HENRI MENDRAS
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Adepto de Chayanov, em 1978 coloca na introdução de
seu livro “Sociedades Camponesas” a questão: o que é
um camponês?
Visou demonstrar a insuficiência das explicações dos
liberais como de parte dos marxistas, que levavam em
conta apenas as categorias: renda fundiária, preço,
capital e salário, para analisar a economia capitalista.
Supunham eles que a economia camponesa iria
submeter-se às leis da indústria e que a agricultura
camponesa cederia lugar à agricultura industrial,
fazendo desaparecer todos os outros modos não
capitalista.
Segundo o autor, esta tendência não se concretizou,
pelo contrário, houve na segunda metade do século XX
uma “campesinização”/África, uma “recampesinização”/
Ásia e “um reforço dos campesinatos latinoamericanos”.
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No entanto, não mais o camponês feudal; porque o
ocidente burguês (comercial e industrial) submeteu o
“rústico”; a propriedade privada e o dinheiro ocuparam
o lugar da servidão, do direito de segurança e do
domínio. Não há mais Senhor/servo.
A sociedade urbana/industrial cessou a coexistência de
uma sociedade camponesa e de uma sociedade
envolvente e fez desaparecer a autonomia camponesa.
O camponês transformou-se “em agricultor, produtor
agrícola que é, ao mesmo tempo, “empreiteiro” e
“trabalhador”, proprietário de seus meios de produção,
mas que não utiliza - ou só em pequena escala - mão
de obra assalariada.
O aldeão torna-se consumidor como os citadinos, já
que chega a comprar seu pão, renúncia suprema para
o camponês tradicional” (1978, p. 15).
Para analisar essas transformações o autor recorre
aos estudos de REDFIELD, e estabelece uma tipologia
que caracterizaria o camponês tradicional e o agricultor
moderno.
Características do camponês tradicional:
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1. Autonomia relativa das coletividades
camponesas frente a uma sociedade envolvente
que as domina mas tolera as suas originalidades.
2. Importância estrutural do grupo doméstico na
organização da vida econômica e da vida social
da coletividade.
3. Um sistema econômico de autarcia relativa,
que não distingue consumo e produção e que
tem relações com a economia envolvente.
4. Uma coletividade local caracterizada por
relações internas de interconhecimento e de
relações
débeis
com
as
coletividades
circunvizinhas
5. A função decisiva do papel de mediação dos
notáveis entre as coletividades camponesas e a
sociedade envolvente
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a)
b)
c)
d)
e)
f)
A
economia
camponesa
fundamenta-se
nas
peculiaridades apontadas por CHAYANOV:
O cálculo econômico do camponês pauta-se na
indissociabilidade entre os braços que trabalham e as
bocas que se alimentam (demografia);
Sob as condições de propriedade ou posse sobre a terra,
a terra significa um “meio de vida” e não um capital.
Há uma correspondência estreita entre o sistema agrário
e o regime alimentar: pode ser estável por um tempo e
transformar-se rapidamente pela introdução de novos
cultivos (para novos produtos ou nova dieta).
Produtos que fazem parte das necessidades da família e
da produção: cada um tem o seu destino, não podendo
ser substituído pela produção excedente de outro produto
Quanto mais variada a produção, melhor a qualidade da
dieta e mais complicado os arranjos entre as produções.
Participação da economia camponesa na economia mais
ampla ocorre pela relação de dominação; contra a qual
ela se protege e procura utilizar em seu proveito.
g)
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Tributação ou a pressão para agregar ao seu sistema
de subsistência outros produtos são cálculos que
entram na mesma lógica do equilíbrio entre
trabalho/consumo.
Em síntese:
1) há unidade indissociável dos membros do grupo
doméstico – que são ao mesmo tempo produtores e
consumidores;
2) a terra é um meio de vida e não um capital que
deva ser rentabilizado
Por isso: não é possível isolar salários, capital,
remuneração do capital, lucro – como na economia
industrial.
3) As noções operatórias são: patrimônio, produto
final bruto, tributo, produto não consumido =
poupança.
4) Consumo é elástico: seu aumento ou redução é
decisivo para o equilíbrio da economia doméstica.
5) Se as bocas equivalem aos braços a produção
diminui ou a poupança aumenta.
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Características do agricultor moderno:
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1. Vive em uma sociedade industrial “de massas”,
onde as coletividades locais não têm mais autonomia
do que outros grupos ou organizações;
2. Tem sua produção agrícola comandada pelo
mercado;
3. Atua com mais freqüência através de empresas
familiares;
4. Comercializa toda sua produção, desaparecendo a
produção para o consumo familiar.
Diz Mendras que na ordem capitalista:
as relações com o mercado estritas e múltiplas fazem
reduzir a produção de consumo
o capital fixo e de giro aumenta e a terra passa a ser
um capital a ser rentabilizado para produzir lucro,
transformando o camponês em empresário.
No entanto, se ele não emprega assalariados e tem a
posse da terra assegurada, o agricultor dirige seu
cultivo mais como um camponês do que empresário,
mesmo que toda sua produção seja comercializada.
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1)
2)
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A terra e o trabalho são fatores fixos que devem ser
utilizados da melhor forma e não remunerados pelos
preços de mercado.
O valor do dinheiro na economia camponesa tem
função marginal – apenas como instrumento de
transação (trocas, pagamentos).
Se houver sobra de dinheiro faz poupança
entesourada e não um capital ou lucro, porque ele
servirá como:
1) seguro para um ano ruim;
2) aumentar o patrimônio, comprando terras e gado;
3) conservar o patrimônio para pagar compensação
ao herdeiro “desinteressado” na sucessão.
Assim: não é o valor do dinheiro que fixa o valor da
coisas, mas é a situação que fixa o valor do dinheiro.
Esse paradoxo explica porque a autonomia
camponesa permite ela se manter no seio de
economias de diferentes naturezas (mercantis,
capitalistas, socialistas).
HUGUES LAMARCHE
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Hugues e a equipe de cientistas de diversos países, mais
recentemente (1993), também lançaram mão dos
pressupostos chayanovianos.
Para analisar a agricultura familiar, levaram em conta as
especificidades da “unidade familiar” diante da diversidade de
experiências de diferentes regiões dentro de um país e entre
os vários países selecionados para a pesquisa.
Os países escolhidos de acordo com a diversidade esperada
foram: “sociedade no sistema capitalista avançado” (Canadá
e França); “sociedade no sistema capitalista dependente”
(Brasil); “sociedade em vias de desenvolvimento” (Tunísia);
“sociedade no sistema coletivista” (Polônia).
O conceito de agricultor em MENDRAS parece explicar, de
modo geral, a passagem do modelo camponês francês para
uma agricultura moderna e integrada ao mercado.
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Para LAMARCHE, tal conceito não dá conta de explicar a
diversidade dos formatos agrícolas familiares, principalmente
daqueles países que não tiveram, na origem, o modelo
camponês como a França.
Segundo LAMARCHE e equipe, o processo de colonização
dos vários países, não seguiu uma mesma diretriz.
Exemplificam dizendo que em regiões da Tunísia, o tipo
"colonial" (produção mercantil e mão de obra exterior a
família) predominou. Já em regiões do Brasil (sul), o modelo
camponês é fundamento da sociedade agrária até hoje.
Neste sentido, o conceito de agricultura familiar proposto pela
autor demonstra a preocupação em definir mais
especificamente uma "unidade de produção agrícola familiar"
observando a complexidade atual da agricultura familiar.
Agricultura familiar: "corresponde a uma unidade de produção
agrícola onde a propriedade e trabalho estão intimamente
ligados à família. A interdependência desses três fatores no
funcionamento da unidade engendra necessariamente
noções mais abstratas e complexas, tais como a transmissão
do patrimônio e a reprodução da unidade" (1993, p. 15).
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Assim, toda a herança sociocultural, o sistema de valores e
projetos de futuro são diferenciados. Então, não é possível
falar de ruralidade em geral, pois ela se expressa de formas
diferentes em universos culturais, sociais e econômicos
heterogêneos.
O estudo realizado por LAMARCHE e equipe privilegiou os
aspectos qualitativos das experiências dos agricultores
familiares.
O eixo básico da análise é uma escala segundo o grau de
integração com o mercado, em cujas extremidades se
encontram um “modelo original” - próximo do modo de
funcionamento das sociedades Primitivas (ou do modelo
Subsistência) representando o ponto zero de integração - e
um “modelo ideal” de agricultor familiar ultra integrado ao
mercado.
Diz ele que em uma economia de mercado, quanto mais a
economia familiar aproximar-se dos dois extremos, mais
enfrentará dificuldades para sobreviver.
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A permanência da agricultura familiar em todas as partes do
mundo explica-se, segundo esse autor, pela capacidade de
adaptação às mais diversas situações, desde instabilidade
climáticas, econômicas, transformações socioculturais, etc.
A razão pela qual os agricultores familiares desapareceram
em função da industrialização foi:
porque não puderam, quando foi preciso, modificar seu
sistema de produção e adaptá-lo às novas exigências de
mercado, por serem muito dependentes do modelo original
(próximos do extremo zero); ou
porque “não são mais capazes de pensar de outra maneira
seu modo de produzir e de viver; ...são desprovidos de
praticamente todo seu patrimônio sociocultural, seja porque
renegaram... seja porque seus pais não julgaram oportuno
transmitir-lhes tais valores (próximos do extremo de ultra
integração com o mercado)
(textos de Mendras e Lamarche extraídos da dissertação de
mestrado “A resistência inovadora: a pluriatividade no
sudoeste paranaense” de Hieda Maria Pagliosa Corona,
1999).
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Apresentação do PowerPoint