FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE – FIZO ALQUIMY ART Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu ARTETERAPIA E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: DIÁLOGO POSSÍVEL Adriana Nunes dos Santos Uberlândia - MG 2007 ADRIANA NUNES DOS SANTOS ARTETERAPIA E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: DIÁLOGO POSSÍVEL Monografia apresentada à FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Dra. Cristina Dias Allessandrini Uberlândia - MG 2007 SANTOS, Adriana Nunes dos. Arteterapia e Dependência Química: diálogo possível Adriana Nunes dos Santos – Uberlândia; [s.n.], 2007. 84 páginas Orientadora: Prof.ª Dra. Cristina Dias Allessandrini Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO, Faculdade Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP. 1. Dependência química 2. Arteterapia 3. Grupo de encontro FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE – FIZO ALQUIMY ART ARTETERAPIA E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: DIÁLOGO POSSÍVEL Monografia apresentada pela aluna Adriana Nunes dos Santos ao curso de Especialização em Arteterapia em ____ / ____ / _____ e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: ___________________________________________________________________________ Prof.ª Dra. Cristina Dias Allessandrini, Orientadora e coordenadora da especialização ___________________________________________________________________________ Prof.ª Esp. Fernanda de Araújo Arantes, Convidada ___________________________________________________________________________ Prof.ª Esp. Sandra Mara Santamarina, leitora crítica Dedico este trabalho a todas as pessoas que sofrem no uso abusivo de álcool e drogas e em especial àquelas que estão em recuperação, em busca de uma vida nova. A vocês: Força, Fé e Esperança. ORAÇÃO DA SERENIDADE Concede-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que eu não posso modificar; coragem para modificar aquelas que eu posso; e sabedoria para distinguir umas das outras – vivendo um dia de cada vez; desfrutando um momento de cada vez; aceitando as dificuldades como um caminho para alcançar a paz; considerando, como tu, este mundo pecador como ele é e não como eu gostaria que fosse; confiando que endireitarás todas as coisas se eu me render à tua vontade – para que eu possa ser moderadamente feliz nesta vida e sumamente feliz contigo na eternidade AGRADECIMENTOS Durante toda minha vida, várias foram as pessoas que atravessaram o meu caminho. Algumas passaram de leve, outras deixaram presença marcante e outras ainda, foram indispensáveis para que hoje eu pudesse estar encerrando mais esta etapa do meu crescimento pessoal e profissional em Arteterapia. Muitas são as pessoas a quem devo verdadeiros agradecimentos. Por tanto carinho e incentivo recebido, quero agradecer... Aos meus grandes amigos da Comunidade Nova Jerusalém, vocês estão sendo imprescindíveis na minha evolução espiritual. Em cada momento de espiritualidade vivenciado com vocês, fortaleço minha fé e me torno uma pessoa melhor. Aos residentes da Comunidade Nova Jerusalém, pelo carinho, confiança, amizade e aprendizado. Ao grupo de encontro de Arteterapia da Comunidade Nova Jerusalém, obrigado pela disponibilidade interna... vocês foram fundamentais para meu crescimento enquanto pessoa e arteterapeuta. Aos clientes do Centro de Vivências Torna-se Pessoa, por todo aprendizado e compreensão da minha ausência nos finais de semana. À Flavinha e Débora, minhas companheiras de república, obrigado por todo carinho, por escutarem minhas estórias e por ampararem meu desabafo. Não sei o que seria de mim sem vocês. Queridas, amo vocês! Ao Lucas, meu grande mestre. O desafio se faz necessário, estou no caminho do conhecimento, né! Às amigas Débora e Patrícia, obrigado pelo carinho, compreensão e dedicação à nossa amizade. Vocês fazem parte da minha vida. À turma A 2005 de Arteterapia de Uberlândia, vocês ficarão eternamente guardadas em meu coração. Aqui eu encontrei amigas, irmãs, mães; ganhei conselhos, puxões de orelha e muito amor. Quanta alegria nos encontros, nos almoços no Skinão... em cada produção artística construída tem um pouquinho de vocês. Vocês são demais! Obrigado por tudo! A saudade já é grande! Aos queridos mestres arteterapeutas do Alquimy Art, pelo aprendizado e por me ensinar a amar a arteterapia e a vivenciá-la com alegria e amorosidade. À Cristina, por me hospedar na sua casa, sempre com carinho e acolhimento. À Simone, minha “amiga de fé, minha irmã camarada, amiga de tantos caminhos, de tantas jornadas”, que trilha comigo o caminho da evolução do Ser. À minha querida amiga/mãe/irmã Lúcia Pena, sem você a Arteterapia não teria tanta vida. Obrigado por todos os puxões de orelha, pelo acolhimento e por toda amizade. À minha família, vocês são minha fonte de amor e energia. Sinto muita saudade de vocês. Obrigado Lú, por me possibilitar conhecer a arteterapia. Amo muito vocês! À minha afilhada Bruninha, por todo amor e por compreender minha ausência nos momentos mais importantes de sua vida. Ao meu papai querido, por mais este sonho realizado, por ser sempre esta pessoa amorosa e por nos ensinar que o mais importante para sermos felizes é amar uns aos outros. À minha mamãe, que mesmo lá de cima está sempre cuidando de mim e iluminando o meu caminho. A todos vocês que fazem parte da minha vida, meu muito obrigado! HOMENAGEM À Comunidade Nova Jerusalém Pelo belo trabalho que proporcionam aos dependentes químicos e a sociedade Uberabense. Pela dedicação constante ao ser humano e à Deus. “Servimos a vida, não por que ela está quebrada, mas por que ela é sagrada”. Madre Teresa de Calcutá “Considero a vida humana como uma noite profunda e triste, que não se suportaria se, num ponto ou noutro, não rutilassem repentinos clarões, de uma luminosidade tão consoladora e maravilhosa que seus segundos podem apagar e justificar anos de escuridão”. Herman Hesse RESUMO O presente trabalho visa apresentar a possibilidade de se trabalhar com arteterapia em comunidades terapêuticas para dependentes químicos. Sabe-se que o índice de recuperação é ainda muito pequeno, portanto, faz-se necessário buscar um novo olhar e criar novas possibilidades para a melhoria do tratamento. O desenvolvimento desta pesquisa contou com uma parte prática, no qual foi realizado um trabalho de arteterapia com um grupo de dependentes químicos em tratamento em regime de internação em uma Comunidade Terapêutica. Palavras-chave: Comunidade terapêutica, dependência química, arteterapia, grupo de encontro. ABSTRACT The present research aim to show the possibility to work with therapy trick in therapeutics communities‟ created for chemicals dependents. The Knowledge that the recuperation index is still too slow, therefore, it‟s necessary to look for a new way to inspect and create new possibilities to improve the treatment. This research development reported with a practice section, where a work in therapy trick was realized with a chemicals dependents group, receiving treatment in a Therapeutics Community in an isolate administration. Key Words: Therapeutics Community, Chemical dependence, therapy trick, meeting group. SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 13 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ......................................................................................... 17 1 PESQUISA QUALITATIVA .................................................................................................. 17 1.1 A PESQUISA-AÇÃO ......................................................................................................... 17 1.1.1 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE .......................................................................... 18 2 TRABALHO DE GRUPO E ARTETERAPIA .................................................................... 18 3 SUJEITO E LOCAL DA PESQUISA .................................................................................... 19 3.1 CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DA COMUNIDADE TERAPÊUTICA .............. 20 3.1.1 PARCERIAS DA INSTITUIÇÃO ........................................................................... 21 3.1.2 ORIGEM DOS RECURSOS FINACEIROS ........................................................... 21 4 TÉCNICA PARA COLETA DE DADOS .............................................................................. 21 5 PROCEDIMENTOS ................................................................................................................ 22 6 TÉCNICA PARA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ................................... 22 CAPÍTULO I – COMUNIDADES TERAPÊUTICA: INSTITUIÇÃO A SERVIÇO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ...................................................................................................... 24 1.1 COMUNIDADES TERAPÊUTICAS ................................................................................ 24 1.2 DEPENDÊNCIA QUÍMICA E A PESSOA DEPENDENTE ............................................ 33 1.3 TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: POSSIBILIDADES E ENTRAVES.............................................................................................................................. 39 CAPÍTULO II – ARTETERAPIA: CAMINHO PARA A EVOLUÇÃO DO SER .............. 44 CAPÍTULO III – GRUPOS DE ENCONTRO ......................................................................... 52 3.1 GRUPO DE ENCONTRO EM ARTETERAPIA .............................................................. 58 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 83 ANEXO INTRODUÇÃO “Caminhante, tuas pegadas são o caminho, nada mais. Caminhante, não há caminhos, faz-se o caminho ao andar”. A. Machado Este trabalho foi efetivado a partir do aprimoramento profissional de Arteterapia realizado em uma Comunidade Terapêutica, entidade sem fins lucrativos, que tem por objetivo recuperar dependentes químicos do sexo masculino, com idade a partir de 16 anos e que queiram buscar uma vida livre de álcool e/ou drogas, e inserí-los novamente na sociedade. Esta instituição foi escolhida por eu já trabalhar lá há algum tempo como psicóloga, queria aliar o conhecimento da dependência química e da arteterapia, suscitava em mim o desejo de aliar tais conhecimentos e transformá-los em vivência. Com o aprimoramento profissional supervisionado para a Especialização em Arteterapia, surgiu então a possibilidade de vivenciar esta integração – dependência química e arteterapia –, facilitando um trabalho de grupo mediado pelos recursos artísticos com os dependentes químicos da referida instituição. A Arteterapia entrou em minha vida para eu descobrir o potencial criativo que existe em mim, possibilitando-me dar forma à expressão de meus sentimentos. O contato com os materiais artísticos permitiu-me entrar em um universo até então desconhecido. O mundo das cores, das texturas, do barro, dos papéis, da arte, facilitou o encontro com a possibilidade de criar, de participar – agora como arteterapeuta – da intimidade do outro, de forma criativa e de ajudálo a mergulhar no seu próprio mundo e compreendê-lo melhor. Na trilha da dependência química pude acompanhar bem de perto que a cada dia as relações humanas estão ficando mais enfraquecidas, as famílias estão se distanciando do seu verdadeiro significado, que é o de compartilhar a vida, experiências, alegrias e dificuldades, e muitas vezes restringindo-a somente ao significado simples, que Luft (1988, página 320) define como “núcleo parental, formado por pai, mãe e filhos; pessoas do mesmo sangue; conjunto de tipos com mesmas características básicas”. Este distanciamento tem contribuído para que a família deixe de cumprir com sua função de dar sustentação para que os filhos cresçam acreditando na sua capacidade de auto-realização. E durante este período de trabalho realizado nesta instituição, no contato direto com os dependentes químicos, percebia que estas pessoas estavam adoecidas em todo seu Ser. A auto-estima estava prejudicada, não tinham limites, perdiam os valores pessoais e sociais. Os vínculos familiares ficavam comprometidos. Não se sentiam pertencentes à sociedade. Cristalizavam toda condição intrínseca de sentir amor por si e pelo próximo. A proximidade da marginalidade exigia que esta condição de “dureza” imperasse de forma que assumissem papéis de marginais, que fossem cruéis e desumanos, como se precisassem ser assim para suportarem a realidade na qual estavam vivenciando. Percebia também que existiam muitas recaídas 1, o índice de recuperação dentro da dependência química era muito baixo. As pessoas apresentavam dificuldades em concluir o tratamento, que ocorre num período mínimo de 9 meses, de dar continuidade ao tratamento pós-internação e rapidamente retornavam ao uso de drogas e, conseqüentemente, regressavam à instituição. Faziam das suas vidas um ciclo vicioso (tratamento - uso de droga - tratamento) 1 Recaída – processo que leva o indivíduo a retomar o uso abusivo de álcool e/ou drogas. (LANDRE, 2001, página 342). e a cada retorno, apresentavam-se mais machucadas, mais desanimadas de lutar pela vida, como se não vislumbrassem a possibilidade de viver a vida dignamente e de serem felizes. O sentimento de culpa por tudo que fizeram – consigo, com a família e com a sociedade – dificultava o encontro com a dor. E a mudança só podia acontecer a partir deste contato com sua história pessoal, para que pudessem se perdoar, tomar consciência de suas dificuldades e conflitos. Queriam conquistar tudo e todos que perderam em um curto espaço de tempo; sentiam-se frustrados por não conseguirem realizar seus desejos e sentiam-se desestimulados para prosseguir o tratamento. Apresentavam dificuldades em assumir responsabilidade por sua recuperação, e a escolha pela vida parecia dificultada, por eles não perceberem mais sentido na própria vida. Diante dessas observações, do adoecimento do Ser causado e/ou intensificado pelo uso das drogas, foi que decidi realizar o aprimoramento profissional com um grupo de dependentes químicos. Queria verificar qual a contribuição da arteterapia para a restauração da totalidade do Ser, se as técnicas e materiais artísticos facilitavam o contato da pessoa com sua subjetividade, e se o grupo arteterapêutico contribuía para o encontro da pessoa com seu potencial criador e, assim, pudesse enxergar novas possibilidades de vida. Para desenvolver esse estudo, realizado na Comunidade Terapêutica, fez-se primeiramente a apresentação da trajetória metodológica, na qual foi seguida da estruturação de três capítulos. No primeiro capítulo, discutiu-se como se apresentam as comunidades terapêuticas, o modelo de funcionamento, tratamento, aspectos das drogas e o dependente químico em si. No segundo capítulo, apresentou-se a arteterapia, seu desenvolvimento e aspectos relacionados ao arteterapeuta. Sob a perspectiva de que o arteterapeuta é um facilitador de transformação, é de sua responsabilidade viabilizar a emergência de potencialidades da relação cliente-terapeuta. “Somos não apenas profissionais da cura, mas, acima de tudo, discípulos da Vontade Divina” (BASSO E PUSTILNIK, 2000, página 134). No terceiro capítulo, correlacionou-se a teoria estudada sobre grupos de encontro com o trabalho prático com um grupo de dependentes químicos da Comunidade Terapêutica, verificando-se a possibilidade do trabalho de arteterapia com essa demanda, buscando compreender a natureza das relações no convívio diário durante o tratamento, e a possibilidade da contribuição desses encontros, tendo a arteterapia como fio condutor para a evolução pessoal, através do desenvolvimento do potencial criativo, da compreensão e aceitação de si, e da autenticidade das relações. Foram pesquisados vários autores para a fundamentação teórica, tendo sido bastante utilizado a teoria acoplada no livro da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), Carl Rogers, para abordar grupos de encontro, e diferentes autores contribuíram para eu discorrer sobre a arteterapia. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA “A coisa não está na partida e nem na chegada, mas na travessia”. Guimarães Rosa 1 – Pesquisa Qualitativa Boudon e Lazarsfeld citado por Haguette (2000) ressaltam a importância da metodologia qualitativa por acreditarem na superioridade do método, que fornece uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social face à configuração das estruturas societais, seja a incapacidade da estatística de dar conta dos fenômenos complexos e dos fenômenos únicos. A técnica utilizada na metodologia qualitativa foi a pesquisa-ação, onde se usaram estratégias tais como: a observação participante e técnicas de arteterapia. 1.1 – A pesquisa-ação O termo pesquisa-ação se originou na psicologia social na década de 40 com Kurt Lewin, surgindo também, na mesma época, o trabalho de grupo. Barbier citado por Haguette (2000) diz que a pesquisa-ação de Lewin pode ser definida como uma pesquisa psicológica de campo, que tem por objetivo uma mudança de ordem psicossocial. O pesquisador adota uma postura de observador crítico e participante ativo, este coloca suas ferramentas científicas a disposição do grupo que está sendo observado, buscando assim uma transformação social em benefício dos participantes. 1.1.1 - Observação Participante Bruyn citado por Haguette (2000) entende que a observação participante representa um processo de interação entre a teoria e métodos dirigidos pelo pesquisador na sua busca de conhecimento, não só da perspectiva humana, como também da sociedade, enfatizando a necessidade de reconhecimento, em primeira instância, do caráter peculiar dos seres humanos, seu comportamento e sua vida em grupo. Na observação participante, o observador está o tempo todo em contato com os sujeitos observados, compartilhando as atividades e os sentimentos vivenciados pelo grupo. 2 – Trabalho de grupo e arteterapia O trabalho de grupo pode ser realizado com grande quantidade de pessoas ou com grupos pequenos, podendo os grupos serem fechados ou abertos. Nos grupos abertos, as pessoas podem entrar e sair conforme desejem, enquanto que, nos grupos fechados, os integrantes têm que permanecer durante toda a duração do grupo. No grupo de arteterapia com os dependentes químicos na Comunidade Terapêutica o grupo foi fechado com 10 pessoas. “A finalidade do grupo é fornecer um ambiente aconchegante e seguro no qual as pessoas se sintam à vontade para revelar assuntos pessoais. O cuidado e o respeito pelos outros, por seus sentimentos e pontos de vista são prioritários” (LIEBMANN, 2000, página 37). Para a escolha do local que realizará o trabalho grupal de arteterapia, deve-se levar em consideração o espaço da sala, iluminação, ventilação, etc. “O grupo pode ser homogêneo quanto a sua faixa etária e heterogêneo quanto a psicopatologia de seus participantes e viceversa” (OSÓRIO 2000, página 71). Após a formação do grupo, no primeiro encontro, apresentou-se o trabalho a ser desenvolvido e estabeleceu o setting ou enquadre grupal que é a “constituição de um ambiente normativo (continente)” (OSÓRIO 2000, página 75). Foi estabelecido o contrato com os participantes do grupo sobre horário, dias de encontro, tempo, freqüência, duração das semanas, regras quanto ao sigilo, respeito ao próximo, pontualidade, intervalos, etc. A arteterapia se dá no encontro da pessoa com materiais artísticos (papéis, lápis de cor, giz de cera, tinta diversas, argila, gesso, linhas, etc) e técnicas expressivas corporais, tendo um embasamento teórico a sustentar a vivência e a produção artística. Para trabalhar os conteúdos significativos que surgem, é importante que a pessoa que está conduzindo os trabalhos – o arteterapeuta – seja um estudioso dos aspectos psíquicos, para saber acolher e intervir nos momentos oportunos. O trabalho de arteterapia pode ser realizado com grupos numerosos, e também com uma única pessoa. Nos pequenos grupos, a possibilidade de provocar mudanças e de permitir que a pessoa se entregue à atividade é maior, e talvez melhor aproveitada. 3 – Sujeito e Local da Pesquisa A pesquisa foi realizada com um grupo de pessoas em tratamento de dependência química em regime de internação na Comunidade Terapêutica. As atividades grupais de arteterapia foram realizadas na unidade de tratamento, situada na zona rural. Onze pessoas participaram durante todo o aprimoramento profissional, num total de quatorze encontros. 3.1 - Caracterização e histórico da comunidade terapêutica O aprimoramento profissional supervisionado foi realizado em uma Comunidade Terapêutica para tratamento de dependentes químicos na cidade de Uberaba – MG. A Comunidade Terapêutica em pauta, tem como missão ajudar o dependente químico a buscar uma vida com liberdade e responsabilidade, tornando-se cidadão consciente capaz de inserir-se em seu meio, como pessoa útil a sociedade, à família e a Deus. A comunidade terapêutica foi constituída oficialmente em 12 de novembro de 1992, sendo uma instituição com fins filantrópicos. A história desta instituição começou quando um grupo de pessoas ligadas à Pastoral Carcerária, diante do grande número de dependentes químicos que os procuravam para alívio de seus sofrimentos, sentiu a necessidade de construir um local a que pudessem encaminhar aquela clientela, que muitas vezes saía da cadeia sem qualquer tipo de apoio. A fazenda foi doada por um dos integrantes da Pastoral Carcerária. Já na construção da instituição, a Comunidade recebeu alguns residentes em uma barraca de lona cedida pela Polícia Militar. Atualmente, a comunidade terapêutica atende 34 pessoas, possui uma equipe técnica composta por um diretor de tratamento, 3 coordenadores, 2 monitores, 3 psicólogos, 1 assistente social. Foto atual da CT – 2007 3.1.1 - Parcerias da Instituição A comunidade terapêutica conta com uma equipe de voluntários que contribuem nas Oficinas de Oração, no grupo de famílias – NATA (Núcleo de Apoio às Famílias de Toxicômanos e Alcoólatras) e na realização de eventos sociais. Conta, também, com um médico, psiquiatra, e com uma terapeuta ocupacional. 3.1.2 – Origem dos Recursos Financeiros 1. Convênio com a Prefeitura Municipal de Uberaba através da SEDS - Secretaria de Desenvolvimento Social. 2. Contribuição dos familiares das pessoas que estão em tratamento; da comunidade, através de eventos e promoções; doações espontâneas via telemarketing. 3. Projetos através da SEDESE – Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e do Esporte. 4 – Técnica para Coleta de Dados A técnica utilizada para coletar os dados foi a da pesquisa-ação participante, e os relatórios elaborados após as atividades durante o aprimoramento profissional realizado com os dependentes químicos no grupo de encontro de arteterapia. 5 – Procedimentos A escolha destas pessoas para participarem do grupo se deu a partir de uma reunião para apresentação da arteterapia e da proposta do aprimoramento profissional. O único critério adotado foi o de que as pessoas participantes tinham que estar no início do tratamento e que sua participação seria voluntária. Os encontros eram realizados semanalmente, no período de uma-hora-e-meia e de mais uma hora para elaboração de relatório. Inicialmente, o grupo se iniciou com 10 pessoas, porque se sabia que algumas pessoas desistiriam do tratamento, o que é comum em comunidade terapêutica, e que, outrossim, poderia haver desligamentos por apresentarem algum comportamento inadequado dentro da instituição. O que de fato aconteceu: algumas pessoas desistiram do tratamento e outras receberam alta administrativa2. O grupo finalizou com quatro pessoas. 6 – Técnica para Análise e Interpretação dos Dados Para análise e interpretação de dados qualitativos foi utilizada a Análise de Conteúdo. A Análise de Conteúdo é definida como um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção / recepção destas mensagens (BARDIN citado por MINAYO 2000, página 199). 2 Termo utilizado para definir desligamento por exclusão. De acordo com Bardin citado por Minayo (2000), uma análise do material recolhido busca atingir a três objetivos: ultrapassagem da incerteza - verificar se a mensagem que o observador está captando é realmente o que está sendo transmitido; enriquecimento da leitura - analisar as mensagens, buscando material para confirmálas; integração da descoberta - refere-se à totalidade das mensagens obtidas. Para atingir o melhor em significação do material qualitativo, utilizam-se várias técnicas que Minayo (2000) descreve como: 1 – Análise da expressão - enfatiza a necessidade de conhecer os traços pessoais do autor da fala, sua situação social e os dados culturais que o moldam; 2 – Análise das relações - analisa a co-ocorrência da mensagem transmitida com a „verdade‟ do contexto, buscando a significação das relações; 3 – Análise de avaliação ou representacional - tem por finalidade medir as atitudes do observado se estão em harmonia com o que está sendo transmitido; 4 – Análise de enunciação - apóia-se numa concepção de comunicação como processo e não como um dado estático, e do discurso como palavra ou ato. 5 – Análise temática - o tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura (BARDIN citado por MINAYO, 2000, página 208). CAPÍTULO I COMUNIDADE TERAPÊUTICA: INSTITUIÇÃO A SERVIÇO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Filosofia Estamos aqui porque, finalmente não há mais como me refugiar de mim mesmo... Até que me confronte nos olhos e no coração de outros estarei fugindo. Até que sofra o partilhar dos meus segredos não me libertarei deles. Temeroso de ser conhecido, não poderei me conhecer, nem aos outros... estarei só! Onde, senão em meu companheiro, poderei encontrar este espelho? Aqui, juntos, posso finalmente conhecer-me por inteiro, não como gigante que sonho ser, nem tampouco como o anão dos meus temores, mas como alguém, parte de um todo, compartilhando seus propósitos. Neste solo poderei criar raízes e crescer, não mais isolado como na morte mas vivo – para mim e para os outros. Richard Beauvais 1.1 - COMUNIDADES TERAPÊUTICAS Existem atualmente em nossa sociedade inúmeras formas de comunidades e, mais especificamente, de comunidades terapêuticas. Em linhas gerais, a palavra comunidade remete ao simbolismo de instituir entre uma fusão, em um ou mais objetivos, entre um grupo de pessoas voltadas para objetivos comuns a todos os membros, que buscam uma unidade. Assim, viver em “comun-unidade” seria vivenciar algum processo partilhando de coisas que buscam um mesmo caminho. Já o termo terapêutica vem atribuir à idéia de comunidade o sentido de tratamento, cuidado. O modelo de Comunidade Terapêutica teve início com pacientes psiquiátricos com comportamento anti-social em 1946, no Reino Unido. O primeiro a usar este termo foi o médico psiquiátrico Maxwell Jones, que enfatizava que a “comunidade terapêutica” implica que a responsabilidade pelo tratamento não é exclusiva da equipe médica treinada, mas cabe também aos membros da comunidade. E neste momento, aquele que era até então passivo passa a ser coadjuvante de sua saúde de forma direta. A partir de então, Comunidade Terapêutica foi definida como uma situação grupal de “viver aprendendo”. Neste modelo a aprendizagem está ligada à experiência do comunitário e da vivência social, relacionando-se com algo que está além do conceito de tratamento. E a partir dos anos 50 que a Comunidade Terapêutica ganha maior força como acompanhamento sistemático e programado de indivíduos com dependências. Bleger (1980) define instituição como sendo um “conjunto de normas, padrões e atividades agrupadas em torno de valores e funções sociais”. Comunidade Terapêutica abarca esta significação, por ser uma instituição que tem um estatuto que estipula normas e que tem definido um cronograma de atividades. É compreendida por um grupo de pessoas que trabalham em sua administração e de um corpo de profissionais que atuam diretamente com a demanda específica em tratamento. As instituições existem para prestar algum tipo de serviço à comunidade na qual se insere. Neste caso, a comunidade terapêutica em pauta é uma instituição voltada para assistir pessoas dependentes de drogas lícitas e ilícitas, visando o bem-estar bio-psico-social e espiritual da pessoa em tratamento. A Comunidade Terapêutica é uma instituição que abrange a definição de Bleger, pois trabalha com uma reeducação do ser humano, resgatando seus valores morais e éticos. A Comunidade Terapêutica em destaque presta serviço no tratamento de pessoas do sexo masculino, com idade acima de 16 anos, que fazem uso de álcool e/ou outras drogas (maconha, crack, cocaína, etc). Trabalha também com as famílias em reuniões de grupo de apoio (NATA). A Comunidade Terapêutica dentro de seu cronograma, realiza atendimento médico (psiquiatra), psicológico, assistência social, e terapia ocupacional às pessoas que estão internas durante o período de tratamento. Conta também com a contribuição de trabalhos de pessoas voluntárias que já fizeram uso de algum tipo de droga e que participam de grupos de apoio de AA (Alcoólicos Anônimos), NA (Narcóticos Anônimos) e HI (Hospitais e Instituições). Além disto, conta com voluntários que vão à comunidade para fazer um trabalho espiritual, realizam grupos de oração, catequese, eventos sociais, etc. As instituições, quando prestam serviços deste tipo, estão valorizando os aspectos que permeiam toda a vida do ser humano, e não somente a abstinência da droga em si. O médico psiquiátrico Maxwell Jones, definiu comunidade terapêutica como sendo “um grupo de pessoas que se unem com um objetivo comum e que possui uma forte motivação para provocar mudanças” (FRACASSO, 2001, página 280). A primeira comunidade terapêutica foi fundada em 18 de setembro de 1958, em Santa Mônica, na Califórnia, e recebeu o nome de Synanon. Essa comunidade foi criada por Chuck Dederich e um grupo de alcoolista em recuperação. Essas pessoas decidiram viver juntas, buscar uma nova maneira de viver e ter o próprio grupo como ajuda para a recuperação. Posteriormente, surgiu a Comunidade Terapêutica Daytop Village, fundada em 1963 pelo Monsenhor William O‟ Brien e por David Deitch. Essas instituições tinham pontos em comum, que era o compartilhar e a honestidade. Tinham como proposta falar, sem máscaras, de si e dos seus sentimentos. A confiança e as relações de ajuda sustentavam o tratamento. E até os dias atuais estes dois itens são valorizados e seguidos dentro das Comunidades Terapêuticas. Fracasso (2001, página 318) coloca que cada um é os sentimentos que tem, e compreendê-los é compreender nossa relação com o mundo que nos rodeia. Quanto mais sinceros nos tornamos, mais condições teremos de entrar em contato com a realidade. Uma das atividades do cronograma da Comunidade Terapêutica é o Grupo de Sentimento, no qual os residentes (denominação dada às pessoas em tratamento), são convidados a expor seus sentimentos, independentes se são sentimentos de raiva, alegria, inveja, ou outros que tais. Acredita-se que quando as pessoas falam, vão colocando as “reservas3” para fora. Em 16 de outubro de 1990, foi fundada a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) com a finalidade de dar respaldo técnico às instituições que atendiam dependentes químicos sem nenhum critério ético. Em 1994, criaram o Centro de Formação e Treinamento, a fim de oferecer cursos que ministrassem conhecimentos básicos ao pessoal das Comunidades Terapêuticas e a todos que trabalhavam com programas de prevenção ao uso de drogas. Outra preocupação da FEBRACT foi a elaboração de um Código de Ética para as Comunidades Terapêuticas. As comunidades que atendem as exigências da FEBRACT podem se tornar filiada. Para a regulamentação das comunidades terapêuticas foi criada a Resolução 101 de 30 de maio de 2001, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que define Comunidade Terapêutica como: serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência ou outros vínculos de um ou dois turnos, segundo modelo psicossocial, são unidades que têm por função a oferta de um 3 Nome dado aos sentimentos que não são trabalhados e que podem vir a prejudicá-los. ambiente protegido, técnica e eticamente orientados, que forneça suporte e tratamento aos usuários abusivos e/ou dependentes de substâncias psicoativas, durante período estabelecido de acordo com programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso. É um lugar cujo principal instrumento terapêutico é a convivência entre os pares. Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperação das pessoas – resgatando a cidadania, buscando encontrar novas possibilidades de reabilitação física e psicológica – e de reinserção social. Cada instituição elabora seu programa de tratamento, estabelecendo o período de tratamento, metodologia a ser utilizada, quantidade de residentes a serem atendidos, obedecendo às normas vigentes da FEBRACT e da Anvisa. A Comunidade Terapêutica abordada segue o modelo da Comunidade Senhor Jesus, situada em Campinas. Atende 34 pessoas em regime de internação, embora a fazenda tenha estrutura física para atender mais pessoas. Porém, devido à quantidade de funcionários que trabalham diretamente com os residentes, pode-se atender no máximo a essa quantidade. O tratamento se sustenta na espiritualidade (grupos de oração, missa, liturgia da palavra) – disciplina (através das atividades de laborterapia – manutenção da fazenda, cuidado com animais, produção de horta) – psicoterapia (atendimento psicológico individual e grupal). O trabalho é complementado pelos 12 Passos, Prevenção de Recaída, Avaliação Pedagógica. O tempo de tratamento é de, no mínimo, de 9 meses. Elena Goti, citada por Fracasso (2001, página 276), comenta alguns pontos importantes da abordagem da Comunidade Terapêutica: 1 – Deve ser aceita voluntariamente. 2 – Não se destina a todo tipo de dependente (isso ressalta a importância fundamental da triagem como início do processo terapêutico). 3 – Deve reproduzir, o melhor possível, a realidade exterior para facilitar a reinserção. 4 – Modelo de tratamento residencial. 5 – Meio altamente estruturado. 6 – Atua através de um sistema de pressões, artificialmente provocadas. 7 – Estimula a explicitação da patologia do residente frente a seus pares, que servirão de espelho da conseqüência social de seus atos. 8 – Estabelece um clima de tensão afetiva. 6 – Considera o residente o principal autor de sua cura, lembrando que a equipe oferece apenas apoio e ajuda. É importante conhecer os aspectos sociais, econômicos e culturais no qual os residentes da instituição estão inseridos, uma vez que todas as relações estabelecidas e vividas por eles afeta seu desenvolvimento e coadunam com seu jeito de ser e de se expressar. Por isto a triagem se faz tão importante: é o início do processo de tratamento, momento em que é realizada uma entrevista com a pessoa dependente de algum tipo de drogas e com sua família. Nessa entrevista é levantado um breve histórico pessoal do candidato (infância, adolescência e vida adulta), informações sobre uso de drogas (idade de início, tipos de drogas usadas, hábitos, comportamento), relacionamento familiar e social (se há casos na família), saúde da pessoa, envolvimento com a justiça. Na triagem também é solicitada a realização de avaliação bucal, clínica e psiquiátrica. Outro item importante a ser decidido na triagem é o custo mensal do candidato. Na Comunidade Terapêutica em pauta, o processo de triagem é realizado pela equipe técnica. O candidato é submetido a uma avaliação psicológica, psiquiátrica e social. É solicitado a realização de alguns exames (hemograma completo, fezes, urina I, doenças sexualmente transmissíveis, raio x do tórax), atestado de saúde bucal e cartão de vacinas atualizado. Estes exames são pedidos porque a instituição procura tratar a pessoa como um todo: nenhuma doença é impedimento ao tratamento, desde que não esteja em fase de contágio, como, por exemplo, a tuberculose. A dependência química atinge a pessoa como um todo, desestruturando-a em todos os níveis: físico, mental, espiritual, social, familiar e profissional. As pessoas perdem totalmente o controle de suas vidas, e por isto se faz necessário o trabalho intenso sobre a disciplina, a responsabilidade, o relacionamento com as pessoas, o aprendizado de cursos profissionalizantes. O processo terapêutico nas Comunidades Terapêuticas “é toda a atitude, a ação ou a circunstância que propicie essa reestruturação. Ele se dá em todas as relações, atividades e ambientes proporcionados pela CT, e não só no „setting terapêutico‟” (RANGEL, 2001, página 290). Todas as vivências do dia-a-dia devem contribuir para que a pessoa alcance uma possibilidade de reorganização pessoal, restabeleça os valores de vida e deixe manifestar um amor sincero por si e pelo outro. Bleger (1984) ressalta que o ser humano encontra, nas distintas instituições, um suporte e um apoio, um elemento de segurança, de identidade e de inserção social ou pertença. A partir do ponto de vista psicológico, a instituição forma parte de sua personalidade e, tanto na medida que isso ocorre, quanto na forma em que isto se dá, configuram distintos significados e valores da instituição para os distintos indivíduos ou grupos que a ela pertençam. Desta maneira, toda instituição não é só um instrumento de organização, regulação e controle social, mas é também, e ao mesmo tempo, um instrumento de regulação e de equilíbrio da personalidade. Percebe-se claramente isso com relação aos internos: após a finalização do tratamento, muitos sentem necessidade do convívio com a Instituição. Passam finais de semana na Comunidade Terapêutica, e participam como voluntários. Compreende-se que essas pessoas que criam o vínculo são as que permanecem em recuperação. Portanto, também é papel da Instituição buscar desenvolver essa peculiaridade do indivíduo que participa, que colabora e que a utiliza como provedora de bem-estar e de manutenção da sobriedade. Os profissionais das comunidades terapêuticas devem saber lidar com preconceitos, com diferentes hábitos, com o comportamento e a atitude das pessoas e dos grupos em ocasiões de mudança ou em momentos críticos como no início do tratamento (fase de abstinência), na fase da re-socialização e no final do tratamento (graduação), além das situações comuns da rotina diária (adaptação às regras e a disciplina) e do crescimento humano (dificuldade de relacionamento, de entrar em contato com seu mundo interno). Cada residente tem uma cultura familiar diferente. Por conseguinte, as comunidades terapêuticas devem estar preparadas para lidar com essas diferenças, o que também torna a instituição mais rica, visto que as diferenças possibilitam um maior aprendizado. Na Comunidade Terapêutica há pessoas de diferentes níveis sociais, culturais e econômicos. Percebe-se que isso traz a oportunidade para que as pessoas reflitam sobre sua história de vida. Os profissionais têm que estar prontos para compreender a necessidade de cada um e intermediar as relações. A família também é convidada a se recuperar, pois seus membros “sofrem frente à revelação da toxicomania e na maioria das vezes sente-se culpada. Os pais culpam um ao outro ou então culpa os amigos, o meio social. Não conseguem compreender, e aceitar, que o uso de drogas é um sintoma de que alguma coisa não vai bem com a pessoa, ou mesmo dentro da relação familiar” (LOURENÇO, 2001, página 172). O ambiente familiar tem influência direta no desenvolvimento humano e muitas vezes o desentendimento existente entre os casais, a desestrutura familiar, o uso de drogas pelos genitores, são fatores que mais influenciam o comportamento adictivo. As famílias precisam se reorganizar para auxiliar o seu familiar no tratamento e se habilitarem preparar para receberem-no, novamente, ao final do tratamento. Durante esse processo de transição, a família deve participar de grupos de apoio para que possam enfrentar juntos mais essa etapa de suas vidas, se integrando aos “deveres” e ao aprendizado. Na Instituição a participação da família na reunião do NATA (Núcleo de Apoio ás Famílias de Toxicômanos e Alcoólatras) é critério para que a família possa participar das visitas ao familiar em tratamento. As visitas acontecem sempre no segundo domingo de cada mês. Percebe-se que, a maioria das famílias não se sente responsável pela desorganização familiar, se mostram-se resistentes, muitas vezes considerando o dependente químico como único causador de toda a situação. Participam das reuniões somente pela obrigatoriedade, pois, mesmo com todo trabalho de conscientização, após a finalização do tratamento, essas mesmas famílias deixam de continuar a caminhada com seu familiar. Mesmo a partir do trabalho que a instituição se propõe a desenvolver, as mudanças não acontecem magicamente. Por este motivo, é importante ter na equipe pessoas disponíveis para ouvirem um desabafo, conversar, orientar, e, também, dar apoio à equipe que lida diretamente com as pessoas em tratamento. O trabalho em Comunidade Terapêutica traz desgaste emocional, visto que a equipe é frustrada constantemente, com desistências de residentes, com informações de que ex-residentes recaíram, de que foram presos e de que morreram. Portanto, é interessante que cada profissional da instituição tenha bem definido seu papel, enquanto agente imprescindível no processo de seu desenvolvimento. A Instituição conta com o trabalho de supervisão com um psicólogo para dar apoio à equipe envolvida no tratamento. 1.2 – DEPENDÊNCIA QUÍMICA E A PESSOA DEPENDENTE O que vem a ser dependência química? De acordo com CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas), dependência é o impulso que leva a pessoa a usar uma droga de forma contínua ou eventual para obter prazer. Alguns indivíduos podem também fazer uso constante de uma droga para aliviar tensões, ansiedades, medos, sensações físicas desagradáveis, etc. O dependente caracteriza-se por não conseguir controlar o consumo de drogas, agindo de forma impulsiva e repetitiva. A dependência pode se apresentar de duas formas: física e a psicológica. A primeira se caracteriza pela presença de sintomas e sinais físicos que aparecem quando o indivíduo pára de tomar a droga ou diminui bruscamente o seu uso: é a síndrome de abstinência cujos sinais e sintomas dependem do tipo de substância utilizada e aparecem algumas horas ou dias depois que ela foi consumida pela última vez. A dependência psicológica configura-se por um estado de mal-estar e desconforto que surge quando o dependente interrompe o uso de uma droga. Os sintomas mais comuns são: ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração, podendo variar de pessoa para pessoa. Droga é definida como qualquer substância química – natural ou sintética – capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças, fisiológicas ou de comportamento, ou de alterar o estado psíquico do usuário e o funcionamento do Sistema Nervoso Central. As drogas se classificam como: depressoras, estimulantes e perturbadoras, conforme o quadro a seguir. Classificação Drogas Sintomas Depressoras - inibem a atividade do SNC, produzindo relaxamento, sedação, analgesia, tranquilização, desinibição, alívio Álcool, soníferos, ansiolíticos, opiáceos e inalantes (lançaperfume, loló) Aparência de ébrio, excitação, hilariedade, linguagem enrolada, perda de equilíbrio, nariz escorrendo (constipado), sonolência,inconsciência, esturpor, analgesia, olhos vermelhos, "pupila em cabeça de alfinete", lacrimejamento Elementos Acessórios Latas ou bisnagas de cola, frascos de lança-perfume, restos de sólidos ou nódoas em panos, lenços ou sacos plásticos. Pós brancos cristalinos ou escuros, ampolas, frascos de xarope, seringas hipodérmicas e acessórios, agulhas, manchas de sangue na roupa, feridas, cicatrizes e abcessos no corpo, dedos queimados. Estimulantes - aceleram a atividade do SNC produzindo euforia, agitação psicomotora, inibição da fome, sensação de coragem, força e poder Anorexígenos e cocaína e derivados (crack e merla), tabaco Perturbadoras Maconha, cogumelo e - distorcem a plantas, LSD, êxtase atividade do SNC, produzindo fantasias, ilusões, delírios, alucinações, excitação ou tranquilização. Inquietação, excitabilidade, tagarelice constante, confusão mental, falta de apetite com emagrecimento, insônia, conduta agressiva, boca seca com irritação das narinas (secas), alucinações e dilatação da pupila, aumento da atividade, agressividade, idéias delirantes com suspeita de tudo e de todos, palidez acentuada. Presença de comprimidos, hábito de fumar cigarros constantemente, inquietação motora (não para quieto). Septo nasal perfurado e com pequenas hemorragias, pó branco cristalino, objetos metálicos tipo caixa de rapé ou pequenos tubos metálicos, cachimbo. Tagarelice, excitabilidade, risadas ou depressão e sonolência. Aumento do apetite (doces), olhos vermelhos congestos, alucinações, distúrbios na percepção do tempo e do espaço, delírios, confusão mental e dificuldade de raciocínio. Risos e choros, atitudes impulsivas e irracionais. Calafrios, tremores, sudorese, pupilas dilatadas, reações de pânico com sensação de deformação no corpo e objetos. Odor de relva queimada no local. Presença de vegetal cinza-esverdeado triturado com pequenas sementes lisas, restos de cigarros feitos à mão e odor nas roupas. Pequenos comprimidos ou drágeas, cubos de açúcar com manchas, restos de cogumelos (com cheiro de esterco), pequenos frascos. A Classificação Internacional de Doenças (CID 10) define transtornos relacionados com a dependência química como: estado conseqüente ao uso de uma substância psicoativa e compreendendo perturbações da consciência, das faculdades cognitivas, da percepção, do afeto ou do comportamento, ou de outras funções e respostas psicofisiológicas. As perturbações estão na relação direta dos efeitos farmacológicos agudos da substância consumida, e desaparecem com o tempo, com cura completa, salvo nos casos onde surgiram lesões orgânicas ou outras complicações. Entre as complicações, podem-se citar: traumatismo, aspiração de vômito, delirium, coma, convulsões e outras complicações médicas. A natureza destas complicações depende da categoria farmacológica da substância consumida, assim como de seu modo de administração. As drogas estão ficando cada vez mais potentes, e os adolescentes estão iniciando o uso com idade entre 10 e 12 anos. Os participantes do grupo de encontro de arteterapia iniciaram o uso de drogas entre 12 e 14 anos, tendo a maconha como a primeira droga. Tempos atrás, os adolescentes iniciavam o uso de drogas, como a maconha, em sinal de rebeldia: ficavam anos consumindo a mesma droga, em quantidade constante. O uso da droga não trazia tanto prejuízo para a vida da pessoa. Vale ressaltar que nem todo usuário pode vir a se tornar um dependente, pois sua atitude diante da droga dependerá de sua história de vida, e de sua motivação para o uso da droga. Lourenço (2001, página 142) lista alguns motivos pelos quais uma pessoa pode vir a experimentar drogas. São eles: - curiosidade - influência de amigos - adesão a um grupo marginal - atração pelo desconhecido - desejo de sentir uma sensação nova - desejo de se conhecer - tentativa de vencer suas próprias limitações - busca do prazer - alívio de conflitos internos - relação familiar conflituosa - problemas sociais, de saúde, profissionais ou de relacionamento - solidão dos grandes centros - ociosidade, falta de opções do-que-fazer - falta de acesso às informações. Atualmente, o que estamos notando são os jovens experimentando a maconha e, logo em seguida já fazendo uso de crack. As pessoas usuárias de drogas estão suportando cada vez menos tempo no uso abusivo da droga. O uso permanente da droga está gerando muita criminalidade, visto que a satisfação que a droga traz é imediata e a pessoa quer manter aquela sensação de prazer por longo tempo. É evidente a influência das drogas em atitudes de violência. As pessoas, sob o efeito estimulante da substância, tornam-se mais impulsivas e por vezes irritadiças e explosivas. O uso continuado pode levar ao surgimento de pensamentos paranóides e idéias de perseguição. Como na maioria das vezes os usuários de drogas não têm de onde tirar o dinheiro, acabam se envolvendo em situações de perigo e cometendo delitos. Além disso, passam a conviver diariamente com o ambiente do tráfico (onde, na maioria das vezes, a violência é a única forma possível para a resolução de conflitos), e a se submeter às exigências dos “patrões 4 ”. Os drogadictos passam a ser perseguidos pela polícia com freqüência, e, quase sempre, terminam se envolvendo em processos criminais. “Minha vida não é diferente de ninguém não. Meu uso era abusivo, me olhei no espelho e vi como estava feio na foto. Estava com vergonha de mim mesmo. Roubava, manipulava todo mundo. Vim para a Comunidade Terapêutica porque sozinho não dava conta. Estou bem, procurando uma maneira de viver, afinal são 19 anos de drogas, peguei muito erro de caráter. Preciso melhorar, coloco essa (internação) como minha última chance”. (Ale, 31 anos) Lourenço (2001, página 138) acrescenta que quando a pessoa passa a depender do efeito e sente desconforto na ausência do produto, quando todos os seus esforços são para obtê-lo e manter um vínculo primitivo com a droga, quando ela faz uso com o objetivo de aumentar seu 4 Pessoas que vendem drogas. Também chamadas de traficantes. conforto psicológico, anulando todos os demais interesses de sua vida, então instala-se a dependência: é a busca do prazer, não importa como. “Minha vida lá fora não era mole não. Arrumei um „trampo‟, pitei tudo que ganhei, roubei para fumar. Minha mãe falava que eu tinha que me internar. Morava quase que só na rua, ficava uns cinco dias fora de casa, voltava só pra tomar banho e saía para fumar. Tenho 10 anos nesta vida. Tenho dois filhos” (Dan, 24 anos). Com início do uso de droga, os adolescentes perdem o interesse por escola, chegando a abandonar os estudos. Afastam-se da convivência familiar e dos grupos sociais sadios. Muitas mudanças ocorrem na vida e no comportamento da pessoa usuária de drogas. Mente para si e para os outros. Isso se dá, principalmente, porque ele tem necessidade de esconder a realidade, pois a verdade mostra o que ele está fazendo a si a aos que o cercam Os sentimentos vão se cristalizando, já não se pode mais sentir. Tem que ser o cara que não tem “nenhum medo de polícia, capitão ou traficante, playboy ou general” (Russo). O dependente químico, antes de qualquer outra coisa, é um ser humano, com todas as possibilidades de reverter o cenário em que se encontra. Fracasso (2001, página 276) diz que, acima de tudo, ele é um ser capaz de entender, querer e decidir, mesmo considerando-se o abismo em que se encontra, mas com um problema a mais. Este problema se manifesta no sintoma da dependência química, mascarando, em vários níveis, a perda de autonomia e liberdade pessoal para fazer projetos, escolhas e tomar decisões. “A vida não estava boa, eu vegetava, pedia esmola, morava na rua. Já tive família, mas perdi por culpa da droga. Perdi casa, mulher, por causa da decadência. Quero uma religião, um grupo de apoio, trabalhar e reconstituir família” (Dá, 23 anos). O dependente químico é uma pessoa emocionalmente fechada, sozinha. Afasta-se das pessoas e, quando muito, tem os chamados “amigos de ativa”. É marginalizado pela sociedade, porém carrega dentro de si toda a força do ser, que possibilita a transformação e a re-significação de sua própria vida. “Fiquei melhor com a terapia, quebrei meu egoísmo. Estou melhorando cada dia mais, porque eu pensava, no começo da caminhada, que eu não precisava de ninguém e hoje vejo que preciso até de ouvir, assim como falar dos meus sentimentos e dar valor nas pessoas que me dão a mão, como nesse desenho e também fico contente por saber que hoje consigo desenhar e construí do que só destruir” (Ale, 31 anos). Pintura com tinta guache. 1.3 – TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA: POSSIBILIDADES E ENTRAVES Há diversos modelos de tratamento, em regime ambulatorial ou internação. Em todos eles, encontram-se aspectos positivos e negativos. Daí a importância da triagem retrocitada. Cada pessoa adapta-se a uma forma particular de tratamento. Aqui será enfatizado o regime de internação, por ser o modelo da Instituição em pauta. Em instituição fechada, como no caso da Comunidade Terapêutica em tela, um dos aspectos negativos observados é o afastamento do indivíduo do contato com a sociedade. Porém, ressalta-se que há casos nos quais a internação se faz necessária, a ponto de se tornar condição de sobrevivência. Durante o período de internação, a pessoa tem espaço e tempo para refletir sobre sua vida, para tomar decisão e mudar as escolhas que até então a tinham levado a cometer os mesmos erros e a sofrer as mesmas conseqüências do ciclo vicioso da droga. “Estava parecendo bandeira do pirata, só pano e caveira” (Lu, 24 anos). O programa mais utilizado no tratamento de dependência química é o dos Doze Passos (anexo 1). Esse programa é a base dos grupos de apoio de AA (Alcoólicos Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos). O Primeiro Passo diz: “Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis” (NA, 1993 p.18). Dado isso, pode-se afirmar que o desejo de parar de usar drogas, tem que ser maior que as dificuldades encontradiças durante a caminhada5. Assim sendo, a pessoa tem que se dispor a entrar em contato com suas dores, suas dificuldades, com sua história pessoal. Dan (24 anos) conta sobre sua vida, saudável na infância, que foi interrompida aos 12 anos, quando iniciou o uso das drogas, na tarefa em que tinha que escrever uma carta para sua criança interior, Dan escreveu que: “Uma vez o menino conheceu alguns amiguinhos, muito levado e baguncentos, que o ensinaram a fumar cigarros, tudo aquilo para este menino era muito atraente, porque achava que era bonito e se sentia aceito pelo grupo, mais pra frente ensinavam a ele a fumar maconha, da primeira vez achou esquisito, a segunda divertido. No meio do grupo se sentia bandido e se sentia protegido. Era uma vez um menino que se viciou e que parou de sonhar, de brincar, de namorar, de viver. Este menino sou eu”. O contato com a história pessoal talvez seja o primeiro entrave que o dependente químico enfrenta quando se dispõe a se tratar. No dia-a-dia da Comunidade Terapêutica é comum 5 Termo utilizado para designar o período em que estarão em tratamento. ouvir os coordenadores dizerem aos residentes, buscando formas de acordá-los para a recuperação: “Faça o primeiro passo!”. “Você ainda não admitiu que não pode com a droga!”. Percebe-se que assumir este Primeiro Passo é estar travando uma batalha com tudo que construiu na vida, durante anos. É remexer as entranhas e buscar no fundo da alma um sentido para viver; é buscar um motivo para viver o momento, de forma aberta e consciente: é fazer o que nunca fora feito. É lutar pela vida. Várias são as dificuldades que se encontram no meio da caminhada. Outra coisa que se evidencia nos residentes é o imediatismo, característica comum entre os dependentes químicos: querem recuperar em apenas um dia o que levaram anos para destruir. A recuperação passa a ser uma busca incessante, e às vezes, por ser um processo longo, muitos desistem de ficar internados e terminam abandonando o tratamento. Outras vezes, manifestam comportamentos inadequados, dentro da instituição, o que provoca sua alta administrativa. No grupo de encontro de arteterapia vivenciamos esta situação. O grupo iniciou-se com 10 participantes e encerrou-se com apenas quatro. Nas comunidades terapêuticas valoriza-se bastante a confiança, o anonimato e a ajuda mútua entre os integrantes do grupo: residentes e, obviamente, os profissionais que nela atuam. No Quarto e no Quinto Passo essa necessidade se consolida, visto que no Quarto Passo a proposta é de que seja feito um inventário moral a respeito da vida pessoal do indivíduo: é o momento de ser honesto, de olhar para si, de se reconhecer; posteriormente, no Quinto Passo, o residente convida uma pessoa de sua confiança (padrinho) para partilhar o inventário, apresentando seus sucessos e fracassos, buscando reconhecer suas falhas, imperfeições e qualidades e, tendo, assim, a oportunidade de recobrar o significado da sua vida. No tratamento de dependência química a participação da família transmite segurança para o recuperando. Precisa-se de trabalhar intensamente com as famílias, pois estas, quase sempre, encontram-se adoecidas, desmotivadas e, descrentes da possibilidade de recuperação. Nas comunidades terapêuticas é comum ter pessoas com mais de três internações. Os familiares, após o tratamento, são as pessoas que estarão mais próximas do recuperando. Precisam ser capazes de se aplicarem para ouvi-lo, para fazerem o Décimo Passo. “Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitimos prontamente” (NA, página 45). A família tem que se envolver no processo de tratamento, transformando-se seus membros em parceiros com os quais o recuperando possa contar na busca do conhecimento de si e de uma vida nova, livre da alienação da droga. Entretanto, os grupos de apoio às famílias ainda têm um longo trabalho a ser construído. A convivência com a família, às vezes, é turbulenta, pois existe muita dificuldade nos relacionamentos entre casais, dificuldade financeira, falta de organização ambiental e familiar. O próprio comportamento adictivo e sentimento de culpa, gerador da co-dependência, são entraves para o não-envolvimento da família no tratamento. Co-dependência é um quadro caracterizado por um distúrbio mental acompanhado de ansiedade, angústia e uma compulsividade obsessiva em relação a tudo o que envolve a vida do dependente. O co-dependente deixa de viver sua própria vida e passa a viver na dependência dos acontecimentos que ocorrem na vida do dependente químico (SANDA, 2001 página 246). Tais dificuldades, muitas vezes, tornam insuportável a convivência no grêmio familiar. E quando o parente adicto se interna, seus familiares fazem da instituição um depósito, isentando-se de assumir o papel que lhes cabe desempenhar, enquanto família, e deixam tudo a seu cargo (abstinência, fazer com que o dependente não desista, que promova a cura: além da formação de hábitos, valores, disciplina, atenção à saúde, educação religiosa, etc). A interação instituição-família é o que fortalecerá a luta no combate as drogas. Diante disto, a importância do grupo de apoio às famílias, para que estas, sentindo-se acolhidas, e conscientes de que não estão sozinhas nesta luta pela dignidade humana, possam acreditar que vale a pena assumirem seus papéis e aceitarem o convite para a busca do conhecimento de si mesmas e dos potenciais familiares para uma reestruturação tendente a propiciar-lhes uma vida saudável, em família. O trabalho de re-socialização com os residentes é uma etapa fundamental na finalização do processo de tratamento, pois ocorre no momento em que o indivíduo se prepara para voltar à sociedade, e colocar em prática todo o aprendizado, além de re-aprender a conviver com a família, conseguir manter-se em recuperação, buscar condições para sobreviver financeiramente e se integrar em grupos de apoio (AAs e NAs). Na Comunidade Terapêutica essa etapa de re-socialização inicia aos seis meses, quando o recuperando vai passar quatro dias na casa da família. Aos sete meses, ficam seis dias e no oitavo mês ficam oito dias. Em todas essas visitas é obrigatória a participação em grupos de apoio, para que a pessoa conheça os grupos, crie vínculo com os membros e dê continuidade após a graduação. A graduação é um dia festivo para a comunidade: é quando uma pessoa está concluindo o processo de tratamento e recebe o certificado pelas mãos de seu padrinho de caminhada. CAPÍTULO II “... a verdadeira cura, a transformação do mal em bem, dependerá da capacidade da verdadeira arte de fornecer às almas e corações humanos um caminho espiritual.” Rudolf Steiner ARTETERAPIA: CAMINHO PARA A EVOLUÇÃO DO SER A arteterapia surgiu a partir da terapia artística da Antroposofia, do médico Rudolf Steiner, na Alemanha. Dra. Ita Wegmann, juntamente com Steiner desenvolviam trabalho de pintura como parte do tratamento médico. Entre 1876 a 1906, a arte era utilizada por criminalistas e psiquiatras para diagnóstico de doenças mentais. Em 1962, Margarethe Hauschka fundou a primeira escola de terapia artística, em Bad Boll, na Alemanha. No Brasil, a terapia artística foi trazida pela Ada Jens, após realizar o curso com Hauschka. Em 1986, juntamente com a Sociedade Brasileira de Médicos Antroposóficos foi criado o primeiro curso de formação de Terapeutas Artísticos do Brasil. No Brasil, em 1923, Osório César, interno do Hospital Juquerí no Rio de Janeiro, começa a desenvolver estudos sobre artes dos alienados, sendo, posteriormente, criada a escola livre de artes plásticas neste mesmo hospital. Nise da Silveira, em 1946, inclui oficinas de arte na seção de terapia ocupacional no Centro Psiquiátrico D. Pedro II. Em 1952, é criado o Museu do Inconsciente. Em 1956, Nise da Silveira participa do Congresso em Zurique a convite de Jung levando uma enorme quantidade de trabalhos dos internos. Em torno de 1970, foi ministrado o primeiro curso de arteterapia na PUC por um norte-americano. Nise da Silveira em 1981, escreve seu livro "Imagens do Inconsciente". O primeiro curso de pós-graduação em arteterapia no Rio de Janeiro ocorreu em 1996. Em outubro de 1999, foi criada a Associação de Arteterapia no Rio de Janeiro. A arteterapia surge como um referente transcendente às questões relativas ao desenvolvimento de habilidades, das finalidades artísticas, de instrumentos de diagnóstico e prognóstico. Revestida de um valor técnico, visa, através da mediação de instrumentos plásticos, a expressão ou a comunicação de representações como as fantasias e sentimentos. Possibilitando, assim, um espaço para a liberação de energias psíquicas, favorecendo a expressão posterior à criação estabelecida em palavras daquilo que antes não tinha nome ou identidade e nem lugar ou espaço para manifestar-se. Tendo como finalidade a atualização da imaginação transformadora, pela qual as imagens manifestam-se de forma ativa, conectando o sujeito com novas modalidades vivenciais presentes nas imagens criadas (URRUTIGARAY, 2004, página 24). A arteterapia nasce em um momento em que as pessoas estão cada vez mais afastadas de si, de sua essência. Um tempo em que não se é possível expressar os sentimentos e muitas vezes nem tempo para sentir pode-se ter. Estamos no tempo do ter, que tudo que se quer é ter o melhor carro, a melhor casa, os melhores aparelhos eletrônicos. Enfim, estamos na era do consumismo, na era do olhar para o que o outro tem e desejar, querer tudo bem rápido e pronto. A arteterapia vem para desfazer tudo isto, vem para nos ensinar que tudo é um processo; que tem o tempo do preparar (ambiente, materiais e o próprio corpo), do fazer (a criação em si), do cuidar (do que manifestou enquanto emoção), do partilhar (relatar através de escrita criativa ou verbalização) e do esperar (compreensão/ re-significação/ evolução a partir da experiência). Por que será que não se deseja ser feliz, viver a vida autenticamente? Por que não olhar para si? Para os sentimentos? Para as próprias verdades? Para as atitudes com relação a si, aos outros, ao Universo? Qual o sentido da existência? O que estamos fazendo para que nossa vida tenha mais sentido? E o nosso corpo? Estamos cuidando dele como um templo sagrado, ou estamos só nos “entupindo” de informações negativas, de alimentos que não nos sacia? E as drogas, qual sua importância na vida das pessoas, por que „precisam‟ tanto dela? Mas o que fazer e como fazer para mudar toda essa realidade que se constrói para viver a vida? Temos que olhar com amorosidade para a criatura que nós somos. Deus nos criou a sua imagem e semelhança para sermos felizes, para vivermos a vida e no entanto não é isto que está acontecendo. Diante disto, podemos contar com a presteza da arte, fio condutor para a expressão dos sentimentos, para o encontro de si mesmo, para nos re-ligar a nossa essência, ao sagrado do nosso Ser. Arteterapia é a utilização de recursos artísticos e expressivos em busca do auto-conhecimento. É um processo desenvolvido através da expressão artística como facilitador do trabalho terapêutico e social, visando alcançar a integração de conteúdos psíquicos, trazendo maior harmonia, saúde física e emocional para a realização de metas construtivas. Fantoche 5 Desenhos - história A American Art Therapy Association (AATA) define arteterapia como sendo uma profissão assistencial ao ser humano. Ela oferece oportunidades de exploração de problemas e de potencialidades pessoais por meio da expressão verbal e não-verbal e do desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e emocionais, bem como a aprendizagem de habilidades, por meio de experiências terapêuticas com linguagens artísticas variadas. O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar a autopercepção e o desenvolvimento pessoal. (FABIETTI, 2004, página 151). Arcuri (2004, página 30) diz que a arte pode ser uma força capaz de levar o homem além do “vazio”. É uma linguagem capaz de estabelecer uma conexão com a alma e é a única capaz de compreendê-la. A arte devolve a liberdade à alma aprisionada pelo vazio, pelo medo ou ainda pelos sentimentos que não tem nome. E ela leva à concretização dos anseios da necessidade interior do ser humano. A arte traz a inteireza ao ser, a unidade, a integração mente-corpo-espírito e universo. Coloca o ser humano em contato com o sagrado. Safra acrescenta que estas questões são essenciais. A perda do sentido de sacralidade leva o homem à perda de aspectos fundamentais ao devir de seu ser. Trata-se de uma situação que, em seu extremo, pode levar à coisificação da pessoa humana, à perda da criatividade primária. O processo de cura, na situação clínica, busca o estabelecimento do sentido do sagrado mediante a recuperação da capacidade criativa. A partir dela, o indivíduo transfigura o mundo pela realidade pessoal e subjetiva (SAFRA, recuperado da web, 25/08/2007). Criar é expressar a vida. É re-significar a própria existência, é transformar o velho dando-lhe um novo sentido. É buscar novos recursos para viver e compreender a vida, para assim atuar de forma consciente, contribuindo para a evolução do mundo que o circunda. No ato da criação, a pessoa integra e compreende os diversos aspectos internos e externos que permeiam sua realidade, podendo assim resolver seus conflitos, aquilo que lhe faz sentir dor e que muitas vezes, paralisa e impedi de trilhar seu caminho pessoal. Ostrower (1989, página 10) complementa que o homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando. As técnicas de expressão ajudam o ser humano a entrar em contato com o que tem de mais íntimo, a traduzir de forma artística o que até então é desconhecido. Segundo Lazarini (2003), as técnicas artísticas em um contexto terapêutico, ajudam as pessoas que querem se conhecer a expressarem não apenas aquilo que está presente em sua consciência, mas também aquilo que está emergindo de seu inconsciente e que está à borda de sua pré-consciência. No início das atividades em arteterapia é sugerido que seja realizado um aquecimento, momento de relaxamento, meditação, trabalho corporal. Liebmann (2000, página 45) diz que o objetivo da fase inicial é o de unir as pessoas, ajudando-as a “chegar” e a relaxar antes de mergulharem em uma atividade que pode ser nova, difícil ou cansativa. Posteriormente, o ato da criação artística propriamente dito, os materiais e as técnicas devem ser escolhidas de acordo com a pessoa e com qual objetivo está sendo usado tal procedimento. Cada material tem uma função diferenciada e não pode ser usado por qualquer pessoa a qualquer momento. Na expressão livre, “os processos não-verbais assumem o primeiro plano, no qual as pessoas estão elaborando suas questões mediante a tinta, a argila” (LIEBMANN, 2000, página 52) e todos os recursos artísticos disponíveis. E em seguida, faz-se uma escrita criativa sobre a experiência. O fazer artístico provê ainda a oportunidade de em ação nos percebermos e entrarmos em contato com conteúdos antes não contatados, experimentando novas possibilidades de integração, expressão e transformação, pois, na arte, novas possibilidades podem ser experienciadas e não só imaginadas. Um novo comportamento, uma nova forma de mover-se, de expressar-se, um novo modo de organizar e reorganizar percepções: tudo isso pode ser potencialmente criado e vivido em ação (CIORNAI, 2004, página 74). Na arteterapia preocupa-se com a construção, com o desenvolvimento do potencial criativo, com a expressão de sentimentos e emoções em busca de autoconhecimento e cura. “As produções sempre deveriam estar desprovidas de valor artístico, para não estarem submetidas a julgamentos pertinentes aos padrões estéticos na arte como tal” (SILVEIRA citado por URRUTIGARAY 2004, página 23). Lazzarini (2003) contribui dizendo que ao realizar um trabalho artístico, seu autor revela uma imagem de seu mundo interno, como resultado de seu trabalho de criação, constrói uma imagem plástica, trazendo para o mundo externo e objetivo a imagem que estava internalizada e na dimensão do imaterial, em seu mundo subjetivo. Ao contemplar suas próprias obras, o autor entra em contato com características essenciais que compõe a sua identidade. Ao usar recursos artísticos, reconhece seus recursos internos, ou seu poder criativo, revigorando o sopro de vida contido em si mesmo. Após o fazer artístico, é importante que se organize a sala de modo que todas as pessoas vejam os trabalhos produzidos para apresentação dos mesmos e que todos os membros mantenham contato visual entre si. Na arteterapia não se faz interpretação, leva-se em consideração a maneira como a pessoa vê sua produção, o que quis dizer e o sentimento manifestado. Um coordenador sensível e um grupo perceptivo podem auxiliar alguém a alcançar “profundezas desconhecidas” dele mesmo, mas isso precisa ser sugerido e não apenas apresentado como um fato (LIEBMANN, 2000, página 58). A finalização da sessão deve trazer as pessoas de volta para o aqui-e-agora para que possam continuar a vida normal, para isto pode ser utilizado algum ritual, comentários sobre a sessão ou exercício de finalização. É importante que o arteterapeuta encerre a sessão com palavras positivas e motivacionais, podendo resumir toda a sessão e que agradeça a presença das pessoas. Após a finalização do encontro, o arteterapeuta deverá fazer um registro da atividade desenvolvida, da interação e do processo do grupo. Barros (1985, página 10) explica que “ser terapeuta é buscar em si o desprendimento necessário para se fazer testemunha solidária do que de mais íntimo as pessoas trazem consigo. E desta forma catalisar o encontro e a autenticação do si mesmo que existe em cada ser”. O papel do arteterapeuta é o de estimular o sujeito a criar até a finalização de sua obra, observando neste percurso, suas atividades, reações e expressões orais, durante a execução do trabalho (URRUTIGARAY, 2004, página 30) e que numa postura definida por seus pressupostos teóricos, auxiliar o paciente a enxergar e a compreender os seus próprios processos, acrescenta Carvalho (1995, página 26). É importante que o arteterapeuta tenha um trabalho de desenvolvimento pessoal intenso e constante; que experimente os materiais e que tenha domínio das técnicas a serem utilizadas em ateliê terapêutico. O apoio de um supervisor é importante porque traz um novo olhar, amplia a visão sobre o processo de desenvolvimento da pessoa. “A arte age a serviço das leis da necessidade interior, que são também as leis do chamado à espiritualidade. Assim como o corpo tem necessidade de trabalho, de fortalecimento muscular, a alma necessita ser fortalecida, e a arte é capaz de fortalecê-la” (ARCURI, 2004, página 30). É oportuno acrescentar o pensamento de Lazzarini (2003) que diz “que o fazer artístico não visa apenas a realização do potencial humano com um compromisso estético [...], mas a realização do potencial humano com um compromisso com a busca de autoconhecimento com suficiência para que a própria pessoa encontre soluções mais felizes para sua vida e seu viver”. Diante disto, a arteterapia surge para nos ajudar a encontrar o caminho rumo a nós mesmos. Para contribuir com nosso processo de estar no aqui-agora, superando as dificuldades e compreendendo a nossa dinâmica de vida. Assim, acho que a energia curadora flui em nós e brota de surpresa. E, se estamos disponíveis, ela nos moverá para a ação que é natural e harmoniosa com a nossa situação. Da mesma forma o vento tocará música numa harpa quieta... tornamo-nos um instrumento através do qual a cura pode ocorrer (O‟HARA, 1983, página 102). CAPÍTULO III “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Fernando Pessoa GRUPO DE ENCONTRO EM ARTETERAPIA O ser humano desde o nascimento vive em grupo. A família é o primeiro grupo de relação em que a pessoa é incluída. Posteriormente, no processo evolutivo social, o convívio em grupo se estende para além da família, quando a criança é inserida na escola, na igreja, e aos poucos, também vai se integrando aos grupos de amigos. Na adolescência esta pertencença passa a ser uma necessidade, os adolescentes querem ser aceitos e elegem um grupo para se inserirem. Rubem Alves brinca comparando o adolescente à maritaca, “é que eles se comportam como bando de maritacas: onde vai uma vão todas”. E neste ir acompanhando a turma é que a maioria dos adolescentes entram num caminho de retorno complicado, o caminho sombrio das drogas. A literatura que versa sobre trabalho de grupos de arteterapia com dependentes químicos em regime de internação é restrita e mesmo assim, não se encontra configuração de grupo de encontro, uma vez que a arteterapia é um trabalho novo e na maioria das vezes, a abordagem utilizada para trabalhar com dependentes químicos é a terapia cognitiva comportamental. Para falar sobre grupos de criatividade, Rogers (2002 página 6) diz que “o núcleo é freqüentemente constituído pela expressão criadora, através dos vários meios da arte, sendo o objetivo a espontaneidade individual e a liberdade de expressão”. “A finalidade do grupo é fornecer um ambiente aconchegante e seguro no qual as pessoas se sintam à vontade para revelar assuntos pessoais. O cuidado e o respeito pelos outros, por seus sentimentos e pontos de vista são prioritários” (LIEBMANN, 2000, página 37). Para conduzir um grupo é necessário primeiramente que o terapeuta goste do trabalho grupal e tenha conhecimento sobre a proposta e este decide se trabalhará com um co-terapeuta ou não. Para a escolha do local a ser realizado o trabalho grupal de arteterapia, deve-se levar em consideração o espaço da sala, iluminação, ventilação, etc. “O grupo pode ser homogêneo quanto a sua faixa etária e heterogêneo quanto a psicopatologia de seus participantes e viceversa” (OSÓRIO, 2000, página 71). No grupo de encontro realizado, não foi critério a faixa etária, porém todos eram dependentes químicos em tratamento em regime de internação. Em alguns momentos os encontros foram realizados com co-terapeuta, o que se percebeu que trouxe muita riqueza para o trabalho. O grupo pode ser aberto ou fechado. No grupo aberto as pessoas podem entrar e sair conforme desejam, enquanto no grupo fechado as mesmas pessoas se mantém durante toda a duração do grupo. Estabelece-se regras quanto ao sigilo, respeito ao próximo, pontualidade, intervalos, etc. O grupo aconteceu semanalmente no salão dentro da instituição, teve como enquadre a realização de 14 encontros, era um grupo fechado, porém nos primeiros encontros foi permitida a entrada de alguns membros, uma vez que havia tido desistência de participantes do tratamento. Rogers (2002, página 12), coloca que uma das evoluções mais freqüentes é o sentimento de confiança, que começa lentamente a construir-se, e também um sentimento de calor humano e simpatia pelos outros membros do grupo. Local onde foi realizado o grupo de arteterapia Para cada encontro o arteterapeuta preparará a atividade a ser desenvolvida, levando sempre em consideração o processo que o grupo está vivenciando. Os materiais a serem escolhidos devem condizer com a população trabalhada, o momento que o grupo está, por isto a importância do olhar e da escuta terapêutica. Todas as relações humanas podem conseguir refúgio em um grupo de encontro. Refúgio, para Luft (1998, página 566), significa “abrigo, proteção, amparo, lugar para onde a pessoa se retira em busca de proteção.” Embora, muitas vezes, possa haver alguns momentos nos quais as pessoas podem sentir dor, dificuldade de enfrentar as situações que surgem, são nestes momentos, que haverá também o crescimento. Para amenizar tal sofrimento, a pessoa poderá contar com o apoio do grupo, que sempre está aberto a acolher e abrigar um coração que chora e sorri. É esta ambigüidade, que torna o grupo mais rico, pois todas as pessoas vivenciam estes momentos na vida diária, o que possibilita aceitar, compreender e ajudar o outro incondicionalmente. Uma pessoa, quando visa se libertar por dentro, assimilando e amando simplesmente o que ela é, para ser mais, em lugar de tentar, à força, liberarse dos constrangimentos exteriores, está assumindo o conjunto da sua personalidade e daí caminha para ser mais e não para parecer mais. E vivendo assim, essa sinceridade consigo mesmo, os homens vão se encontrar, pois acima de qualquer cultura, existem tendências semelhantes emergindo de todos os homens, porque pertencem à mesma espécie. Assim reconciliam a realização pessoal e a convivência em sociedade. Visão de pessoa é visão de mundo (ROGERS, citado por QUELUZ, 1984, página 2). Nos grupos de encontro de arteterapia, as pessoas aprendem a conhecer suas limitações, suas potencialidades, a desenvolver e explorar seu potencial criativo, e conhecendo-se melhor, passa também a se respeitar mais, podendo desta forma desenvolver a pessoa que é, sem ter que mostrar o que não é para o outro. Quando uma pessoa se aceita incondicionalmente, sua verdade, enquanto pessoa, passa a ser única, não precisando mais de criar e recriar diferentes máscaras em um mesmo ser humano. É percebido no trabalho com dependentes químicos, grande carência entre as famílias, quase não há diálogo, ninguém tem direito de sofrer, de expor os sentimentos, e ao invés disto, entra o consumo exacerbado de álcool, drogas, provocando violência, desunião familiar, doenças emocionais e físicas, etc. Portanto, quando os residentes se encontram, se conhecem, começam a perceber as diferenças que existem entre eles e os diferentes costumes de vida de cada um, porém dentro de sua particularidade tem algo positivo a ser transmitido, e mesmo nas experiências negativas que tiveram no uso abusivo das drogas, essas diferenças podem vir a fortalecer a identidade de cada um e ampliar o conhecimento. “Não existe ser humano que não possa ensinar algo, mesmo quando esta seja apenas pelo fato de ter experiência de vida ou ainda somente pelo fato de ouvir com empatia o outro” (ROGERS, 2002 página 165). No grupo foi observado que a troca de experiências é importante, quando uma pessoa conta uma experiência e esta é respeitada, o outro sente-se mais à vontade para falar também de suas experiências. Ale mostrou isto claramente, era uma pessoa que não partilhava durante as atividades da instituição, dizia que não confiava nas pessoas. No grupo de arteterapia Ale começou a expressar seus sentimentos de forma natural através da produção artística. Trabalhar com pessoas em grupo de encontro é como tecer uma colcha de retalhos: cada pedacinho, cada retalho é a contribuição de uma pessoa, suas experiências, suas vivências que serão costuradas em outro retalho maior, na troca com o outro, e formando, assim, uma única colcha (grupo) de crescimento, esperança, sonhos, otimismo, alegria, vida e paz. Apesar de citar a construção de uma colcha de retalhos, na atividade em que trabalharam em grupo com pintura, a produção artística formada foi uma Bandeira Nacional. Pintura em grupo com tinta guache E o que vem a ser uma bandeira? Uma bandeira traz consigo vários significados, a começar pelo patriotismo, necessidade de pertencer a uma nação, a um povo, a um grupo. As cores carregam de simbolismo à bandeira. Na Bandeira do Brasil, o amarelo representa nossa riqueza mineral e a aventura dos bandeirantes à procura do ouro, é a imagem do sol, astro que nos garante condições essenciais de sobrevivência. O verde representa a abundância e a beleza das matas. O branco manifesta o desejo de paz. As estrelas e o azul são a representação do céu. O dístico (palavras-de-ordem-e-progresso, propostas por Ruy Barbosa) inscrito em nossa bandeira sugere o positivismo (princípio filosófico), a decisão e visão clara dos problemas: uma meta de promoção para os homens de valor. Olhando a bandeira que o grupo construiu, logo penso: qual será a riqueza que trazem consigo? o que quiseram representar ali? que significado tinha para cada um deles aquela bandeira? qual bandeira estavam arriando? Na escrita criativa da atividade, Dan comparou a bandeira com o Planalto Central, dizendo “que os governantes não estão fazendo nada para que se desenvolva a „ordem e o progresso‟ no nosso país. Que as estrelas que brilham é a força e a disposição: a vontade de viver, de vencer e a esperança de um Brasil melhor. É a garra, é a perseverança que cada brasileiro tem dentro de si. Por isso nós temos a força: só precisamos descobri-la”. Fa escreve: “... adquirir responsabilidade sobre minha alma, conseguir plantar o bem, dizer ao mundo que o amo e agradecer por todos os prazeres, me redimir do que fiz e entender o porquê do que fiz no absoluto da natureza das minhas ações. Me amar incondicionalmente e amar ao meu Deus como Ele deve ser amado. Não me deixar ser influenciado e nem pertencer aos conceitos dos outros; resgatar a minha própria maneira de pensar, e ser firme para administrar os sonhos, conquistas, prazeres, desejos, etc. Ser dono de mim, descer ao mais profundo lago e conseguir subir, ser conscientemente dono de minhas decisões e ações”. Ale diz: “Ordem faz parte da minha vida e tenho que buscá-la no amanhecer ou no anoitecer. Nessa bandeira temos as riquezas e as nossas raízes. Pintura com tinta guache Acredito que estavam arriando a bandeira de suas riquezas interiores, do encontro consigo, desvelando suas potencialidades, descobrindo sua força interna. Estavam resgatando suas raízes e desejando serem protagonistas da história de suas vidas. 3.1 – GRUPOS DE ENCONTRO Anteriormente a 1947, Kurt Lewin, psicólogo que trabalhava no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, desenvolveu juntamente com sua equipe e seus alunos um treino de capacidades humanas. Logo após sua morte, sua equipe e seus alunos realizaram o primeiro – então chamado – T-group (T significando training, treino), realizado em Bethel, Maine, em 1947. Esses grupos ensinavam os indivíduos a observar a natureza das suas interações recíprocas e do processo de grupo. E assim as pessoas tornavam-se mais capazes de compreender a sua própria maneira de funcionar num grupo e no trabalho e se tornariam mais competentes para lidar com situações interpessoais difíceis (ROGERS, 2002, página 3). Rogers (2002) explica que os Grupos de Encontro, ou grupo de encontro básico, tem como pretensão acentuar o crescimento pessoal e o desenvolvimento e aperfeiçoamento da comunicação e relações interpessoais, através de um processo experiencial. Rogers (2002), em seu livro Grupos de Encontro, não define a quantidade de participantes por grupo, nem número de horas necessárias. Os participantes se reúnem semanalmente ou somente em workshop para vivenciar experiências que buscam fazer com que cada pessoa entre em contato com sua subjetividade e se conheça um pouco melhor Rogers questiona a necessidade de um indivíduo na busca por um grupo de encontro e responde a seguinte pergunta: mas qual a necessidade psicológica que atrai as pessoas para os grupos de encontro? Creio que seja uma fonte de qualquer coisa que a pessoa não encontra no seu ambiente de trabalho, na sua igreja, e com certeza também não na sua escola ou na universidade, nem mesmo, infelizmente, na moderna vida de família. É uma fome de relações próximas e verdadeiras, em que sentimentos e emoções se possam manifestar espontaneamente, sem primeiro serem cuidadosamente censurados ou dominados; em que experiências profundas – decepções e alegrias – se possam mostrar; em que se arrisquem novas formas de comportamento e se levem até o fim; em que, numa palavra, a pessoa atinja a situação em que tudo é conhecido e aceito, e se torne possível uma maior evolução. Parece ser esta a fome poderosa que se espera satisfazer através das experiências num grupo de encontro (Rogers, 2002, página 13). Quando uma pessoa procura um grupo de encontro, nem sempre está cheia de problemas para resolver. Muitas vezes quer somente trazer sua experiência de vida para contribuir com o grupo e aprender mais sobre si mesmo. É através do outro que reconhecemos a nós mesmos. Quando um grupo se inicia, não se pode acreditar que este é vazio, sem conteúdo. Cada membro do grupo traz consigo sua história, suas crenças, seus sentimentos, a sua sabedoria interna. O grupo, por si só, cria as suas próprias direções e desenvolve suas potencialidades. Os objetivos específicos de um grupo nem sempre são iguais ao de outro. Portanto, o facilitador de grupos de encontro não dirige o movimento do grupo: ele somente facilita que o grupo caminhe de acordo com seu tempo, sua própria necessidade e possibilidade. Diante disso, Rogers (2002) afirma que, em quase todos os casos, a responsabilidade do líder é, em primeiro lugar, a facilitação da expressão dos sentimentos e pensamentos por parte dos membros do grupo. Promover um clima psicológico, para que possa desenvolver uma liberdade mútua de expressão de sentimentos reais, positivos e negativos, e um clima de confiança recíproca. Assim, cada membro caminha para uma maior aceitação do seu ser global – emotivo, intelectual e físico – tal como ele é, incluindo suas potencialidades. Uma pessoa, quando busca um grupo de encontro, tem como objetivo principal encontrar caminhos para a relação com os outros membros do grupo e consigo próprio (ROGERS, 2002, página 10). Rogers (2002, página 15) diz, ainda, que os grupos de encontro conduzem a uma maior independência pessoal, a menos sentimentos escondidos, a maior interesse em inovar, e a maior oposição à rigidez institucional. Por isso, se uma pessoa receia qualquer forma de mudança, receia justamente os grupos de encontro, que produzem a mudança construtiva. Esse receio a mudanças foi claramente exemplificado pelos residentes que desistiram do tratamento e do grupo de encontro de arteterapia. Ficam os questionamentos: será que estas pessoas não estavam preparadas para encontrar consigo próprias? será que ainda não estavam prontas para escolher a vida sem drogas? será que a forma de condução do grupo ou o tratamento na instituição, como um todo, não os atraiu? ou, ainda, será que é tão difícil aceitar quem realmente são e, que precisam assumir a responsabilidade pela própria vida? Inicialmente, nos grupos de encontro, os participantes têm certo receio para falar de si. Não se abrem como gostariam e não se mostram verdadeiramente como são. Depois, ao longo dos encontros, eles percebem que o que mostravam eram fachadas, máscaras, e que não precisam mais usá-las, pois, ao se conhecerem melhor, criava-se um sentimento de confiança, de respeito e de calor humano, e passavam a perceber que quanto mais se mostrassem verdadeiros, mais aceitos seriam pelo grupo. Quando as pessoas começam a se conhecer mais profundamente e a tomarem conhecimento da existência do outro, elas passam a se relacionar melhor com outras pessoas e a enfrentarem as diferentes situações da vida diária. Quando Ale chegou à Comunidade era bastante introspectivo, e não partilhava seus sentimentos. Mas aos poucos foi se soltando, pois, a partir do momento que se sentiu aceito pelo grupo, estabeleceu-se a confiança, e ele se sentiu mais fortalecido, acreditando poder se expressar verdadeiramente. Rogers (2002) propõe que os grupos de encontro apresentem uma forma de processo numa ordem de seqüência pouco elaborada, não sendo rigorosamente seguida tal qual se apresenta: 1. Fase de hesitação, de andar à volta Neste momento os participantes do grupo não se conhecem. Irão passar algum tempo juntos e ainda não se sentem à vontade para começar a falar, e o silêncio pode permanecer por algum tempo. Mas lentamente a conversa, mesmo que embaraçosa, vai se desenrolando. Nos primeiros encontros, observou-se a desunião estrutural do grupo. Por ser grande o espaço, cada um sentou-se em um canto. Quanto à partilha, não tiveram muito receio: apresentaram-se falando de sua vida no uso intensificado da droga. Não nos aprofundamos no assunto. Na arteterapia é importante que se inicie o trabalho de grupo com atividades mais suaves, até que os participantes conheçam a dinâmica grupal. “Minha vida lá fora não era mole não. Arrumei um „trampo‟, pitei tudo que ganhei, roubei para fumar. Minha mãe falava que eu tinha que me internar. Morava quase que só na rua, ficava uns cinco dias fora de casa. Voltava só pra tomar banho e saía para fumar. Tenho 10 anos nesta vida. Tenho dois filhos” (Dan). No relato dos residentes, no primeiro encontro, fica claro a importância de se resgatar a identidade, uma vez que na rua, no “mundo da droga” são chamados por codinome e perdem qualquer referência. Nos dois primeiros encontros foram trabalhados a confecção do crachá e o totem pessoal. Totem pessoal 2. Resistência à expressão ou exploração pessoais O grupo ainda não estabeleceu o vínculo. Não exploraram a confiança. O grupo se apresenta desconfiado, receoso; mostrando somente o “eu” exterior, e tem dificuldade de se abrir. O grupo apresentou pouca resistência. Os integrantes demonstraram ter facilidade de falar de sua vida, no que se refere ao uso de drogas. Porém percebe-se que a expressão não se refere aos motivos e aos sentimentos que os levaram a fazer uso de drogas. Este talvez seja o verdadeiro motivo de cada um deles estar em busca de um tratamento: conhecer os próprios sentimentos e aprender a lidar com eles. 3. Descrição de sentimentos Rogers (2002) diz que há ambivalência quanto à confiança no grupo e ao risco de se abrir. Os membros do grupo descrevem sentimentos do passado e agem como se fossem externos ao grupo. Na apresentação do fantoche Fa disse: “Vou contar um pouco de minha história: fui apaixonado, desde pequeno, por futebol. Ganhei uma camisa do flamengo, e a partir daí comecei a jogar no clube. Me destaquei no time, em minha casa as coisas estavam bem melhor, eu era muito bajulado”. Posteriormente, Fa relata que não queria basear-se em fatos reais, porque senão ia choramingar. Também achava difícil falar de si. 4. Expressão de sentimentos negativos Rogers (2002) se pergunta: será o grupo realmente um lugar em que posso ser eu próprio e exprimir-me positiva e negativamente? será um lugar realmente seguro, ou me arrependerei? Rogers continua seu pensamento afirmando, [...] que os sentimentos profundos positivos são muito mais difíceis e perigosos de exprimir do que os negativos. Se digo que te amo fico vulnerável e exposto a mais terrível rejeição. Mas se digo que te detesto, fico quando muito, sujeito a um ataque de que posso defender-me. Sejam quais forem as razões, estes sentimentos negativos tendem a ser o primeiro material „aqui e agora‟ (2002, página 23). Talvez seja essa a razão pelo qual os residentes apresentaram de forma tão “tranqüila” o seu passado. Nos primeiros encontros contavam tudo que já fizeram na vida ativa6, como se quisessem primeiramente “testar” as terapeutas para ver se suportariam a realidade deles e que pudessem confiar no grupo, como um todo. Na minha experiência com dependentes químicos, vivenciei esta situação várias vezes. Percebi que fazem isto com toda a equipe de trabalho e que após esse “teste”, passam a confiar e se expressam mais livremente. O papel do arteterapeuta é justamente este: “ser para o outro aquilo que ele precisa”. O dependente químico precisa de alguém que lhe seja continência, que suporte suas dores e seus sofrimentos; que o aceite com uma atitude empática incondicional. Parafraseando Clara Feldman de Miranda: Quando todos parecem conspirar contra você, quando o mundo parece desabar ao seu redor, 6 Período em que estão fazendo uso da droga haverá ainda um lugar aonde ir. Lá você pode sentir e chorar e falar da dor e esvaziar o peito de mágoa. Lá é trégua de guerra, é refúgio tranqüilo, é porto seguro. Vem e ancora aqui seu coração. (Refúgio) 5. Expressão e exploração de material com significado pessoal Neste momento começa a desenvolver um clima de confiança. A tensão não se faz mais importante; os membros do grupo começam a se mostrar, e a permitir que o outro o conheça mais intimamente. Inicia, então, o que um membro do workshop de Rogers chamou de viagem ao centro do eu. “Achei bom apresentar meu fantoche. Vou quebrando barreiras. Não gostava de falar perto de ninguém. Foi bom falar sobre a minha pessoa. Algumas coisas me incomodam, outras já são mais fáceis de falar (Cl). Esta é uma atitude de confiança em relação ao grupo. Já num primeiro momento se estabeleceu uma relação empática entre as arteterapeutas e os participantes do grupo 6. Expressão de sentimentos interpessoais imediatos no grupo. Os membros do grupo de encontro geralmente exprimem os sentimentos experienciados com relação a outro membro. Esta situação acontece dentro de um clima de confiança. É bastante comum esta situação em comunidade terapêutica, uma vez que se valoriza muito a troca de experiência e a honestidade entre as pessoas, para que as divergências não prejudiquem o relacionamento do grupo. É natural, também, relatarem casos em que tiveram vontade de brigar com uma determinada pessoa e depois, em uma atividade qualquer de grupo, pedir desculpas, reconhecendo o erro. E, às vezes, chegam até mesmo a agradecer por aquela pessoa ter-lhe mostrado algum aspecto importante sobre si mesmo: precisamos do outro para nos reconhecer. 7. O desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no grupo O ser humano tem uma capacidade natural para compreender, acolher e ajudar o outro, constituindo uma relação de afeto. Muitas vezes, em grupos de encontros, far-se-á necessário colher um membro do grupo. Quando este membro é acolhido, sente-se livre para expressar seus sentimentos mais verdadeiros. Em todos os encontros, os participantes procuraram ajudar o outro, com opiniões e com a troca de experiência. Uma vez por mês os familiares e amigos os visitam na instituição. Dá e Cl são irmãos e não recebem visitas de nenhum familiar. Dá comenta que gostaria de receber, que se sente desprezado pela família. Em momentos assim, o grupo acolhia, dizendo que no próximo domingo de visita é para ficar junto à família deles. Quando uma pessoa é acolhida e respeitada num grupo, a tendência é sentir-se fortalecida e mais confiante em si mesma. Outros momentos de relação de ajuda aconteceram durante as atividades, na construção das produções artísticas. Sempre estavam opinando e ajudando o outro. Cl, por ter mais habilidade, ajudou outros participantes em vários momentos. Mandalas de areia 8. Aceitação do eu e começo da mudança Rogers (2002) reconhece que a auto-aceitação é o começo da mudança. Quando uma pessoa se aceita tal como é, com forças, fraquezas, limitações e potencialidades, entra em contato com sua verdade e autenticidade. Encontrando-se, então, com seus sentimentos mais verdadeiros e abrindo-se assim para que a possibilidade da mudança ocorra em si próprio. Para ilustrar essa etapa do grupo de encontro, foi escolhido um momento em que a atividade proposta foi a escrita de uma carta para si, para sua criança interior, e, posteriormente, fazerem um ninho, no qual pudessem se acolher. Nesta carta, Di falou de todos os defeitos de caráter que tinha descoberto: sempre se mostrou introspectivo para falar dos seus sentimentos e raramente assumia seus defeitos. Construção do ninho Entrar em contato com nossas dificuldades e imperfeições é o primeiro passo para que as mudanças aconteçam. Reconhecemos que seja um momento doloroso, porém inevitável. Somente a partir da tomada de consciência que podemos transformar e re-significar a própria estória. 9. O estalar das fachadas Em algum momento do encontro, os membros deixam suas máscaras e fachadas se esvaírem. Rogers (2002, página 33) afirma que o grupo exige que o indivíduo sejam eles próprios; que não escondam os seus sentimentos comuns; que retirem as máscaras do convívio social. O grupo é, por vezes, violento, ao rasgar uma fachada ou defesa. Mas, por outro lado, pode também ser delicado e sensível. Durante todo o período do grupo de arteterapia, Dan conversava muito e fazia críticas aos outros residentes da instituição, e algumas vezes criticava as produções artísticas de outro participante. Por diversas vezes o grupo chamou-lhe a atenção para seu comportamento, para que olhasse para sua vida, ao invés de olhar para os problemas e defeitos alheios No cronograma de atividades das comunidades terapêuticas há um trabalho chamado Grupo de Confronto, o qual tem como finalidade “o estalar estas fachadas”, momento aberto para que todos os residentes façam “críticas” sobre a pessoa que está em destaque, possibilitando que ela tome consciência de seus erros, reconheça a necessidade da mudança e, assim, tenha a possibilidade de mudar o comportamento com relação a si e aos outros. 10. O indivíduo é objeto de reação (feedback) por parte dos outros. O feedback dos membros do grupo pode ser tanto positivo quanto negativo. Rogers (2002) exemplifica o caso da mulher que manifesta um desejo de certo modo excessivo de ajudar os outros. Dizem-lhe abertamente que alguns membros do grupo não a querem para mãezinha. Rogers afirma que essas situações, apesar de serem desagradáveis, podem ser altamente construtivas, se estiverem enquadradas no contexto. No grupo de arteterapia percebe-se que os participantes muitas vezes se acolheram, porém o feedback ficou por conta das arteterapeutas. Por diversas vezes, procuramos mostrar o quanto o grupo estava crescendo. Ale surpreendeu quando começou a falar de si, do que já tinha feito na sua vida, pois desde o início de seu tratamento não partilhava com o grupo, e ao final já conseguia reconhecer que recebia ajuda das pessoas e agradecer-lhes por isto. “Agradeço a Deus, a Adriana e aos meus companheiros de caminhada”. 11. Confrontação Há momentos no grupo de encontro em que um indivíduo realmente se confronta com outro membro. Muitas vezes essa confrontação é nitidamente negativa. Rogers (2002) explica que quando se confronta com algum membro do grupo, usa, freqüentemente, material bastante específico, fornecido previamente pelo participante. Não houve nenhum momento de confrontação negativa neste grupo de encontro. Somente o já citado anteriormente, sobre as falas “desnecessárias” de Dan. 12. Relações de ajuda fora das sessões de grupo. Ocorrem quando, mesmo fora do grupo, a relação de ajuda continua. Dá-se quando um indivíduo do grupo está com algum problema pessoal e os outros membros o acolhem, oferecendo apoio, tornando-se disponíveis para o outro. Durante o grupo de arteterapia, não foi manifestado nenhum comentário em que tenha ocorrido esta relação de ajuda fora dos encontros. Porém, em comunidade terapêutica isso acontece constantemente. A própria proposta do tratamento é sustentada na fraternidade, na troca de experiência e na ajuda mútua. No dia em que trabalhamos com argila, Cl trouxe a preocupação com seu irmão que havia desistido do tratamento. O grupo procurou ajudá-lo a entender que ele havia tido a oportunidade, e que preferiu continuar usando drogas e que Cl tinha que pensar era em seu próprio tratamento. Oficina: diálogo com o barro No dia do encerramento do grupo, que aconteceu fora da comunidade terapêutica, foi possível perceber o quanto os membros estavam unidos. Em todos os lugares que passeavam, estavam em companhia de outro residente. Principalmente Di, por ser a primeira saída de resocialização, demonstrava estar bastante ansioso: estar com outro residente ajuda a fortalecer. 13. O encontro básico Quando um sentimento negativo é manifestado francamente, a relação desenvolve-se e esse sentimento é substituído por uma compreensão profunda do outro. Deste modo, ocorre uma mudança autêntica, quando os sentimentos são experienciados e expressos no contexto da relação (ROGERS, 2002, página 40). No workshop “Oficina: diálogo com o barro”, Dan expôs uma situação que havia vivenciado dentro da instituição, em que o coordenador havia desconfiado dele, deixando-o bastante magoado e enraivecido com isso. Durante vários momentos do grupo, Dan voltou ao assunto. Os outros residentes o acolheram, dizendo que “deixasse para lá”, porque quando eles estiverem na rua, estariam vivendo situações semelhantes e que essa era uma oportunidade para aprender a lidar com esse tipo de problema, e que, na maioria das vezes, esses fatos aconteceriam dentro de sua própria casa. Ao final do workshop, Dan se manifestou, concordando com a fala dos companheiros de caminhada. Dan se mostrava na arte. Um dia após esse workshop, Dan brigou com outro residente e recebeu alta administrativa. ninho de cobra 14. cogumelo serpente Expressão de sentimentos positivos e intimidade Rogers (2002) propõe que se os sentimentos forem expressos e puderem ser aceitos numa relação, resultam em intimidade e sentimentos positivos. Assim, com a continuação dos encontros, estabelece-se uma sensação crescente de calor humano, espírito de grupo e confiança, a partir não só de atitudes positiva, como também de uma verdade, tanto positiva quanto negativa, que inclui o sentimento. A relação entre os participantes e as facilitadoras foi positiva. Houve grande aceitação de ambas as partes. Foi uma relação de carinho e respeito, o que permitiu que houvesse o encontro, que trouxe consigo possibilidades de mudanças. Citando a Oração da Gestalt de Perls: “Eu faço as minhas coisas, você faz as suas. Não estou neste mundo para viver de acordo com suas expectativas. E você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas. Você é você e eu sou eu. E se por acaso, nos encontrarmos, será lindo. Se não, não há nada a fazer”. 15. Mudanças de comportamento no grupo Muitas mudanças são percebidas durante o processo dos grupos de encontro, as pessoas se sentem mais livres, mais espontâneas, mais verdadeiras com seus sentimentos. Rogers (2002) descreve que os indivíduos mostram uma capacidade de solicitude e ajuda uns para com os outros, podendo-se dizer que as pessoas aprendem a escutar, a confiar, e a acreditar no outro enquanto ser humano, e enquanto ser em constante evolução. No último encontro, todos chegaram juntos. Na sala estavam expostas todas as produções artísticas que fizeram. Apresentavam um olhar de admiração, e comentaram que nunca se imaginaram fazendo aquelas coisas. Disseram que a arteterapia os ajudou a terem mais paciência, a acreditarem que tinham habilidades para a construção de coisas bonitas, que a criação de produções artísticas era uma estratégia para aliviar sintomas de angústia e ansiedade. O grupo relembrou todas as pessoas que o iniciaram. De onze integrantes, sobraram somente quatro. Consideraram, também, que precisam ter persistência e determinação para dar continuidade à sua caminhada. Último encontro – exposição das produções Mandala de sementes Pensando nessas mudanças, é oportuno citar Rogers (1961): o indivíduo parece mover-se, com conhecimento e atitude de aceitação, na linha de ser o processo que internamente e atualmente é. Afastar-se de ser o que não é: uma fachada. Não procura ser mais do que é... nem menos do que é... É gradativamente mais atento às profundezas do seu ser fisiológico e emocional, com desejo sempre maior e em maior profundidade de ser aquele self que realmente é (JUSTO, 1987, página 107). É importante que o arteterapeuta tenha uma escuta verdadeira de cada indivíduo. Quer a expressão seja superficial ou significativa, a compreensão é necessária para que o indivíduo se sinta livre para expressar seus sentimentos e sentir-se valorizado. O respeito pelas pessoas e pelo próprio grupo, vivendo este momento de interação como ele se apresenta, facilita para que este se torne mais expressivo, mais espontâneo, e manifeste resultados positivos durante os encontros. Rogers (2002) ressalta seu gosto quando o indivíduo sente que o que quer que aconteça, este estará com ele, seja psicologicamente, nos momentos de sofrimento ou alegria, ou na combinação dos dois, o que é sinal freqüente de crescimento. Quando uma pessoa se sente ouvida, percebendo que o terapeuta e o grupo estão dando importância ao que ela está dizendo, então passa a dar credibilidade ao grupo e, assim, sentese segura para expor seus mais verdadeiros sentimentos. O facilitador de grupo de encontro deve aceitar o indivíduo, da maneira como ele deseja e tem condições de se mostrar, deixando que o participante se envolva com o grupo do modo que lhe convém e dentro de sua disponibilidade interna. Às vezes o indivíduo não quer participar ativamente de uma discussão qualquer, ou não quer expor seus sentimentos verdadeiramente. Faz parte do papel do facilitador respeitar este momento, “compreender o significado exato daquilo que a pessoa está comunicando” (ROGERS, 2002, página 60). Pode ser que, em uma situação oportuna, o próprio grupo não permita que a pessoa se mantenha nesta posição de “passividade”, e cobre uma mudança de tal indivíduo. E é neste momento que o grupo pode ser violento. Nos grupos de encontros semanais, preferivelmente, pode acontecer que um membro do grupo, ao ser cobrado em relação à mudança, não resista à pressão, podendo chegar a abandonar o grupo. É importante lembrar que quando o indivíduo se sente aceito pelo grupo e pelo facilitador, torna-se mais fácil para este atuar e agir em sua vida de acordo com o que sente e o que acredita. Da mesma forma, “quando o facilitador é aceito pelo grupo autenticamente, seus próprios sentimentos – positivos e negativos – entram em relação imediata com os de um participante. Comunicando-se num nível mais profundo de significação pessoal e autenticidade” (ROGERS, 2002, página 63). Houve momentos nos quais os participantes não mostravam interesse em estar participando, no grupo, por estarem cansados. Mas sem pressionar e conduzindo com calma e amorosidade, começavam a entrar no processo do grupo e participavam ativamente. Na atividade do Procedimento de Desenhos-Estórias de Walter Trinca (1987, página 17), no qual são produzidos 5 desenhos, Di se mostrou resistente: ao final do tempo ainda não tinha terminado e disse que aquela terapia tinha sido muito boa. Que estava relaxado. É necessária a espontaneidade no processo de grupo de encontro, apesar de serem previamente planejadas as atividades dos encontros, estas podem ser redimensionadas para atender as necessidades do grupo no aqui-agora. Rogers (2002) ressalta que, nada do que acontece com verdadeira espontaneidade pode ser considerado um “truque”. Por isso, pode-se utilizar a representação de papéis, o contato corporal, o psicodrama e vários outros processos quando parecem exprimir o que se está realmente sentindo na ocasião. Pode-se valer também do movimento e do contato físico para manifestar os sentimentos próprios ou com relação a um membro do grupo. Neste grupo, foram utilizadas técnicas de expressão artística e corporal para que o desenrolar do grupo acontecesse. As atividades artísticas possibilitam que as pessoas entrem no processo do grupo mais rapidamente, já que às vezes é difícil falar de si mesmo, espontaneamente. Fantasia dirigida e mandala com giz pastel Rogers (2002), afirma que, quando uma pessoa descobre que é amada pelo que é, e não pelo que pretende ser, através das máscaras atrás das quais se esconde, então começa a sentir que é realmente uma pessoa digna de respeito e amor. É isto que a põe em contato com os outros e a mantém nesse contato. Esta abertura para perceber o sentimento do outro com relação a si, só é possível quando a pessoa passa pelo processo de aceitação. Aceitação significa ter um respeito básico por quem somos. Se pudermos acreditar que temos dentro de nós mesmos os recursos naturais para vivermos uma vida rica e harmoniosa, e que temos na profundidade de nosso ser uma fonte inesgotável de sabedoria, criatividade e compreensão humana, torna-se mais fácil também aceitar os nossos limites (BOWEN, 1982, página 6). Rogers (2002) diz que, num clima de liberdade e facilitação, os membros do grupo se tornam mais espontâneos, flexíveis, mais intimamente empenhados nos seus sentimentos, abertos a experiências; mais forte e expressivamente íntimos nas relações interpessoais. Este é o tipo de ser humano que parece emergir de uma experiência como as de grupo de encontro. Foi possível perceber esta afirmação no grupo, visto que os participantes se sentiam muito à vontade com as arteterapeutas: conversavam abertamente de assuntos do dia-a-dia, sem aquela tensão de estar conversando com as „psicólogas‟. As mudanças como conseqüência de um grupo de encontro aparecem nitidamente nos participantes, embora alguns deles possam passar pelo grupo sem serem tocados, ou, ainda, as vivências fazerem sentido somente algum tempo depois. Rogers (2002) afirma que o grupo de encontro possibilita às pessoas a mudança de seus conceitos em relação a si mesmos, percebendo e encontrando possibilidades completamente novas para suas vidas, resignificando a relação e a comunicação com o cônjuge, com os filhos e com colegas de trabalho, passando, dessa forma, a exprimir seus sentimentos verdadeiros. A partir das mudanças internas da pessoa, as pessoas à volta são beneficiadas, indiretamente. Rogers (2002) afirma que o grupo de encontro pode ser uma tentativa para que o indivíduo possa enfrentar e superar o isolamento e a alienação da vida contemporânea. As relações humanas estão se tornando cada vez mais difíceis. Dia a dia vai se perdendo mais o contato com o outro, e, através dos grupos de encontro, abrem-se possibilidades para o envolvimento com o outro e para consigo mesmo, respeitando e conhecendo mais intimamente o outro e a si próprio. No tratamento de dependência química, é bastante incentivado que as pessoas, mesmo após o tratamento, continuem participando de trabalhos grupais. Os grupos de apoio NA (Narcóticos Anônimos) e AA (alcoólicos Anônimos) são os mais procurados. Percebe-se que as pessoas que estão freqüentes nos grupos de apoio, são as pessoas que se mantêm sóbrias. É comum as pessoas que deixaram de participar dos grupos informarem que retornaram ao uso da droga, quando retornam para o tratamento. Segundo Justo (1987), à medida em que a pessoa consegue desenvolver a confiança em si mesma, torna-se original, criativa em sua esfera: será capaz de cultivar seus valores e aceitar calmamente eventuais discordâncias. A partir desta confiança, Rogers (1967) afirma: Move-se na direção de ser pessoa - que aceita e mesmo aprecia os próprios sentimentos; - que valoriza as camadas profundas de sua natureza e confia nelas; - que encontra força no fato de ser uma individualidade única; - que vive valores experienciados por ela mesma (JUSTO, 1987, página 107). Rogers (2002) acredita, ainda, que atualmente os grupos de encontro são o melhor instrumento para curar a solidão que prevalece em tantos seres humanos. Esse autor afirma a verdadeira esperança de que o isolamento não precisa ser o tom das nossas vidas individuais. Percebe-se, entre os dependentes químicos, a dificuldade de lidarem com a solidão, sendo este um fator que leva a pessoa a retornar o uso de drogas. Eles brincam que “um adicto sozinho está mal acompanhado”. O viver em família, em comunidade, em relação com o outro é, e sempre será, o meio mais humano e mais gratificante de se relacionar com o mundo e experienciar o amor verdadeiro, que deveria ser a única razão de toda a existência humana. CONSIDERAÇÕES FINAIS “... o mundo ordenado não significa a ordem do mundo. (...) o homem se torna EU na relação com o TU... Somente aquele que crê no mundo pode ter algo a ver com o mundo. Se ele se arrisca nele, não permanece privado de Deus. Se amamos o mundo atual, que quer deixar-se abolir, realmente, em todos os seus horrores, se ousamos enlaçá-lo com os braços de nosso espírito, então nossas mãos encontrarão as mãos que suportam o mundo. Nada sei sobre o „mundo‟ e sobre uma „vida no mundo‟ que separe alguém de Deus (...). Aquele que verdadeiramente vai ao encontro do mundo vai ao encontro de Deus. É necessário se recolher e sair de si, realmente os dois o “um-e-outro” que é a unidade”. Martim Buber No trabalho apresentado, acredito ter conseguido alcançar os objetivos com relação à explanação, de forma abreviada, sobre o funcionamento de uma comunidade terapêutica, sobre as drogas e sobre o aprimoramento profissional desenvolvido com os dependentes químicos, no grupo de encontro de arteterapia. O trabalho em grupo de encontro arteterapêutico realizado teve como finalidade verificar a possibilidade da inserção da arteterapia no tratamento de dependentes químicos em comunidade terapêutica. Objetivou-se verificar se a arteterapia contribuiria para que o dependente químico descristalizasse os sentimentos, se melhoraria sua auto-estima, se ajudaria a diminuir a ansiedade, para que pudesse fazer escolhas, e se o grupo arteterapêutico contribuiria para que ele descobrisse seu potencial criativo. O trabalho artístico favorece o contato com os aspectos mais positivos de cada um porque por meio dele podemos entrar em contato com nossa própria beleza, nossa própria força e sensibilidade. Ao criar beleza, harmonia, delicadeza a pessoa entra em contato com estas qualidades em si; ao expressar raiva, revolta e indignação, a pessoa percebe a força do seu poder pessoal.e ao dar expressão ao ser poder criativo, as pessoas ficam não só orgulhosas do que fizeram como revelam-se a si mesmas, passando de uma atitude de autocrítica a uma atitude bem mais positiva de curiosidade sobre si mesmas. Isto faz do processo criativo e da atividade artística em arteterapia um meio de crescimento pessoal que permanentemente nos encanta e fascina (CIORNAI, 2004, página 82). O importante é que a transformação de uma pessoa pode mudar todo o seu ambiente de convivência, e assim por diante. É como uma teia. O que se espera é que essa teia da vida seja também uma teia pela vida. E nesta construção, o arteterapeuta tem grande parcela de responsabilidade, bem como condições de contribuir para que o desenrolar dessa teia seja de mais respeito por si, pelo outro e por todo aquele que acredita na possibilidade de um mundo mais digno para se viver. A pessoa quando tem o despertar do ser humano que realmente é, descobre suas potencialidades, possibilitando que a vida aconteça dentro de si. É quando se percebe que se pode também “construir e não só destruir”. “Depois da arteterapia eu descobri que tenho habilidades pra fazer as coisas, que tenho criatividade e uso as coisas que aprendi aqui para aliviar” (Cl). Durante o aprimoramento profissional, às vezes me perguntava se o grupo estava gostando, se estava surtindo efeito, se eu estava conseguindo escutar a necessidade dos residentes. Porém eles mesmos traziam a resposta, como, por exemplo, “é a melhor atividade que há na comunidade”, “com a arteterapia eu fico mais calmo”, “me ajudou a ter mais paciência”, “encontrei uma atividade para fazer para aliviar ansiedade”. E, assim, estou aprendendo sobre a importância do processo, e também que “os objetivos e os pontos finais importam menos e aprender é mais urgente do que acumular informações. Desejar é melhor do que conservar. Os meios são os fins. A viagem é o destino” (FERGUSON, 1980, pág. 86). Esta foi uma viagem linda, com diferentes paisagens, e a cada parada surgiram novas descobertas, surgiram obstáculos, porém estes somente contribuíram para a minha aprendizagem, para que eu pudesse transcender as infindáveis possibilidades humanas. A arteterapia proporcionou-me também olhar para o outro (dependente químico) como um ser criativo, com infinitas possibilidades de criar e recriar a própria existência. Em uma entrevista, perguntaram para Ciornai (1995, página 16), “a arte cura?”. Ela respondeu: "acho que não é a arte que cura. A arte ajuda, facilita, oferece caminhos, mas o que cura mesmo é a relação. Quando as pessoas estão numa relação de acolhimento, de aceitação, de estímulo à criatividade do outro, isso favorece processos de cura”. Quando a pessoa se dispõe a encontrar com o outro, a entrar em um processo de descoberta de si, a experimentar o novo, a desenvolver seu potencial criativo, ele toma consciência do ser que é, descobre seus aspectos internos e olha para a vida com os “olhos do espírito”. Não temos que “consertar” nada. Nossos clientes consertar-se-ão por si próprios se pudermos aprender a estarmos presentes com relação a nós próprios, a eles e a nossos grupos, nesse estado de entregarmos ao que quer que brote em nós. Nossos companheiros humanos nos necessitam não pelo que podemos fazer, mas pelo nosso essencial ser, pela nossa natureza. Necessitam de nós para trazermos nossa energia à sua jornada, que, no momento, é muito difícil de ser empreendida a sós. Precisam de nós para que testemunhemos os eventos que estão vivendo, e para sermos pelo menos um outro, de tal forma que a união com o universo possa ser possível (O‟HARA, 1983, página 102). Este grupo de encontro de arteterapia é a sementinha que fora plantado na Comunidade Terapeutica, não tendo este a pretensão em esgotar o estudo, nem a de tê-lo como única verdade a ser seguida. Mas espero que este trabalho, em sua simplicidade, possa despertar o leitor para as infinitas possibilidades de se contribuir com a transformação de um ser humano, para a construção de melhores relações familiares, de melhores comunidades terapêuticas, e que dediquem aos dependentes químicos e às suas famílias com amorosidade. O‟Hara (1983, página 102) nos ensina que a ponte de volta à raça humana para aqueles que se sentem isolados (o que nos inclui num momento ou noutro) é o amor. Quando cessam o julgamento e a comparação, o amor que existe aceita que somos sem culpa, que somos perfeitos como somos. Perfeitos como esta mandala construída pelo grupo no último encontro. Mandala de sementes Sendo, assim, deixa-se aqui a possibilidade de um estudo posterior, para que o presente assunto receba atenção e desenvolvimento que possa vir a contribuir com mais pessoas que estão no uso de álcool e drogas, com as famílias e com as comunidades terapêuticas, como mais um recurso terapêutico para ser utilizado no tratamento de dependência química. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCURI, Irene. Arteterapia de Corpo e Alma. In: Arteterapia de corpo e alma. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. BASSO, Theda e PUSTILNIK, Aidda. Corporificando a Consciência: teoria e prática da dinâmica energética do psiquismo. São Paulo: Instituto Cultural Dinâmica Energética do Psiquismo, 2000. BLEGER, José. Psico-Higiene e Psicologia Institucional. Trad. Emília de Oliveira Diehl. 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ANEXO 12 Passos dos Narcóticos Anônimos 1 – Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis. 2 – Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à sanidade. 3 – Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós O compreendíamos. 4 – Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos. 5 – Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das nossas falhas. 6 – Prontificamos-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter. 7 – Humildemente pedimos a Ele que removesse nossos defeitos. 8 – Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado, e dispusemo-nos a fazer reparações a todas elas. 9 – Fizemos reparações diretas a tais pessoas, sempre que possível,exceto quando fazê-lo pudesse prejudicá-las ou a outras. 10 – Continuamos fazendo o inventário pessoal e,quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente. 11 – Procuramos, através de prece e meditação, melhorar o nosso contato consciente com Deus, da maneira como nós O compreendíamos, rogando apenas o conhecimento da Sua vontade em relação a nós,e o poder de realizar essa vontade. 12 – Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos, procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.