LEITURA E DIALOGISMO: MÚLTIPLAS VOZES DISCURSIVAS
Sonia Maria Dechandt BROCHADO
Vera Maria Ramos PINTO
UENP/FAFIJA - GP Leitura e Ensino
Apoio Fundação Araucária
Algumas avaliações - nacionais e internacionais - constataram que um
número significativo de alunos brasileiros não compreende o que lê, não faz
relações entre as múltiplas informações que recebe, tem dificuldade em
interpretar, apropriar-se do conhecimento trazido pela leitura e fazer
deduções. Em conseqüência, tem dificuldade de posicionar-se criticamente
frente ao que lê.
Tal fato tem causado preocupação com a proficiência em leitura dos
brasileiros, uma vez que compreende muito mais pessoas do que aquelas
com menos de quatro anos de escolarização; atinge pessoas com nível de
escolaridade bem mais avançado, considerando que há indivíduos que já
terminaram o ensino médio; outros que estão fazendo ou quase terminando
um curso superior e ainda são incapazes de ler um texto com competência e
demonstrar o que entenderam, por meio de produção textual.
Esses resultados mostram que a falta de competência leitora é uma
realidade nas instituições de ensino médio e, o fato mais agravante, nas
instituições de ensino superior. Isso tudo nos despertou o interesse em
pesquisar o assunto que é considerado um grave problema para a educação
do país.
Em nossa prática docente no curso de Letras, na FAFIJA,
observamos que a maioria dos acadêmicos desses cursos consegue
decodificar um texto e ter uma idéia geral sobre o que ele está dizendo,
entretanto, uma parcela mínima deles é capaz de “ler” textos verbais e nãoverbais, com proficiência. Assim, questionamos: como poderão ser
professores de leitura, sem antes serem bons leitores?
Com base nessa realidade, formamos, em 2005, o Grupo de
Pesquisa Leitura e Ensino, vinculado ao CNPq, composto pela liderança do
Grupo, participantes de Iniciação Científica e do curso de pós-Graduação.
A finalidade deste grupo é instrumentalizar o futuro professor com
arcabouço teórico e procedimentos metodológicos que sejam capazes de
contribuir para a formação do professor-leitor e do futuro professor de leitura.
Para isso, tem procurado desenvolver competências e habilidades para o
domínio da leitura como atividade cognitiva e discursiva, estimulando a
formação do professor, produzindo oficinas, minicursos e artigos pertinentes
apresentados em eventos de caráter científico, na instituição e fora dela.
Ademais, pretende contribuir para a concepção discursivo-textual da
linguagem do futuro professor na sua prática pedagógica, por meio do
desenvolvimento do processo de recepção de textos em múltiplas situações
de uso, da articulação de conhecimentos prévios e informações textuais, da
apreensão de sentidos explícitos e implícitos em textos verbais e nãoverbais, estimulando, assim, sua capacidade analítico-interpretativa e crítica.
Diante desses objetivos, o Grupo de Pesquisa Leitura e Ensino optou
pela discussão dos pressupostos filosóficos de Bakhtin sobre a linguagem,
como também por teorias e metodologias de ensino de leitura de outros
autores, a exemplo de Smith (1999), Solé (1998), Kleiman (2004), Fiorin
(2006), Koch e Elias (2006).
LEITURA E DIALOGISMO
Por que buscamos fundamentação teórica nos pressupostos
filosóficos de Bakhtin? Que implicações há entre as discussões desse autor
e as concepções de linguagem e de leitura?
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin(1992) trata das
relações entre linguagem e sociedade, colocando como elemento
centralizador o signo, enquanto efeito das estruturas sociais, ou seja, o signo
ideológico. Trata da natureza social do signo e da enunciação (enunciado).
A enunciação é compreendida como uma unidade de base da língua, que só
existe dentro de um contexto social, compreendida como uma réplica do
diálogo social, sendo, portanto, de natureza social, ela é ideológica. Busca
compreender em que medida a ideologia determina a linguagem.
A linguagem constituída pelo universo dos signos é tema central nas
discussões, justificando que ‘o signo e a situação social estão
indissoluvelmente ligados’(BAKHTIN, 1992:16). Entende-se por signo todos
os sistemas semióticos que servem para exprimir uma ideologia; mas
destaca que a palavra ‘é o signo ideológico por excelência’. Define como
signo ‘tudo que é ideológico, possui um significado e remete a algo situado
fora de si mesmo’(idem,ibdem:31). Cita como exemplo a foice e o martelo
como signo ideológico da União Soviética; o pão e o vinho tornam-se signo
ideológico no sacramento cristão da comunhão.
Bakhtin ressalta, ainda, o caráter semiótico do signo no conjunto da
vida social, que além de refletir uma realidade, tem sua ‘encarnação’ numa
materialidade, seja como som, cor, massa física, movimento do corpo ou
outra forma de expressão.Privilegia a palavra ‘que funciona como elemento
essencial e acompanha toda criação ideológica, seja ela qual for’
(idem,ibdem:37), pois todas as manifestações da criação ideológica de
signos não-verbais podem ser manifestadas pelo discurso verbal.
A leitura de Marxismo e Filosofia da Linguagem confirma que, do
ponto de vista da construção dos sentidos, todo texto – discurso – é
perpassado por vozes de diferentes enunciadores, ora concordantes, ora
dissonantes, o que faz com que se caracterize o fenômeno da linguagem
humana como essencialmente dialógico e, portanto, polifônico (KOCH,
2002:57).
Esse reconhecimento é fundamental para o leitor na constituição do
sentido textual e fundamenta uma concepção interacionista de linguagem,
em que o sentido constrói-se ativamente através das múltiplas vozes
discursivas.
Bakhtin retoma, nesta obra, o conceito de dialogismo e o valor duplo
da palavra, ou seja, por um lado palavra no sentido de unidade lexical e, por
outro, no sentido de encadeamento de idéias como unidade de enunciação.
As palavras são unidades da língua, enquanto os enunciados são unidades
reais de comunicação. Por isso o enunciado é irrepetível, é singular; não é
determinado pela dimensão, mas pelo dialogismo.
Vale mencionarmos o pensamento de Bakhtin, destacando que o
enunciado não existe fora do dialogismo, pois este é constitutivo do
enunciado :
Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros
enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera
de comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes
de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um
determinado campo: ela os rejeita, confirma, completa,baseia-se
neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva
em conta (BAKHTIN, 2003:297).
Desse modo, o dialogismo é a característica do funcionamento
discursivo em que se encontram presentes várias instâncias enunciadoras. É
a presença destas várias instâncias que constitui a dimensão polifônica do
discurso. Bakhtin já o encontrara nos seus trabalhos sobre a obra de
Dostoiewsky, onde várias vozes se fazem ouvir, concluindo que todo o
romance é o resultado de várias vozes enunciativas.
Fiorin (2006:165),porém, ao examinar o conceito de dialogismo,
ressalta que é preciso afastar dois equívocos recorrentes na interpretação
bakhtiniana: a) dialogismo equivale a diálogo, no sentido de interação face a
face; b) há dois tipos de dialogismo: o dialogismo entre interlocutores e o
dialogismo entre discursos.
Desse modo, esclarece, em primeiro lugar, com base nos
enunciados de Bakhtin, que dialogismo não se confunde com interação face
a face, isto é, o dialogismo não se reduz ao diálogo como forma
composicional. O diálogo é uma das manifestações do dialogismo. Quanto
ao segundo ponto, não há dois dialogismos entre interlocutores e entre
discursos. O dialogismo é sempre entre discursos, enquanto que o
interlocutor só existe enquanto portador do discurso.
Assim, sintetiza em dois sentidos aquilo que é efetivamente
dialogismo em Bakhtin:é o modo de funcionamento real da linguagem e,
portanto, é seu princípio constitutivo;é uma forma particular de composição
do discurso. Portanto, todo discurso dialoga com outro discurso,
manifestando-se em enunciados. “As palavras e as orações são as unidades
da língua, enquanto os enunciados são as unidades reais de comunicação”
(FIORIN, 2006:168).
O sentido da enunciação completa é o tema, isto é, a realização é
dado pelos fenômenos segmentais e supra-segmentais. A significação
deriva da interação, ou seja, constitui os elementos da enunciação que são
reiteráveis e idênticos cada vez que se repetem. É a sua significação que
nos leva ao tema e este à criação de diálogo e às relações translinguísticas.
Logo, não há dúvida de que Bakhtin era já consciente da dimensão
pragmática que muitos ainda não tinham percebido, destacando-se por uma
concepção realmente inovadora na época. A interação verbal é a chave da
realidade fundamental da língua que se realiza na e pela enunciação.
PROJETO DE PESQUISA LEITURA SIGNIFICATIVA: RESULTADOS PARCIAIS
Ao se fundamentar nos pressupostos teóricos de Bakhtin e na
concepção interacionista da linguagem, os participantes do Grupo de
Pesquisa Leitura e Ensino, a partir do início do ano de 2006, propuseram o
desenvolvimento do Projeto de Pesquisa denominado Leitura Significativa.
Este projeto privilegia a investigação do perfil do acadêmico leitor do Curso
de Letras, da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de
Jacarezinho, objetivando levantar e analisar dados que possam subsidiar
ações que visem à formação do futuro professor-leitor.
Assim, iniciamos uma pesquisa aplicada aos calouros do curso de
Letras, para, inicialmente, investigar hábitos de leitura, procedimentos que
costumam adotar para ler e entender um texto, como também dados
pessoais, como: se fizeram curso pré-vestibular para o ingresso no curso
superior, o porquê de estarem fazendo o Curso de Letras, entre outros.
A seguir, avaliamos o nível de recepção de textos. Aplicamos aos
graduandos a leitura de textos de gêneros variados, que exploravam
questões interpretativas, discursivas e objetivas, no nível de decodificação,
abstração e reflexão. Nessas ações foram observadas as estratégias de
leitura empregadas por eles.
Os dados coletados foram organizados e analisados a partir do
resultado do desempenho da leitura desses noventa (90) acadêmicos do
Curso de Letras que integraram o corpus da pesquisa. E, com base nesses
dados, observamos lacunas quanto à concepção de leitura revelada pelos
leitores, como também quanto ao uso de estratégias inadequadas para a
apreensão dos sentidos do texto.
Diante dessa considerações, apresentaremos resultados parciais do
trabalho de pesquisa realizado pelo grupo de pesquisa Leitura e Ensino, já
mencionado no início desse artigo e sugestões de estratégias de leitura que
consideramos relevantes para a compreensão e construção do sentido de
textos verbais e não-verbais, e conseqüentemente, para a formação do
sujeito-leitor dos cursos de graduação em Letras.
A pesquisa de campo, realizada pelo grupo de pesquisa Leitura e
Ensino, foi dividida em três etapas e contou com um corpus de 90
graduandos iniciantes.
Na primeira etapa, foi possível observar, aplicando questionário, o
perfil sócio-econômico desses acadêmicos ao entrar na faculdade. Na
segunda etapa, os alunos fizeram a leitura de vários gêneros textuais, como
tiras de Hqs, poema e um conto, para avaliar o nível de recepção de textos,
respondendo questões de interpretação. Finalmente, foram investigados os
procedimentos ou as estratégias de leitura que usaram no ato de ler como
também o hábito de leitura, tipo de leitura preferida, quais fatores
provocavam dificuldades para a compreensão de um texto, entre outros.
Ao analisarmos os dados da primeira etapa, cujas perguntas
questionavam informações pessoais dos alunos, como: local em que fizeram
o ensino fundamental e médio, se fizeram curso pré vestibular, se já atuam
como professor, se o curso de Letras foi a sua 1ª opção de vestibular, entre
outras, percebemos que 84% dos graduandos tiveram sua formação inicial
em escola pública, 78% não fizeram curso pré-vestibular e 31% gostariam
de atuar como professor de Língua Portuguesa.
Quanto à questão que averiguava se o curso de Letras havia sido a
primeira opção dos 90 participantes, 47 afirmaram ter como primeira opção
outro curso superior; dentre estes, o mais citado foi o curso de Direito, com
17 opções.
Tais dados apontam para uma situação preocupante, haja vista que o
graduando que ingressa num curso de Letras o faz, na maioria das vezes,
como segunda opção, supomos que pretende apenas ter um diploma em
nível superior e isso pode gerar alunos desinteressados, sem motivação
para pesquisar, desestimulados com a carreira docente e,
conseqüentemente, com uma grande probabilidade de tornar-se um mau
profissional.
Já as últimas questões, dessa primeira fase de análise dos
graduandos, verificavam a faixa salarial de cada um e se já atuavam como
professor. Observamos que 96 % deles não atuavam na área educacional,
foram citadas as mais diversas profissões.Todavia, naquela em que os
graduandos, estudavam não houve citação.
Quanto à renda familiar média, é importante ressaltarmos que, no
momento da aplicação, o salário mínimo nacional estava em R$ 300,00
(trezentos reais). A média geral predominante, 54%, foi de 03 a 06 (três a
seis salários mínimos), com apenas 3% dos participantes assumindo ter
renda maior que 10 (dez) salários mínimos. Isso indica que muitos
estudantes do nosso corpus poderão ter dificuldades financeiras para
comprar livros, participar de eventos como congressos, seminários,
simpósios. Eventos importantes para a sua formação profissional.
Na segunda etapa do projeto Leitura significativa, a metodologia
adotada foi a aplicação de atividades de leitura que incluíam textos em
prosa, em verso e tiras de Hqs.
Sabemos que decodificar é ler, sentir os elementos verbais e nãoverbais que estão explícitos no texto e abstrair requer relacionar esses
estímulos que estão explícitos com os conhecimentos de mundo.Só assim o
leitor conseguirá dar sentido para uma sentença cheia de pistas e fatores de
contextualização, segundo Koch (2002).
Vale, então, ressaltarmos, também, a importância dos “fatores de
contextualização que são aqueles que ancoram o texto em uma situação
comunicativa, como a data, o local, a assinatura, os elementos gráficos,
timbre etc., que ajudam a situar o texto. Como também aqueles que
avançam expectativas sobre o conteúdo e a forma do texto: título, autor,
início do texto”( KOCH, 2002).
Após a leitura dos diversos textos apresentados, partimos para a
última etapa da nossa pesquisa, cujas questões solicitavam que os
graduandos mencionassem qual foi a principal estratégia utilizada para ler os
textos; qual seria o procedimento adotado para leitura de textos com
imagem como Hqs, tiras e charges; qual procedimento adotariam diante das
dificuldades encontradas para a construção do sentido de um texto; quais
fatores seriam responsáveis pela facilidade ou dificuldade da leitura. Além
disso, havia questões que indagavam sobre o hábito de leitura e tipos de
leitura que realizavam.
No levantamento das respostas, observamos que a principal
estratégia de leitura adotada por 37% deles, foi a de ter parado, voltado e
prosseguido na leitura.
Quanto à pergunta relacionada à leitura de textos imagéticos como
Hqs, tiras e charges, a maioria, 33%, respondeu que observaram todos os
detalhes, o todo e as partes; 20% disseram que observaram somente o
sentido explícito do texto, o que demonstra uma baixa capacidade de
construir inferências e um conhecimento de mundo restrito em relação aos
gêneros de textos apresentados, revelando uma concepção decodificadora
de língua e de leitura. Isto pode gerar, pelo menos nesse momento,
professores não-leitores, e sim, apenas ledores.
Para demonstrar o nível de leitura observado, discorreremos sobre
um dos textos apresentado, uma tira de Hagar, de Dick Browne, extraído do
jornal Folha de S. Paulo. No primeiro quadrinho, Helga, esposa de Hagar,
diz ao marido que ele tinha sorte de ir à Inglaterra, e continua lhe falando
que lá existem regiões ricas, história e diversidade cultural.
No último quadrinho, Helga pergunta a Hagar que regiões iria
visitar. Hagar lhe responde que seriam as regiões ricas. Nessa leitura, o
calouro deveria reconhecer os implícitos, demonstrando conhecimento de
mundo e fazendo inferências adequadas sobre o personagem Hagar e os
costumes de um viking. O discente deveria ter o conhecimento de mundo de
que um viking sai para roubar e não para observar as diversidades culturais,
o que não ocorreu com grande parte dos leitores. Nesse caso, então, o leitor
deveria dialogar com o texto e fazer as inferências adequadas, através das
pistas apresentadas.
Na terceira pergunta, que indagava qual procedimento o graduando
tomaria diante das dificuldades de compreensão de leitura, a maioria, 72%,
respondeu que se apoiaria no contexto. Considerar o contexto para a
construção do sentido é um procedimento que, segundo Solé (1998), é de
fundamental importância no momento da leitura, pois dá uma progressão
interessante às hipóteses de formulação do sentido do texto. Porém não
observamos coerência nessa resposta quando acompanhamos a realização
da pesquisa, dado comportamento de muitos alunos.
Percebemos sim, por meio das respostas dadas, que a leitura feita
pela maioria dos nossos leitores é superficial, buscando reproduzir ou
procurando encontrar o sentido que o autor quis passar , baseada apenas na
decodificação, no que está dito, escrito; parece que não há interação entre
os elementos do texto e do contexto, simultaneamente, para construírem o
sentido.
Diante disso, notamos que os alunos mostraram falta de habilidade
no entendimento do texto, não souberam articular suas respostas e buscar
a ponta do iceberg ou os 80% da construção dos sentidos da leitura que
estão submersos segundo Koch (2002) e Foucambert (1994); os mesmos
têm muitas dificuldades; responderam às questões com simples paráfrases
das perguntas ou quando se pede um tema central, que é mais pessoal
ainda, não conseguem apreendê-lo.
Nas respostas à pergunta que questionava os fatores que respondem
pela facilidade ou dificuldade em ler o texto, observamos que maioria
afirmou que o conhecimento do assunto é a principal dificuldade encontrada
no momento da leitura, e sem esse conhecimento não é possível
argumentar, nem ao menos interpretar. Logo, como todas as questões de
leitura eram discursivas, não seria possível responder de forma circular e
pela resposta do aluno percebemos que não tinha aquele conhecimento.
Além dessas questões, os alunos responderam sobre o tipo de leitura
que fazem regularmente, quantos livros lêem por ano; quais procedimentos
costumam usar para ler um texto teórico dado em sala de aula, entre outras.
Uma alta porcentagem (26%) lê diariamente revistas que não foram
identificadas, mas que não tinham teor acadêmico. O que se percebeu,
como eram salas de aula em que a maior parte eram mulheres, que
tratavam de revistas de conteúdos de beleza, vida de artistas, forma física e
sexo.
Com relação à quantidade de livros que lêem por ano, grande parte
respondeu “mais de cinco”. É uma marca regular, porém incluem os livros
teóricos que leram pela necessidade e/ou por imposição de sua formação
acadêmica. Aqueles que realmente leram pela fruição, ou seja, pelo prazer
de ler, foram pouquíssimos.
Um dado interessante é que a maioria se considera um ótimo leitor
ao ler textos acadêmicos, ou seja, 33% dos informantes consideram-se
excelentes leitores de textos técnicos e de outros diversos. Isso mostra que
o estudante, ao entrar na Faculdade, está muito preocupado com a
reprodução, isto é, só acredita naquilo que o professor diz, nos livros que ele
indica e, preferencialmente, na única resposta que é a dada por ele, a qual é
sempre a “certa”. Têm, portanto, uma postura assujeitada, não-crítica e sem
reflexão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que os graduandos do nosso corpus, em geral, não
conseguem, ainda, interpretar de forma proficiente, ter boa compreensão
leitora, pois lêem pouco e, na execução das tarefas, responderam com
pouca concentração às questões dos textos lidos.
Importante ressaltarmos o contexto de produção dos dados da
pesquisa e as impressões que tivemos enquanto ao alunos faziam a leitura
dos textos. As três classes eram numerosas; os alunos conversavam
bastante e pareciam não ter objetivo nenhum para aquilo que liam. Sabe-se
que ter um objetivo para ler é uma das estratégias de leitura mais
importantes de acordo com Smith (1999), Solé (1998) e Kleiman (2004).
Isso, provavelmente, interferiu na construção do sentido dos textos e nos
resultados obtidos.
Portanto, a leitura é uma atividade na qual se leva em conta as
experiências e os conhecimentos do leitor; a leitura de um texto exige do
leitor bem mais que o conhecimento do código lingüístico, uma vez que o
texto não é simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado
por um receptor passivo.
Compartilhando as reflexões de Bakhtin, o Grupo de Pesquisa
fundamenta-se em uma concepção dialógica de língua que privilegia os
sujeitos e seus conhecimentos em processo de interação. Assim, temos que
o lugar mesmo de interação é o texto cujo sentido ‘não esta lá’, mas é
construído, considerando-se, para tanto, as ‘sinalizações’ textuais dadas
pelo autor e os conhecimentos do leitor, que, durante todo o processo de
leitura, deve assumir uma atitude ‘responsiva ativa’.
Como podemos observar, a concepção bakthiniana ressalta na
atividade de leitura, o papel de leitor enquanto construtor de sentido, o qual
deve mobilizar diversas estratégias de leitura, como a antecipação,
inferências, o papel dos contextualizadores como âncoras textuais, seu
conhecimento lingüístico, enciclopédico e interacional, dentre outras que se
fizerem oportunas, refletindo e refratando as múltiplas vozes discursivas.
Em outras palavras, espera-se que o leitor, concorde ou não com as
idéias do autor, complete-as, adapte-as etc., uma vez que “toda
compreensão é prenhe de respostas e, de uma forma ou de outra,
forçosamente, a produz” (BAKTHIN, 2003).
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4ª ed.
São Paulo: Martins fontes, 2003. (Coleção biblioteca universal)
BAKHTIN, Mikhail. (Volochínov) Marxismo e filosofia da linguagem. Trad.
de Michel Lahud e Yara F. Vieira. 6.ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
BRASIL.Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quartos ciclos do
Ensino Fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação
Fundamental.-Brasília:MEC/SEF, 1998.
FIORIN, J. L. Interdiscursividade e intertextualidade. In: Bakhtin: outros
conceitos-chave. Beth Brait(org.). – São Paulo: Contexto, 2006.
FOUCAMBERT, Jean. A leitura em Questão. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.
KOCH, I.G.V.O A construção dos sentidos no texto: intertextualidade e
polifonia. In: texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,
2002.
KOCH, Ingedore G. Villaça & ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os
sentidos do texto.São Paulo: Contexto, 2006.
KLEIMAN, A. Oficina de Leitura: Teoria e prática. 10ª. ed. Campinas,SP:
Pontes, 2004.
SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. 6. ed. Porto Alegre: Art Med, 1998.
SMITH, Frank. Leitura Significativa. 3. ed. Trad. Beatriz Affonso Neves.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda, 1999.
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LEITURA E DIALOGISMO: MÚLTIPLAS VOZES DISCURSIVAS