O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – PDE:
PROPOSTA, METODOLOGIA E PRINCÍPIOS
Adrian Alvarez Estrada1
Raquel Angela Speck2
O Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE-E é um subprograma do Plano de
Desenvolvimento de Educação (PDE), que foi lançado pelo Ministério da Educação
(MEC) em 24 de abril de 2007. O PDE é definido oficialmente como uma “ferramenta
gerencial que auxilia a escola a realizar melhor o seu trabalho” e é “considerado um
processo de planejamento estratégico desenvolvido pela escola para a melhoria da
qualidade do ensino e da aprendizagem” (BRASIL-MEC, 2006, p.20).
No que se refere à esfera da produção científica em educação, a questão da
gestão vem se destacando enquanto objeto de análise3, principalmente no que se refere a
compreensão de seus fundamentos teóricos, ao sentido das propostas emanadas dos
órgãos oficiais, ao modelo de gestão proposto e também ao quadro de mudanças
requerido das escolas nesse contexto.
De todos os programas do PDE, é exatamente neste que se pode observar melhor
esta dinâmica de mudanças proposta para a gestão educacional. Contudo, sendo o PDEE um subprograma do PDE, é necessário que primeiramente este seja analisado, mesmo
que de maneira breve, a fim de contextualizá-lo, identificando os seus objetivos, razões,
princípios, metodologia e programas.
Paralelamente, buscar-se-á elaborar uma revisão crítica de autores pertinentes ao
processo de reestruturação produtiva e à Reforma do Estado, destacando os aspectos
que apontam para a possível influência destes processos sobre a elaboração e
implementação de políticas educacionais, especialmente sobre o programa em questão.
Esta perspectiva de análise será adotada por se considerar este movimento o
mais adequado à interpretação do contexto de elaboração de políticas educacionais após
o período de 1990. Isto porque a ênfase em programas voltados para a gestão escolar
1
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel. E-mail:
[email protected].
2
UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel. E-mail:
[email protected].
3
Cf.: Viriato (2004), Laval (2004), Nagel (2001), Oliveira (2000), Shiroma (2000, 2008), dentre outros.
está inserida em um amplo movimento internacional, desencadeado nos anos de 1990,
que definiu novos rumos para a organização e gestão da escola pública. Tal
(re)definição foi construída com base em estratégias de descentralização, de
racionalização, de participação da comunidade, de autonomia, de responsabilização, de
tal forma que, no limite, passou-se a requerer a formulação de outra cultura escolar
(TOSCHI e OLIVEIRA, 2004) [grifos nossos].
As bases de sustentação do PDE
O PDE foi gerado no âmbito do FUNDESCOLA, que, por sua vez, é cofinanciado pelo Banco Mundial e que “vem se constituindo em via de gestão da
educação com o firme propósito de disseminar uma nova perspectiva de administração
dos sistemas educacionais” (OLIVEIRA, 2005, vi) [grifos nossos].
No ano de seu lançamento o PDE já contava com trinta ações contemplando
diferentes aspectos da educação, em suas diferentes modalidades. Atualmente existem,
em média, 40 ações4 que expressam as metas do Plano e que estão voltadas para uma
“educação básica de qualidade” (BRASIL-MEC/Portal).
Saviani (2009) considera o PDE como “a mais ousada, promissora e também
polêmica política educacional formulada pelo MEC a qual se encontra em pleno
processo de execução na atualidade” (SAVIANI, 2009, viii), e “aparece como um
guarda-chuva que abriga praticamente todos os programas em desenvolvimento pelo
MEC” (idem, p.5). O autor destaca que:
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo
Ministério da Educação (MEC) em 24 de abri de 2007, teve recepção
favorável pela opinião pública e contou com ampla divulgação na
imprensa. O aspecto que teria sido o principal responsável pela
repercussão positiva se refere à questão da qualidade do ensino: o
PDE foi saudado como um plano que, finalmente, estaria disposto a
enfrentar esse problema, focando prioritariamente os níveis de
qualidade do ensino ministrado em todas as escolas de educação
básica do país (SAVIANI, 2009, p.1).
O PDE é definido oficialmente como uma “ferramenta gerencial que auxilia a
4
Entre algumas das Ações do PDE encontram-se: “Brasil Alfabetizado”; “Piso do Magistério”;
“Biblioteca na Escola”; “Proinfância”; “Saúde nas escolas”; “Provinha Brasil”; “Olhar Brasil”; “Dinheiro
nas Escolas”; “Inclusão digital”; “Gosto de Ler” e “Literatura Para Todos”. Disponível em
www.mec.gov.br. Acesso em 7 jul. 2010.
escola a realizar melhor o seu trabalho” (BRASIL-MEC, 2006, p.20). Para tanto,
incorpora conceitos e práticas entre as quais se destaca a elaboração de diagnóstico, o
planejamento estratégico, o trabalho com metas e a avaliação de resultados.
Nesta direção, Oliveira (2005) destaca:
O PDE anuncia-se como instrumento que vem auxiliar a escola a se
organizar de maneira eficiente e eficaz, com a melhor concentração
de esforços e recursos para reverter os altos índices de repetência, o
abandono e a má qualidade da aprendizagem. A pretensão deste
instrumento de gestão, portanto, consiste em promover mudanças na
organização escolar, as quais seriam viabilizadas mediante a
elaboração e implementação, pela escola, de um planejamento
estratégico (OLIVEIRA, 2005, p.2).
Verificando os documentos disponibilizados pelo MEC a respeito do PDE, é
possível obter mais informações sobre a configuração do programa.
A principal referência sobre o programa é a publicação O Plano de
Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas (BRASIL-MEC, s/d-a),
que está dividida em três partes: 1. Razões e princípios do Plano de Desenvolvimento da
Educação; 2. O Plano de Desenvolvimento da Educação como programa de ação; 3. O
Plano de Desenvolvimento da Educação como horizonte do debate sobre o sistema
nacional de educação.
A primeira parte do referido documento apresenta os seis pilares que
fundamentam o PDE: i) visão sistêmica da educação, ii) territorialidade, iii)
desenvolvimento, iv) regime de colaboração, v) responsabilização e vi) mobilização
social, que “são desdobramentos conseqüentes de princípios e objetivos constitucionais,
com a finalidade de expressar o enlace necessário entre educação, território e
desenvolvimento, de um lado, e o enlace entre qualidade, eqüidade e potencialidade, de
outro” (BRASIL-MEC, s/d-a, p.11).
De maneira breve, apresentaremos a justificativa para cada um dos pilares.
O programa é colocado sob uma perspectiva sistêmica (pilar número 1) sob o
argumento de que é necessário agir no sentido da “integração dos níveis, etapas e
modalidades de ensino”. Ainda, a adoção desta perspectiva é uma tentativa de “superar
uma visão fragmentada sobre a educação”. Visão fragmentada esta que é responsável
pelo surgimento de “falsas oposições” como, por exemplo, a que existe entre a
Educação Básica e o Ensino Superior, onde “diante da falta de recursos, caberia ao
gestor público optar pela primeira” (BRASIL-MEC, s/d-a, p.7). Outras quatro falsas
oposições são apontadas: atenção exclusiva ao ensino fundamental em detrimento das
demais etapas da educação básica; priorização do ensino médio em contraposição à
desvalorização da educação profissional; alfabetização dissociada da educação de
jovens e adultos e a oposição entre a educação regular e a educação especial.
O documento informa que “o PDE procura superar essas falsas oposições por
meio de uma visão sistêmica da educação” já que esta, como “processo de socialização
e individuação voltado para a autonomia, não pode ser artificialmente segmentada, de
acordo com a conveniência administrativa ou fiscal” (idem, p.9).
A Territorialidade é outro pilar do PDE. Em linhas gerais, sustenta-se na busca
por respeitar as comunidades em suas particularidades e em seus arranjos étnicoseducativos. Isto porque “o enlace entre educação e ordenação territorial é essencial na
medida em que é no território que as clivagens culturais e sociais, dadas pela geografia e
pela história, se estabelecem e se reproduzem” e “a razão de ser do PDE está
precisamente na necessidade de enfrentar estruturalmente a desigualdade de
oportunidades educacionais” (idem, p.6).
O objetivo do pilar Desenvolvimento é associar educação de qualidade, mediante
o estabelecimento de padrões mínimos de aproveitamento e o necessário apoio técnico e
financeiro ao desenvolvimento sócio-econômico no país. Justifica-se que o enlace entre
educação e desenvolvimento “é essencial na medida em que é por meio dele que se
visualizam e se constituem as interfaces entre a educação como um todo e as outras
áreas de atuação do Estado” e que “a relação recíproca entre educação e
desenvolvimento só se fixa quando as ações do Estado são alinhadas e os nexos entre
elas são fortalecidos, potencializando seus efeitos mútuos” (idem, p.6/7).
Os pilares Responsabilização e Mobilização Social referem-se à transparência e
à participação da sociedade. Recorre-se ao texto constitucional para justificar e amparar
o chamado à participação, feito pelo programa:
Se a educação é definida, constitucionalmente como direito de todos
e dever do Estado e da família, exige-se considerar necessariamente a
responsabilização, sobretudo da classe política, e a mobilização da
sociedade como dimensões indispensáveis de um plano de
desenvolvimento da educação (idem, p.11).
De acordo com o documento em apreciação, são estes seis pilares que dão
sustentação ao PDE, e “que perpassam todos os níveis e modalidades educacionais”
(idem, p.7).
Contudo, sendo um “plano executivo”, o mesmo se expressa através de ações
concretas (idem, p.15). Inicia-se então a segunda parte do documento, onde é possível
perceber que o programa incide sobre quatro grandes áreas do sistema educacional. São
elas: a educação básica, a educação superior, a educação profissional-tecnológica e a
alfabetização. No decorrer do texto percebe-se a intencionalidade de apresentar estes
quatro grandes eixos como uma unidade.
No primeiro eixo, a educação básica, há quatro desdobramentos: 1. Formação
de professores e piso salarial nacional; 2. Financiamento: salário educação e FUNDEB;
3. Avaliação e responsabilização: o IDEB; 4. Plano de Metas: planejamento e gestão
educacional.
No segundo eixo, a educação superior, são apresentadas cinco metas: 1.
expansão da oferta de vagas; 2. garantia da qualidade; 3. promoção de inclusão social
pela educação; 4. ordenação territorial para tornar o ensino acessível inclusive nas
regiões mais distantes do país e 5. desenvolvimento econômico e social.
Para o alcance destas metas, são apresentados três projetos: 1. Reestruturação e
expansão das universidades federais: REUNI e PNAES; 2. Democratização do acesso:
PROUNI e FIES e 3. Avaliação como base da regulação: SINAES.
No terceiro eixo, a educação profissional e tecnológica, encontramos: 1.
Educação profissionalizante e educação científica: o IFET; 2. Normatização (legislação)
e 3. EJA profissionalizante.
No quarto e último eixo, a alfabetização, educação continuada e diversidade
apontam-se preocupações do PDE com a população analfabeta ou pouco escolarizada e
com as comunidades indígenas, quilombolas e de assentamentos.
Por último, no item O Plano de Desenvolvimento da Educação como horizonte
do debate sobre o sistema nacional de educação, aponta-se a necessidade de aumentar o
percentual do PIB para a educação, melhorando a questão do financiamento para este
setor, e ainda de se atribuir maior autonomia às instituições de ensino.
Considerações em torno da implementação e aplicabilidade das ações do PDE
Uma das idéias mais repetidas no documento se refere ao fato de ser o plano
elaborado sob uma “visão sistêmica”. É este inclusive o primeiro dos seis princípios
apresentados. Contudo, alerta-nos Saviani (2009), para o fato de que:
O MEC acabou por estabelecer uma aproximação da noção de
sistema com o “enfoque sistêmico”. No entanto, não podemos perder
de vista que a organização dos sistemas nacionais de ensino antecede
historicamente em mais de um século ao advento do chamado
“enfoque sistêmico”. Portanto, trata-se de coisas distintas. O enfoque
sistêmico é um conceito epistemológico que está referido a uma
determinada maneira de analisar os fenômenos, mais especificamente
ao método estrutural-funcionalista. Portanto, quando aplicado à
educação, o referido enfoque diz respeito a um dos possíveis modos
de analisar o fenômeno educativo. Em contrapartida, a noção de
sistema educacional tem caráter ontológico, pois se refere ao modo
como o próprio fenômeno educativo é (ou deve ser) organizado
(SAVIANI, 2009, p.22).
Segundo a concepção do autor, pela sua vinculação com o método estruturalfuncionalista, o “enfoque sistêmico” torna-se incompatível com a proclamada missão de
superar as dicotomias apontadas pelo documento. Isto porque o “sistema”, assim
concebido, torna-se algo mecânico, automático, onde os homens perdem a característica
de sujeitos históricos dada à impossibilidade de interferir no mesmo.
No que se refere ao enfoque sistêmico, Libâneo, Oliveira e Toschi alertam para o
seguinte:
O enfoque sistêmico, assim como a administração eficiente e a
tecnologia educacional, está na base do movimento pela qualidade
total. A busca da eficiência (economia de recursos), da eficácia
(adequação do produto), enfim, da excelência e da qualidade total,
para levar o sistema de ensino a corresponder às necessidades do
mundo atual, apresenta como solução o enfoque sistêmico (que
procura otimizar o todo). Trata-se de usar o procedimento corretoracional, científico. (...) Manifesta-se, desse modo, a tentativa de
vincular a educação ao novo paradigma produtivo, na ótica do que se
denomina neotecnicismo. Há uma volta ao discurso do racionalismo
econômico, do gerenciamento/administração privado como modelo
para o setor público e do discurso do capital humano (formação de
recursos humanos) (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2010,
p.103/104) [grifos no original].
O enfoque sistêmico, apoiado no discurso do racionalismo econômico e do
capital humano corresponde às exigências do novo paradigma produtivo e procura
tornar a educação e o conhecimento essencialmente utilitarista. Neste intento, aponta
para a necessidade de uma nova cultura institucional onde se busque constantemente a
qualidade total dos serviços prestados, bem como a adequação dos profissionais às
novas necessidades do mercado. Estes precisam redescobrir sua missão e sua
identidade. Agregar novos valores aos seus serviços e, principalmente, devem tentar
encontrar um novo sentido em sua prática já que agora o caráter genuinamente
pedagógico da prática escolar passa a ser comandado pelo imperativo da eficácia
econômica. Desta forma, “o sistema escolar é forçado a passar do reino dos valores
culturais à lógica do valor econômico” (LAVAL, 2004, p.301).
No que diz respeito ao financiamento, de acordo com o documento, a
substituição do FUNDEF pelo FUNDEB ampliou a raio de alcance do financiamento
para o setor, já que incorporou toda a educação básica. Há que se ressaltar, contudo que
“o FUNDEB não representou aumento dos recursos financeiros” (SAVIANI, 2009,
p.38). O que aconteceu foi que aumentou o número de estudantes atendidos, mas não
houve o proporcional e desejável aumento no repasse dos recursos.
Neste sentido, as propostas do PDE “não estão amarradas a uma execução
orçamentária contínua”, o que faz aumentar o risco de falta de continuidade. Nas
palavras do autor, “houve uma expansão que se traduz na rede física (...) mas o PDE na
verdade aparece muito mais como uma marca fantasia do que propriamente um
articulador de políticas” (PINTO in GRACIANO, 2010, p.19).
Mesmo se analisado sob a perspectiva do PDDE (Programa Dinheiro Direto na
Escola), que é outro subprograma do PDE e que envia dinheiro diretamente para a
unidade escolar, ainda assim não se pode concluir que o objetivo maior proclamado pelo
PDE tenha sido alcançado, qual seja, o de resolver o problema da qualidade na educação
pública brasileira.
É o que aponta o estudo de Oliveira (2005), que investigou a implementação do
PDE em uma escola pública do município de Dourados-MS, e concluiu que, para os
professores e direção, a possibilidade de aquisição de materiais didáticos e de consumo
é um aspecto tido como positivo e até mesmo compensador para todo o trabalho
burocrático envolvido no preenchimento de formulários exigidos pelo MEC. Contudo, o
estudo também aponta para o fato de que os índices de reprovação, nesta mesma escola,
não foram revertidos, conforme expectativa inicial do programa.
Ademais, existem críticas quanto ao fato de o PDE ter viabilizado a relação
direta dos municípios com o MEC no que tange o repasse de recursos, segundo o
argumento de que isto vem a romper com a lógica do regime de colaboração, previsto
na Constituição Federal, já que desconsidera a existência do sistema estadual. A
desconsideração do sistema estadual “complica a transição naqueles municípios que
compartilham a responsabilidade do ensino fundamental com a rede estadual”
(GRACIANO, 2010, p.5).
Contudo, há ainda outros fatores referentes ao PDE que merecem atenção.
Prosseguindo a análise do documento O Plano de Desenvolvimento da Educação:
razões, princípios e programas, é possível constatar que o mesmo está, em grande
medida, voltado apenas a apresentar as ações que constituem o plano, muito embora se
tenha anunciado que o “texto não é uma lista de realizações nem um relatório técnico”
(BRASIL-MEC, s/d-a, p.15), com poucos indicativos relativos a sua operacionalização
e controle.
Estruturado em mais de 40 ações e programas, “o PDE consiste em um enorme
desafio não apenas para a sua implementação, mas também para o seu monitoramento”
(GRACIANO, 2010, p.2).
Além disso, a pluralidade de ações e programas traz consigo uma aparente
fragilidade: o PDE está quase que inteiramente baseado em decretos, o que é
especialmente problemático tendo em vista que a tradição educacional brasileira se
caracteriza pela descontinuidade de programas e políticas públicas (idem, p.4).
Para Saviani (2009), “não deixa de ser bem-vindo esse dinamismo do MEC,
multiplicando as ações com as quais se pretende mudar o perfil da educação brasileira”,
contudo, alerta o autor para o fato de que é preciso “estar atento para evitar a
fragmentação e a dispersão que levariam à perda do foco na questão principal: a
melhoria da qualidade da educação básica” (SAVIANI, 2009, p.43).
Outro aspecto fundamental para compreender os limites e os problemas do
PDE, é o de que “ele nasceu como um plano discutido e elaborado não com os
movimentos dos educadores, dos trabalhadores em educação, entidades docentes ou
estudantis, mas sim com o empresariado brasileiro” (MINTO, 2009, p. 2). Em crítica
dirigida ao plano, o autor afirma que foi o tão divulgado Compromisso Todos pela
Educação, lançado em São Paulo por alguns dos maiores grupos empresariais do país,
em setembro de 2006, que serviu de base para a elaboração do Decreto nº 6.094, de 24
de abril de 2007, o carro-chefe do PDE.
Partindo das reflexões realizadas até o momento, é possível situar o PDE no
contexto das reformas educacionais recentes para então buscar compreender o que não
está diretamente evidenciado nos documentos oficiais a ele relativos. Neste sentido,
situar as ações do PDE no interior da lógica mais geral que preside a
reforma educacional brasileira nas últimas duas décadas exige-nos
lembrar de, ao menos, dois fatores essenciais que estão na “ordem do
dia” das reformas institucionais tornadas demandas para governos
nacionais no atual estágio do modo capitalista de produção. De um
lado, cabe ao Estado ser mais eficiente, reduzindo gastos, sobretudo
com as políticas sociais; de outro, cabe criar condições institucionais
(jurídico-políticas) para que o mercado e a iniciativa privada, de um
modo geral, organizem as atividades antes comandadas pelo Estado
(MINTO, 2009, p.2) [grifo no original].
Destacam-se dois aspectos principais: a questão da eficiência e o deslocamento
das políticas sociais para o mercado. De fato, o PDE utiliza de maneira recorrente a
noção de eficiência, de qualidade, de resultados5. Sobre o deslocamento das políticas
sociais para o mercado, parece-nos que o Todos pela Educação é um bom exemplo de
como a iniciativa privada tem se organizado junto ao Estado na proposição de políticas
educacionais. É também um bom exemplo de como o Estado tem se afastado
gradativamente da responsabilidade de ser o provedor dos bens sociais.
Corroborando, Minto (2009), assim se posiciona:
Embora o discurso reformista tenha tentado vender a idéia de que,
uma vez feito o “saneamento fiscal do Estado”, este poderia investir
mais em políticas sociais, o que vem ocorrendo é o oposto disso.
Impõe-se assim um outro tipo de política “social” de cunho
assistencialista, gerida como atividade privada, que assume um tom
voluntarismo e de caridade (idem).
As ações comunitárias na esfera social, associadas ao voluntariado, já foram
alvo de muitas críticas, visto que tendem a desresponsabilizar o Estado e onerar a
sociedade. O mais grave é que, no limite, os direitos sociais passam à responsabilidade
5
A expressão qualidade, por exemplo, é utilizada 30 vezes no documento, que tem 43 páginas. Já a
expressão resultado pode ser encontrada 12 vezes.
da iniciativa privada, onde predominam as leis do mercado. Nesse contexto, aqueles que
possuem melhores condições, acabam tendo acesso aos melhores serviços e
predominam os interesses particulares sobre os interesses da coletividade.
Laval (2004), a respeito da retirada do Estado do provimento dos bens sociais
afirma que:
A ideologia liberal acompanha, reforça e legitima as diversas formas
de desregulamentação, cuja característica geral consiste em deixar no
espaço escolar um lugar crescente para os interesses particulares e
para os financiamentos privados, quer sejam de empresas ou de
indivíduos (LAVAL, 2004, p.109).
A participação do setor privado na elaboração e implementação de políticas
educacionais tem conduzido a significativas alterações não somente no que tange
organização e gestão da educação, mas também no que diz respeito as suas finalidades.
Isto porque “a instituição escolar não encontra mais sua razão de ser na distribuição, o
mais igualmente possível, do saber, mas nas lógicas de produtividade e rentabilidade do
mundo industrial e mercantil” (idem, p.44).
A escola que se delineia lembra cada vez mais uma empresa, com práticas e
linguajar próprio, sujeita à lógica econômica e da competitividade, preocupada
demasiadamente com seus níveis de produtividade e seus resultados, e cada vez menos
voltada aos seus objetivos pedagógicos. Na realidade, esta é a escola assumindo uma
nova função: a função econômica, que de acordo com Laval (2004) é uma função cada
vez mais essencial no quadro do novo capitalismo e que deve ser relacionada com as
mutações sociais, políticas e culturais em curso. As mudanças de natureza
organizacional e pedagógica da educação estão diretamente relacionadas às
determinações econômicas e sociais externas, que a colocam sob o foco de negócio
altamente rentável, passível de investimentos.
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação: o projeto educacional dos
empresários para o Brasil
O Decreto n. 6094/2007 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação é considerado o “carro-chefe” do PDE (SAVIANI,
2009, p.5). A respeito deste decreto, destaca-se o seguinte:
Apresentando-se como uma iniciativa da sociedade civil e
conclamando a participação de todos os setores sociais, esse
movimento se constituiu, de fato, como um aglomerado de grupos
empresariais com representantes e patrocínio de entidades como o
Grupo Pão de Açúcar, Fundação Itaú-Social, Fundação Bradesco,
Instituto Gerdau, Grupo Gerdau, Fundação Roberto Marinho,
Fundação Educar-DPaschoal, Instituto Itaú Cultural, Faça ParteInstituto Brasil Voluntário, Instituto Ayrton Senna, Cia. Suzano,
Banco ABN-Real, Banco Santander, Instituto Ethos, entre outros
(SAVIANI, 2009, p.32).
É importante destacar que a atuação empresarial na educação não pode ser
considerada um fato novo. Isto porque “ao longo de nossa história, a classe se
empenhou para demarcar o seu campo político e traduzir nas leis e em espaços
educativos específicos seus interesses e objetivos na educação” (MARTINS, 2008, p.8).
A organização da classe em torno de questões educacionais em tal escala, é algo
realmente instigador, no sentido de compreender as razões de tal interesse, que objetivos
estão sendo buscados, que meios são propostos para tal. Nesta direção, Saviani (2007b),
nos dá uma pista quando afirma que:
a lógica que embasa a proposta do "Compromisso Todos pela
Educação" pode ser traduzida como uma espécie de "pedagogia de
resultados": o governo se equipa com instrumentos de avaliação dos
produtos, forçando, com isso, que o processo se ajuste às exigências
postas pela demanda das empresas. É, pois, uma lógica de mercado
que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos das
chamadas "pedagogia das competências" e "qualidade total". Esta,
assim como nas empresas, visa obter a satisfação total dos clientes e
interpreta que, nas escolas, aqueles que ensinam são prestadores de
serviço; os que aprendem são clientes e a educação é um produto que
pode ser produzido com qualidade variável (SAVIANI, 2007b, p1253)
[grifos nossos].
Destaca-se do fragmento que o Todos pela Educação procura ajustar o processo
educativo às demandas das empresas. Isto se confirma quando analisamos um recente
artigo publicado pela empresária Milu Villela6, na Folha de São Paulo7, onde se pode ler
o seguinte:
Se, no passado, havia falta de oportunidades de emprego no mercado
de trabalho, agora há falta de gente qualificada para aproveitá-las. A
6
É interessante destacar que Milú Villela é membro fundador do movimento “Todos pela Educação”,
presidente do Instituto Faça Parte, do Centro de Voluntariado de São Paulo e embaixadora da Boa
Vontade da Unesco.
7
Edição de 24/5/2010.
precariedade do ensino parece ser o grande entrave para o crescimento
sustentável do Brasil. Por essa razão, os vários segmentos da
sociedade estão cada vez mais engajados na causa educacional. A
atmosfera de mobilização nacional em prol da universalização da
educação de qualidade vem se fortalecendo a cada dia, desde o
surgimento do movimento Todos pela Educação, com o apoio
decisivo dos meios de comunicação (VILLELA, 2006) [grifos
nossos].
Além de buscar associar os processos formativos às demandas da empresas,
observa-se a tendência de fazê-lo na perspectiva da boa vontade e da filantropia, para o
que Saviani (2007b) considera que:
a tendência dominante entre os empresários de considerar a educação
como uma questão de boa vontade e de filantropia, que seria resolvida
pelo voluntariado, ficando subjacentes os interesses mais específicos
que alimentam o desejo de ajustar os processos formativos às
demandas de mão-de-obra e aos perfis de consumidores postos pelas
próprias empresas (SAVIANI, 2007b) (grifos nossos).
O Todos pela Educação expressa o surgimento de uma nova força política na
educação. O movimento político-empresarial em curso no país na atualidade tem
objetivos claros e definidos, sendo capaz de influenciar decisivamente na condução das
políticas educacionais do país8.
Martins (2008) ao analisar o significado histórico-político do Todos pela
Educação, argumenta que:
No limiar desse século, os intelectuais e as organizações do capital
assumiram um papel ainda mais decisivo no processo de
estabelecimento de bases políticas e sociais para legitimar a
configuração mais recente do capitalismo em nosso país. O desafio
assumido por esses sujeitos políticos foi o de assegurar a posição de
classe dominante-dirigente e apresentar possíveis “soluções” para os
problemas gerados pelas políticas neoliberais. Para tanto, foi
necessário reconstruir o padrão de sociabilidade, o que exigiu a
atualização de estratégias pré-existentes e a produção de estratégias
de novo tipo (MARTINS, 2008, p.1).
O autor denuncia que há um intenso movimento das forças do capital em
produzir uma nova educação política com o objetivo de difundir referências simbólicas
e materiais para consolidar um padrão de sociabilidade afinado com as necessidades do
8
A respeito do assunto, é relevante o estudo de Rodrigues (2007), intitulado “Os Empresários e a
Educação Superior”, em que o mesmo analisa as proposições da CNI – Confederação Nacional da
Indústria para o Ensino Superior no Brasil, e a forma como as mesmas passam a ser efetivadas como
políticas educacionais para o setor.
capitalismo contemporâneo e para produzir uma nova pedagogia da hegemonia. Para
ele, iniciativas que visam reduzir a sociedade civil à noção de “terceiro setor”,
incentivar às práticas de “voluntariado” e legitimar as empresas como “cidadãs”, ou
organismos “socialmente responsáveis”, são exemplos da atuação das forças do capital
para produzir a nova sociabilidade (idem, p.2).
A educação, enquanto insumo do capital, torna-se um campo promissor no que
se refere a garantir as condições necessárias a reprodução do capitalismo
contemporâneo. Isto se torna possível por meio de diferentes caminhos: desde a
modificação dos objetivos da educação enquanto produção do saber até a alteração nas
formas de gestão e organização educacional. Nesta direção,
O campo educacional (...) tende a ser cada vez mais apropriado pelo
capital como espaço privilegiado para a acumulação, utilizando-se,
por isso mesmo, de mudanças fundamentais em sua estrutura e
condicionando sua relação com o Estado. Assim, a ideologia
dominante tende a produzir novos conceitos cujo intuito é legitimar a
base social desta nova forma de exploração, escamoteando seus reais
fundamentos (MINTO, 2006, p. 85) [grifos nossos].
A possibilidade de transformar o conhecimento em insumo produtivo, faz com
que ambos, governo e empresários, vejam a educação como capaz de alavancar tal
transformação. Assim sendo, “há uma convergência geral entre os interesses dos
empresários do ensino e dos empresários industriais, que confluem e se materializam
(...) nas ações do Poder Executivo” (RODRIGUES, 2007, p. 86).
Sobre o decreto em apreço, Martins (2008), assim se posiciona:
O TPE foi criado (...) por um grupo de intelectuais orgânicos que se
reuniram para refletir sobre a realidade educacional brasileira na atual
configuração do capitalismo. O grupo verificou que a baixa qualidade
da educação brasileira vinha trazendo sérios problemas para a
capacidade competitiva do país, comprometendo também o nível de
coesão social dos cidadãos. O grupo concluiu que a “incapacidade”
técnico-política dos governos na realização de políticas educacionais
ao longo dos anos havia criado sérios problemas para os interesses do
capital. Diante dessas constatações, os empresários criaram a TPE
com a missão de mudar o quadro educacional do país, principalmente
no que se refere à qualidade da educação (MARTINS, 2008, p.4)
[grifos nossos].
Se, por um lado, a educação é tida pelos empresários como a alavanca capaz de
transformar o país em uma economia competitiva e, por outro, estes mesmos
empresários não acreditam na capacidade dos governos em oferecer uma educação de
qualidade, ora, resta evidente que estes irão mobilizar-se no sentido de fazer valer seus
interesses, através de proposições específicas.
Uma vez aprovadas em forma de decreto (Decreto n. 6.094/2007), estas
proposições adquirem força de lei e emprestam ao meio empresarial “a importância de
um organismo com capacidade para defender interesses da classe na sociedade civil e
intervir na definição de políticas educacionais na aparelhagem de Estado” (MARTINS,
2008, p.4).
Tais proposições incidem prioritariamente sobre dois aspectos fundamentais (e
porque não dizer estratégicos) da educação: a gestão educacional e as práticas
pedagógicas (BRASIL-MEC, s/d-b, p.1). É nesse contexto que se compreende a criação
de ferramentas como o SAEB e a Provinha Brasil (que cumprem a função de medir o
desempenho dos alunos) e do IDEB (que cria o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica e projeta o “rankeamento” das escolas de acordo com seus resultados).
Algumas considerações
Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa identificamos diferentes aspectos
referentes ao Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE, que permitem considera-lo
um programa bastante amplo, já que abriga maioria das ações em andamento no MEC,
porém de uma aparente fragilidade no que diz respeito à sua estrutura e implementação.
Por estar baseado em decretos e ainda não possuir uma lei própria, as possibilidades
para sua descontinuidade quando da transição de governos são potencializadas.
Outro aspecto identificado é que, por não ter nascido de uma iniciativa da
sociedade e dos educadores organizados, mas de grupos privados com interesses
eminentes na educação, o PDE traz em seu bojo um evidente viés gerencial, articulado
de forma a tornar a educação, por via oficial, um negócio favorável e lucrativo a tais
grupos. Seja de forma direta (o ensino privado, por exemplo) ou indireta (a educação
como formação de mão de obra), o PDE juntamente com o Todos pela Educação,
favorece a criação de condições institucionais para que o mercado assuma as atividades
até então coordenadas pelo Estado.
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