A relação camponesa diante da crescente expansão e territorialização do capital no
campo
Edilson Vieira da Silva1
Graduando do Curso de Licenciatura Plena em Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Jânio Roberto Diniz dos Santos
Professor Adjunto do Departamento de Geografia da UESB
[email protected]
Resumo:
O entendimento da resistência camponesa em meio às grandes transformações ocorridas no campo
através do processo de territorialização do capital constitui uma espécie de ensaio deste trabalho. Vale
destacar aqui também, no entanto, que ele representa parte de algumas leituras parciais já realizadas
por meio do Grupo de Pesquisa: Luta pelo trabalho na periferia da cidade de Vitória da Conquista:
mobilidade, permanência camponesa e reprodução da vida nas contradições do urbano em que
pretendemos com um recorte espacial, entender melhor e de forma mais detalhada, o processo de
permanência e reprodução camponesa na periferia urbana da cidade de Vitória da Conquista - BA.
Dessa forma, ele servirá ainda para criar uma base teórica que servirá de subsídio para este outro
trabalho mais amplo que se encontra ainda em processo inicial, mas que terá seqüência no período de
regência da bolsa de estudos concedida pela UESB. Reconhecendo aqui os limites das questões
tratadas neste artigo, pretende-se de alguma maneira, contribuir mesmo que parcialmente para um
aprimoramento acerca da enunciada temática.
Palavras-chave: resistência camponesa, territorialização do capital no campo, sujeição da
renda da terra, relações não-capitalistas.
Introdução
O presente artigo tem como finalidade principal apresentar uma breve discussão a
respeito das três principais vertentes teóricas que tem refletido sobre o processo de
reprodução e resistência camponesa em meio às grandes transformações que vem ocorrendo
no campo brasileiro, principalmente a partir das décadas de 1970 e 1980, impulsionadas pelo
constante e acelerado avanço do modo capitalista de produção. Também constitui parte desse
1
Bolsista de Iniciação Científica do Grupo de Pesquisa: Luta pelo trabalho na periferia da cidade de Vitória da Conquista:
mobilidade, permanência camponesa e reprodução da vida nas contradições do urbano. Pesquisa do Laboratório de
Estudos Agrários e Urbanos/UESB.
estudo uma abordagem sobre a atual situação dos camponeses e a mobilização dos
movimentos sociais de luta pela terra no Centro-Sul da Bahia e nos municípios localizados
bem próximos do norte de Minas Gerais com o avanço da monocultura do eucalipto como
prática tipicamente caracterizada pelo agronegócio.
Nesse sentido, inicialmente o nosso estudo traz para a discussão as três principais
correntes teóricas que tem procurado compreender como ficaria o campesinato com a
inserção do capital no campo. Logo em seguida, partimos para uma análise do nosso ponto de
vista com base nos argumentos de autores como Ariovaldo Umbelino de Oliveira, José de
Souza Martins, de como essas discussões levantadas pelas correntes teóricas mencionadas,
tem contribuído para a compreensão do campesinato hoje. E finalmente procuramos trazer a
discussão para entender a realidade dos desafios encontrados pelo campesinato aqui no
Centro-Sul da Bahia e nos municípios localizados próximos de Minas Gerais como já foi citado
anteriormente.
As três principais vertentes teóricas: algumas considerações
Nos últimos anos temos assistido com muita frequência a expansão e territorialização
do capital no campo, o que tem gerado uma série de discussões teóricas a respeito de como o
capitalismo tem sujeitado a renda da terra, a classe camponesa e a agricultura no Brasil.
Na verdade, a questão travada entre as diversas vertentes teóricas em decorrência
dessa fase de expansão capitalista no campo tem suscitado uma grande discussão no sentido
de entender o campesinato, bem como a sua permanência ou não diante do grande domínio
que o capitalismo tem exercido sobre as formas não capitalistas de produção no campo
brasileiro.
Para alguns autores, o processo de desenvolvimento capitalista de produção na sua
fase de territorialização e monopolização se dá por meio do processo de generalização das
relações de produção principalmente no que se refere à produção agrícola. Esse processo
seguiria dois caminhos. O primeiro seria produto da destruição do campesinato pela sua
inserção no mercado capitalista. Como resultado desse processo, poderíamos ter a
configuração de duas classes sociais distintas: os camponeses abastados (os pequenos
capitalistas rurais) e os camponeses empobrecidos que se tornariam proletários. O segundo
caminho apontado seria a modernização do latifúndio que logo se transformaria em empresas
capitalistas. Dessa forma, para esses autores a persistência de relações não-capitalistas no
campo era vista como resíduo em fase de extinção. Esse outro grupo de teóricos entende que:
[...] o campo brasileiro já está se desenvolvendo do ponto de vista capitalista e que os
camponeses inevitavelmente irão desaparecer, pois eles seriam uma espécie de
‘resíduo’ social que o progresso capitalista extinguiria. Ou seja, os camponeses ao
tentar produzir para o mercado acabariam indo à falência, perdendo suas terras para os
bancos ou mesmo teriam que vendê-las para saldar as dívidas. Com isso, os
camponeses tornar-se-iam proletários. Entre os principais pensadores dessa corrente
estão Karl Kautsky, Vladimir I.Lenin, Léo Huberman, Paul Sweezy, Caio Prado Jr., Maria
Conceição D’Incao e Mello, José Graziano da Silva, Ricardo Abramovay etc.(OLIVEIRA,
1999, p. 71 apud BOMBARDI, 2007, p.326).
Diferentemente do primeiro grupo de teóricos mencionados, essa outra vertente
entende o processo de expansão das relações capitalistas de produção no campo por meio de
um processo de separação que se estabeleceria em três etapas distintas. A primeira se daria
pela destruição da economia natural através da separação do camponês dos seus vínculos
comunitários tradicionais. A segunda etapa seria formulada através da introdução da economia
de mercado e em seguida ocorreria a separação entre a indústria rural e a agricultura. Já na
terceira etapa aconteceria a proletarização do camponês por meio da separação dos meios de
produção desse pequeno produtor que teria como resultado final, a implementação de formas
capitalistas de produção.
Outro grupo de autores, diferentemente dos anteriormente citados, entendem que é o
modo capitalista de produção no seu processo de desenvolvimento contraditório, o próprio
responsável hoje pela criação e recriação de relações não-capitalistas de produção no campo.
A questão teórica relacionada a produção camponesa tem sido relegada a um segundo plano
o que talvez seja a explicação para interpretações completamente divergentes entre as várias
correntes teóricas. Corroboram dessa mesma idéia autores consagrados que estudam as
relações capitalistas e não-capitalistas no campo brasileiro como Ariovaldo Umbelino de
Oliveira e José de Souza Martins.
Essas diferentes formas de compreender o campesinato têm gerado discussões que eu
diria no mínimo acirradas entre os teóricos que representa cada uma de suas correntes. Nesse
sentido, com base em Oliveira (1997) podemos destacar que o primeiro grupo de autores
citados apresenta uma visão distorcida da realidade quando entende o campesinato como
uma forma de atraso político e ainda acusa os seguidores da terceira corrente de abraçarem
teses populistas. Como representante dessa terceira corrente, José de Souza Martins defende
e afirma que as distorções de abordagens criadas têm objetivado uma controvérsia teórica na
compreensão do entendimento das lutas camponesas, mas que não fogem de uma visão
ideológica e político-partidária. Dessa forma, afirma ele:
Isola-se o campesinato (sem levar em conta até mesmo suas diversidades,
como a que há entre um camponês-posseiro, um camponês-parceiro, um camponêsproprietário) como se sua existência, sua reprodução, suas tensões e suas lutas não
fossem determinadas por relações de classes, diferenças e antagonismos. Questionase, então, a importância que o campesinato possa ter na situação brasileira atual, já que
efetuar a sua vontade de classe seria um retrocesso histórico e político, como se o
camponês estivesse sozinho no mundo. Isso impediria o desenvolvimento do
capitalismo, a instalação da grande empresa capitalista no campo. (MARTINS, 1981, p.
14).
Com isso, o autor questiona o posicionamento que ele classifica como positivista ao
recortar um pedaço da realidade e pensar de forma bastante simplista que a história é uma
virtualidade desse “pedaço”. Daí o embate teórico, uma vez que o processo histórico não deve
ser compreendido de forma dual sem levar em consideração que as relações sociais bem
como os antagonismos de classes que se estabelecem são partes constituintes e
indissociáveis desse processo.
Dando sequência com a crítica a esses teóricos que apresentam uma visão
conservadora e anticamponesa em que só conseguem ver o camponês enquanto passado
sem nenhuma perspectiva de futuro, José de Souza Martins vai mais longe ainda quando
considera extemporânea e equivocada quando o primeiro grupo coloca que haveria um
compromisso populista entre os camponeses e os autores da terceira vertente teórica. A
comparação é entendida como ilegítima e a-histórica, sobretudo porque “Populistas” era um
termo que Lênin utilizava para se referir aos socialistas “narodniks” numa fase conturbada de
polêmica partidária que acontecia na Rússia no final do século XIX. É totalmente sem sentido
relacionar a atual situação brasileira com aquela vivida pela Rússia no fim do século XIX,
sobretudo porque o campesinato brasileiro de hoje se difere bastante daquele campesinato
russo.
Lá, o campesinato resistia à expansão do capital porque era um campesinato apegado,
ligado à terra. Era como comprovava Lênin, um campesinato estamental baseado na
propriedade comunitária e tradicional da terra. Lá era um campesinato que não queria
sair da terra, que queria permanecer defensivamente alheio ao capitalismo, fora e
contra ele, que resistia ao processo de expropriação que poderia desenraizá-lo, libertálo da comuna, abrir-lhe os horizontes. Aqui, ao contrário, o campesinato é uma classe,
não um estamento. É um campesinato que quer entrar na terra, que, ao ser expulso,
com freqüência à terra retorna, mesmo que seja terra distante daquela de onde saiu. O
nosso campesinato é construído com a expansão capitalista, como produto das
contradições dessa expansão (MARTINS, 1981, p. 15 e 16).
Já para Teodor Shanin, o campesinato pode até está sujeito ao enfraquecimento em
algum lugar, mas ele evita fazer considerações generalizadas. Segundo o autor, o
campesinato não segue a mesma tendência no mundo, tendo em vista, que na atualidade há
uma estabilidade no número de camponeses no México, um crescimento dessa classe no
Brasil e um enfraquecimento na Europa devido o elevado nível de tecnologias utilizadas na
produção agrícola.
[...] sob certas condições, os camponeses não se dissolvem, nem se diferenciam
em empresários capitalistas e trabalhadores assalariados, e tampouco são
simplesmente pauperizados. Eles persistem ao mesmo tempo em que se
transformam e se vinculam gradualmente á economia capitalista circundante, que
pervade suas vidas. Os camponeses continuam a existir, correspondendo a
unidades agrícolas diferentes, em estrutura e tamanho, do clássico
estabelecimento rural camponês (SHANIN, 1980, p. 58 apud SOUZA, 2008, p.
121).
Acredita-se então que o campesinato segue níveis diferenciados de reprodução
variando de acordo com a sua organização social no espaço. Entende-se dessa forma
também que o próprio desenvolvimento contraditório do capital no campo se insere nessa
lógica que cria e recria as relações não capitalistas de forma bastante variada temporal e
espacialmente.
A relação camponesa diante das recentes mudanças no Brasil
Por mais compreensível que pareça ser a acelerada territorialização e monopolização
do capital no campo, estamos de acordo com a vertente apresentada por Oliveira (1997), que
entende como estas se materializam no território brasileiro como força que cresce por meio do
processo de reprodução das desigualdades, não devendo aceitar que isso possa ser
considerado o fim do campesinato como coloca alguns autores. Essa é a nossa visão.
Acreditamos apenas que o capitalismo na sua ação produz as mais severas desigualdades
com as classes trabalhadoras e de produtores diretos, que desprovidos dos meios de
produção são subordinadas aos moldes de reprodução ampliada, desigual e combinada desse
sistema.
Assim como o modo capitalista de produção é contraditório, há também uma grande
contradição ou até mesmo um grande equívoco por parte daqueles que pregam a destruição
do campesinato nessa fase de contínua expansão do capitalismo monopolista no campo.
Primeiro porque no próprio processo de desenvolvimento o capitalismo necessita de criar
formas não capitalistas de produção que lhes servirão de base para manter a
“sustentabilidade” do sistema, ou seja, nessa lógica, essas forças produtivas não capitalistas
funcionam como fundo de reserva para manter viva a reprodução ampliada do capital na
medida em que este subordina a seu modo, o produtor, a produção, bem como as relações de
trabalho que se estabelecem entre si.
Segundo porque por mais que os camponeses sofram com ameaças das grandes
investidas do capital no campo, o campesinato não será plenamente destruído ou vencido,
assim como o capital não tem pátria e por isso se instala onde possam existir possibilidades
de obter lucros como colocam alguns autores, os camponeses brasileiros também não são
sujeitos imóveis, muito pelo contrário, eles constituem uma classe que não é meramente
enraizada a terra, tendo em vista que sendo eles uma vez explorados e/ou expulsos de suas
terras, não perderão a sua identidade e nem tão pouco a sua força e a coragem de uma luta
histórica que vem travando no país há várias décadas e que por isso, de uma forma ou de
outra a terra retornam.
Mesmo sendo o camponês expropriado uma vez de suas terras e de suas condições de
produção, ele não deixa de ser camponês porque poderá e certamente voltará a exercer sua
função em outra localidade, promovendo assim, a reterritorialização camponesa em resposta a
territorialização do capital. Como exemplo bem claro do desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo podemos citar aqui que ao mesmo tempo em que as relações de
trabalho assalariadas vêm crescendo no campo, ele traz consigo a expansão do trabalho
familiar. Até esse processo ocorre de forma desigual territorial e temporalmente. Para melhor
compreender isso, basta analisarmos o estudo de Oliveira (1997), quando ele analisa que
entre as décadas de 1970 e 1980, o número de posseiros diminuiu no Sudeste e aumentou no
Nordeste, voltando a aumentar novamente no Sudeste entre 1980 e 1985. Sendo assim temos
uma relação desigual e contraditória. Dessa forma, com base em dados censitários, Oliveira
(1997), faz a seguinte afirmação:
[...] ao mesmo tempo em que há um aumento dos latifúndios capitalistas, há um
aumento das unidades camponesas de produção. Ao mesmo tempo em que aumenta a
concentração das terras nas mãos dos latifundiários, aumenta o número de
camponeses em luta pela recuperação das terras expropriadas. Nem que para isso eles
tenham que continuar seu devir histórico: ter a estrada como caminho. O que vale dizer:
a migração como necessidade da sua reprodução, a luta pela fração do território
distante como alternativa para continuar camponês. Espaço e tempo unem-se
dialeticamente na explicação desse processo (OLIVEIRA, 1997, p. 25 e 26).
Por isso é que afirmamos que o campesinato pode até ter sofrido modificações nas
suas relações de produção com as grandes investidas capitalistas na sua forma de produzir,
mas mesmo assim, o camponês continua resistindo e preservando a sua história de luta pela
terra mesmo diante de uma disputa que se deu sempre de forma desigual entre duas classes
antagônicas que separam de um lado os que dominam os meios de produção e de outro os
que não dispõem desses meios, estabelecendo assim uma relação extremamente desigual
entre dominadores (os que controlam esses meios de produção), e dominados (aqueles
desprovidos desses meios). Assim sendo, acreditamos que não será o capitalismo capaz de
destruir o campesinato porque como já foi explicitado antes, ele depende de relações não
capitalistas para se manter operando como sistema dominante mesmo nas suas formas mais
contraditórias possíveis que vem se materializando constantemente no espaço agrário
brasileiro. Nesse sentido, Oliveira reforça essa idéia quando coloca que:
A utilização dessas relações de trabalho não-capitalistas poupa ao capitalista
investimentos em mão-de-obra. Ao mesmo tempo, ele recebe parte do fruto do trabalho
desses parceiros e camponeses, que converte em dinheiro. Assim, realizam a
metamorfose da renda da terra em capital (OLIVEIRA, 1991, p.18).
Essa relação entre o capital e as forças não capitalistas são exemplos bem clássicos no
setor agrário brasileiro e tendo esse capitalista acumulado capital porque não pagou
devidamente a força de trabalho, ele pode se achar conveniente na próxima etapa da sua
produção implantar o trabalho assalariado na agricultura através da contratação de
trabalhadores como os bóias-frias entre outros.
Nesse sentido, insistiremos um pouco mais na análise de Oliveira (1997) quando ele
acredita que mesmo tendo este capitalista acumulado capital por não ter utilizado trabalho
assalariado, ele pode continuar utilizando formas não capitalistas de produção para manter
sua propriedade bem cuidada.
Um exemplo bem típico dessa relação de produção pode ser observado com base em
Oliveira (1997) quando ele analisa essa relação entre um fazendeiro que necessita de força de
trabalho para recuperar o pasto da fazenda e o pequeno produtor camponês que não tendo
como produzir de outra forma, trabalha com a parceria com o fazendeiro e passa desse jeito a
trabalhar apenas pelo direito do uso da terra para plantar sendo que terá que dividir parte da
produção com o fazendeiro. Dessa forma, surge outra forma de sujeição da renda da terra em
que
[...] o desenvolvimento do modo capitalista de produção no campo se dá primeiro e
fundamentalmente pela sujeição da renda da terra ao capital, quer pela compra da terra
para explorar ou vender, quer pela subordinação à produção do tipo camponês. O
fundamental para o capital é a sujeição da renda da terra, pois, a partir daí, ele tem as
condições necessárias para sujeitar também o trabalho que se dá na terra. (OLIVEIRA,
1991, p. 49 apud SOUZA e FÉLIX, 2010, p. 190).
A quantia a ser paga será de acordo o que foi estabelecido no período do contrato.
Com isso, no final quem leva a maior vantagem é o fazendeiro que além de ficar com a
pastagem renovada, se apropria também de boa parte da produção sem ter se quer gastado
nada do seu capital no pagamento de mão-de-obra.
É com base nesses argumentos que continuaremos defendendo a idéia de que a
história de luta do campesinato é bem mais sólida e abrangente e de difícil destruição e
compreensão do que muitos autores têm colocado. Por isso acreditamos que a luta
camponesa pela terra é permanentemente reconstruída, ou seja, a cada nova investida de
exploração e expropriação do camponês por parte do sistema vigente, ele sempre reage no
intuito de encontrar resposta a essa inaceitável condição de subordinados das quais eles são
vítimas. Quando o camponês não consegue de uma maneira mais simples recuperar a terra
camponesa que perdera e que se tornou capitalista, ele ainda pode contar com outras formas
de lutas que existem no país com os mesmos objetivos. O melhor exemplo disso é o (MST)
Movimento dos trabalhadores Rurais Sem-Terra que se afirma como o maior movimento
organizado de luta pela terra.
Porém o movimento do campesinato não se restringe somente ao MST ou outro
movimento de luta qualquer isoladamente, nem tão pouco, concentra seu foco de atuação
apenas na aquisição da terra, mas busca, sobretudo, juntamente com outros movimentos,
organizar uma luta em prol da sua visibilidade e reconhecimento enquanto classe trabalhadora
carente das políticas públicas do Estado que procura reduzir os camponeses a condição de
agricultor familiar que embora também utilizem o trabalho da família na produção, estão cada
vez mais vinculados ao processo de expansão da monocultura e do agronegócio fortemente
incentivados pelas políticas do governo implementadas no campo.
Exemplo dessa outra luta, mas que não se dissocia das demais, é a luta dos
camponeses da comunidade Pé do Morro que foi área de estudo da Tese de doutorado de
Suzane Souza Tosta. De acordo com estudos por ela realizados, vive nessa localidade mais
de 100 famílias que tem na produção agropecuária, a sua sobrevivência, a reprodução da vida
é realizada em lotes que no geral não ultrapassam 10 hectares. Parte dos moradores da
comunidade procurando fortalecer suas lutas aderiu ao Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA) como forma de fortalecer também o acesso ao crédito bem como criar resistência aos
grandes projetos oportunistas do agronegócio que tem se espalhado rapidamente nos últimos
anos principalmente no Sudoeste da Bahia e Norte de Minas Gerais.
Outras comunidades de base camponesa localizadas em Encruzilhada-Ba e ao redor
dos municípios vizinhos também não fogem essa regra. Especificamente a comunidade de
Sobrado que tem vivenciado e sofrido com a grande expansão do agronegócio da monocultura
do eucalipto que já é uma realidade presente no Centro-Sul da Bahia e nos municípios da
fronteira do estado de Minas Gerais.
A Relação com a terra como forma de reprodução da vida, são características
marcantes da economia camponesa uma vez que sua produção é voltada principalmente para
atender as necessidades básicas da família, criando dessa forma, uma relativa independência
no que se refere à relação com os demais produtos e ao mercado simultaneamente. No
entanto Souza vai mais adiante e acredita que isso por si só não explica essa complexa
relação. Dessa forma acrescenta que:
[...] se pensarmos no campesinato hoje, especificamente o campesinato brasileiro, é
preciso que se considere que este, ainda que por meio de sua produção consiga suprir
as necessidades da família, é notável a relação que estabelecem com o mercado, a fim
de adquirir os produtos que não produz. Estas investidas do mercado frente à produção
camponesa adquirem novos significados e as estratégias atuais buscam promover às
condições concretas de sujeição do camponês as demandas do avanço do capital no
campo (SOUZA, 2008, p. 123).
O que mais preocupa é o fato desses projetos serem apoiados e incentivados pelo
poder público local e causar a expulsão de inúmeros camponeses de suas tradicionais áreas
de sobrevivência. Para evitar que os problemas cheguem a níveis irreversíveis, entidades
ligadas aos movimentos sociais buscam na medida do possível somar forças para
conscientizar e dar apoio a resistência camponesa perante as novas investidas do capital no
território camponês.
Considerações finais
A compreensão da resistência do campesinato hoje em meio ao constante avanço do
capitalismo no campo é entender que tudo isso só se concretiza através de um processo
histórico que segue uma grande trajetória de lutas contínuas que a cada dia necessitam de
novas estratégias renovadoras para manter viva a busca pela permanência e conquista da
terra.
É preciso que compreendamos ainda que a história de luta camponesa pelo acesso e
permanência na terra de reprodução da vida remonta ao período de ocupação do nosso
território, perpassando assim, a nossa compreensão da realidade atual. Nesse sentido,
concluiremos que a nossa história foi sempre marcada por conflitos no campo, uma vez que
no Brasil os pequenos agricultores familiares de uma forma ou de outra mantiveram uma
relativa autonomia, mas que nas últimas décadas tiveram que se submeter à outra lógica de
produção e da venda de sua força de trabalho. Por isso, tem um passado de luta contra a
submissão e com a intensificação da lógica do modo de produção capitalista. Com isso,
intensifica também as contradições e os conflitos inerentes a lógica de produção do capital e a
forma de reprodução camponesa no território.
Referências
BOMBARDI, Larissa Mies. A dialética e a geografia agrária na obra de Ariovaldo Umbelino de
Oliveira IN: FERNANDES, Bernardo Mançano, MARQUES, Marta Inez Medeiros, SUZUKI,
Júlio Cesar (orgs.). Geografia Agrária: teoria e poder. 1. Ed.—São Paulo: Expressão Popular,
2007.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no Brasil. 3. ed. – São Paulo:
Contexto, 1997.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção e agricultura. São Paulo:
Ática, 1986.
MARTINS, José de Souza, Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo
e seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.
SANTOS, Jânio Roberto Diniz dos, MENEZES, Sócrates Oliveira, SOUZA, Suzane Tosta,
(orgs.). Novas Configurações do espaço agrário nordestino: expansão do capital versus
movimento e organizações sociais de luta pela terra e pelo trabalho. – Vitória da Conquista:
Edições UESB, 2010.
SOUZA e FÉLIX. O processo de permanência do campesinato nas contradições do modo de
produção capitalista. In: Novas Configurações do espaço agrário nordestino: expansão do
capital versus movimento e organizações sociais de luta pela terra e pelo trabalho. – Vitória da
Conquista: Edições UESB, 2010.
SOUZA, Suzane Tosta. Da negação ao discurso “hegemônico” do capital à atualidade da
luta de classes no campo brasileiro. Camponeses em luta pelo/no território no Sudoeste da
Bahia. 2008. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Sergipe, São
Cristóvão: UFS\NPGEO, 2008.
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