
Quando afirmamos que o roçado
é a escola do agricultor, estamos dizendo que é na pedagogia da vida do
trabalho que se vai construindo, moldando os conhecimentos adquiridos,
ao mesmo tempo em que se produz
o alimento. Tais saberes sobre a compreensão da ecologia do sistema vêm
se processando ao longo das gerações
com maior ou menor complexidade.
Iniciar uma agrofloresta sem partir desse princípio, ou seja, sem considerar essa sabedoria é o primeiro passo
para o insucesso dos sistemas agroflorestais (SAFs). Portanto, é premissaa
básica manter não somente o diálogo
com a biodiversidade, mas, fundamentalmente, com quem a maneja. Sair do
discurso técnico dos SAFs e mergulhar
no humano que é o elemento interventor.
Este é um desafio recorrente paraa
que se possa desencadear um processo de retomada da harmonia entre
cultura e vida. Não se trata apenas de
decodificar a funcionalidade do sistema, saber interpretá-lo, reconhecer
os níveis sucessórios e as espécies que
devem entrar ou sair em determinado
momento. Trata-se sim de como esse
humano se vê no contexto, se parte
integrante e interdependente ou totalmente desassociado do ecossistema.
Não podemos negar que sem o
humano não há agroflorestas ou sistemas agroflorestais. E, para que esse
humano possa interagir de forma positiva, gerando sinergia no ambiente
circundante, é necessário desvelar-se e
compreender que somente através das
próprias indagações sobre si mesmo e
sua realidade, na conjuntura a qual se
insere, será capaz de suceder a um estado crítico e liberto.
Wilkson Gondim (ao centro) - Curso de ADAE
em Quixadá 2005
Daí, a importância do roçado
como instrumento pedagógico. A partir das observações no ambiente de trabalho, das tentativas, erros e acertos,
AGRICULTURA AGROFLORESTAL
o indivíduo passa a se apropriar dos
conhecimentos gerados com os componentes que o integram. O roçado,
portanto, é o início de todo nosso trabalho de aprendizado enquanto técnicos educadores/educandos.
Com as problematizações criamse as condições necessárias para a consolidação dos SAFs, não pelo interesse
puramente econômico, outrossim pela
necessidade íntima do humano que,
na sua condição natural, é um ser de
grande funcionalidade no ecossistema
planetário. Esse agora sujeito reconhecedor da importância da vida e do trabalho vivo se ergue livre e consciente
de suas funções enquanto parte do
todo, fazendo o que chamaremos de
biocultura.
Nesse processo vão se materializando novos conceitos, surgem novos
v
valores,
ou despertam valores adormecidos, de tal modo que não mais será
necessário prever recursos ou fazer
investimentos, pois tudo acontecerá
involuntariamente. Estaremos ecologicamente integrados.
Wilkson Gondim
Técnico Educador Agroflorestal
da Fundação CEPEMA
Fundação CEPEMA
Danillo Galvão
Presidente
Henrique César Paiva Barroso
Vice-Presidente
Francisco José Lima
Dir. Adm. Financeiro Patrimonial
Adalberto Alencar
Coordenador Pedagógico
Escritório de Fortaleza
Rua Crateús, 1250 - Parquelância,
Fortaleza-Ceará
Cep.: 60.455-780 - Fone: 3223-8005
e-mail: [email protected]
www.fundacaocepema.org.br
Fonte: Ernst Götsch
3
APIÁRIO LAR DA RAINHA:
DOCE RECANTO DA NATUREZA
“Mel... eu quero mel. Quero mel de toda flor. Colorido sabor do mel de toda flor...”
Dos 39 anos de vida, 20 foram dedicados, especialmente, ao trabalho com abelhas quando conheceu a apicultura em um curso que fez em 1986. É assim que resumiríamos boa parte da vida de Francisco Tadeu Barros Silveira
que mora num lote da Fazenda Nova, distrito de Tapuiará
em Quixadá, Sertão Central cearense. Caçula de sete irmãos
e ainda solteiro, Tadeu fez da apicultura sua principal fonte
de renda, mas se orgulha de ser agricultor. “Sou agricultor
graças a Deus”, diz sorrindo. “Eu gosto de sertão e prefiro
ficar aqui, mesmo sendo difícil muitas vezes. Mas, eu associo meu bem-estar a estar aqui”, conclui.
1995 a 2002], mas com os juros ainda de 16% ao ano.
Muito alto e muito difícil de pagar. Eu paguei porque eu
tenho compromisso de pagar as minhas contas”.
Para Tadeu, os incentivos melhoraram depois do fim
do governo do Fernando Henrique. “Os juros ficaram em
torno de 2 a 4 % e, hoje, ainda tem um bônus se você paga
em dia. Depois do FHC melhorou e muito”, analisa. “Hoje
todo mundo quer trabalhar com abelha. Isso faz com que
os bancos queiram essa linha de financiamento”, avalia com
base em sua própria região que, segundo ele, há uns cinco
anos atrás, tinha 3 ou 4 apicultores e só no ano passado
foi formado um grupo com 200 apicultores, através de um
convênio com a prefeitura de Quixadá. “Eu não sei o número, mas, aqui, já deve ter umas 400 pessoas trabalhando
com abelha”, diz.
É um pouco dessa experiência que Tadeu compartilha
conosco.
Montando um apiário
C
lid d d
d reconhecida
h
Com
a qualidade
do mell que produz
e
com uma freguesia formada, o Lar da Rainha, nome que
Tadeu deu ao seu apiário, tem uma média de 75 caixas
povoadas. Só no ano passado, produziu dois mil litros de
mel, equivalente a mais ou menos três mil quilos. A situação relativamente estável em que vive hoje nada lembra as
dificuldades dos primeiros anos do apiário. “Eu não tinha
investimento pra começar, mesmo assim, eu comprei uma
caixa. Eu sofri bastante no começo”, lembra Tadeu a falta de
incentivo público para o pequeno agricultor e agricultora
que quer iniciar uma atividade produtiva.
“Fui, várias vezes, ao banco atrás de empréstimo, mas
não conseguia. Além de ser pobre, que já não é bem recebido pelo gerente, ainda falava de apicultura... Não tinha a
menor possibilidade”. Relembra Tadeu os primeiros anos
como apicultor em uma época quando os empréstimos
bancários só eram feitos com quantias muito altas. “Você
não conseguia um empréstimo pequeno. Eu vim conseguir
o primeiro empréstimo no último ano da administração do
FHC [Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de
4
“Mel... eu quero mel Quero mel de toda flor.
Da margarida sempre viva, viva. Gira, gira,
girassol. Se te dou mel pode pintar perigo e
logo aqui, no meu quintal. Cuidado, pode
pintar formiga, viu?”
O primeiro passo para quem deseja criar abelhas é investir em sua própria formação. “Em primeiro lugar, precisa
fazer um curso com os kits básicos para que se tenha noção
do que está fazendo e para que você não venha ter prejuízo.
Eu não aconselho ninguém ir criar abelha sem ter passado
por uma formação por pequena que seja.”, diz Tadeu que
Conhecer para cuidar
“Mel... eu quero mel. Quero mel de toda flor. Da
rosa, rosa, rosa amarela encarnada, branca como
cravo, lírio e jasmim. Eu quero mel pra mim”
f seu primeiro curso sobre
fez
b apicultura
l
em 1986.
6 O curso é
necessário para se aprender a manusear a abelha, considerada um inseto agressivo. “Ela não é tão agressiva depois que
você conhece. Esse espanto que as pessoas têm de abelha é
por falta de conhecimento”, completa.
Adquirir caixa padronizada e cera para montar casas
que viram verdadeiras iscas para enxames migratórios é o
passo seguinte. “A abelha sai pra passear e encontra uma
caixa com cheiro de cera que você ajeitou. Se não tem inseto, aranha, nem barata. Você passou um marmeleiro, uma
cidreira pra ficar com cheiro agradável. Então é comum que
a abelha volte e vá buscar o enxame”. Para Tadeu essa é a
melhor forma de capturar abelhas. “Você pode colocar um
ferormônio [substância segregada especialmente por insetos
que serve de comunicação entre indivíduos da mesma espécie],
mas eu não acredito que precise. Nunca usei e sempre peguei enxame na época das migrações”, diz.
A caixa padronizada custa entre 70 e 100 reais e há,
também, o custo com a cera. “Para montar uma colméia,
a pessoa gasta em torno de 100, 120 reais”, avalia Tadeu.
A quantidade de caixas em um apiário para iniciantes deve
seguir a capacidade de produção. “Pode ser de 10 até 15
colméias, mas ele tendo local e tempo disponível. Porque
o primeiro e segundo ano seria um pouco de colheita, um
pouco de mel e muito de aprendizagem”, completa. Outra
forma interessante de começar é com uma Casa do Mel coletiva. “Juntar um grupo que está trabalhando com abelha
porque aí o grupo compra a Casa do Mel e cada um pode
começar com 10 colméias ou até menos”, diz Tadeu.
A Casa do Mel tem lugar de destaque no apiário porque é lá que se beneficia o mel. Os cuidados com a higiene
começam na construção. O piso tem que ser fácil de limpar (há preferência por azulejos); a casa deve ser totalmente
forrada para evitar a entrada de insetos como as formigas.
“Depois que colhe, tem que centrifugar. Aí vai ter que ter
decantador inox e local higiênico para fazer o trabalho”, explica Tadeu que diz ter “uma Casa do Mel pequena, mas
com bom piso, forrada e bem cuidada”. O material básico para o beneficiamento é a centrífuga, decantador inox,
mesa, garfo, máscaras, luvas e toca. São esses equipamentos
que elevam o custo inicial na montagem do apiário.
O manejo de um apiário requer da apicultora e do
apicultor um olhar atento e freqüente às colméias. “Eu faço
uma visita ao apiário e vejo se a abelha está com dificuldade
de voar, se a casa tá limpa. O brilho dela, a rapidez com que
ela voa”, diz Tadeu que prefere manter as caixas fechadas
e acompanhar a produção, interferindo o mínimo possível
no andamento natural da colméia. “Eu tento compreender
a abelha. Posso passar um ano sem abrir uma colméia ou
abrir mais vezes se eu perceber que a minha interferência vai
ajudar”, completa. Manter as caixas lacradas evita a exposição das abelhas a vírus, fungos, lagartixas e outros animais
que podem atacar a colméia.
A abelha mais comum na região é a mestiça, fruto
principalmente do cruzamento da abelha africanizada, que
é menor e mais escura, com a abelha italiana que é maior e
amarelada. De acordo com Tadeu, a abelha africana é mais
agressiva, mas trabalha bastante. Enquanto a italiana é uma
abelha mais dócil, mas menos trabalhadeira. “Nós temos
o meio termo, nem tão agressivas, nem tão trabalhadoras.
Essa abelha mestiça consegue dar uma média de mel na colheita muito boa”, diz Tadeu. “Essa regra não é prego batido
de ponta virada não. Ela tem exceções, mas numa primeira vista há essas diferenças”, diz Tadeu, chamando atenção
para a grande diversidade da espécie.
A produção do mel é relativa porque depende dos períodos de florada que nessa região é geralmente entre maio e
junho. Mas, com um enxame forte, em tempo de produção,
pode-se ter mel em até um mês depois do apiário pronto.
“O pico da florada que é o pico de produção é um período
curto. Como a gente já destruiu quase tudo de natureza,
a gente não consegue ter mais produção de mel na época
de algumas floradas como da aroeira, do juazeiro... A destruição foi grande demais e você não consegue”, lamenta
Tadeu. “Aí sim, a minha interferência pra abelha produzir
mais tempo é plantar árvore, é preservar. É não criar boi,
ovelha dentro do meu lote pra eu poder ter flores”, ensina.
5
“Mel... você quer mel?”
A maior parte da produção do apiário Lar da Rainha
é vendida no comércio local, mas há também a venda em
eventos promovidos por organizações sociais e a freguesia
fiel que compra direto com o produtor. “Eles ligam pra
mim e compram até uma caixa”, diz Tadeu. Quando chega
às mercearias e supermercados de Quixadá, o mel do apiário de Tadeu ganha lacre e o rótulo “Lá da Rainha”. Uma
jogada publicitária com o nome do apiário. “Eu penso em
qualidade, mas eu também penso na segurança e no meu
negócio. O que chega pro comércio vai em vasilhame com
lacre que é pra, exatamente, não haver nenhum problema”,
completa Tadeu.
A preocupação é justificada por um passado não muito distante quando era comum a prática de adulterar o
mel, misturando açúcar e outros produtos para aumentar
a quantidade e o peso. “As pessoas enganavam mesmo o
cliente com misturas. Mas, eu procuro levar para o meu
cliente o melhor de mim. Eu procuro conversar com ele e
falar sobre o mel”, diz. O diálogo que Tadeu trava com sua
clientela, além de criar laços de confiança, ajuda a divulgar
informações sobre o mel. “A falta de conhecimento do consumidor faz com que ele olhe e ache que o mel tem alguma
mistura, mesmo com a pessoa vendendo mel de qualidade”,
explica ele que também é ADAE, agente de agricultura ecológica do CEPEMA.
A informação é importante porque não conhecer o
produto pode prejudicar as vendas. Um caso muito simples
é a desconfiança que se tem quando o mel cristaliza. “O
mel que cristaliza sempre é um mel de boa qualidade e o
consumidor acha que é porque tem açúcar, mas muito pelo
contrário. Se houve a cristalização é porque o mel tinha um
teor X de açúcar e de glicose, mas das flores e foi isso que fez
esse mel cristalizar e não porque alguém adicionou alguma
mistura”, ensina Tadeu. “Todo mel cristaliza, vai depender
da temperatura e de vários fatores que fazem o mel cristalizar. E muito consumidor não sabe disso”, enfatiza.
Outra preocupação de Tadeu são os cuidados com a
higiene. “Tem que ter as noções básicas de higiene. Cuidar
da qualidade, usar tambores só pro mel; ter um decantador
inox, trabalhar com luvas, máscaras, toca e num local bastante higiênico como deve ser a Casa do Mel. Tudo pra não
ter problema com contaminação”, lembra. E para garantir
sua autonomia no mercado, Tadeu tem mais uma regra.
“Eu não vendo todo o mel pra um só negociante, um atravessador. Se eu faço isso eu não vou ter mais meu rótulo no
mercantil. Eu vou vendendo à medida que vão querendo”,
diz. Segundo ele, o mel se bem conservado, pode durar até
dois anos.
Então, “vem me dar um mel que eu quero me lambuzar. Mel... eu quero mel...”.
Tadeu com uma colméia do seu apiário Lar da Rainha.
APICULTURA:
ECOLOGIA E GERAÇÃO DE RENDA
“Mel. Quero mel de toda flor... Da assussena,
violeta, flor de lis, flor de lótus, flor de cactos,
flor do pé de buriti. Dália, papoula, crisântemo.
Sonho maneiro, sereno, fulô do mandacaru. Fulô
do marmeleiro, fulô de catingueira, fulô de laranjeira, fulô de jatobá. Das imburanas, baraúnas, pé de cana, xiquexique, mel da cana, cana
do canavial...”
6
Tadeu Barros Silveira.
Cerca viva na área de SAF - lote de Tadeu Barros na Fazenda Nova, distrito de Tapuiará - Quixadá/CE.
“Eu vou preservando a natureza e a abelha vai fazendo a parte dela”. A simplicidade com que Tadeu resume
sua lida como apicultor expressa sua compreensão da importância do equilíbrio entre o trabalho humano e o meio
ambiente, já presente em seu cotidiano. “A gente aprende a
viver, a trabalhar a natureza. Com o debate e a experiência,
a gente abre a mente e aparecem novos horizontes”. É com
esse espírito que Tadeu cuida de um lote, com 12 hectares, da Fazenda Nova em Tapuiará, distrito de Quixadá. Na
área, herança de família, duas práticas predominam. Apicultura, a principal fonte de renda de Tadeu e a agrofloreta,
principal fonte de vida de todo o sítio.
com mais força. Então, muitas vezes é a natureza se manifestando pra fazer o trabalho dela e a gente que muitas vezes
não compreende, chama de praga e termina interferindo
com inseticida. Aí, a gente vai matando tudo que a natureza
estava tentando nos dar. Eu nem acho mais que esses insetos
sejam praga. Já não faço isso”, conclui Tadeu.
É, nas caminhadas diárias, o momento em que Tadeu
faz as podas seletivas. “Eu vou passando e selecionando
aquelas árvores. No meu dia-a-dia eu faço muito isso, conduzo, ajeito uma planta que pendeu”, conta. Uma outra característica do manejo agroflorestal é retirar animais de médio e grande porte da área. “A melhor coisa que eu fiz com
relação à recuperação da floresta foi ter tirado
os animais de certas áreas porque num pro“A gente
cesso natural as plantas sobrevivem melhor.
tira os animais que eliminam as plantas
trabalha de Você
ainda pequenas, ainda bebês, aí elas resistem
melhor”. Seguir o ritmo da natureza parece
forma pra
ser a principal estratégia de quem lida
não matar...” mesmo
com agrofloresta.
Tadeu vem reflorestando os 12 hectares do sítio onde mantém seu apiário. Em
uma área específica, desenvolve a experiência
de consorciar, em um sistema agroflorestal,
o plantio de milho, arroz, gergelim, feijão e
outras leguminosas, com o de plantas nativas
e fruteiras. Essa experiência é acompanhada
pela assessoria técnica da Fundação CEPEMA em visitas periódicas. “A gente trabalha
de forma pra não matar... Se for uma cultura
de feijão e milho a gente procura pulverizar com um defensivo feito naturalmente de nim ou do alho. Pelo menos aqui
no meu terreno eu não uso mais inseticida de jeito nenhum
e nem queimada”, diz.
“Eu não procuro controlar muito porque eu acredito
que a natureza tem seu ciclo. É normal terem pragas no
sentido que a gente fala. Esses insetos que a gente chama
de praga podam uma planta de um jeito que a gente jamais
iria podar... Eu já observo que muitas vezes, depois que os
insetos têm feito uma poda muito drástica, elas rebrotam
Para Tadeu, a preocupação com a degradação ambiental é o principal motivo que ele tem para desenvolver esse trabalho. “O homem acha que é dono de si e
que tudo que existe na natureza é voltado pra ele. Ele precisa
entender que a natureza é um todo e que ele é parte da natureza, como os animais que estão ali também são. Mas, ele
quer que tudo gire em torno de si. Eu procuro me desligar
dessa cultura e tento ser mais um da natureza, trabalhando
em harmonia”. Tadeu nos ensina ainda a ter paciência nesse longo trabalho para recuperar a vida. “Como tudo está
muito destruído, eu preciso dar tempo para que essas plantas que eu estou replantando possam crescer”, conclui.
7
AGENTE DE AGRICULTURA ECOLÓGICA:
A TERRA TRABALHADA POR
OUTROS OLHOS E MÃOS
A natureza ganhou uma forte aliada em sua defesa. Uma juventude nascida no seio da agricultura
familiar do interior cearense e que vem se tornando
Agentes de Agricultura Ecológica, ADAEs.
H
á quatorze anos, a Fundação CEPEMA forma
ADAEs em cursos com
duração entre 400, 640 e até 1.200 horas, divididas em módulos que tratam
de assuntos como ecologia, agrofloresta, economia e educação popular. “A
gente aprende um pouco de tudo. Não
só sobre a natureza, mas também com
relação aos problemas sociais”, diz Zacarias Rocha Araújo, 23 anos, morador
da comunidade Lagoa do Carnaubal
em Viçosa do Ceará na Serra da Ibiapaba e participante do
curso de ADAE, ministrado no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, STTR de Viçosa do Ceará, no
começo de 2007.
Com a média de 30 participantes por turma, a formação tem momentos de aula teórica e de prática nas aulas de
campo, feitas geralmente em áreas onde o sistema agroflorestal já foi implantado, e estágio de 200 horas supervisionado pelo CEPEMA. “A gente sai pra fazer broca, capina
seletiva. Numa área de mata vai fazendo as clareiras, mas
não desmatando como se faz na agricultura convencional”,
explica José Kildary Pimenta do Carmo, 24 anos, morador
de Alto Lindo, distrito de Ibiapina na Serra da Ibiapaba,
e também participante do curso de ADAE, ministrado no
STTR de Viçosa do Ceará.
A participação nos cursos é articulada com o apoio
dos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e de
associações comunitárias de cada região ou nas visitas de
assessoria técnica da Fundação CEPEMA. É feita uma seleção, através de uma entrevista quando a equipe do CE
PEMA traça um perfil dos aspirantes a ADAE, levando em
consideração o interesse e o contato com a agricultura dessa
moçada. Nesse primeiro momento, os objetivos, metodolo8
gias carga
cargga horária,
horáriaa
gias,
como também as
parcerias para a realização da formação
são apresentadas.
O tema principal da formação
de Agentes de Agricultura Ecológica,
grroofl
floresta, umaa forma de
de agricultura
agriculturra
ag
os/as ADAEs, é a agrofl
que tem como princípio o respeito ao meio ambiente. “A
importância da agrofloresta é resgatar o que a gente já destruiu”, diz Cristiane Sousa, 24 anos, moradora do Sítio do
Meio em São Benedito, Serra da Ibiapaba, e participante do
curso de ADAE no STTR de Viçosa do Ceará. “Eu aprendi
o manejo da terra, como devo cuidar e respeitar as plantas e
conviver mais com a natureza”, completa.
“A gente está aqui para aprender como cuidar do meio
ambiente. A idéia é reflorestar, colocar outras plantas e evoluir”. Antônia Marta Paulino da Silva, de Umarizeiro, distrito de Cipó dos Anjos em Quixadá, reforça o objetivo do
curso de que participa em Quixadá. “A gente discute desde
o alimento que a gente planta usando veneno até o lixo que
jogamos fora sem reciclar”, diz ela que é também tesoureira
da Associação Comunitária dos Pequenos Agricultores de
Umarizeiro.
Motivado pelas discussões, Zacarias é só elogios à formação. “O curso é excelente e a participação de todo mundo é muito boa”. Essa também é a opinião de Sheila Maria
Gonçalves da Silva, pedagoga responsável pelos dois módulos sobre educação popular do curso de Quixadá. “Eles
chegam com sede de conhecimentos e dispostos a aprender.
Estamos aqui trocando conhecimentos porque ao passo que
a gente ensina, a gente aprende”, diz Sheila que usa uma
metodologia inspirada na concepção pedagógica de Paulo
Freire.
Incluir módulos sobre educação nos cursos de ADAE
parte da compreensão da Fundação CEPEMA de que para
trabalhar o meio ambiente é preciso uma visão universal
de todos os aspectos da vida. “A gente não pode pensar a
natureza sem o ser humano. Esse homem, essa mulher estão
dentro de um contexto. É preciso pensar o meio ambiente em conjunto com o ser humano”, diz Sheila. No curso,
discutir educação popular é importante também por causa
da proposta de transformar os ADAEs em multiplicadores
da idéia de se trabalhar a agricultura preservando o meio
ambiente.
“Meu contato com a agricultura é desde sempre. Eu já
nasci dentro da agricultura. Meu pai é agricultor, a minha
mãe e toda a família. Mas, o conhecimento dele [pai] era
outro e com esse curso já mudou algumas coisas. A gente
tenta fazer essa mudança lá em casa”, completa Inês Maria
Sousa do Nascimento, 20 anos, moradora do Sítio Buíra
em Viçosa do Ceará e também participante do curso de
ADAE no STTR de Viçosa. Ela e a família já trabalham
com agrofloresta. “A gente planta de tudo, de árvores frutíferas, leguminosas até as plantas do futuro”, diz.
“Eu nasci e me criei e estou trabalhando até hoje na
agricultura, sempre acompanhando o trabalho do meu pai.
Só que a gente só trabalhava com agricultura convencional,
mas agora estamos abrindo essa área da agrofloresta”, conta
Kildary. A forma de a família de Kildary trabalhar a terra (com desmatamento, queimadas, monocultura, uso de
agrotóxicos...) não é exceção, na verdade, esse é o modelo
mais comum. Essa juventude de ADAE aprende desde cedo
que vai enfrentar certa resistência no trabalho de convencer
agricultoras
e agriag
cultores
a conhecer
cu
e trabalhar com o
sistema
agrofloressi
tal.
ta
A primeira tentativa em divulgar o que se aprende no
curso é em casa. A turma é incentivada a conversar com seus
Mas,
como diz
M
pais sobre a idéia de experimentar o sistema agroflorestal
Cristiane,
eles estão
C
em alguma área da família. “Eu nasci agricultor, como toda
se preparando pra
a minha família. Mas, com o curso, eu vou trazer novas
isso.
“Quando eu
is
formas de trabacomeçar
a divulgar
co
lhar a agricultuo que eu aprendi,
ra para inovar a
essas
técnicas que
es
agricultura do
eu
achava
que eram
Curso
de
ADAE
em
Quixadá/2007.
meu pai e do
novas, mas que, na
meu avô”. É a
verdade,
são
antigas,
muita
gente
não vai aceitar e vai
v
e
expectativa de
demorar
um pouco. Mas, mesmo sabendo disso eu estou
de
Ângelo de Souquerendo
fazer isso com certeza”, diz ela. Para Ângelo, a
qu
sa que mora em
melhor
forma de divulgar a agrofloresta é o diálogo para
m
Dom Maurício,
Quixadá no Sera troca de saberes. “Essa troca de conhecimento pode
tão Central, tem
acontecer
numa roda de conversa, na roça mesmo com
ac
20 anos e parti- Cristiane Sousa, 24 anos, aluna do curso de ADAE,
a gente trabalhando e conversando. E, claro, eu comecipa do curso de turma de Viçosa do Ceará/2007.
çando a minha experiência pra mostrar na prática como
ADAE iniciado este ano em Quixadá.
seria...”, diz.
A idéia é trocar experiências, apresentando na prática
Mais do que ser exemplo, ter seu próprio sistema agroum outro modo de fazer agricultura, o manejo agoflorestal, florestal dá a cada ADAE a noção das dificuldades que pospara servir de referência. “Eu espero multiplicar essas idéias
sam vir. “Quando eu comecei, a terra estava desgastada e
com o exemplo que estou fazendo na minha área. Porque o
não teve muita chuva, aí nasceu, mas não se desenvolveu”,
exemplo vale mais que mil palavras, não adianta só falar se
não tem modelo pra apresentar”, fala Zacarias. Ele come- lembra Zacarias os primeiros problemas que teve. “Mas,
çou a trabalhar com sua vizinha, Dona Terezinha, que tem não vou desanimar. Tem outra área que eu quero fazer uma
uma pequena área com agrofloresta na comunidade Lagoa broca seletiva e continuar o trabalho. O modelo de agrodo Carnaubal em Viçosa do Ceará, mas hoje já iniciou seu floresta é isso. No primeiro ano não dá muito certo porque
próprio sistema, plantando milho, feijão e algumas espécies a terra tá muito degradada. A partir do segundo, aquela
matéria começa a se decompor e no próximo ano começa a
adubadoras.
dar e prosperar”, ensina ele.
9
Como a maioria vem da agricultura convencional, são
respeitadas as dinâmicas de cada família. O tamanho da área,
as plantas cultivadas e o manejo seguem ritmos de acordo
com as realidades e demandas de cada local. “A gente está
procurando culturas que usem menos adubos químicos”,
Kildary fala de sua estratégia para implantar aos poucos o
sistema em casa. “Pra mudar em casa vem todo um histórico de vida... Então daqui pra frente eu vou procurar fazer o
que venho aprendendo. Não é mudar de uma vez, é mudar
aos poucos, usando menos defensivos agrícolas, procurando
outros cultivos, pensando no futuro”, diz.
Mas, uma coisa é certa. Essa moçada já percebeu que a
agricultura convencional não é a melhor maneira de trabalhar a terra. “O curso é bom porque está abrindo novos horizontes pra gente. A agricultura convencional já está dando
muito prejuízo. A gente vai ter que mudar. Ela não compensa mais e a gente tá vendo que o caminho é a volta para
agrofloresta”, diz. Esse curso vem gerando mesmo muitas
expectativas. “Eu espero que eu saia daqui com mais informações que eu possa repassar pra mais pessoas que eu possa
levar tudo que eu aprendi aqui e que eu possa ajudar as pessoas a mudar o pensamento sobre o que é agricultura”.
Outra vantagem do curso de ADAE é o certificado
para quem o conclui, pois a maioria são jovens que terminaram o ensino médio e que não continuaram os estudos.
“É muito difícil pra gente que não tem uma renda mais
alta estudar depois do ensino médio”, avalia Inês. “O curso
ajuda a abrir nossa mente sobre o meio ambiente. Além
disso, o certificado pode abrir outras portas de trabalho”,
diz Maria de Fátima de Lima Costa, da comunidade de Valença I em Banabuiú, agricultora de 27 anos, casada e mãe
de três filhos, que terminou o ensino médio e participa do
curso este ano em Quixadá. Fátima tem razão, o curso de
ADAE habilita esses jovens a acessar as linhas de crédito do
PRONAF que exige formação e acompanhamento para os
projetos do PRONAF-JOVEM.
AGENTE DE AGRICULTURA ECOLÓGICA:
UMA IDÉIA QUE DEU CERTO
Há 17 anos a Fundação CEPEMA trabalha em prol
do desenvolvimento sustentável, com base no fortalecimento da agricultura familiar e na preocupação com a preservação ambiental. Para isso, apostou na prática da agrofloresta
como estratégia de desenvolvimento. O trabalho realizado
por agentes de agricultura ecológica, ADAE, é peça chave nesse processo de divulgação e implantação de sistemas
agroflorestais junto a agricultores e agricultoras cearenses.
Hoje, no quadro técnico da Fundação, é constante a presença de ADAEs (hoje, 13 trabalham na Fundação) que, coordenados por um agrônomo responsável, prestam acompanhamento técnico a pequenos produtores e produtoras
das regiões do Maciço de Baturité, Serra da Meruoca, Serra
da Ibiapaba e Sertão Central. Dentre as atividades de assessoria estão: realização de reuniões, cursos de manejo agroflorestal, dias de campo e visitas às áreas onde estão sendo
implantados sistemas agroflorestais.
As podas de condução, capina seletiva, coleta de sementes e plantio são algumas das técnicas trabalhadas no
manejo agroflorestal. O contato com elas acontece tanto
nos cursos, nas visitas de acompanhamento, como nos dias
de campo. “No dia de campo, primeiro há os informes
onde é dito o que cada um tá fazendo e o que se pensa em
fazer durante o ano. Depois, vamos na área de algum deles
e lá fazemos uma atividade prática de manejo agroflorestal”,
explica Marcos Arruda, ADAE da Fundação CEPEMA.
Socializar o que está sendo feito é importante para integrar o grupo que desenvolve, de forma individual, experiências de agrofloresta. “Eles vêem que por mais espalhados
que estejam, existe a possibilidade de estar unido. Aí começam a pensar: ah, rapaz tem gente fazendo coisa parecida.
A gente não diz, eles que começam a perceber e isso é importante. Essa unidade é um avanço”, diz Marcos. A parte
prática é uma forma de o grupo trocar conhecimentos e se
motivar a fazer o mesmo em suas áreas.
Messias e Fábio ADAEs do CEPEMA em visita ao SAF de Dona Terezinha - Lagoa do Carnaubal/Viçosa do Ceará.
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Formado na primeira turma de ADAE de Guaramiranga, Maciço de Baturité, em 1996, Marcos trabalha com
agrofloresta desde então. Ao longo dos anos, prestou serviço
ao CEPEMA e a outras instituições, chegando a ser secre-
tário de agricultura de Mulungu, outra cidade do Maciço,
entre 2002 e 2004. Desde 2005, trabalha pelo CEPEMA
no acompanhamento de famílias de pequenos agricultores de
Mulungu, Baturité, Guaramiranga, Pacoti, Palmácia, Aratuba e Redenção, todas na região do Maciço de Baturité.
“Quem faz o curso nunca mais é o mesmo porque o
entendimento sobre a natureza muda. Você percebe que está
tudo errado na forma da agricultura tradicional”. Essa é a
principal lição que Marcos guardou de sua formação como
ADAE. Outro veterano é o Francisco Messias Teodócio de
Sousa, também da turma de 1996. Membro da equipe do
CEPEMA, sua atuação é na Serra da Ibiapaba nos municípios de Viçosa do Ceará, Tianguá, Ibiapina, São Benedito
e Ubajara e também em Meruoca, Massapê e Alcântaras na
Serra de Meruoca.
“Esse curso mudou minha vida, porque eu tive acesso às informações e às tecnologias de manejo agroflorestal
e hoje trabalho com isso. É bom poder colocar no campo
tudo aquilo que a gente aprendeu, sem falar que tem essa
troca de experiência entre ADAEs e agricultores”, diz Messias. Dentre as atividades que acompanha, estão as visitas
técnicas, articulação de novos cursos de ADAEs e assessoria
na elaboração de projetos para o acesso às linhas de crédito
do PRONAF.
Formado em 2005, José Ivan Praciano é um dos
ADAEs que acompanha as famílias na Serra da Meruoca.
Ivan diz que o curso de ADAE trouxe noções diferentes
de como trabalhar a terra, respeitando o meio ambiente.
Essa é a grande diferença entre a agrofloresta e agricultura
convencional usada pela maioria dos pequenos agricultores
e agricultoras. Por serem manejos muito distintos, a abordagem para divulgar o sistema agroflorestal precisa de certa
atenção.
“A gente vai na casa do agricultor, apresenta o CE
PEMA e marca reuniões. Nas reuniões, a gente apresenta
a proposta pros agricultores e os que se interessam a gente
visita uma segunda vez, depois faz o cadastro e a partir daí
ele entra no projeto e começa a receber as visitas periódi-
Dona Irene recebe Danilo e Marcos (CEPEMA) na sua área de SAF Sítio Monte Rei/Guaramiranga.
cas”, explica Francisco Fábio Costa Martins, ADAE desde
1996 e que atua nas regiões da Ibiapaba e Meruoca. “É um
namoro, uma conquista desses agricultores que só vêm trabalhando tradicionalmente”, completa Marcos.
“Nossa relação é muito boa e a gente fala praticamente
os mesmos termos aí não tem dificuldade”, diz Ivan sobre a
metodologia do CEPEMA que procura falar no linguajar do
agricultor. Essas preocupações são discutidas nas formações
de ADAEs, mas é no dia-a-dia de assessoria técnica que elas
se concretizam. “Sair do manejo monocultivo, de culturas
anuais e introduzir a agrofloresta é uma radicalização que o
agricultor faz. Mas, com as experiências que a gente tem é
uma coisa muito boa”, diz Fábio.
Apesar das dificuldades, há uma convicção, entre os
ADAEs, de estarem no caminho certo. “Tenho certeza que
o manejo agroflorestal será a agricultura do futuro porque
a agricultura convencional, de monocultura, não está dando mais certo. Hoje não se produz mais como se produzia
antes. O manejo agroflorestal é diferente, porque além de
produzir, gerar economia dentro da família contribui para a
biodiversidade da fauna e da flora”, conclui Messias.
Pra falar com a gente
Escritório de Fortaleza
Rua Crateús, 1250 - Parquelância
Fortaleza-Ceará
Cep.: 60.455-780 - Fone: 3223-8005
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Os Programas da Fundação CEPEMA são financiados por: Governo Federal - Ministério do Meio
Ambiente/Fundo Nacional do Meio Ambiente/PDA,
Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério
da Educação e Ministério da Cultura;
e Terra do Futuro/UBV - Suécia.
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PARCERIAS EM PROL DA
AGROFLORESTA
Poder Público
Em Quixadá, o trabalho com sistemas agroflorestais
para o desenvolvimento da agricultura familiar conta com
um aliado importante: o poder público municipal. Prefeitura, Secretaria de Agricultura e a Câmara dos Vereadores
assumiram a responsabilidade de ser parceiras da Fundação
CEPEMA na divulgação da agrofloresta.
Atualmente, a Prefeitura de Quixadá faz parte da Rede
de Discussão do projeto “Assistência Técnica e Consórcio
Agroecológico da Cadeia Produtiva do Caju para Agricultores e Agricultoras Familiares do Sertão Central-Ceará”,
financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e
desenvolvido pelo CEPEMA. Além de contribuir na mobilização, a Prefeitura apóia alguns aspectos da infraestrutura
(como a sede do projeto cujo espaço foi cedido).
Essa parceria é o exemplo de que sociedade civil e governo podem sim andar juntas, trilhando o mesmo caminho em prol de um desenvolvimento sustentável, humano
e solidário.
Prefeitura Municipal de Quixadá: Rua Tabelião Enéas, 649 - Centro - Quixadá/CE
Cep.: 63.900-000 - Fone: (88)3412.3864
E-mail: [email protected] - www.quixada.ce.gov.br
Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Ao longo de sua caminhada a Fundação CEPEMA
encontrou importantes parceiros no trabalho de fortalecer
a agricultura familiar, através da prática do manejo agroflorestal. Dentre as parcerias, os sindicatos dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais são apoios fundamentais na articulação
e mobilização da agricultora e do agricultor para conhecerem e participarem dos cursos e projetos da Fundação em
prol da agrofloresta.
Por todas as regiões onde trabalha o CEPEMA encontrou nessa face do movimento sindical um braço direi-
Viçosa do Ceará
A formação de Agente de Agricultura Ecológica,
ADAE, promovida pela Fundação CEPEMA na região da
Ibiapaba conta com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará. O STTR,
além de ajudar na mobilização e articulação da juventude,
empresta sua sede para a realização das aulas.
Para Regilene Maria Costa Silva, 24 anos, secretária
geral do Sindicato, o curso de ADAE é importante porque
ajudará na mobilização. “Não vai ser só o sindicato falando
que agrofloresta dá certo, mas todo um conjunto de pessoas, principalmente a juventude que vai acreditar e realizar
essa nova forma de agricultura”.
Regilene diz ainda que o sistema agroflorestal é uma
idéia nova, mas que já vem sendo experimentada. “A agrofloresta é uma agricultura nova porque todos os agricultores
estão adaptados à agricultura convencional de desmatar e
queimar. Aqui no sindicato, temos três membros da diretoria já experimentando a agrofloresta”, completa.
12
to. São nossos parceiros: os STTRs de Aratuba, Baturité,
Guaramiranga, Mulungu, Pacoti, Palmácia e Redenção na
região do Maciço de Baturité; os STTRs de Ibiapina, São
Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará na Serra da
Ibiapaba; os STTRs de Alcântaras, Coreaú, Massapê e Meruoca na região da Serra da Meruoca; e os STTRs de Banabuiú, Canindé, Choró, Ibaretama, Irauçuba e Quixadá no
Sertão Central cearense.
Nosso muito obrigado!
Antônio José Sousa de Moraes, 28 anos, vice-presidente do STTR, trabalha com agrofloresta. Ele diz que a
expectativa de bons resultados no curso e na parceria com a
Fundação CEPEMA é boa. “Começamos o namoro com o
CEPEMA e hoje a gente realiza o primeiro curso de ADAE
no sindicato e já estamos pensando no próximo”, diz.
Além de despertar a consciência, essa juventude de
ADAEs terá mais condições para acessar as linhas de crédito do governo. “Esse jovem participando, tendo uma
conscientização do que é agrofloresta e agroecologia poderá também acessar o PRONAFJOVEM que hoje poucos
acessam”, espera Regilene.
O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
de Viçosa do Ceará, fundado em 29 de setembro de 1969,
tem atualmente, cerca de seis mil filiados. Sua diretoria é
formada por 20 pessoas e o sindicato é filiado à Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará,
FETRAECE, e à Central Única dos Trabalhadores, CUT.
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará - Rua Lamartini
Nogueira, 393 - Viçosa do Ceará, Cep. 62.300-000
Quixadá
Outro parceiro importante na
articulação para a formação das
turmas de ADAE é o Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais de Quixadá, STTR. A gente conversa com Eronilton Buriti,
presidente do STTR de Quixadá e
ADAE, formado pelo CEPEMA. O
STTR de Quixadá foi fundado em
3 de agosto de 1963. Hoje são cerca de 6,5 mil filiados. A diretoria é
formada por oito pessoas e mais seis
do conselho fiscal. Há ainda 36 coordenações sindicais que atuam em
diversas localidades do município.
CEPEMA: Quais as principais linhas
de ação do Sindicato de Quixadá?
Eronilton: Nós nos preocupamos em
deixar o sindicato mais voltado para a
agricultura familiar para desenvolver
um modelo de produção. Nós entendemos que o sindicato precisa desenvolver políticas de segurança alimentar que vai da produção ao mercado.
Se preocupar com o desenvolvimento
auto-sustentável para que as famílias
tenham condições de sobreviver do
campo. Nossa linha de atuação está
basicamente direcionada para isso.
Claro que prestamos também as outras
políticas de assistência, como a previdência social que é importante porque
o agricultor precisa desse recurso, mas
é uma política de assistência. A linha
do sindicato está focada na agricultura
familiar.
CEPEMA: Quais são as principais parcerias do Sindicato?
na recuperação de solos, de
preservação ambiental, de
conscientização do trabalhador para uma agricultura muito mais sustentável.
São as duas parceiras que
nós temos nesse campo daa
agricultura familiar.
ria das vezes, transformar as
pessoas porque elas já estão
aclimatadas a um modelo velho e muito perverso.
Você
chegar pro agricultor
V
que costuma passar o trator
na terra, destruir todas as
árvores que estão dentro da
sua área, deixar limpa como
se fosse um terreiro e dizer que agora
ele vai ter que replantar sua área, encher de plantas junto com isso você vai
ter que plantar tuas culturas, aí não vai
dar pra passar o trator, o cultivador...
Você chegar pro agricultor e dizer isso,
muitas vezes, você causa um conflito.
É como se fosse um embate que você
está tendo com ele.
“O sindicato precisa desenvolver
políticas de segurança alimentar
que vai da produção ao mercado.”
CEPEMA: Como é a parceria com a Fundação CEPEMA?
Eronilton: A parceria com o CEPEMA
começou em 2004 quando fizemos um
planejamento e começamos a executar
em 2005. Esse planejamento foi feito com Quixadá, Banabuiú, Choró,
Ibaretama e Canindé, numa atuação
muito mais regional que visa toda uma
sensibilização dessa região para a discussão mais qualificada do modelo de
produção agrícola. O sindicato é responsável por organizar, politizar os trabalhadores para as atividades e eventos
e o CEPEMA é responsável para repassar os conteúdos dessa sensibilização.
Eronilton Buriti, presidente do STTR de Quixadá.
CEPEMA: Um dos carros chefes da
Fundação CEPEMA é o trabalho com
agrofloresta. Como você avalia a implantação de sistemas agroflorestais no
Sertão Central?
Eronilton: Nós trabalhamos com o Esplar desde
Eronilton: O modelo de
“Trabalhar
2003, discutindo e improdução tido nessa região é
agrofl
oresta
no
plementando viveiro de
de uma forma muito agressemi-árido é um siva; se faz qualquer coisa
consórcio agroecológico
– algodão, milho, feijão, desafio muito alto, para seguir a produtividade,
gergelim e demais culturas no entanto não é mas sem se preocupar com
que possam ser plantadas
o impacto disso. Trabalhar
impossível.”
todas juntas. E trabalhaa agrofloresta, dentro dessa
mos com a Fundação CEPEMA de- concepção é uma coisa muito dificultosenvolvendo um trabalho muito mais sa. Você vai ter que, inclusive na maio-
CEPEMA: E vale a pena insistir com a
agrofloresta?
Eronilton: Trabalhar agrofloresta no
semi-árido é um desafio muito alto, no
entanto não é impossível. É um desafio porque você precisa transformar as
pessoas, mas vamos chegando a um estágio que as pessoas não têm mais pra
onde correr. Em Quixadá, por exemplo, o uso inadequado das matas nos
últimos 15 anos tem causado uma alta
degradação ambiental. As terras não
estão mais produzindo nem sequer
50% do que elas produziam. Antes
era assim, se a minha área não estava
mais produzindo então eu aumentava
a minha área aí a produtividade aumentava, mas não porque a produção
tenha melhorado, mas sim por ter aumentado o tamanho da área plantada.
Todo ano o agricultor ia aumentando
a sua área, só que nós chegamos num
estágio que quanto mais se aumenta a
área, maior é a despesa e agora também é menor a produtividade porque
o solo não está mais agüentando. Aí
não tem mais como discutir produção
e agricultura familiar sem estar ligado
à conscientização. Falar de agrofloresta no semi-árido é um grande desafio,
mas temos um fator que nos ajuda que
é o grande prejuízo, o grande desgaste
ambiental que já está inclusive fazendo
o agricultor repensar suas ações.
13
GERAÇÃO DE RENDA E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL,
AGROFLORESTA ÀS MARGENS DO SITIÁ
Sítio Santa Clotilde na comunidade Cedro Novo, município de
Quixadá, Ceará. Um dos caminhos por onde passa o rio Sitiá e
onde moram José Aroldo Martins
e sua família...
Na pequena propriedade, Seu
Aroldo iniciou esse ano um sistema
agroflorestal (SAF), introduzindo espécies agrícolas e de recuperação de
solo, consorciadas com espécies nativas já existentes. A recuperação do solo
é feita juntamente com a introdução
de espécies agrícolas que servirão para
a economia da família e outras que vão
recuperar o solo, como adição de matéria orgânica, fixação e reciclagem de
nutrientes.
Tudo começou depois de um Encontro de Avaliação da Fundação CE
PEMA. Em parceria com o Instituto
de Convivência com o Semi-Árido e
com a consultoria do Agrônomo Jorge Luiz Vivan, estudioso dos sistemas
agrofolorestais, a Fundação aplicou os
Indicadores de Sustentabilidade em
Sistemas Agroflorestais e iniciou um
plantio consorciado denso no meio
de uma área com plantio de mudas. A
idéia era provar que se pode recuperar
uma área de mata ciliar, garantindo
a produção de espécies, como feijão,
milho, mamona, girassol, gergelim e
plantas que vão fazer o trabalho de recuperação do solo, como feijão guandu e a mucuna, e também de plantas
nativas.
A experiência vem dando certo.
Seu Aroldo sentiu a primeira diferença
ao ver como os efeitos da estiagem do
começo do ano foram menores no seu
sistema agroflorestal do que nas áreas
de alguns vizinhos. De acordo com ele,
os vizinhos plantaram na mesma época, mas não conseguiram obter sucesso, porque as plantas não resistiram à
falta de chuva. Por estar protegida pela
biodiversidade, o sistema agroflorestal
fica mais resistente às intempéries da
região. Para Seu Aroldo, outra vantagem do SAF é poder consumir alimentos produzidos por ele e que antes
eram comprados.
Seu Aroldo aponta como primeiros resultados a ótima produção de feijão. Ele já colheu mais de dez quilos
da leguminosa e espera produzir ainda
duas sacas de feijão de corda. A vagem,
que não sofreu grandes ataques de insetos ao contrário do que aconteceu em
terrenos vizinhos ao seu, desenvolveuse bem e Seu Aroldo já está colhendo
feijão maduro. Ele também obteve
uma boa colheita de milho, quatro
sacas. Segundo Seu Aroldo, o plantio
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chama muita atenção e por ser
próximo à rodovia que vai paraa
o açude Cedro atraiu a atenção
de ladrões que levaram duas
das sacas de milho colhidas.
Na área, foram também
plantados, em consórcio, o gergelim, girassol, feijão guandu,
mucuna, mamona, mandioca,
melancia, jerimum e pepino,
além do cajá. Junto com esses
cultivos, estão crescendo espécies nativas, como angico, cedro e sabiá. Na
área, podemos encontrar ainda: plantas arbóreas, como aroeira, juazeiro,
arapiraca, carnaúba, jucá, canafístula,
mofumbo; arbustivas, como velame,
barba de bode, anil; plantas trepadeiras: cipós, viúva alegre, mata fome, feijão brabo, malícia, ritirana; e herbáceas, como o bamburral, mariana, malva
e beldroega.
Por estar localizado na beira do
rio Sitiá, o sítio é legalmente conside-
rado uma APP, Área de Proteção
Permanente, e o SAF de Seu
Aroldo está tornando a proteção
uma realidade. É a Fundação
CEPEMA que presta acompanhamento técnico na área, com
o agrônomo Luis Eduardo e com
recursos para o plantio de mudas e diárias de agricultor para
a implantação do SAF. Com 45
anos de vida, casado e pai de seis
filhos, Seu Aroldo nasceu e se
criou na agricultura e considera que o
lugar dele é mesmo no campo. Apesar
disso, passou 17 anos longe da agricultura e somente há cinco anos retomou
seu trabalho como agricultor. A natureza agradece esse retorno.
PRONAF-FLORESTA:
NOVOS INCENTIVOS AOS SISTEMAS AGROFLORESTAIS
A Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, MDA, abre linha de crédito no
PRONAF, chamada PRONAFFLORESTA. A Linha de
Crédito de Investimento para Silvicultura e Sistemas Agroflorestais (PRONAFFLORESTA) ampara investimentos
em projetos de silvicultura e sistemas agroflorestais, incluindo os custos relativos à implantação e manutenção do empreendimento.
Para Francisco Fábio Costa Martins, agente de agricultura ecológica, ADAE, da Fundação CEPEMA, é necessário
ter uma boa interação entre os vários órgãos e entidades envolvidas no processo. “É preciso uma parceria mais firme,
por exemplo, com a EMATERCE, sindicatos e BNB que
estão envolvidos diretamente para agilizar a elaboração dos
projetos do PRONAF e nós da Fundação estamos conseguindo”, diz.
Com juros de 4% ao ano a serem pagos em até 12 anos,
o PRONAFFLORESTA oferece ainda bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada parcela paga até o
vencimento. Os financiamentos variam de 4 até 6 mil reais,
independentes dos limites definidos para outros investimentos do PRONAF. O PRONAF é um programa do MDA
que apóia o desenvolvimento rural, fortalecendo a agricultura familiar.
É ainda obrigatório apresentar um projeto técnico para
financiamento de investimento e receber assistência técnica
para sua implantação. Além disso, as propriedades não podem ultrapassar os quatro módulos fiscais e a atividade agropecuária e não-agropecuária do beneficiário deve ser responsável por, no mínimo, 80% da renda bruta familiar anual.
O PRONAF atende, de forma individual ou coletiva,
agricultores familiares, pescadores, aqüicultores e extrativistas ou organizações que se enquadram em seus critérios. Para
acessar o crédito não é necessário ser dono da terra. Posseiros, arrendatários, parceiros ou meeiros também estão incluídos no programa. Mas, é necessário ter uma declaração de
aptidão.
A declaração de aptidão comprova a condição de agricultor familiar, pescador, aqüicultor ou extrativista. Ela é fornecida pela entidade de extensão rural pública estadual e por um
sindicato, credenciados pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário. No Ceará, ela é dada pela EMATERCE (Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará) e pelos sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, STTRs.
Mesmo com essas exigências, o PRONAF é uma linha
de crédito com menos burocracia se comparada a outras formas de financiamento. “O PRONAF é uma política muito
interessante para a agricultura familiar porque ele desburocratiza o acesso ao crédito e não tem aqueles juros muito
altos, como se tinha anteriormente”, diz Eronilton Buriti,
presidente do STTR de Quixadá.
Para Eronilton, é preciso manter constante a discussão
sobre as linhas de crédito do programa, com vistas no desenvolvimento de uma agricultura familiar contextualizada. “É
preciso avançar no questionamento não só sobre o agricultor,
mas sobre as linhas que estão ligadas ao programa, para se ter
uma contingência de financiamento que entre em contexto
com a região”, diz.
PRONAF - SAF/MDA
[email protected] - www.pronaf.gov.br
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SÍTIO BOM JARDIM:
DONA TEREZINHA E A
NATUREZA DE MÃOS DADAS
PARA RECUPERAR A VIDA
Terezinha Cândida de Sousa Araújo.
Os arredores de Viçosa do Ceará, cidade localizada na Serra da Ibiapaba
no noroeste do estado cearense, abrigam
uma localidade chamada Lagoa do
Carnaubal que se destoa do imaginário
popular da paisagem verde de uma região serrana. Uma terra seca e arenosa,
popularmente conhecida como carrasco.
São 36 quilômetros que separam a sede
do município da comunidade e do Sítio
Jardim, onde mora dona Terezinha Cândida de Sousa Araújo. Com 56 anos, casada, mãe e avó, Dona Terezinha abre
as portas da sua casa para falar sobre
sua vida e a experiência com o manejo
agroflorestal.
“Minha mãe ia capinar e como não tinha com quem me
deixar, ela me levava. Armava uma rede na roça e me botava
lá, deitadinha. Aí eu ficava lá e ela ia capinando...”, relembra Dona Terezinha os seus primeiros contatos com a terra.
Como na maioria das famílias do interior cearense, ela começou a trabalhar com agricultura ainda criança, ajudando seus
pais. “Na agricultura convencional eu comecei desde criança.
Aqui no interior a gente trabalha com os pais da gente e desde muito cedo eu participo da agricultura”, diz.
Filha de uma família com oito irmãos, dos sete ainda
vivos, apenas ela permanece como agricultora. Hoje, cuida da herança familiar – um sítio com cerca de 90 hectares – dedicando-se ao hectare que elegeu para implantar
o sistema agroflorestal. Iniciada em novembro de 2005, a
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área de agrofloresta é trabalhada por Dona Terezinha, com
as ajudas esporádicas do genro e do marido. “Eu me sinto
na obrigação de resgatar e preservar a natureza. Reconstruir
aquilo que eu ajudei a destruir, sem consciência, junto com
meu pai”, diz, explicando porque optou pelo manejo agroflorestal.
O primeiro contato com a agrofloresta foi em 2004 no
início do trabalho da Fundação CEPEMA em Viçosa do
Ceará. “Eu sempre tive tendência pra preservar a natureza,
não queimar, não desmatar. Mas, a questão da agrofloresta
eu não sabia de fato como fazer”, diz. A dificuldade de comunicação em Lagoa do Carnaubal levou Dona Terezinha
a participar somente na terceira reunião promovida pelo
CEPEMA. Foi por isso que ficou de fora do grupo que tra-
A biodiversidade do sistema agroflorestal que pode gerar várias fontes de
renda é sentida em um rápido passeio
pela área de Dona Terezinha. Entre as
culturas, sorgo, soja, gergelim, milho,
mandioca, feijão guandu e o de porco
e leguminosas em geral; fruteiras como
as de caju, melancia, serigüela, azeitona preta, pitomba, melão, acerola, jerimum; e árvores madeireiras e nativas
como sabiá, carnaúba, aroeira, moringa, sucupira, catingueira, leucena, mororó, marmeleiro, ingazeira, guabiraba,
grão-de-bode, paraíba, gonçalo alves,
pau d’arco e sucupira...
balharia a agrofloresta, com assessoria
técnica da Fundação. “Mas aí eu pelejei, procurei até que eu consegui entrar
no grupo”, conta ela.
Já no grupo, Dona Terezinha foi a
todas as reuniões para discutir assuntos
ligados ao meio ambiente, como os danos causados pelo desmatamento e pela
degradação ambiental e a importância
do manejo agroflorestal e também assuntos relacionados aos problemas sociais. Até que, em 2005, participa de
um curso sobre agrofloresta, realizado
com alguns agricultores e agricultoras
da região. “Com esse curso, eu comecei a abrir a mente e já vim pra prática.
Quando eu cheguei do curso eu já vim
pra cá e já comecei a fazer”, relembra.
O trabalho com agrofloresta causou e ainda causa estranheza entre a vizinhança, acostumada com as queimadas e desmatamentos para a prática da
agricultura. Dona Terezinha fala, com
um sorriso nos lábios, sobre a reação
dos vizinhos. “Tem uns que perguntam se eu estou doida, porque no lugar
de eu tá plantando só o milho e o feijão eu fico plantando pé de pau. Ficam
perguntando pra que eu quero”. Mas
ela insiste com o novo modelo de agricultura e já inspira a juventude, como
é o caso de João Filho, seu vizinho, que
recentemente começou a trabalhar o
sistema agroflorestal.
Dos métodos da agricultura convencional, apenas a capina com a enxada é utilizada por Dona Terezinha. “A
matéria orgânica ainda tá pouca por isso
eu capino, mas na questão de queimadas, de veneno aí não existe mais não. É
tudo só o natural”, diz. A produção dos
primeiros anos foi basicamente para o
consumo da família, mas a diversidade
de culturas, na área, garante diferentes
níveis de produção. “Ano passado, eu
tirei milho e feijão, aí ficou a maniva
que eu vou colher este ano pra fazer a
farinha e vender a mandioca. Mas, fica
ainda a sabiá que daqui a 5 ou 6 anos
eu estou colhendo a estaca”.
Percebida a olho nu, a variedade
de culturas é a primeira diferença que
Dona Terezinha destaca entre a agrofloresta e a agricultura convencional. “Na
convencional, a gente planta milho,
feijão e maniva; é só isso que a gente
planta. E nessa área, tem maniva, feijão
e milho, mas tem também as plantas
do futuro”. Ela se refere a madeireiras
como o sabiá, o pau d’arco e a aroeira
que ela replantou e cuja produção será
entre seis e dez anos. “E nessa diversidade, quando a gente tira o de curto prazo, o de médio prazo fica e o de longo
também. É bom porque a gente tem
sempre uma renda”, finaliza.
Outra diferença entre agricultura
convencional e agrofloresta é como se
Nos SAFs, o cultivo de culturas como milho é feito em conjunto com plantas madeireiras e arbustivas.
17
planta. A primeira abusa do machado
e do fogo para desmatar e queimar e
usa agrotóxico no controle dos insetos.
No sistema agroflorestal, a interação
equilibrada com a natureza é o objetivo. “A gente vai tirando as plantas aos
poucos, classificando e deixando algumas pra florir e as abelhas vir fazer o
mel”. Dona Terezinha fala da poda de
condução e da capina seletiva, técnicas
do manejo agroflorestal. “A gente deixa
essas plantas também pra que o inseto,
no lugar de ir pra nossa cultura, ir pra
essas outras plantas”, ensina.
Mas, é ao falar do bem que o
manejo agroflorestal faz à natureza que Dona Terezinha se anima. “A
grande diferença e que é o bom dessa
agricultura é que a gente não agride a
natureza”, diz orgulhosa. Com a inteligência da mulher do campo, ela fala
de um dos temas em pauta no mundo: o aquecimento global. “Tem o
aquecimento global que tá acabando
com tudo. Nossas criancinhas, daqui
mais um tempo, podem nem resistir
à quentura. Infelizmente, são poucos
que estão entendendo que o desmata-
mento prejudica a saúde da humanidade, a saúde dos seres vivos como um
todo”, avalia.
A preocupação com o meio ambiente motivou Dona Terezinha a iniciar um trabalho de recuperação da
mata ciliar do riacho que corta seu terreno. Com o apoio da assessoria técnica
da Fundação CEPEMA e com a doação
de mudas feita pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis), através
da Área de Proteção Ambiental, APA
de Ibiapaba, Dona Terezinha plantou
900 mudas em torno do riacho. “O
objetivo é ver se resgata essa questão
do meio ambiente. Preservar pra no
futuro a gente ter uma vida mais digna, uma saúde melhor”, explica.
Enquanto Dona Terezinha trabalha com a natureza sem agredi-la, a
natureza retribui fazendo seu trabalho,
recuperando o solo e toda a área em
questão. E a terra, tão chamada de carrasco, mostra que se preservada pode
ser uma terra fértil e cheia de vida. “A
terra conserva mais o molhado. Na
área que meu esposo planta, ninguém
encontra mais molhado porque está
com muitos dias que não chove. Aqui,
a gente ainda encontra, porque tem
uma camada de proteção”, ela compara seu sistema agroflorestal com a área
do marido que ainda trabalha com a
agricultura convencional.
Essa proteção que Dona Terezinha fala são os restos de plantas que
ficam no chão, cobrindo a terra e que
normalmente são associados a lixo, a
sujo e a desleixo. Mas, é exatamente
essa matéria orgânica que protege o
solo e deixa a terra mais fértil e propícia para o plantio. “Na agricultura
convencional, é queimado tudo e fica
só o solo limpo, sem nada. Aí, ele fica
descoberto e seca mais rápido. É ruim
de plantar. Já no meu terreno, como
não é mais queimada, a matéria orgânica fica no chão e protege a terra”, ensina Dona Terezinha.
Na caminhada pelo terreno de
Dona Terezinha e pelas cercanias, é fácil notar a diferença que “o molhado”
já provoca, apesar do pouco tempo de
implantação do sistema agroflorestal,
menos de dois anos. Enquanto na ter-
A diversidade de culturas no SAF de Dona Terezinha garante diferentes níveis de produção, aumento e diversificação da geração de renda.
18
ra vizinha, o solo parece sem vida e as
poucas plantas que resistem estão chamuscadas, no hectare de agrofloresta,
há sombras e plantas crescendo mesmo com a chuva escassa. Um visitante
mais curioso perguntaria se não seria
lógico que todo mundo adotasse o sistema agroflorestal. E é essa a pergunta
lançada para Dona Terezinha.
Sem culpar ninguém, nem mesmo o pai que a introduziu na agricultura convencional, “porque ninguém
tinha orientação”, Dona Terezinha
analisa o motivo de a maioria ainda
não querer trabalhar com o manejo
agroflorestal. “É porque primeiramente não têm consciência do que estão
fazendo. E é difícil ter consciência. Eu
também já participei fazendo esse tipo
de trabalho junto com meu pai, sem
nenhuma consciência”, diz. “Ninguém
se preocupa em plantar, mas sim em
devorar, em desmatar, em queimar e o
plantio tá sendo muito
pouco”, completa preocupada.
Ela aponta ainda
dois outros aspectos
que dificultam a aceitação da agricultura
ecológica. O trabalho
que, no início, parece
maior no sistema de
agrofloresta. “Ora, se
roçou e botou fogo fica
tudo limpo, o trabalho Plantas madureiras e arbustivas dividem o mesmo espaço com fruteiras
e leguminosas.
é menor. Já aqui não”,
“No primeiro ano, a agrofloresta
diz. O segundo ponto
não
dá
muito boa, mas ninguém pode
é que na agricultura convencional a
desanimar.
Tem que ter paciência.
produção é mais rápida. “Quem quer
um lucro imediato vai pra agricultura Porque, no segundo ano, já tem uma
convencional que chega mais rápido. matéria orgânica mais equilibrada que
O da agrofloresta é mais demorado”, fortalece o solo e aí já dá uma produção
dix . Mas, Dona Terezinha fala que se melhor e assim por diante”, diz Dona
tem que pensar no futuro também e Terezinha, pensando no seu futuro e
no futuro do Planeta Terra.
ensina a ter paciência.
UM GOSTO POPULAR DE CAJUÍNA
Cajuína Natural. É assim que se chama a cajuína feita por
Dona Terezinha e mais onze pessoas, entre mulheres e jovens,
da comunidade de Lagoa do Carnaubal. Com o caju colhido
da quinta de Dona Terezinha, o grupo divide o trabalho e os
resultados da produção realizada durante a safra.
A Unidade de Cajuína Popular fica na sede da Associação Comunitária Lagoa do Carnaubal, fundada em 1982, e é
uma das vitórias da associação. “A gente começou com as roças
comunitárias, aí depois conseguimos uma casa de farinha e
depois essa unidade de cajuína”, conta Dona Terezinha, sóciafundadora.
Com equipamentos básicos – motor a diesel, despopadeira de madeira e caldeirão para o banho-maria das garrafas
– a produção ainda é pequena, embora organizada. “A gente
faz uma avaliação das nossas diárias pra poder receber. O que
sobra fica na fábrica pra comprar o material pro ano que vem”,
explica Dona Terezinha.
A comercialização também é feita pelo grupo que vende
para famílias de Viçosa do Ceará e na Bodega do Povo, cooperativa de Tianguá, cidade vizinha. A cajuína já é conhecida e
bem aceita no mercado local. “Este ano foi mais fácil porque
ela já está mais conhecida e o estoque que ficou foi bem pouquinho”, diz Dona Terezinha.
O trabalho coletivo de mulheres e jovens é o diferencial
da Unidade que enfrenta dificuldades com a maioria da comunidade que prefere criticar a contribuir. “Como é difícil. Um
grupo bem pequenininho fica lutando pra conquistar alguma
coisa pro bem da própria comunidade e a maioria fica de fora,
criticando”, fala Dona Terezinha.
Mesmo com dificuldades, a Unidade de Cajuína Popular
é importante para que essas mulheres e jjovens p
possam conquistar seu espaço. “A gente já
ficou muito atrás e os homens
na frente. Hoje, a gente tem que
crescer junto com eles, andar
ombro a ombro, de braços dados
pra que essa luta continue e que
a gente seja vencedora”.
Dona Terezinha fala com a autoridade de quem
é a atual Secretária de Mulheres
do Sindicato dos
Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Viçosa do Ceará.
“Meu marido me apóia,
se ele não me apoiasse
eu jamais conseguiria”,
completa, reconhecendo
a importância do apoio Dona Terezinha com estoque e equipamentos
da Unidade de Cajuína Popular.
do companheiro.
19
SEMPRE É TEMPO DE APRENDER
por Klycia Fontenele
“Não vá conversar muito comigo, senão você
não vai embora nunca. História de mata eu sei; e muita”.
Foi o aviso que Seu Gerardo me deu. Confesso que eu
teria ficado o dia inteiro em sua varanda, ouvindo suas
histórias... Foi com a avó que Seu Gerardo aprendeu a observar a natureza. Com o pai, aprendeu as
primeiras lidas na terra. Mais velho, nas reuniões,
começou a compreender o porquê de preservar o
meio ambiente. Depois dos 60, resolveu aprender
a ler e a escrever; hoje cursa a quarta série. E é
escutando o neto de cinco anos que Seu Gerardo
aprende também. Aprende e ensina. Nossa conversa foi um grande aprendizado que eu retrato aqui.
“Há poucos dias, o pessoal ficou dizendo: não vai mais
chover não. Mas eu sabia que ia chover aí eu fui plantar
meu roçado com tranqüilidade. Comecei numa segundafeira, cavando no seco. Segunda, terça, quarta e quinta eu
terminei. E o povo me chamando de maluco, de doido.
Quando foi sábado, choveu.”, Seu Gerardo sorri me contando essa história. “Ah! O feijão brabo, a cajá e o juá, estão
tudo preparado pra cair agora esse mês [abril] e é quando
vai chover mesmo”, ele completa, respondendo à minha
pergunta sobre como sabia que ia chover.
O agricultor Gerardo Pedro Marques, morador do Sítio Espírito Santo em Alcântaras município localizado na
Serra da Meruoca, Noroeste do Ceará, fala sobre os sinais
da chegada de chuva com a autoridade dos seus 67 anos
de convívio com a natureza. Observar os avisos que a natureza deixa para anunciar a chuva, Seu Gerardo aprendeu
com a avó que morreu aos 102 anos. “Ela me dizia e eu fui
prestar atenção e vi que isso é uma verdade. Pode ficar na
certeza que vai chover”, relembra como aprendeu a prever
a chuva.
São muitos os sinais que Seu Gerardo me ensina. A
flora do feijão brabo. A cebola braba cuja coroa ao nascer
indica proximidade da chuva. O canto da cigarra. “A boeira
quando vem cantar nas árvores e em todo lugar dessa região, pode botar o pote na goteira que vai chover”, diz. Ele
explica ainda que o milho-de-cobra – planta semelhante ao
milho que nasce junto às pedras – avisa se o milharal vai
vingar. “Assim que chove ele nasce. Se a espiga tiver caroço,
ela tá indicando que o milho vai segurar, se não tiver, com
certeza não vai segurar a espiga de milho também”, fala.
Se foi a avó que lhe ensinou a conhecer as artimanhas
da natureza, foi com o pai que deu seus primeiros passos
na agricultura. “Eu nasci dentro da agricultura. Assim que
eu pude com a enxada, eu já estava treinando. Hoje, quan20
Gerardo Pedro Marques e o neto Maycon.
do eu cheguei esse meninozinho aí tava capinando com
a enxada. Nós somos assim, sem dúvida nenhuma”. Seu
Gerardo lembra sua infância e o início precoce na roça e se
refere ao neto de cinco anos, Maycon. “Com a continuação
do tempo, a gente cria idéia e vai fazer o roçado. Arruma
força no cisqueiro e começa”, finaliza.
Mesmo tirando o sustento da terra, durante muitos
anos, Seu Gerardo – seguindo a agricultura convencional
aprendida na família – tratou o meio ambiente de forma
severa. “Eu estraguei muito. Eu fiz muito fogo no mundo”,
diz com a consciência de que nunca é tarde para mudar. “E
vem essa questão de destruir a natureza, o que o homem
faz. Aí eu já fiquei me tocando que eu ajudava a fazer isso.
Queimada? Eu não gosto mais nem de ver”. Apesar de, no
passado, trabalhar a terra de forma predatória, Seu Gerardo
já sentia que devia agir diferente.
“Tem um mato aqui de nome babão, a marianinha,
que quanto mais a gente arranca, mais ele acha bom tá
arrancado; é mato que atrapalha o legume. Eu via um agricultor, até de grande porte, rico; ele capinava o legume,
a roça. Era muitas pessoa capinando, arrancando de enxada, tirando, balançando a raiz pra matar aquele mato e
outros juntando e jogando numa grota onde passava água
pra carregar o mato. Eu via aquela arrumação e dizia: se eu
possuísse terra eu não jogava aquele mato fora...”, relembra
como resolveu plantar diferente ao se tornar dono de um
pedaço de chão.
Antes de começar a experiência com agrofloresta, Seu
Gerardo já deixava o solo coberto por folhas, prática comum no manejo agroflorestal. “Eu fazia porque achava bonito. Não sei quem me ensinou, foi bem coisa da natureza”.
Mas foi nas reuniões e encontros dos quais participou que
Seu Gerardo entendeu que ele não estava apenas deixando
bonito o lugar, mas estava preservando o meio ambiente.
“Eu não sabia pra que danado servia aquilo. E lá estava eu
fazendo uma coisa muito importante que era fazer o meu
solo ficar coberto”, diz.
As reuniões realizadas foram articuladas pela Fundação
CEPEMA com parcerias como a do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântaras. “Eles foram
entrando devagarzim, devagarzim, dando informação. A
gente foi se reunindo, o sindicato indicando quem era agricultor. Eu fui conhecendo outras pessoas que trabalhavam
com agrofloresta...”. Seu Gerardo relata a maneira como a
equipe do CEPEMA iniciou o trabalho na região e a preocupação em respeitar as dinâmicas de vida de cada um.
O contato de Seu Gerardo com o CEPEMA lançoulhe um desafio: experimentar o sistema agroflorestal. Há
cinco anos ele topou a idéia em um hectare de sua propriedade. A terra escolhida vinha em processo de degradação,
mesmo sendo menos desmatada e queimada se comparada
com sítios vizinhos. Era preciso extinguir de vez as queimadas e o desmatamento e foi o que ele fez. “Eu queimava
os espinho pra não entrar no pé da gente. Depois que eu
aprendi, nem os espinhos eu queimo mais. Eu separo eles
pra acolá e a gente não pisa mais, a gente pisa nos vazios da
capoeira”.
Uma das primeiras ações no manejo agroflorestal é o
replantio de plantas nativas. “A idéia é que a gente deve
formar a floresta, deixando aquelas árvores crescer”, explica Seu Gerardo. Mesmo incentivando o reflorestamento, o
sistema agroflorestal não pretende reconstruir a mata original porque inclui plantas de interesse econômico, permitindo colheitas sucessivas de produtos diferentes ao longo
do tempo, através do que chamamos de sucessão ecológica.
Respeitando o ciclo natural das espécies, o agricultor e a
agricultora manejam o sistema e dele tiram sua produção.
A assessoria técnica do CEPEMA estimulou Seu Gerardo a práticas de manejo distintas para serem comparadas.
“Os meninos me arrumaram bastante saquinho pra eu fazer
muda de café e eu fiz um teste. Fiz um cercadim com as
mudas que eu aguava e plantei outras debaixo dos cajueiros. Não escapou dez mudas eu aguando, mas as mudinhas,
embaixo das frieiras dos cajueiros, enterrada no meio das
folhas, escapou”, relata Seu Gerardo. Comparar culturas e
formas de manejo permite que o agricultor e a agricultora
tirem suas próprias conclusões sobre a melhor maneira de
lidar com a terra.
O milagre das mudas que “sobreviveram sem água”
tem explicação na própria natureza e é Seu Gerardo quem
explica. “Lá na minha área, não escorre água porque é tudo
coberto de folha e quando chove, a água fica. Eu não uso
irrigação não”. Quanto mais o sistema de agrofloresta se
desenvolve, menos ele depende das técnicas de irrigação,
pois o solo fica úmido com a água que é retida pela maté-
ria orgânica acumulada. Além disso, a sombra dos cajueiros
protegeu as mudas de café das fortes agressões do sol e do
vento tão comuns no clima cearense.
Além do replantio e da manutenção do que já está
plantado, evitando o desmatamento e recuperando a mata
nativa, existem outras técnicas utilizadas no manejo da agrofloresta. Estimular a criação de matéria orgânica – feita com
os restos de plantas antes queimadas – para fertilizar o solo;
não usar agrotóxico e procurar alternativas naturais para evitar “a praga” na lavoura; primar pela diversidade de culturas
que ajuda na diversidade de produção e de fontes de renda.
Seu Gerardo ao apresentar o sistema agroflorestal foi nos
ensinando como é
sua lida diária.
“Hoje, eu não
queimo minhas folhas e nem queimo
o bagulho que eu
tiro de cima. Eu
deixo aqueles matos, eu roço e atulho e lá fica e vai
decompondo. O
do ano passado vai
pegando chuva esse
ano e aí vai virando Seu Gerardo no hectare de agrofloresta, diversimaterial orgânico e dade de culturas e a casa de farinha do SAF.
outros que haverá
de vir vai ficando
ali. Meu chão é forrado”, Seu Gerardo
explica como faz
para cobrir o solo.
Na sua área, são
encontrados milho,
feijão, mandioca,
jerimum; além de
fruteiras: bananeira, mangueira, cajueiro, mamoeiro
e serigüela; e plantas nativas: camunzé,
frei-jorge, jatobá, milho-de-cobra, quebrapedra, sabiá, jurubeba branca e vermelha e
outras.
A diversidade no hectare de agrofloresta não é só da flora, a fauna também é bem
rica. “Tem as cobras que eu quero lembrar porque se alguém
ver uma cobra é pra saber que é cobra. E eu aviso porque lá
tem toda espécie de coisa que imaginar”, diz Seu Gerardo
antes de entrarmos em seu terreno. Ele fala ainda com orgulho de como o manejo agroflorestal mudou sua terra. “Você
sabe que a terra criou mais sustança. Falta fazer muita coisa,
mas já tá bonito lá. Tá bem encorpadinho, a terra coberta,
formado aquele baô...”, diz abrindo a porteira.
Ele nos conta ainda como combate os insetos que comem a plantação. “Às vezes aparece uma lagarta, mas não
é todo ano. A gente tem dificuldade mesmo é com o fungo
do caju. Dá uma lêndea na maturi [caju antes de amadu21
recer] que fica pregada na
tava pra quebrar o milho,
castanha. Eu uso a maniapanhar o feijão. Essa é a
pueira porque eu fiz um
comandante da situação”.
teste com ela”. A maniÉ assim que seu Gerardo
pueira é a água que fica da
apresenta a mulher, comlavagem da mandioca para
panheira de longas datas,
fazer farinha. “Nós não usa
enquanto nos conta sobre
veneno. Vai fazer farinha,
os anos difíceis para criar
então quando imprenos filhos.
sa a mandioca e lava e sai
Casado com Dona
aquela água, a gente apara.
Maria do Socorro MarAquilo ali mata tudo, mata SAF de Seu Gerardo em Alcântaras - - Serra da Meruoca.
ques, 65 anos, Seu Gerardo
piluca, lagarta, mata tudo”, completa.
teve onze filhos, dos quais nove estão vivos, mas nenhum
A maior parte da produção é para o consumo fami- seguiu o caminho da agricultura. “Quando eles moravam
liar, mas Seu Gerardo já comercializa alguns produtos. “Nós aqui, eles eram agricultor, faziam as mesmas coisas que eu.
vende castanha, deixa só um pouquinho pra assar quando Só que eles cresceram e saíram pra cidade”, diz ele. “Eu
dá vontade. Nós vende o milho. Quando tem muito, nós conhecia como é que era lá, a dificuldade de moradia e de
vende o feijão...”. Mas, Seu Gerardo quer falar mesmo é da lutar com menino pequeno. Aí eu não me interessei. Talvez
dificuldade em vender ele próprio sua produção. Ele, como tivesse melhor de vida, ou não. Mas, eu me sinto tão bem
a maioria, vende para um atravessador que compra mais sentindo o cheiro desse mato aí”, avalia sua antiga decisão
barato que o preço de mercado. “Nós produz uma coisa e de continuar no campo e não morar na cidade.
o valor é pouco pra nós. Nós gasta mais do que apura. É
Diante das dificuldades e das vitórias que a vida de
porque a gente vende pro atravessador”.
agricultor lhe trouxe, pergunto ao Seu Gerardo sobre o fuA feira mais próxima é em Coreaú onde se pode apurar turo e ele me diz. “Pro futuro eu penso que eu já tenho essa
um pouco melhor do que com os atravessadores. Mas, para idade que eu posso morrer. Eu não sei como vai ser. Tenho
ir a Coreaú, surge um outro problema que é o transporte muita saúde ainda graças a Deus, mas eu não sei. Eu queria
da produção até a cidade. “Aí tem o transporte que come o que as coisas fosse pra frente”. Se a princípio, fala olhando
dinheiro e fica na mesma coisa. Nós sofre com essa dificul- apenas para sua propriedade, em seguida Seu Gerardo amdade”, desabafa. Mas, as dificuldades em sobreviver com a plia sua visão. “Tem que se educar os pequenos. Hoje têm
agricultura não são novidades para Seu Gerardo. “Eu passa- que fazer, cada vez mais, que os conhecimentos vá até as
va de 5 meses na cidade. Mandava o dinheiro e ela empelei- pessoas. Aí as coisas melhoram”, conclui.
Essa história continua...
A caminho do hectare onde Seu
Gerardo desenvolve o sistema agroflorestal – uma área a poucos metros de sua
casa – fui conversando com o Maycon
que me explicou como ele ia pra escola
todos os dias. “Tem vez que é a mamãe
que me leva, tem vez que é o papai. Tem
um carro dos alunos que passa aqui, é
um caminhão. Um carro grande e o pessoal vão em cima”, diz.
Francisco Maycon Marques Freire
tem cinco anos e já sabe escrever “sozinho” o seu nome. E faz questão de dizer,
realçando o “sozinho”. Mas, seu aprendizado extrapola os muros da escola. Mais
nova geração de uma família que vive da
agricultura há várias décadas é no contato diário com a natureza que Maycon
aprende, talvez, a sua maior lição de
vida: respeitar o meio ambiente.
Já na área do avô, Gerardo Pedro
Marques, Maycon e eu ficamos conversando na casa de farinha. Lá, ele me
22
explicou como a mandioca é prensada,
lavada e secada. A simplicidade com que
ensinava me fez imaginar aquela casa em
funcionamento. Foi lá também que me
falou de suas brincadeiras e de alguns
animais que conhecia e foi ainda na casa
de farinha que ele me protegeu ‘dos perigos da mata’.
“Você já ficou em cima de uma pedra no açude? Eu já”, pergunta Maycon
fazendo uma pausa na história sobre um
dos passeios que fez com seu pai e me
fazendo lembrar que o mais próximo
que eu cheguei de um açude foi da sua
margem. “Eu brinco de carro também.
E no dia que não tem escola eu vou lá
pra minha avó”, diz deixando, aos poucos, a timidez de lado.
“A lacraia tem um ferrão que parece uma uninha. Tem a jubinha que é
um calanguinho... Gavião, você já viu? E
o cavalo-do-cão? Ele é preto. Feio! Aqui
tem”, pergunta para logo em seguida
me contar uma história sobre o bem-tevi, “Você sabe qual é o bem-te-vi, num
sabe?”. Antes de eu responder, Maycon
já imita o pássaro e fala “se você faz algo
errado, o bem-te-vi canta: eu te vi, eu te
vi, eu te vi”, diz sorrindo.
Enquanto eu tentava acompanhar
tantos relatos e perguntas, Maycon
aponta pro alto e me mostra “um ninho de marimbondo”. Minha reação de
gente da cidade foi ter medo e recuar,
mas meu protetor foi logo falando. “Ele
sabe quem mexeu com ele. Aí, eles ficam
com raiva e vão atrás. Se a gente não fizer
nada, ele não faz nada com a gente”. E
de repente, eu me vi protegida e aprendendo com uma criança de cinco anos.
Maycon e a familiaridade com a
natureza que demonstrava em tão terna
idade fizeram-me pensar sobre o futuro
e as preocupações de Seu Gerardo sobre
educar os pequenos... Mas, vendo aquele menino, voltei para casa com uma esperança. Talvez, aquela criança continue
essa história e de alguma forma faça seu
caminho seguindo a trilha iniciada por
seu avô.
FUNDAÇÃO CEPEMA REALIZA ESTUDOS COM
GEOPROCESSAMENTO NO MACIÇO DE BATURITÉ
A Fundação CEPEMA mapeia comunidades rurais e
microbacias hidrográficas de Aratuba, Baturité, Mulungu,
Pacoti, Guaramiranga, Palmácia e Redenção no Maciço de
Baturité, Ceará. Usando o geoprocessamento, o objetivo
foi realizar um estudo integrado do ambiente e monitorar
as transformações espaço-temporais decorrentes da dinâmica da natureza e de sua relação com a ação humana.
“O geoprocessamento é uma importante ferramenta de
análise ambiental, porque subsidia a tomada de decisão
e planejamento de áreas urbanas e rurais, uso dos solos,
recursos hídricos, dentre outros”, diz Luana Cândida Macêdo de Araújo, geógrafa responsável pelo estudo.
A base cartográfica utilizada foi a produzida, em 1990,
pelo IDACE (Instituto do Desenvolvimento Agrário do
Ceará). A digitalização das ortofotocartas (curvas de nível,
estradas e rede hidrográfica) de Aratuba, Mulungu, Pacoti e
Guaramiranga foi concluída. Já as de Palmácia, Redenção e
Baturité estão sendo finalizadas. Também foram localizadas
e digitalizadas as propriedades das agricultoras e agricultores envolvidos nas atividades do CEPEMA. “O mais interessante disso é que esse trabalho está sendo realizado em
uma escala grande (1:10.000), ou seja, uma escala local que
reflete bem a necessidade dos agricultores”, explica Luana.
A fase atual do trabalho são os estudos, em campo,
para verificar os componentes geoambientais. O objetivo
dessa etapa é reconhecer as áreas para comparação com o
mapeamento já realizado. “Cruzar esses dados permitirá fazer uma análise geoambiental da área, ou seja, uma análise
do tipo de solo, cobertura vegetal, relevo, declividade e tipo
de uso do solo que ocorre em cada área e fazer um diagnós-
Arquivo Fundação CEPEMA
O diagnóstico dos recursos ambientais disponíveis
nas comunidades, principalmente do potencial hídrico, da
situação da cobertura vegetal e dos solos, ajudará no planejamento das atividades que a Fundação desenvolve com
pequenos agricultores e agricultoras da região. “Esse estudo
representa um passo importantíssimo para o planejamento
dos recursos hídricos da área e o uso do geoprocessamento possibilita uma visão integrada de todos os elementos
que atuam no ambiente e ainda permite o monitoramento
desses estudos”, diz Luana. O estudo gerou informações digitais para banco de dados temporais e análise das modificações nos elementos componentes da paisagem.
Ter a tecnologia como aliada do desenvolvimento da
agricultura familiar já é uma prática do CEPEMA. Na Fundação, a coleta de dados para o geoprocessamento é feita
pelos agentes de agricultura ecológica, ADAEs (supervisionados por Luana e já familiarizados com câmeras digitais,
GPS, planílhas de Excel, Internet e Skype).
Mapa da comunidade Jardim, município de Mulungu, mostrando a digitalização das curvas de nível do relevo, com eqüidistância de 10 metros, a rede de
drenagem ou hidrográfica, as estradas, as cotas (altitude do relevo) e a localização das propriedades dos agricultores envolvidos no Projeto.
23
Arquivo Fundação CEPEMA
Mapa da comunidade de Jardim dos Meninos - município de Guaramiranga/CE.
tico ambiental para ajudar no planejamento do uso das
propriedades pelos agricultores”, diz Luana. Coletados os
resultados do mapeamento e reconhecimento de campo,
a pesquisa continuará com o monitoramento das áreas.
“Esses produtos cartográficos representam uma base
para outros estudos que envolvam mapeamento da cobertura vegetal, uso do solo, relevo, classes de solos etc”,
diz Luana. “O geoprocessamento permite o cruzamento de variáveis ambientais, possibilitando diagnósticos
presentes, monitoramento e até modelos previsionais”,
completa ela. Esses mapas, importantes na análise ambiental, serão utilizados em campo pela equipe técnica
da Fundação CEPEMA nos trabalhos de monitoramento
nas áreas de agricultura familiar. Participam também do
estudo Leiliane Azevedo e Íris Pereira Gomes, alunas do
Curso de Mestrado em Geologia da Universidade Federal
do Ceará, UFC.
24
Arquivo Fundação CEPEMA
O mapeamento já registra mudanças percebidas na
agricultura ainda responsável por 88% da economia, mas
que vem cedendo lugar ao turismo. O café, a banana,
cana-de-açúcar, árvores frutíferas e hortaliças são as culturas mais desenvolvidas; com a banana substituindo os
cafezais, antes a principal atividade agrícola. Foram ainda
identificados problemas como o desmatamento indiscriminado que altera a biomassa e acelera os processos erosivos, intensificando o assoreamento dos fundos dos vales
e o desaparecimento de fontes perenes e sazonais. “Isso
compromete a capacidade produtiva e a sobrevivência das
comunidades rurais na região”, diz Luana.
Ortofotocarta utilizada como base cartográfica para a produção do mapa
da comunidade Couros, município de Aratuba.
MACIÇO DE BATURITÉ:
DUAS MULHERES, DUAS HISTÓRIAS
DE RESPEITO E AMOR À NATUREZA
A
s curvas do Maciço de Baturité abrigam vestígios de
uma Mata Atlântica que ainda resiste à ação predatória do ser humano que, em nome do “progresso”,
desmatou, queimou e destruiu indiscriminadamente a mata
da região. Nessa resistência silenciosa, a natureza tem aliados
que, como ela, trabalham silenciosamente. Dona Noemi e
Dona Irene são exemplos de quem optou por tirar o sustento da terra, respeitando e conservando o meio ambiente.
Comunidade Jardim, cidade de Mulungu. Na quebrada da serra, estão a casa de Dona Maria Noemi da Rocha
dos Santos e o seu quintal: um hectare dedicado à agrofloresta, sistema que resolveu implantar a quatro anos atrás.
“Eu comecei a plantar os pés de caju, mangueira, acerola,
goiabeira, abacate, maracujá, urucum, milho, feijão de corda e a fava, feijão mulatinho, mamona, sabiá, ingazeira... até
uva tem plantado! De um tudo eu tenho aí”. É assim que
Dona Noemi descreve o seu quintal. Numa rápida olhada,
um pé de acerola apinhado e um de sabiá ainda crescendo
confirmam o que ela diz.
Em uma família de seis irmãos, Dona Noemi tinha
oito anos quando começou sua peleja com a agricultura.
Hoje, aos 62 anos, viúva, avó e dona da terra onde mora e
trabalha – uma parte herança de família e outra parte que
comprou dos irmãos – ela ainda encontra prazer na lida
com a terra. “Eu acho bom demais. Eu não paro aqui em
casa não. Saio de manhã, já deixo o meu comer pronto e
chego na hora do almoço. Aí descanso um pedacim, depois
começo de novo e só paro 4 horas. Chego, tomo banho
me arrumo e vou pra aula. Minha vida é assim”, diz com a
tranqüilidade de quem fez a escolha certa.
Em Guaramiranga no sítio Monte Rei, moram Maria
Irene Mendonça, 64 anos, e seu marido, José Maria Rocha, 74. Lá, o cheiro de floresta é bem presente por causa
do cinturão de Mata Atlântica conservado que cerca a casa.
“Aqui não se queima nada, as casca de frutas e os talos a
gente bota num canto e deixa pra virar adubo. Quando a
gente quer plantar vai lá e tira. Não se tem queimada, não
se joga vidro quebrado, nem lixo no sítio, não”, Dona Irene
fala com orgulho do trabalho, iniciado em 1978 quando se
mudou com a família, de Fortaleza, para morar no Maciço
de Baturité.
25
Todo esse cuidado resultou em
uma área rica em biodiversidade. São
cerca de quatro hectares com várias
culturas: açaí, jambo, goiaba, murici,
limão, serigüela, coco, uva, café, jaca,
carambola, abacate, manga, banana,
acerola, tangerina, jabuticaba, jenipapo, laranja, caju; canela, ingazeira,
pau-d’arco, bálsamo, cedro, nim, gua-
Aí fui melhorando. Cada reunião que
a gente vai, explicam alguma coisa e eu
vou descobrindo, plantando mais... Eu
converso muito com esse menino”, diz
Dona Noemi, apontado para Marcos
Arruda, agente de agricultura ecológica, ADAE do CEPEMA e um dos
responsáveis pela assessoria técnica às
famílias no Maciço de Baturité. Foi
nessa troca que Dona Noemi começou
a fazer a cobertura do solo. “Sempre
teve muito capim, mas eu arrancava e
jogava fora, agora, eu deixo e a terra
fica molhada”, diz.
“Foi uma amiga, que fez um curso do CEPEMA, que me apresentou
os meninos; daí eles foram me visitar.
biraba, sabiá, frei-jorge, maçaranduba,
papiro; favinha, cereja, erva-doce, capim cheiroso; papoula, espada-de-sãojorge, cravo, dedal-de-dama, orquídea... Flores, frutas, arbustos e árvores
que embelezam e dão vida ao lugar.
Tanto Dona Noemi como Dona
Irene trabalham com o sistema agroflorestal e são acompanhadas pela Fundação CEPEMA que, em visitas regulares,
presta assessoria técnica. Nesses momentos, a troca de saberes é a base para
as conversas de acompanhamento. Das
técnicas, como cobertura orgânica para
o solo, uso de defensivos naturais, poda
seletiva, até as variedades de sementes
e mudas de plantas nativas e de valor
comercial; das discussões sobre o meio
ambiente a formas de comercialização
dos produtos agrícolas; tudo é motivo
de intercâmbio nas visitas e reuniões.
Um dos quereres de Dona Irene é
o orquidário que montou há oito anos
atrás. “Meu filho me deu uma flor e
perguntou por que eu não produzia. Aí
eu comecei e hoje eu já tenho orquídea
de várias cores”, relembra. Feito com
casca de coco e sabiá velho que seguram as mudas, o orquidário é cuidado
com técnicas naturais. O adubo vem
da matéria orgânica do próprio sítio
e, no controle dos insetos, Dona Irene
Eles vinham conversando, trazendo
mudas e depois eu comecei a acompanhar as feira”, Dona Irene conta
como foi sua aproximação da Fundação CEPEMA. “Mas, foi ele [o marido] quem nunca deixou queimar, nem
desmatar. O que a gente encontrou de
floresta tá preservada e onde há café é
usa defensivos feitos à base de fumo e
nim. “Não boto veneno. Eu uso fumo
e quando elas estão com a cochonilha,
eu passo uma escova e vou limpando as
orquídeas”, diz.
“O que eu fazia antes eu descobri,
com os menino, que já era agrofloresta.
porque já era café. Dentro do café a
gente plantou bananeira, mas nada de
desmatar”, diz Dona Irene sobre o trabalho com o marido. “A gente deixa a
natureza fazer seu trabalho”, completa
Seu José Maria.
26
A troca de conhecimentos só enriqueceu a sabedoria dessas mulheres.
“Meu pai dizia que era melhor deixar
o terreno limpo. Mas, eu perguntava
por que ele não deixava o bascuio no
terreno...”, lembra Dona Noemi que
desde cedo pensava em uma agricultura longe de queimadas e desmatamentos. “Eu não boto mais fogo de jeito
nenhum. Deixo tudo aqui, não tiro
nada. No canto que a gente tem aquela forrajona nem mato cria, só sobra o
legume. Eu faço isso todos os anos”,
ela explica como trabalha a terra desde
que começou a receber as visitas técnicas da Fundação CEPEMA.
O cuidado com a natureza além
de preservar o meio ambiente traz
um benefício importante para essas
agricultoras: uma produção variada e
culturas mais resistentes às intempéries
da região. “Aqui dá mais café que no
dos outros porque tem mais mata. E
daqui a pouco, eu vou é colher laranja
na minha varanda”, sorri Dona Irene,
apontando para a laranjeira carregada
de flores. “Meu milho, mesmo com
pouca chuva, tá bonecando. Coisa que
não tá acontecendo em terreno aqui
vizinho”, diz Dona Noemi.
Emanuel, que também
mora, com a esposa e os
filhos, no sítio e segue os
passos da mãe e do pai.
Se na produção muita coisa Dona
Noemi já fez, ainda não se pode dizer
o mesmo sobre o beneficiamento e a
comercialização do que ela produz.
“Todos os anos eu tenho produção de
alguma coisa. Uma parte do milho eu
vendo, já o feijão eu guardo pra quando não for o inverno, eu não ter que
comprar feijão. Mas, aqui estraga muita
fruta porque não tem como fazer doce
e não tem onde vender. Eu até faço e
tomo suco da acerola, da goiaba, mas
é muita fruta pra uma família só”, diz
Dona Noemi cuja única filha mora com
o marido numa casa ao lado da sua.
São duas mulheres,
com histórias e ritmos de
vida diferentes, mas que
estão unidas pelo amor
à terra e por tirar da
agricultura seu sustento, sem maltratar a natureza. Ambas utilizam
técnicas de manejo da
agrofloresta e produzem
de acordo com o estágio
em que se encontra o
sistema agroflorestal em
suas áreas. “Cada uma escolhe o que vai plantar e o jeito que
quer plantar. A gente não interfere nisso, a gente vai só discutir de que forma
se pode melhorar o sistema em que se
está trabalhando. Então o avanço se dá
a partir desses pequenos momentos”,
explica Marcos, ADAE do CEPEMA.
Dona Irene, ao contrário de Dona
Noemi, beneficia boa parte de sua produção e já comercializa muitos produtos. Da banana, vêm a mariola, o doce
cristalizado, a banana passa; tem também rapaduras de jaca e de abacaxi.
Ela vende ainda cachaça, vinagre; molho de pimenta; castanha de caju, doce
de leite, além do café que tem uma
boa produção. Mas, o carro-chefe das
vendas são os licores de vários sabores.
Para o beneficiamento e venda ela conta com a ajuda do filho caçula, Danilo
Da mesma forma que a natureza, tão degradada, precisa de tempo e
ajuda para se recuperar e produzir, a
agricultura familiar precisa de apoio e
tempo para se fortalecer e prosperar. O
fim das queimadas, dos desmatamentos e do uso de agrotóxicos em prol de
um manejo em harmonia com o meio
ambiente, primando pela biodiversidade. A divulgação de tecnologias sociais
e de técnicas de beneficiamento das
produções e ainda o apoio financeiro
às comunidades rurais. Tudo isso pode
fazer a diferença e mudar os rumos de
nossas vidas em direção a um desenvolvimento humano e sustentável.
No Maciço de Baturité, esse caminho vem sendo traçado e alguns
passos foram dados. Mas, há muito
que fazer. Fica, então, o desafio de uma
caminhada, que mesmo longa, é também muito bonita.
GUARAMIRANGA, UM CARNAVAL DE AGRI - CULTURA
“Quem
passou
a
vida
trabalhando/E no trabalho esgotouse e nada fez/Quem não sentiu o vento da bonanza/Quem na vida nunca
teve altivez/Foi uma mula de carga,
um jumento/Uma égua castanha ou
pedrez”.
(Samuel Queiroz Farias
agricultor, 1911 - 2004)
O jazz e o blues que invadem, há
vários anos, os carnavais da pacata cidade
de Guaramiranga no Maciço de Baturité
ganharam novas companhias no último
carnaval. A I Feira de Agri - Cultura Ecológica do Maciço de Baturité, realizada de
17 a 20 de fevereiro no campo de futebol
da cidade. Sob uma lona de circo, artis-
tas das letras, das músicas e da agricultura
trocaram suas experiências e saberes.
Com a idéia de associar trabalho,
natureza, economia e cultura, a programação contou com apresentações artísticas de poetas populares e repentistas;
grupos de flauta e de tambores; banda de
música; corais infantil e infanto-juvenil,
peças teatrais, além de muita música popular brasileira ao som de sax e violão e
do forró de pé de serra. No meio de tudo
isso, foram distribuídas mudas e montada a feira de agricultura ecológica.
Durante os quatro dias, foram ministradas ainda oficinas de pintura para
crianças; de hip hop; de grafite, produção musical e DJ; e de trançados afri-
canos e estética negra. Como também,
oficinas sobre relações de gênero, ecologia e sexualidade. Na feira, também foi
prestada homenagem póstuma ao poeta,
agricultor e ecologista, Samuel Queiroz
Farias, filho de Mulungu, falecido em
dezembro de 2004, aos 93 anos.
A I Feira de Agri - Cultura do Maciço de Baturité foi organizada pela Fundação CEPEMA e Central Única das Favelas (CUFA). A iniciativa contou com o
apoio do Banco do Nordeste, SEBRAE,
Secretaria de Saúde do Estado do Ceará,
Ministério do Meio Ambiente - Projetos
Demonstrativos (PDA) e as prefeituras
municipais de Guaramiranga, Baturité,
Mulungu, Aratuba e Pacoti.
27
ENTREVISTA
À SOMBRA DE UM CAJUEIRO
CEPEMA: O que é a Frente Cearense
por Uma Nova Cultura de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco?
Magnólia: A água aqui ainda é vinculada à indústria da seca, aos carros pipa,
à venda de água... Nós temos o Canal
da Integração, o Castanhão. Esses canais têm água e no entorno deles habitam famílias de pequenos agricultores
e agricultoras, mas essas famílias não
têm acesso à água porque ela é cercada.
CEPEMA: O governo diz que a transÉ proibido o acesso desposição levará água para
sas populações. Então, o
estados do Nordeste ca“A
rota
da
fato de passar próximo
rentes de recursos hídricos,
ou nas imediações não
transposição
qual o problema nisso?
significa que aquelas poMagnólia: Primeiro se a
não é a rota
pulações vão ter água. A
gente observar, inclusive
gente constatou, durande
quem
de
com estudos técnicos,
te o trabalho da Frente,
vamos ver que essa refato precisa
que essas populações são
gião tem água. A quesimpedidas de ter acesso
de água.”
tão é a forma como essa
à água. Elas continuam
água é distribuída. O
comprando água mesdebate sobre a transposição é maior do mo com uma barragem, um rio ou um
que trazer ou não água para dois mi- açude perto.
lhões de pessoas. Porque esse projeto CEPEMA: Então, qual o propósito de o
está vinculado a uma política de distri- governo investir em um projeto assim?
buição de águas que, historicamente,
tem beneficiado um setor do Nordeste Magnólia: O governo diz que a obra
e do país vinculados ao agronegócio, à do São Francisco vai resolver o problecarcinicultura, e à fruticultura irrigada ma da água, mas o próprio governo,
para exportação. Uma política vincu- através da Agência Nacional de Águas,
lada a grandes empreendimentos em ANA, fala da possibilidade de realizar
detrimento da agricultura familiar e 530 obras descentralizadas a um cusdas populações que de fato precisam to menor que o custo da transposição
de água. A rota da transposição não é que é de R$ 6,6 bilhões, enquanto o
a rota de quem de fato precisa de água. das pequenas obras é R$ 3,3 bilhões
Ela vai passar por onde estão localiza- de reais. A obra da transposição vai
dos os grandes empreendimentos de beneficiar supostamente, segundo o
Tribunal de Contas da União, sete micarcinicultura, de fruticultura irrigalhões de pessoas e, segundo o governo,
da, os grandes projetos de irrigação.
12 milhões de pessoas. ObjetivamenEla vem atender à siderúrgica que vem
te, as obras da ANA vão beneficiar
sendo negociada pelo governo do esta34 milhões de pessoas. A obra do São
do e vem beneficiar a produção que vai
Francisco beneficiaria em tese quatro
passar pelo Porto do Pecém.
estados, as propostas pela ANA nove
CEPEMA: Mas, próximos a essas gran- estados e mais o norte do rio São Frandes áreas de produção há sempre famílias cisco. As obras da ANA beneficiariam
Magnólia: A Frente nasceu em 2003,
é um movimento que tem a função de
trazer para o estado a discussão sobre
uma nova cultura de águas, usando a
obra da transposição do rio São Francisco como mote para o debate.
Magnólia Said, advogada e diretora da ONG cearense, Esplar, Centro de Pesquisa e Assessoria, é uma das
fundadoras da Frente Cearense por Uma Nova Cultura
de Águas e Contra a Transposição do Rio São Francisco.
A Frente nasceu em 2003, a
partir da luta contra o projeto de transposição do rio São
Francisco. Hoje, ela está presente nos espaços de debate sobre os impactos dos empreendimentos que afetam o meio
ambiente no Ceará, como a
questão da carcinicultura
na zona Costeira, os grandes
empreendimentos na Chapada do Apodi e a proteção do
manguezal do rio Cocó.
Esplar
Rua Princesa Isabel, 1968 - Benfica
Fortaleza-Ceará
Cep.: 60.015-061
E-mail: [email protected]
Fone: 85-3252.2410
28
carentes. Essas famílias não serão beneficiadas?
1.356 municípios, enquanto a do São
Francisco 391 municípios... Só isso já
dá pra gente ter uma dimensão de qual
é o significado e que interesses orientam a construção da obra de transposição do rio São Francisco.
CEPEMA:: Quem são os aliados da
Frente nesse processo?
subsistência, da sobrevivência da unidade familiar... Existem vários moviMagnólia: Existem movimentos com mentos sociais e ONGs em torno de
os mais diversos nomes contrários à uma rede que se chama Articulação no
obra da transposição do rio São Fran- Semi-Árido Brasileiro que é a ASA. A
cisco nos estados do semi-árido. Hoje ASA já vem discutindo e executando
CEPEMA: E que interesses seriam es- nós temos um aliado fundamental nes- várias propostas de convivência com o
ses?
se debate que é o ministério público semi-árido e uma dessas propostas está
desses estados, principalmente o do vinculada ao acesso à água. Por outro
Magnólia: São os mesmos interesses
lado, o governo insiste em desconheestado da Bahia e de Minas.
que orientam, por exemplo, a conscer essas propostas e investe apenas em
trução de uma outra mega-obra que CEPEMA: Por que a
uma única proposta
“Queremos o
se chama Complexo do rio Madeira. Frente dá tanta atenção
que são as cisternas, a
Pois são, praticamente, as mesmas ao projeto de transposição
utilização da água da
reverso de um
empreiteiras e os valores da obra do do rio São Francisco?
As propostas
modelo orientado chuva.
São Francisco e do rio Madeira são Magnólia: O elemento
da ASA já resolveriam
hoje para um cres- o problema daquelas
os maiores recursos para projetos de aglutinador da Frente
infra-estrutura que estão no PAC, Pro- foi a transposição por- cimento que desor- famílias que não têm
grama de Aceleração do Crescimento. que ela exigia uma ação
à água. Mas,
dena o meio am- acesso
Esse programa ao invés de acelerar o local, mas que mostrasprecisa ter investimenbiente e fragmenta to e destinação orçacrescimento, vai acelerar as desigualda- se que a transposição é
des sociais.
a sociabilidade.” mentária.
uma questão nacional.
CEPEMA: Como está essa discussão Hoje, a questão do rio
CEPEMA: Para uma
São Francisco é nacional. Ela está na decisão política, os comitês de bacias são
com o governo?
agenda do Fórum Social Nordestino, espaços onde poderia haver essa discusMagnólia: O governo iniciou o diálogo
no PAD (Processo de Articulação e Di- são?
com as organizações, só que o diálogo
álogo) que é um grupo internacional
se encerrou no próprio diálogo. Ele não
de igrejas ecumênicas. É também pon- Magnólia: Seria um sujeito no debate
foi para além, no sentido de escutar,
to de pauta do encontro binacional de sobre uma nova cultura de águas ou
reconhecer a fala dos movimentos e orGuajará Mirim em Rondônia que tem sobre uma outra gestão de águas. Os
ganizações e operar mudanças ou suscomo foco a discussão sobre o rio Ma- comitês de bacias são espaços paritápender o projeto que é o que nós quedeira, mas que dentro dessa discussão rios de diálogo ou de discussão sobre a
ríamos. Ele rompe o diálogo na medida
está incluído o debate sobre o rio São questão da água entre sociedade e goem que coloca como responsável para
Francisco. Isso foi uma conquista da verno. Mas, eles têm, digamos, vários
falar sobre as obras da transposição uma
vícios em função da relação de poder
Frente.
pessoa como a ministra Dilma, [Dilma
nas regiões onde eles são formados. E
Rousseff, ministra da Casa Civil] que CEPEMA: Qual seria, então, a solu- quanto maior a relação de poder entre
ção para democratizar o governo e sociedade civil, mais desvannão negocia os projetos
“Existem
moviacesso à água para que a tajoso é o desequilíbrio do processo
já definidos pelo governo. Quando ele coloca a mentos com os mais população carente tivesse de discussão e decisão nesses comitês.
Então, precisaria haver um envolviministra, ele se abstém e diversos nomes con- realmente acesso?
se afasta da possibilidaMagnólia: São várias as mento maior das organizações e movitrários
à
obra
da
de do diálogo. Ela não
soluções. Primeiro uma mentos sociais. Primeiro, dos afetados
está aí à toa. Ela está aí transposição do rio
política que redefina a por essas obras, segundo, apoiadores e
para não dialogar com
São Francisco nos gestão e o acesso a essas pensadores dessa política de gestão de
os movimentos contra a
águas, aí tem que ser água. Essas pessoas que deveriam ter a
estados
do
semitransposição ou contra
uma decisão política. possibilidade de influenciar na discusárido.”
as obras do rio MadeiOs governos deveriam são sobre uma nova política de águas
ra, nem para dialogar
considerar quem de porque são essas pessoas que vão ser
com os outros movimentos que estão fato precisa de água pra beber, pra agri- direta ou indiretamente afetadas.
criticando esses tipos de obras de infra- cultura familiar, quem precisa de água CEPEMA: Onde é que a cultura entra
estrutura. O diálogo hoje foi rompido. para o trato de animais, pra cuidar da nessa discussão? O que se quer dizer com
29
uma nova cultura de águas?
ajuda no processo de construir essa
consciência crítica. Quando você vê
Magnólia: Como diz o nosso manium depoimento de um
festo, é a expressão de valores éticos CEPEMA: Como a Fren“Discutir
uma
agricultor contando o
que orientam ou que orientaram uma te vem sendo recebida pela
discussão sobre a água; a expressão da população cearense?
nova cultura que acontece no real e
compara com o que você
igualdade entre as pessoas, da aceita- Magnólia: Nós estamos
de
águas
tamriedade, da justiça social, da sustenta- conseguindo, apesar das
viu na televisão que é tobilidade ambiental e da gestão demo- limitações de pessoas debém pressupõe talmente diferente. Encrática. Nós queremos o reverso de dicadas a isso e de limivocê ouvir essas pesum debate na tão,
um modelo orientado hoje para um tações financeiras, dessoas, desperta de alguma
crescimento que desordena o meio pertar nas pessoas de um
sociedade so- forma o sentimento de
ambiente e fragmenta a sociabilidade. modo geral a sensação
bre a cultura, que tem alguma coisa
Um modelo orientado para beneficiar de que tem alguma coierrada. Porque as pessoas
empreiteiros, consultores de realização sa errada com esse tipo
aliás, sobre a têm uma idéia de como
de obras, políticos, toda uma elite que de obra e com o procesmulticulturali- isso acontece, mas elas
é fundamentalmente branca e hierár- so decisório que temos
nunca ouvem de quem
quica.
dade.”
de desenvolvimento do
é afetado, de quem é
CEPEMA: Em que momento a Frente semi-árido. Nós estamos
impactado. Aí quando
pensa no envolvimento de pessoas que conseguindo construir uma consciênouve, percebe que o contexto que está
não estão nem nessa elite nem envolvidas cia crítica com relação ao modelo de
colocado hoje não é um contexto real.
desenvolvimento que nos leva a uma
diretamente nos movimentos sociais?
cultura estabelecida na sociedade que CEPEMA: O que mudaria no cotidiaMagnólia: Esse é o desafio da Frente.
é fragmentadora, desconhecedora dos no das pessoas se essa cultura que envolve
A Frente pegou a questão da obra de
processos sociais e extremamente mi- a relação com as águas mudasse e se retransposição do rio São Francisco e está
diática e espetacularizada.
almente fosse criada uma nova cultura
fazendo rodas de conversas não apenas
com as pessoas que estariam afetadas CEPEMA: Que mecanismos vocês usam de águas?
por essas obras. Nós compreendemos para levar essa discussão?
Magnólia: As mudanças só ocorrem se
que se não houver o enMagnólia: Nós estamos houver articulação e pressão. Pra eu me
volvimento das popula“As mudanças fazendo seminários, par- mobilizar e pressionar, eu tenho que
ções urbanas, das pessoticipando de programas
conhecimento e informação. Um
as que estão em espaços
só ocorrem se de rádio. Estamos pro- ter
governo
que queira as pessoas como
de discussão política, das
duzindo
material
para
houver articucidadãs, que as pessoas sejam parte
populações que em tese
os sites das organizações
não teriam nada a ver
lação e pressão. e para a imprensa. Nós – independente da cor, da condição
com essa questão nós
fizemos um documentá- social – do processo democrático na
Pra
eu
me
nunca poderemos estario sobre a transposição sociedade e, portanto, sejam partes do
belecer um outro patamobilizar e
que, por sinal, é a única desenvolvimento, ele tem que investir
mar de entendimento
peça comprobatória do na educação. A educação passa por vápressionar,
eu
do que a gente está chaestado da obra da trans- rias questões, como ambiental, social,
mando de uma nova cultenho que ter posição que foi apensada econômica, passa por todas as dimentura. Entendimento de
à ação que está no Su- sões do desenvolvimento. Então, se
valores, de educação no conhecimento e premo Tribunal Federal. eu tenho informação e conhecimento
sentido mais amplo, de
informação.” Nós vamos agora passar e tenho educação eu vou reivindicar
educação para a vida, no
para uma fase de estudos participação. Não aquela participação
sentido de direitos humanos. Porque a específicos sobre os problemas decorconsentida, mas uma participação no
questão da água também passa pelos rentes da transposição e a partir desse
direitos humanos e de justiça, no sen- estudo nós vamos continuar o debate campo do real onde eu possa de fato
expressar o que eu penso, ser escutada
tido amplo, de justiça ambiental, jus- sobre uma nova cultura de águas.
e participar do processo de decisão. Aí
tiça econômica, justiça social e justiça
CEPEMA: Que documentário foi esse? nós poderíamos ter uma outra cultura
cultural. Discutir uma nova cultura de
águas também pressupõe um debate na Magnólia: Nós fizemos um vídeo que de água no estado do Ceará e no país.
3
30
sociedade sobre a cultura, aliás, sobre a
multiculturalidade.
Rede Brasileira Agroflorestal
UM MANUAL ESCRITO A VÁRIAS MÃOS
18
organizações
não-governamentais
brasileiras que trabalham com a visão
agroecológica e de sistemas agroflorestais toparam
o desafio de elaborar o Manual Agroflorestal para
Mata Atlântica. O desafio começou em dezembro
de 2006 e o conteúdo do manual vem surgindo
a partir de discussões interativas e participativas,
promovidas pela REBRAF, Rede Brasileira Agroflorestal, que aglutina as dezoito ONGs.
O primeiro encontro ocorreu de 28 a 30 de
março de 2007, em Nazaré Paulista/SP, no Centro Brasileiro de Biologia da Conservação, CBBC,
da entidade parceira IPÊ. Na ocasião, foi feita capacitação com os técnicos representantes de cada
entidade. No próximo mês de outubro, será realizado um encontro final com o lançamento dos
produtos finais das oficinas regionais, em versão
de CD/ROM e WEB.
Do Ceará ao Rio Grande do Sul, capacitações técnicas com produtores rurais e técnicos das
regiões estão sendo realizadas. O trabalho é apoiado pelo projeto de “Capacitação Participativa de
Agricultores Familiares e Formação de Agentes de
Desenvolvimento Agroflorestal para Difusão de
Experiências com Práticas Agroflorestais no Bioma da Mata Atlântica”, financiado pelo MDA,
Ministério do Desenvolvimento Agrário.
A Fundação CEPEMA é uma das ONGs
envolvidas na elaboração do manual. Após participar do encontro de março, o CEPEMA realizou
oficina de capacitação com agricultoras, agricultores e parceiros do Ceará. Foram dois dias, 21
e 22 de junho, estudando quatro manuais sobre
agrofloresta que serviram de base no encontro de
março. A oficina aconteceu em Viçosa do Ceará,
com a participação de 20 pessoas.
Missão da Rede Brasileira Agroflorestal - REBRAF
“Promover a difusão de sistemas agroflorestais no território brasileiro ou ainda a
recuperação de terras degradadas.”
Contato: www.rebraf.org.Br / [email protected]
Expediente
é uma revista publicada
pela Fundação Cultural Educacional
Popular em Defesa do Meio Ambiente CEPEMA
Entrevistas e reportagens: Klycia Fontenele
(jornalista responsável - Reg. 1978-CE)
Capa: Foto de D. Terezinha no SAF Lagoa do Carnaubal/Viçosa do Ceará
(Eduardo Magalhães)
Fotografias: Eduardo Magalhães e arquivos
do CEPEMA e Esplar.
Mapas: Arquivo CEPEMA.
Projeto Gráfico e Diagramação: Adimilson
de Andrade.
Edição e Impressão: Expressão Gráfica
Ltda.
Tiragem: 2.000 (papel reciclato).
Fortaleza, ano1 nº 1 - agosto de 2007.
FUNDAÇÃO CEPEMA
Conselho Diretor
Danillo Galvão Peixoto Filho
Presidente
Henrique César Paiva Barroso
Vice-Presidente
Fco. José de Lima
Dir. Adm. Financeiro Patrimonial
Adalberto Alencar
Coordenador Pedagógico
Colaboradoras e Colaboradores
Antônio Eronilton Pereira Buriti
Antônio Eurismar C. de Oliveira
Aurinete Santos de Oliveira
Auristela de Oliveira Lemos
Eduardo Lima Magalhães
Elianísia Alves Mendes
Francisca da Conceição de Sousa
Francisco Edson da Silva
Francisco Fábio Costa Martins
Francisco Messias Teodósio
Francisco Tadeu Silveira
José Weldmar de Oliveira
Lúcia Alencar
Luis Carlos dos Santos
Luis Eduardo Sobral Fernandes
Marcos José Arruda Garcia
Maria Betânia Soares Ferreira
Maria Deusilane F. Silva
Maria Erivânia Buriti
Maria Helenilda A. da Silva Alves
Maria Heleni Lima Rocha
Maria Zelma de Araújo Madeira
Valgeane Marreiro Silva
Wilkson W. Gondim
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Revista Agrofloresta n. 01 - Ministério do Meio Ambiente