Como a legislação urbanística de três capitais brasileiras respondeu às
determinações e às novidades trazidas pelo Estatuto da Cidade
Por Fabio Caprio Leite de Castro
A Constituição de 1988 trouxe novos princípios e novos contornos para a
política de desenvolvimento urbano. Ocupando um papel de destaque no texto
constitucional, ao lado da política agrícola e do sistema financeiro nacional, compondo
com estas os três pilares da ordem econômica e financeira do Estado, a política urbana
é incluída na Constituição com o objetivo de transformar os horizontes jurídicos do
urbanismo no País. Considerando necessária a regulamentação de uma política de
desenvolvimento urbano unificada para todo o território nacional, o artigo 182
determina que lei ordinária fixará as diretrizes gerais para a ordenação do
desenvolvimento das cidades e para a garantia de bem-estar de seus habitantes.
Praticamente treze anos depois, aprovou-se o chamado Estatuto da Cidade, Lei no
10.257/2001, com a incumbência referida na Constituição.
O Estatuto da Cidade é de uma importância inestimável na evolução dos
conceitos jurídico-urbanísticos do País, portando seguramente muito mais do que um
conjunto de regras sobre a organização das cidades, na medida em que ele
implementa uma nova perspectiva de urbanismo, fundada sobre os princípios
urbanístico-ambientais. É imperioso lembrar que os municípios brasileiros tiveram de
reformar sua legislação ou mesmo criar novos planos diretores, diante das instruções,
obrigações e limitações definidas pelo Estatuto.
Um dos marcos do Estatuto da Cidade está fixado no dispositivo do art. 42 da
Lei no 10.257/2001, que impõe a todos os planos diretores em território nacional a
necessária previsão dos seguintes itens: i) delimitação das áreas urbanas onde poderá
ser aplicado o parcelamento, a edificação ou utilização compulsórios; ii)
regulamentação obrigatória do direito de preempção [direito de preferência do
município para a aquisição de imóvel objeto de alienação onerosa], da outorga
onerosa do direito de construir, das operações urbanas consorciadas e da
transferência do direito de construir; iii) criação de sistema de acompanhamento e
controle. No entanto, é notável como as políticas municipais das diferentes
metrópoles responderam de forma juridicamente diversa a essas determinações,
considerando as diferenças urbanísticas entre as cidades e o grau de
discricionariedade dos municípios.
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Podemos apontar, a título ilustrativo, como os planos diretores de três
importantes metrópoles brasileiras regulamentaram de forma diversa alguns dos
instrumentos relacionados à construção civil e ao uso do solo.
Adaptações ao Estatuto
Começando por São Paulo, a maior metrópole brasileira e uma das maiores do
mundo, sublinhamos que o seu plano diretor (Lei Municipal no 13.430/2002) - que
deve ser alterado em breve, após processo de revisão iniciado em abril - foi aprovado
depois da entrada em vigência do Estatuto da Cidade, já com o objetivo de promover
uma total adaptação aos conceitos e aos dispositivos do diploma legal federal.
Chama atenção o modo como o legislador regulamentou o direito de
preempção (preferência) do município. Este plano diretor fixa em seu artigo 208 uma
multa diária de 0,66% do valor da alienação no caso de venda de imóvel a terceiro sem
a devida entrega de cópia do instrumento à prefeitura, quando o bem estiver em área
assinalada com o direito de preempção da municipalidade. O próprio Estatuto da
Cidade não prevê esta multa, que é uma criação do legislador paulista para diminuir as
chances de o município ter um conhecimento tardio da informação sobre o negócio
em área, na qual ele poderia exercer o direito de preempção.
Em Porto Alegre, a adaptação ao Estatuto da Cidade foi diversa, tendo em vista
que o plano diretor porto-alegrense (Lei Complementar no 434/99) não foi revogado
completamente, mas alterado pela Lei Complementar no 667/2011. Isso se deve, em
grande medida, ao fato de que o plano diretor de Porto Alegre já possuía uma fórmula
em parte adequada ao Estatuto da Cidade, sobretudo no que tange ao mapeamento e
ao macrozoneamento da cidade. Havia, nesse caso, muito mais a necessidade de
acréscimos e complementações, como no caso das operações urbanas consorciadas.
Este instrumento jurídico foi incluído dentro do conceito de projeto especial de
impacto urbano, dentro de uma classificação em graus.
A operação urbana consorciada corresponde em Porto Alegre ao projeto
especial de impacto urbano de 3º grau, que envolve necessariamente muitos agentes e
possibilita a representação de novas formas de ocupação do solo a fim de alcançar
transformações urbanísticas estruturais. Os projetos que se enquadram nessa
classificação foram previstos pela Lei Complementar no 667/2011 em seu art. 63, §1º,
a saber:
I) renovação ou revitalização urbana;
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II) estruturação urbana ambiental;
III) preservação de identidades culturais locais;
IV) área destinada a usos específicos de caráter metropolitano; e
V) núcleo autossustentável na área de ocupação rarefeita.
Todo projeto dessa ordem, e isso vale para qualquer município, deve possuir
um plano de operação a ser aprovado por lei.
É interessante notar como os planos diretores de São Paulo e de Porto Alegre
são também muito diferentes do plano diretor de Curitiba. No caso da capital
paranaense, segue vigente o seu plano diretor aprovado pela Lei Complementar no
2.828/66.
O grande motivo para a manutenção e vigência deste plano diretor está no fato
de que ele conta com apenas 65 artigos, enquanto o de Porto Alegre conta com 169
artigos e o de São Paulo com 308 artigos. Sendo este plano diretor o mais enxuto em
comparação com os demais, justifica-se que ele tenha conseguido atravessar quase
cinco décadas. As grandes adaptações legislativas ocorreram sempre a partir de outras
leis municipais, as quais não revogaram o próprio plano diretor.
É o que podemos notar quando da entrada em vigência da Lei no 11.266/2004,
que procurou ajustar a legislação municipal ao Estatuto da Cidade. Um dos diferenciais
trazidos por essa lei ao município de Curitiba está na previsão do monitoramento e
controle do Plano Diretor, em seus artigos 82 a 84, através do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Nesse sentido, o município conta com um
sistema integrativo de informações coordenado, implantado e atualizado por órgão
competente (IPPUC), proporcionando um cruzamento efetivo das informações físicas,
territoriais, sociais e econômicas. Em comparação a outras cidades, Curitiba é
certamente uma cidade-modelo no fornecimento de informações urbanísticas e
imobiliárias.
Percebemos, assim, que houve uma necessidade de readequação dos planos
diretores das cidades às regras do Estatuto da Cidade, o que vem se estabelecendo
paulatinamente desde a sua aprovação. Por certo, as diferenças histórico-geográficas,
econômicas e sociais dos municípios fizeram com que eles adaptassem as novas regras
do Estatuto com um grau de discricionariedade. Essas diferenças são precisamente o
que leva a uma maior ou menor efetividade na aplicação dos institutos.
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Fonte: DE CASTRO, Fabio Caprio Leite. "Como a
legislação urbanística de três capitais brasileiras
respondeu às determinações e às novidades trazidas
pelo Estatuto da Cidade". Revista Construção e
Mercado, Edição 148, Novembro 2013.
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