O Financiamento Público de Eventos Religiosos
A Lei Municipal n. 5.092/2012 instituiu no Município de Campo
Grande a Quinta Gospel, na Praça do Rádio Clube, dispondo que esta será realizada na quintafeira que antecede a noite da seresta, utilizado a mesma estrutura que é utilizada na noite da
seresta. A lei determinou ainda que o evento deve ser realizado com artistas nacionais e
regionais.1
O termo “gospel” originário da língua inglesa se refere a musica
religiosa, especialmente relacionada às religiões cristãs, contudo, algumas traduções não
fazem tal limitação, se referindo a musica religiosa em geral.
Portanto, a princípio a Lei 5.092 não demonstrou claramente
haver um direcionamento para a escolha dos artistas de determinadas religiões, menos ainda
esclareceu qual seria a estrutura a ser utilizada, ou seja, quais recursos públicos seriam
despendidos. Assim, certo é que foi instituída a realização de um evento religioso em uma
praça pública, tão somente.
Neste contexto, mais importante do que o texto da lei, é analisar a
prática que foi adotada pela administração municipal em seu cumprimento.
Dos contratos publicados no DIOGRANDE (Diário Oficial de Campo
Grande – MS), observa-se que desde a instituição da Quinta Gospel a Prefeitura Municipal
contratou pelo menos 11 (onze) grupos de artistas religiosos, com o pagamento de
remuneração que variou de R$ 25.000,00 a R$ 52.250,00. Apenas com a contratação de
artistas o gasto público é de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais).
Não se pode esquecer que a cultura deve ser incentivada pelo
Estado, e que a musica em geral eventualmente retrata temas religiosos, não havendo razão
para restringir a participação em eventos culturais de artistas que abordem, ainda que de
modo mais explicito em suas músicas a religião. Entretanto, no caso da Quinta Gospel, o
evento é restrito a artistas de determinadas religiões e que pregam a doutrina destas em suas
musicas, ou seja, trata-se de evento de cunho especificamente religioso em favor de religiões
determinadas.
No mesmo sentido, não implicaria em irregularidade o uso
eventual de espaço público para eventos de qualquer religião, e até mesmo a atuação da
administração pública, através dos seus órgãos de segurança e saúde, para garantir o bem
estar dos fiéis durante tais eventos, pois estas são atribuições do Estado.
No caso em comento, porém, trata-se de verdadeiro evento
religioso, de religião determinada, não se tratando de evento cultural. Por outro lado, a
atuação da Prefeitura de Campo Grande não é limitada à cessão do espaço público e apoio na
segurança e atendimento de saúde dos fiéis, mas é a própria administração pública municipal
que organiza, realiza e paga todos os custos do evento religioso.
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PÁGINA 3 - segunda-feira, 23 de julho de 2012, DIOGRANDE n. 3.566.
Recentemente, o assunto ganhou atenção do público em geral,
após a notícia de que a Prefeitura Municipal negou o pedido de inclusão de artistas de religiões
não cristãs na Quinta Gospel, afirmando que o espaço é apenas dos evangélicos.
Alguns, buscando justificar a posição dos gestores públicos,
defendem a criação de outros eventos para contemplar as demais religiões. Desta forma,
tentam estabelecer espécie de igualdade, de modo que todas as religiões seriam
contempladas com a subvenção da Prefeitura de Campo Grande.
Todavia, entendo que o mais indicado não seja estender ou
incentivar a realização de outros eventos religiosos patrocinados com recursos públicos, mas
sim interromper o uso de recursos públicos, para a estrita observância da Constituição Federal.
Os eventos religiosos podem continuar, mas devem ser custeados pelas organizações
religiosas, que recebem donativos de seus fiéis e são beneficiados pela imunidade tributária.
Isto porque, ainda que incentive a liberdade religiosa e objetive o
combate à discriminação, em seu art. 19 a Constituição Federal veda à administração pública
estabelecer cultos religiosos, ou subvencioná-los.
Com efeito, o uso de recursos públicos administrativos e
financeiros para a realização de eventos de caráter eminentemente religioso contraria norma
da Constituição Federal, independente de qual a religião.
Campo Grande – MS, 16 de agosto de 2014.
Felipe Ramos Baseggio
Advogado e Coordenador das Comissões da OAB/MS
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