Anais Seminário Casas de União Maria da Graça Hahn José Miguel Quedi Martins Lucas Kerr de Oliveira (organizadores) I Seminário CASAS DE UNIÃO Políticas Públicas e Regiões de Fronteira Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) Rua 24 de outubro, 850/310 Bairro Moinhos de Vento CEP: 90510-000 Porto Alegre, RS, Brasil Fone: (51) 30846175 Capa: Júlia Oliveira Rosa Editoração: Bruno Gomes Guimarães Revisão técnica: Helena Marcon Terres, Bruno Magno, Laís Helena Andreis Ttrizotto, Luiza Costa Lima Corrêa, Júlia Simões Tochetto, Bruna Coelho Jaeger, Marília Bernardes Closs, Gustavo Henrique Feddersen, Giovana Esther Zucatto, Raul Cavedon Nunes, Guilherme Henrique Simionato dos Santos, Ivan Nunes, Osvaldo Alves Pereira Filho, Vinícius Lanzarini, João Arthur Reis Imagens: Humberto Genehr de Carvalho Impresso pela Gráfica da UFRGS © 2014 Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Seminário Casas de União (1. : 2013 : Florianópolis, SC) I Seminário Casas de União: Políticas Públicas e Regiões de Fronteira ; Maria da Graça Hahn, José Miguel Quedi Martins, Lucas Kerr de Oliveira (Org.). — Porto Alegre : Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia, 2014. x 120p.: Il. ; 21cm Série: Anais Seminários Casas de União ISBN 978-85-65135-11-5 ISBN 978-85-65135-10-8 (e-book) 1. Gestão Associada. 2. Federalismo Cooperativo 3. Casas de União 4. Convênios 5. Consórcios. I. Hahn, Maria da Graça. II. Martins, José Miguel Quedi. III. Oliveira, Lucas Kerr. IV. Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia. V. Título. VI. Série. CDU 355 Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS Os organizadores, autores e a equipe técnica do Seminário Casas de União manifestam aqui os seus agradecimentos às instituições realizadoras do projeto: a Escola da Advocacia-Geral da União (EAGU), a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), ao Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEGOV/UFRGS), ao Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE). Em segundo lugar, nossos mais profundos agradecimentos às instituições apoiadoras do projeto: à Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS (FCE/UFRGS) e ao Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (DERI/UFSC). Por fim, mas não menos importante, nosso reconhecimento público e gratidão às instituições de fomento sem as quais a participação ativa e decisiva do corpo discente neste projeto teria sido impossível: a Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROREXT/UFRGS), a Pró-reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPESQ/UFRGS) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Nossos sinceros agradecimentos. A responsabilidade pela elaboração da Introdução e da Conclusão compete unicamente aos organizadores. Os autores dos textos, que sintetizam as palestras proferidas no Seminário, não foram consultados e, tampouco, tiveram qualquer acesso ao disposto na introdução e na conclusão deste antes da publicação. Igualmente, as opiniões, impressões ou dados contidos nos textos assinados são de mérito e responsabilidade exclusiva de seus autores e não da equipe de revisão técnica e edição. Os Seminários Casas de União são resultados da parceria entre a EAGU, o Centro de Estudos Internacionais Sobre Governo (CEGOV) da UFRGS, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), o Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A iniciativa consiste em evento realizado anualmente com a publicação de anais contendo os debates empreendidos em cada seminário. O principal objetivo dos seminários é apresentar o conceito “Casas de União” à sociedade (setor público, privado e terceiro setor) e, a partir da troca de saberes, aprimorar sua formulação para que se torne possível sua implementação como política pública. As Casas de União se propõem a dar consecução ao princípio da gestão associada prevista no artigo 241 da Constituição Federal, a partir do compartilhamento de infraestrutura (servidores, instalações prediais, material de consumo e material permanente) entre distintos entes federados pertencentes a diferentes órgãos. Procura-se facultar o aumento da presença do Estado em todo território nacional de forma flexível, com economia de recursos, garantindo uma maior efetividade às políticas públicas. As Casas de União viabilizariam fisicamente a realização de consórcios públicos e convênios de cooperação, possibilitando, ainda, a composição de conflitos ou terminação de litígios envolvendo as dívidas dos entes federados. O compartilhamento de instalações físicas e servidores, por sua vez, permitirá economia expressiva aos cofres da União, estados e municípios. Ao mesmo tempo, oportuniza-se melhor prestação de serviços ao cidadão através da capilarização da Administração em seus diversos níveis (Federal, Estadual e Municipal), materializando, assim, o princípio do Federalismo Cooperativo. Elucidar o conteúdo normativo das Casas de União é parte do esforço de formulação de que tratam os seminários. Com efeito, recente pesquisa do IBGE, analisando a presença em território nacional de instituições federais com considerável capilaridade (Justiça Federal, INSS, Receita Federal, entre outras), constatou que 60% dos municípios brasileiros não possuem nenhum posto de atendimento de relevantes órgãos federais.1 O cidadão, nestes casos, precisa se deslocar para municípios vizinhos para ter acesso ao serviço público. Esta pesquisa deixa claro, de um lado, que as emancipações ocorridas no início dos anos 1990, ao favorecer a fragmentação políticoadministrativa, criou um número elevado de municípios de pequena dimensão, que dispõem de poucos recursos humanos e materiais enquanto, paradoxalmente, as atribuições institucionais e de prestação de serviços em áreas como saúde, educação e na administração de programas sociais foram ampliadas. De outro lado, fica patente a dificuldade da União de se fazer, efetiva e concretamente, presente em todo o território nacional. Daí, a conclusão de que iniciativas como as Casas de União e suas parcerias podem responder a desafios como o registrado na pesquisa do IBGE. O I Seminário Casas de União Nosso primeiro encontro versou sobre a temática “Políticas Públicas e Regiões de Fronteira”, realizou-se no dia 23 de setembro de 2013, no Auditório do Centro Socioeconômico da UFSC, em Florianópolis, e contou com a presença de noventa e quatro (94) 1 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Gestão e Orçamento, 2013. participantes quase todos pertencentes ou representando órgãos públicos. Dentre os presentes pode se destacar a representação estadual do DNIT e da ANVISA, além do Ministério do Planejamento, da Polícia Rodoviária Federal, da ADESG, da Petrobrás, entre outros. A abertura do evento contou com participação de Pedro Brites, Diretor-Geral do ISAPE; e Maria da Graça Hahn, idealizadora das Casas de União e Procuradora da Fazenda Nacional em exercício na Escola da Advocacia-Geral da União (AGU) em Santa Catarina. O seminário foi constituído por duas mesas, que trataram das temáticas “Políticas Públicas e Regiões de Fronteira em Debate” e “Os Desafios e as Ações do Governo Federal nas Regiões de Fronteira”. A primeira foi moderada pelo Prof. Dr. Carlos Arturi (CEGOV), incluiu as exposições do Ten. Cel. Clynson de Oliveira (ECEME), da Profª Dra. Graciela Pagliari (UFSC) e de Rodrigo Cardoso (CAPES). A segunda , moderada pelo Prof. Dr. José Miguel Martins (UFRGS), incluiu as apresentações do Prof. Dr. Lucas Kerr de Oliveira (UNILA) e de Fernando Sebben (Senado Federal). Esses anais procuram relatar o conteúdo destas palestras. O artigo que abre estes anais, de autoria do Ten. Cel. Clynson, reveste-se de uma importância especial: permite aos organizadores deste volume reconhecer e homenagear o esforço daqueles brasileiros pioneiros, civis ou militares, estadistas ou soldados, que zelaram (e zelam) por nossas fronteiras. Seria impossível nomear a todos; talvez caiba uma referência ao esforço do Marques do Pombal que, ainda no seculo XVIII, pela primeira vez construiu uma rede de fortes ao longo do Rio Amazonas, que permitiu o povoamento da região e que este vasto território permanecesse em mãos luso-brasileiras. Mais recentemente, temos o esforço sintetizado no projeto Calha Norte, do qual, em mais de um sentido, as Casas de União sentem-se tributárias. Isto se torna particularmente evidente quando o Cel. Clynson descreve sua experiência pessoal junta aos Pelotões Especiais de Fronteiras, o “Pavilhão de Terceiros” e o Barco PAI – Pronto Atendimento Itinerante –, antecipações das Casas de União, que prestam assistência inestimável às populações ribeirinhas e aos contingentes de brasileiros sediados ao longo das regiões de fronteira. Como as regiões de fronteira são o tema deste primeiro Seminário, nada mais natural que se reporte esta experiência pregressa e, que na pessoa do Cel. Clynson, se homenageie e preste-se tributo a todos aqueles, ilustres ou desconhecidos, que mantém na fronteira o patrimônio de todos os brasileiros. Se o artigo do Cel. Clynson nos fala sobre a importância da cidadania para a manutenção da própria soberania, resultado da experiência na região da Cabeça do Cachorro, o artigo seguinte, de autoria da Prof. Dr. Graciela Pagliari (RI/UFSC), trata do desafio representado pelo ilícitos transnacionais como afeto à todas fronteiras. Trata-se do tráfico de armas, minerais, seres humanos e drogas, além da lavagem de dinheiro e corrupção. A exposição da magnitude do problema deixa evidente a impossibilidade de qualquer solução simplificadora. Mais que um problema nacional, a região de fronteira suscita a ação integrada não apenas de diferentes órgãos, mas também de diferentes entes federados e requer, em igual amplitude, a cooperação internacional. O artigo serve como fundamento acerca da importância do emprego da imaginação institucional2 para a formulação de soluções complexificadoras, multidimensionais, que envolvam todos níveis do poder nacional para dar conta do enfrentamento aos ilícitos transnacionais, já que seu reflexo é conhecido de todos: violência e insegurança nos grandes centros urbanos. Caso não se possa despertar a empatia com a questão dos ilícitos transnacionais, por razões de segurança humana ou nacional, resta o argumento egoísta: trata-se de perseguir o elementar autointeresse. Rodrigo Bertoglio trata da fronteira norte, próxima a tríplice fronteira: a que compartilham Brasil, Guiana e Venezuela. Trata-se do resultado de uma pesquisa feita em campo e em arquivos, e que, originalmente, permitiu ao hoje analista de Ciência e Tecnologia da CAPES concluir seu mestrado com distinção. Trata-se de uma outra fronteira; além das questões já levantadas por Clynson e Graciela, 2 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transição Tributária: Introdução à Justiça Fiscal Consensual. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 15. há — comparativamente ao conjunto da Amazônia — um intenso fluxo humano que leva à Fronteira Norte situações as quais seriam em tudo análogas às da Fronteira Oeste. Este é o tema do artigo de Fernando Sebben, aqui o aspecto que chama atenção, em plena era da globalização, da integração — ou talvez devido precisamente devido a isto —, é o risco da guerra local. O hoje analista legislativo do Senado apresenta e atualiza aquilo que foi seu objeto de estudos durante os anos em que se debruçou sobre sua dissertação de mestrado e de suas visitas a região. A magnitude do problema da Meia Lua mostra que para além de soluções inovadoras e multidimensionais, permanecem os “velhos” problemas de segurança relacionados à preparação militar, à aquisição do material bélico e à capacidade de projetar força além-fronteira; até mesmo como um quesito para afiançar o processo de integração. O artigo de Fernando traz à tona uma dimensão presente, porém subentendida nos artigos precedentes. A importância do processo produtivo, da base industrial de defesa, exposto no decreto 6.703/2008 que dispõe sobre a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o papel da mobilização nacional (SINAMOB), exposto no decreto 6.592/2008. Em suma, vislumbra-se, por inferência, a dimensão econômica e produtiva que, paradoxalmente, está presente na reforma do Estado. Serve, portanto, para dar conta da presença de formas inovadoras de parcerias e de financiamento que integram a reforma do Estado para além do aspecto político. Esta perspectiva fica mais visível na abordagem de Lucas Kerr, que nos brinda com uma interessante e significativa associação: a importância da reforma do Estado, da infraestrutura e da integração para a construção da sustentabilidade energética. Lucas Kerr, que atualmente é o Coordenador do curso de Relações Internacionais da UNILA, desenvolveu este tema ao longo de sua tese de doutorado. Neste artigo, explora com desenvoltura os aspectos normativos da questão energética e sua interface com as políticas públicas de Estado. Naturalmente, entre as conclusões do autor, a importância de mecanismos ad hoc, como Casas de União, Consórcios e Convênios para servir como ferramentas administrativas e institucionais que permitam uma ação integrada de governo nos três níveis e, eventualmente, sirva como suporte adicional à própria cooperação técnica internacional. Por fim, deixamos os leitores com os artigos, na expectativa de que, de algum modo, possa se ter contribuído no esforço de dar continuidade à Reforma do Estado no Brasil. Os Organizadores Porto Alegre, novembro de 2014 Introdução O presente artigo tem como objetivo geral expor alguns dos principais desafios e oportunidades relativos à implementação e ao sucesso de políticas públicas na Fronteira Amazônica, especialmente na região da Cabeça do Cachorro, uma zona de difícil acesso e ainda pouco explorada. Visa-se apresentar a atuação do Exército Brasileiro (EB) como um dos principais representantes do Estado nessa região, a partir da sua inserção nas políticas públicas, e, por fim, delinear algumas das possibilidades de implementação do projeto Casas de União como uma solução possível para a presença deficiente do Estado na área. As Casas de União são fundamentadas na ideia de que deveria existir uma infraestrutura compartilhada entre os distintos entes federados. Esta infraestrutura abrigaria diversas agências (dos diversos entes), que partilhariam dos mesmos recursos — servidores, materiais e instalações prediais —, dando consecução ao princípio de gestão associada contido no Art. 241 da Constituição de 1988, e na Lei 11.107/2005 e no Decreto 6.017/2007 — os quais regulamentam a instituição de consórcios públicos no Brasil. O presente artigo apresentará algumas iniciativas com propostas similares, que podem ser vislumbradas como precedentes às Casas de União, com o intuito de apontar oportunidades de inserção do projeto na região da Fronteira Amazônica. O texto está dividido em quatro seções. Na primeira, são apresentadas as especificidades da região amazônica que interferem diretamente na implementação das políticas públicas. Na segunda, buscou-se clarificar a relação fundamental entre cidadania, soberania e desenvolvimento, que perpassa todo o artigo. A terceira seção apresenta a distribuição das unidades do exército no território amazônico. A quarta e última sessão trata das principais iniciativas públicas com envolvimento das unidades militares do EB na região, buscando-se expor oportunidades para as Casas de União. Por fim, tem-se, na conclusão, a retomada dos tópicos anteriores, relacionando-os mais fortemente à temática das Casas de União. Especificidades da Região Amazônica Existem fatores geográficos que dificultam a implementação de políticas públicas na região amazônica. Como se sabe, a região é vasta (mais de cinco milhões de quilômetros quadrados) e pouco povoada (densidade populacional média de 4,14 hab/km²) (SUDAM, 2014). Além disso, se trata de uma área coberta por uma densa floresta equatorial, cortada por diversos rios e onde predomina um clima quente e úmido. Esses fatores são determinantes no estabelecimento de uma infraestrutura na região, visto que tornam difícil o acesso local e a própria construção civil. Ademais, a grande distância entre os principais centros urbanos da região — em média, tem-se uma distância de 100 km entre as cidades — e a carência de estradas que os conectem — apenas 110.000 km de estradas, sendo apenas 13.000 km asfaltados (Ministério dos Transportes, 2014) — configuram uma barreira natural ao desenvolvimento. As grandes distâncias aumentam os custos da conexão entre as cidades, enquanto a falta de acesso local interfere no transporte de suprimentos, energia e serviços para essas regiões, dificultando o exercício da cidadania e a própria presença do Estado. Como ilustração dessa distância, tem-se a Tabela 01, que compara as distâncias entre algumas das principais cidades da região com as distâncias entre cidades extrarregionais. Procura-se evidenciar, assim, o difícil acesso da região em comparação com o restante da nação, que em alguns casos faz com que as viagens entre as cidades se prolonguem em até sete vezes o tempo normal de viagem para a mesma distância em outras regiões do país. Ainda, quase 45% das terras amazônicas são Terras Indígenas (TI) ou Unidades de Conservação (UC), de forma a oferecer uma maior proteção ao meio ambiente (VERÍSSIMO et al, 2011). Entretanto, a sobreposição de legislações (as diversas legislações dos entes federados e as legislações específicas para essas localidades especiais) gera algumas dificuldades burocráticas em torno da implementação de políticas públicas. As dificuldades advindas da intersecção entre legislação indígena e ambiental vigentes no país geram entraves ao estabelecimento de infraestrutura e indústrias nessas regiões. Apenas na Região Amazônica, o Brasil faz fronteira com sete dos doze países sul-americanos, totalizando mais de 12.000 km de limites na região (COELHO, 1992). Assim, outro fator que dificulta a implementação de políticas públicas na região é a grande permeabilidade das linhas de fronteira. Por ser uma extensa região pouco povoada, coberta por uma densa floresta e com pouca infraestrutura física, há uma grande dificuldade no controle da passagem de pessoas entre o Brasil e seus vizinhos amazônicos. Nesse contexto, indivíduos de outras nacionalidades podem ser atingidos por políticas públicas implementadas pelo Brasil. Assim, torna-se difícil elaborar um bom planejamento de políticas públicas, posto que o número de indivíduos que de fato serão atingidos será maior do que o idealizado, o que pode acarretar falta de recursos quando da consecução dessas políticas. De forma análoga, o sub-registro civil, um problema real na região, também se torna um empecilho para o planejamento de políticas públicas eficientes na região. Ainda, dada a carência de registro civil naquela área, é muito provável que haja dificuldades em recrutar residentes locais para servirem ao município ou ao estado via concurso público, por exemplo. Assim, outro aspecto que dificulta a implementação de políticas públicas na região é a fixação/recrutamento de pessoal em uma região de tão difícil acesso e com tão pouca infraestrutura. Tal dificuldade é relacionada ao isolamento e subdesenvolvimento da área em questão, o que a torna pouco atrativa à transferência de pessoal. Ao mesmo tempo, por ser tratar de regiões com baixo IDH, dificulta-se o recrutamento de mão de obra local, tendo em vista o baixo nível de escolaridade e o baixo treinamento às tecnologias mais recentes — aspectos que, no longo prazo, estão sendo amenizados pelos programas interministeriais que serão apresentados na penúltima seção deste artigo. A permeabilidade das fronteiras também influi em outra questão importante concernente à região de fronteira: o tráfico transfronteiriço. Com a dificuldade de monitoramento da passagem de pessoas, ficam facilitados diversos ilícitos, como o tráfico de drogas, armas, minérios, madeira, assim como a fuga de criminosos através da fronteira. A eficácia de políticas públicas para tratar desses ilícitos depende, em parte, da cooperação institucional com outros países da região, posto que estas questões perpassam diversas soberanias. A dificuldade de instalação gerada por essas condições obstaculiza a presença do Estado na zona de fronteira. Isso porque, dadas as condições naturais, e a ausência infraestrutura de fato para o estabelecimento de órgãos, de redes bancárias e de energia elétrica é dificultada a maior parte das políticas públicas e dos programas de transferência de renda do governo federal. Além disso, com o planejamento obstaculizado pela dificuldade de cálculo a respeito da população a ser atingida, muitas políticas públicas não se inserem eficientemente na região. Quando não atingida pelas políticas públicas, a população não se sente cidadã, pertencente ao Estado, e o Estado, por sua vez, não logra cumprir suas funções de controle, monitoramento, presença e planejamento na fronteira amazônica. Cidadania, Soberania e Desenvolvimento Soberania e cidadania são dois princípios fundamentos da Federação Brasileira intimamente relacionados nas regiões de fronteira, especialmente na região amazônica. A presença do Estado nos principais pontos de fronteira com o Norte da América do Sul é dificultada por uma série de fatores, abordados na seção acima. A carência de serviços básicos à população local, como serviços médicos e odontológicos, educação, serviços bancários e registro civil, conferem à região um baixo índice de desenvolvimento socioeconômico. A carência de cartórios, por exemplo, implica alta taxa de nascimentos sem registro, o que inviabiliza o acesso de grande parte da população aos projetos do Governo Federal, como os programas de distribuição de renda. Sem registro civil, o indivíduo não goza de cidadania, não sendo atingido pelas políticas públicas. Essa condição de desassistência implica um sentimento de não pertencimento à nação, ao Estado brasileiro, o que problematiza a defesa nacional. De forma análoga, desenvolvimento e cidadania são dois conceitos indissociáveis. Não se pode pensar em cidadania sem que se pense em acesso aos principais frutos trazidos pelo desenvolvimento, seja ele econômico ou social. A recíproca é verdadeira: não se pode pensar em desenvolvimento social sem cidadania. Assim, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento traz avanços em cidadania, o próprio exercício da cidadania traz desenvolvimento. A população brasileira ribeirinha, por exemplo, retira do meio ambiente o necessário para sua sobrevivência. Há poucas vagas para o trabalho formal e muitas relações comerciais são as mesmas praticadas há séculos atrás, como, por exemplo, o escambo. Há um processo visível de encadeamento entre a provisão de serviços básicos, desenvolvimento socioeconômico e soberania nessas regiões. Com registro civil, por exemplo, o cidadão passa a ter acesso às políticas públicas e aos programas governamentais de inclusão, vislumbrando a possibilidade de ter sua renda ampliada. Os programas de distribuição de renda, por sua vez, exigem a presença de bancos na região para a transferência dos benefícios, o que demanda uma infraestrutura energética considerável. A elevação da renda de um município de fronteira, por outro lado, fomenta o mercado local, ampliando a demanda, para além dos serviços básicos, de bens e produtos de consumo. Amplia-se, dessa forma, comércio local que terá de ser regulamentado por órgãos públicos. De tal maneira, para que haja melhoria na qualidade de vida na área de fronteira é necessário fomentar o desenvolvimento da economia local, o que passa necessariamente pela ampliação da cidadania. Ainda, os conceitos de desenvolvimento e soberania têm uma relação de interdependência: o desenvolvimento econômico-social, ao assumir papel de indutor da cidadania e, ao mesmo tempo, sendo induzido por ela, amplia a presença do Estado no território em questão. A maior representatividade de órgãos federais nos rincões mais afastados proporciona o maior controle estatal sobre o território lindeiro. No entanto, por ora, a presença do Estado na região amazônica é efetivada majoritariamente pela atuação EB, que viabiliza a prestação de diversos dos serviços públicos relacionados à cidadania e ao desenvolvimento nas regiões mais isoladas da fronteira amazônica. Distribuição das Unidades Militares do Exército Considerando-se a presença escassa do Estado e os diversos problemas na implementação de políticas públicas na região, o EB representa o Estado na fronteira com o Norte da América do Sul em diversos aspectos. Pela necessidade estratégica de se manter unidades nas regiões de fronteira nacional para fins da própria defesa da região e da soberania nacional, o Exército leva a essas regiões parte da infraestrutura que o Estado não consegue fornecer. Considera-se que sua presença vai além da segurança pelas armas, tangenciando também o aspecto de manutenção da cidadania nas áreas de fronteira. Assim, o EB proporciona diversos serviços públicos (que tradicionalmente seriam fornecidos pelo Estado) às populações locais. Dessa forma, para uma atuação que efetive os objetivos de soberania nacional e extensão da cidadania na área de fronteira, o EB tem aumentado e diversificado sua presença na região. Em 1980, o Exército tinha apenas 6.000 homens na região; hoje, tem mais de 22.000. Esses homens estão distribuídos em mais de oitenta organizações militares, posicionadas estrategicamente nas entradas fluviais e terrestres do Brasil. Dentre essas organizações militares estão os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Os PEF são cerca de trinta pequenas organizações militares na Fronteira Norte e Oeste da Amazônia, compostas por setenta soldados acompanhados por suas famílias e comandados por jovens tenentes. Suas tarefas são as de manter a soberania brasileira sobre o solo nacional, contribuir com o desenvolvimento e cumprir tarefas administrativas e rotineiras. Via de regra, os PEF se estabelecem próximos a pequenas comunidades indígenas, com cerca de cem famílias, e são as únicas estruturas que disponibilizam saúde, energia, segurança e água potável às comunidades no seu entorno. Pode-se afirmar que o EB tem um papel essencial como representante do Estado Brasileiro na Amazônia, de forma a levar serviços e cidadania à região, não somente a partir dos PEF mas também das diversas iniciativas que o EB capitaneia na região. Assim, é fundamental que o projeto Casas de União busque parcerias com o Exército para sua inserção na região amazônica. Ainda, as Casas de União poderiam ser facilitadoras para a cooperação do pr´óprio EB com outros órgãos públicos ou privados. Programas e iniciativas conduzidas em grande medida pelo EB, além das oportunidades de inserção das Casas de União nos mesmos, serão apresentados nas próximas sessões. Inserção do EB nas Políticas Públicas e Oportunidades às Casas de União O EB, junto a outras instâncias do Poder Público, já realiza na região uma série de iniciativas que buscam suprir o vácuo de cidadania na região. Apesar de não serem substitutos à presença ostensiva do Estado no território do país, o Projeto Calha Norte (PCN), os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF), o Barco do Pronto Atendimento Itinerante (PAI), além das iniciativas interministeriais demonstram como atuações sinérgicas podem ser implementadas na região de modo a combater os desafios de maneira eficiente. Esta seção buscará elencar alguns elementos de sucesso dessas iniciativas a fim de demonstrar a viabilidade das Casas de União, bem como delinear nas experiências as lições iniciais para este projeto através dos desafios já enfrentados nos pontos longínquos de nosso território nacional. O Projeto Calha Norte tem como objetivo principal contribuir com a manutenção da soberania na Amazônia e com o ordenamento do seu desenvolvimento. Ele foi criado em 1985 e visa aumentar a presença do poder público na sua área de atuação e as capacidades de Defesa Nacional. A filosofia do programa é aumentar a vigilância das fronteiras por intermédio da fixação de homens na região amazônica. Além disso, PCN proporciona ações de desenvolvimento socialmente justas e ecologicamente sustentáveis, devendo aliar o conceito de Defesa Nacional ao de cidadania. O PCN, contudo, carece da apresentação de projetos consistentes voltados para a cidadania, quer seja pelo desconhecimento dos estados e municípios sobre sua existência, quer seja por falta de capacitação administrativa de pessoal para levá-los a contento. A oportunidade que se apresenta para as Casas de União é de que uma parte desse montante de recursos subaproveitados poderia ser empregada para financiar a iniciativa, afim de promover políticas inclusivas e que assegurem maiores direitos à população local. O PCN estabeleceu pequenas unidades militares, os PEFs, na região, a fim de vigiar a fronteira brasileira e levar cidadania aos mais longínquos rincões da Amazônia. Os PEFs são localizados em pontos estratégicos de entrada no território nacional, seja por via fluvial e/ou terrestre. São compostos em média por setenta (70) militares e obedecem a um mesmo padrão de construção. Ao lado dessas organizações militares, via de regra, há uma pequena vila ou comunidade, muitas vezes indígena. Por possuir uma infraestrutura mínima de energia, saúde, saneamento e de suprimento logístico rotineiro, é comum que a população lindeira seja beneficiada. Mais de 90 % do atendimento de saúde feito nos PEF é realizado em proveito da comunidade e não da família militar, como seria intuitivo (COMANDO MILITAR DA AMAZÔNIA, 2012). Cada PEF possui um pavilhão construído com o intuito de abrigar diversas agências governamentais. Esse pavilhão, batizado como “Pavilhão de Terceiros”, foi projetado para dar condições de trabalho e de permanência a representantes dos Ministérios da Justiça (FUNAI e Polícia Federal); da Fazenda; da Agricultura; do Meio Ambiente e quaisquer outras instituições públicas. Mesmo possuindo alguma infraestrutura básica, ainda há grande carência de serviços essenciais nesse pavilhão. Muitos dos PEFs não possuem luz durante todo o dia, apenas geradores de energia que funcionam de acordo com a disponibilidade de combustível, que varia entre quatro (04) e doze (12) horas dependendo da acessibilidade. Há limitações para o armazenamento de víveres, infraestrutura elétrica, de comunicações e de mobiliário, tendo em vista que o acesso a quatorze (14) dos vinte e oito (28) PEFs só se dá por via aérea ou fluvial. Sobre o acesso fluvial há que se destacar dois aspectos pertinentes. O primeiro é a capacidade limitada das embarcações orgânicas das unidades militares. Em sua maioria, as embarcações não podem exceder a lotação de 500kg entre pessoal e material. Isso quer dizer que, levando-se três pessoas, sobram cerca de 200kg para serem equacionados entre víveres e combustível. O segundo aspecto é a existência de cachoeiras, que exigem que toda a carga, inclusive os motores, seja retirada dos barcos, carregada manualmente por cerca de 500m a 1.000m, e depois seja remontada para que se possa seguir viagem. Alguns trajetos logísticos possuem mais de quatorze cachoeiras entre os dois pontos, como é o caso da ligação fluvial entre a sede do 5º Batalhão de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cacheira-AM, e o 2º PEF em Querari-AM (583 km de rio). Portanto, a oportunidade proporcionada pelos PEF é a de ser uma estrutura capaz de prover um mínimo de segurança, alojamento e condições de trabalho, e para levar a cidadania a essa população desassistida pelas agências governamentais, de forma permanente e presente. Os PEF podem ser a base sobre a qual se estabelecerão as Casas de União no território de fronteira. Por já disponibilizarem alguns serviços básicos e de infraestrutura compartilhada, a experiência do Pavilhão de Terceiros pode dar base à cooperação dos entes federados para outros serviços públicos e destes com o setor privado para a contratação de serviços. Onde não há essa infraestrutura a situação é mais complicada. Nessas regiões precárias de fronteira, a maioria da população não possuí sequer registro civil. Isso significa, na prática, que elas não gozam dos benefícios dos serviços públicos aos quais os cidadãos brasileiros devidamente registrados têm acesso. Virtualmente, essas pessoas não existem para o Estado, pois sua esfera administrativa não logra alcançálas. Isso se reflete negativamente também na percepção dos indivíduos para com a nação, ou seja, na consciência dessa população de pertencimento à nação brasileira, uma das condições necessárias para o pleno exercício da soberania. Os moradores sem registro, sem as contrapartidas normais da cidadania, não têm motivos para se considerarem brasileiros. E como a experiência histórica mostra, não há civilização ou país que tenha conseguido defender sua soberania e suas fronteiras sem que seus cidadãos tivessem participado efetivamente com sua vontade de lutar e vencer pela nação. Assim sendo, torna-se capital que o Estado seja o responsável por levar a cidadania aos seus nativos da fronteira. Daí a necessidade da representatividade de órgãos públicos federais nessas regiões desassistidas. A presença desses órgãos pode se dar de forma flexível e com eficiente alocação de recursos se efetivada a partir dos princípios das Casas de União, seja o federalismo cooperativo, seja a gestão associada. A título de exemplificação de uma atuação flexível, pode-se apresentar a iniciativa do Barco de Pronto Atendimento Itinerante (Barco PAI). Criou-se o Barco PAI, em 2003, para que o Estado pudesse atuar em locais com infraestrutura precária ou inexistente. Desde então, o Barco PAI já promoveu milhões de atendimentos em mais de cinquenta e seis municípios. O projeto conta com as parcerias do Exército, INSS, Funai, Caixa Econômica, Correios, secretarias de saúde (Susam), Trabalho (Setrab), Segurança Pública (SSP), Procon e Tribunal de Justiça do Amazonas (TJA). Os serviços oferecidos no Barco PAI vão desde emissão de documentos pessoais (RG, CPF, CTPS e Certidão de Nascimento) na área de cidadania, tratamento médico, até palestras educativas sobre prevenção de DSTs e saúde bucal. Mais tarde, em 06 de dezembro de 2007 (Decreto n° 6.289) foi instituído o “Compromisso Nacional pela Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica” e o “Comitê Gestor Nacional do Plano Social Registro Civil de Nascimento e Documentação Básica”, para ampliar o esforço de pleno registro de todos nacionais brasileiros. Nesse ínterim, várias iniciativas do governo do estado do Amazonas têm sido apoiadas pelo EB. Há dois convênios que tratam do apoio logístico do Exército às ações de erradicação do sub-registro civil e do apoio em pessoal de saúde e do serviço militar no Barco PAI. O Exército tem apoiado logisticamente agências como a FUNAI ou a Secretaria de Direitos Humanos e Assistência Social (SEAS-AM) para reconhecer os cidadãos brasileiros, fornecer o registro civil ou fazer o cadastro de outros documentos básicos, proporcionando condições de acesso daquela população aos programas sociais do governo. As oportunidades apresentadas em que o Exército Brasileiro é o proponente ou um dos principais parceiros figuram como programas de sucesso, cuja referência pode ser aproveitada em sua íntegra para a realização das Casas de União. Por fim, o governo brasileiro possui iniciativas nos mais diversos campos, por intermédio de seus Ministérios. Essas iniciativas financiam projetos de investimento em áreas carentes em todo o território nacional. Na questão da infraestrutura de dados, o projeto Cidades Digitais do Ministério das Comunicações contribui na modernização do acesso aos serviços públicos dos municípios, construindo redes de fibras ópticas que possibilitem a conexão entre os órgãos públicos e o acesso à população de serviços eletrônicos do governo (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2014). A infraestrutura de suporte às comunicações levada à fronteira atende à população e às demandas de Defesa na região. Em paralelo, o programa TI Maior (Programa Estratégico de Software e Serviços de Tecnologia da Informação) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ajuda a proporcionar melhores condições de acesso à informação à população da fronteira. Isso é operacionalizado através do fomento de tecnologia nacional para o setor de TI, sinérgico ao desenvolvimento de comunicações seguras para o sistema de defesa da soberania. Há também outros esforços notáveis do MCTI, como Inclusão Social e Digital, cujo foco é o desenvolvimento de competências, nos municípios brasileiros, do acesso à tecnologia e o incentivo à pesquisa permitindo o desenvolvimento social local e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das populações carentes. Em termos práticos, isso realiza a capacitação de pessoal para operar equipamentos de informática e serviços públicos essenciais, o que coaduna a face social à digital das iniciativas. Para viabilizar todos esses objetivos, o programa Luz para Todos do Ministério das Minas e Energia busca erradicar a exclusão elétrica no país e proporcionar energia elétrica para suportar a infraestrutura de serviços públicos e de Defesa. A oportunidade que se apresenta para as Casas de União é de verificar a complementaridade dos programas de governo, capitaneados pelos diversos Ministérios, e gerar uma estratégia que permita buscar financiamentos específicos para cada necessidade, permitindo um fluxo de recursos contínuo e diversificado. Ainda, há a necessidade de se estabelecer uma gestão eficiente desses projetos, a fim de otimizar recursos e facilitar a atuação conjunta dos diversos órgãos das esferas públicas e privadas e dos entes federados. Considerações Finais — Estratégias de Implementação e Gestão e as Casas de União O sucesso dos importantes projetos na fronteira brasileira depende, em grande medida, da estratégia adotada na sua implementação e gestão. Em sua maioria, os programas e projetos do governo dispõem de verbas para investimentos iniciais, ficando o custeio desassistido.1 Dessa forma, a contratação de pessoal e sua 1 Custeio x Investimento: Investimento é toda a aquisição que aumente o capacitação para operar o sistema das Casas de União não podem ser financiadas somente pelos programas e projetos de governo supracitados. Uma possível solução para tal dificuldade, idealizada no projeto Casas de União, é a realização de consórcios públicos e convênios entre a esfera pública e privada que facilitem a gestão dos projetos e diminuam os seus custos no médio e longo prazo. Assim, o custeio de pessoal e a manutenção de estruturas utilizadas podem ser gerenciados através de convênio com empresas prestadoras de serviços ou por consórcios entre os entes federados. Neste sentido, as Casas de União atuariam como promotoras de consórcios e convênios a fim de desenvolver a capacidade estatal na região a partir da gestão associada de recursos públicos. Um mecanismo que minimizaria os problemas com o custeio para a implementação das Casas da União seria o Convênio entre os governos Federal, estadual e municipal e empresas privadas. Já existem iniciativas viabilizadas por convênios, como o da erradicação do subregistro civil, do qual fazem parte o governo do estado do Amazonas e o Ministério da Defesa por intermédio do Exército Brasileiro, cuja materialização é o apoio prestado ao barco PAI. Um outro mecanismo possível seria o Consórcio, em que a cooperação entre as esferas constituiria uma pessoa jurídica que gerenciaria os recursos necessários para a implementação das políticas públicas para a região. Em qualquer uma dessas formas, a capacitação de Recursos Humanos e a sua fixação, e a captação de pessoal na faixa de fronteira são os fatores críticos de sucesso. Sem que isso ocorra não haverá continuidade dos projetos propostos, nem padronização de seus procedimentos, o que prejudicaria a qualidade dos serviços prestados à população, o desenvolvimento socioeconômico e a própria soberania. Sem infraestrutura de energia e comunicações também não haverá sucesso na prestação dos serviços. Nesse sentido, as Casas de União podem promover a parceria necessária pra que se estabeleça uma patrimônio. Assim, o investimento se faz mais permanente. Enquanto isso, o custeio diz respeito aos custos de manutenção, incluindo o pagamento de salários. infraestrutura mínima para a execução dos projetos governamentais. Para além disso, cabe destacar que as diversas iniciativas já existentes tanto no âmbito do Ministério da Defesa (materializadas através do Exército) quanto por programas de outros Ministérios demonstram a viabilidade das Casas de União. Muitas dessas iniciativas podem apoiar a implementação das Casas de União, tanto por facilitar a construção da infraestrutura necessária quanto por, em alguns casos, poder abrigá-las. Dessa forma, é fortalecido o princípio da gestão associada constante na Constituição através das parcerias com projetos e programas governamentais já existentes. As Casas de União têm, assim, a capacidade de integrar representações de diversos órgãos federais e ampliar a abrangência de políticas públicas na região, ao mesmo tempo em que poupa recursos de custeio através da gestão associada e do compartilhamento de infraestrutura. Torna-se, assim, mais factível a presença do Estado na região, com o benefício da ampliação da cidadania, posto que o acesso a políticas públicas e a diversos serviços prestados pelo governo serão estendidos a uma parte da população que por ora não é contemplada. Comando Militar da Amazônia. Palestra “A Amazônia Brasileira”. Exército Brasileiro, 2012. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5ª. ed. Brasília: Gráfica do Senado, 1988. Disponível no: http://www.trt02.gov.br/ geral/Tribunal2 /Legis/CF88/. Acessado em 20 de setembro de 2013. BRASIL. Decreto nº 6017, de 17 de janeiro de 2007. Regulamenta a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2007/Decreto/D6017.htm>. Acesso em: 15 out. 2014. BRASIL. Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005. Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/lei/l11107.htm>. Acesso em: 15 out. 2014. COELHO, Pedro Motta Pinto. Fronteiras na Amazônia: Um Espaço Integrado. Brasília: FUNAG, 1992. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0081.pdf>. Acesso: 11 nov. 2014. EXÉRCITO BRASILEIRO. Amazônia. (2013). Disponível em: <http://www.eb.mil.br/web/exercito-em-acao/amazonia>. Acesso: 29 out. 2014. EXÉRCITO BRASILEIRO. Operação AGATA. Disponível em: <http://www.exercito.gov.br/web/agata/participantes>. Acesso: 10 jan. 2012. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/>. Acesso: 11 nov. 2014. GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS. Barco Pronto Atendimento Itinerante (PAI). Disponível em http://govam.jusbrasil.com.br/noticias/164816/barco-pai-realizou-117-milatendimentos-no-baixo-amazonas. 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Estes crimes encontram santuário em regiões com pouca presença do Estado, no caso brasileiro, principalmente as regiões de fronteira. O aprofundamento deste problema é um reflexo da aceleração do processo de globalização no início da década de 1990, que facilitou e ampliou os fluxos transnacionais. Por esta razão, tais vicissitudes não devem e nem podem ser tratadas apenas a partir de iniciativa local, mas devem ser respondidas por meio de ações conjuntas, envolvendo os diversos níveis de governo, agentes das sociedades e, principalmente, os países vizinhos. Dessa forma, essa breve análise se baseia em três proposições (a) De que os crimes relacionados à fronteira como lavagem de dinheiro, corrupção, tráfico de armas, minerais, seres humanos e drogas são correlacionados, porém possuem no último seu ponto de origem; (b) O tratamento destes problemas depende da concertação entre os países da região; e (c) Os problemas relativos às fronteiras se caracterizam por um alto nível de complexidade, não sendo possível enfrentá-los apenas com a securitização ou militarização da questão. Considerando-se a realidade internacional a partir dos últimos anos do séc. XX e que perdura hodiernamente, vemos que se abriu espaço para a alteração da agenda de segurança, afastando-se daquela do período da bipolaridade. A partir desse período o debate sobre segurança saiu do âmbito das ameaças convencionais e passou a enfatizar as ameaças subestatais, como o terrorismo e ilícitos comuns, incluindo o tráfico de drogas (BUZAN, 1997). Dentre os motivos para a alteração do enfoque no debate e nas políticas de segurança está a intensificação do processo de globalização, proporcionado com o fim da guerra fria. Este processo contribuiu nas últimas décadas para o avanço nos fluxos de informação, capitais, pessoas e bens. No entanto, esse deslocamento facilitado possui também uma faceta perversa, a proliferação de ilícitos como tráfico de armas e drogas, contrabando e lavagem de dinheiro. Muito embora essa forma de configuração de problemas de segurança esteja diretamente relacionada com a transnacionalidade, os reflexos para os diferentes países da região podem ser mais intensos e/ou mais profundos dependendo do país avaliado. Por exemplo, no México e na Colômbia o problema do tráfico de drogas passou a ser militarizado, tornando o exército e as forças armadas o principal instrumento para o seu enfrentamento. Esses problemas encontram espaço para o seu desenvolvimento especialmente na América do Sul, pois se apoiam em vulnerabilidades internas que seus Estados possuem. Entre essas debilidades se podem citar como principais facilitadores para o desenvolvimento destes ilícitos a pobreza, as desigualdades, a péssima distribuição de renda, o difícil acesso à mobilidade social — muito embora exista atualmente um acesso mais facilitado à educação — condições de higiene e saúde precárias, violência policial e urbana. Soma-se a isso, a inabilidade do Estado em estabelecer ou criar condições que alterem essa conjuntura. Todos esses fatores resultam em um caldo de cultura que fornece as condições favoráveis para a proliferação do contrabando, tráfico de drogas e de armas, entre outros ilícitos. Além disso, as fronteiras porosas dificultam o controle destes fluxos transnacionais que imbricam o interno e o externo, tornando difícil delimitar as questões domésticas e externas deste fenômeno. Dessa forma, não se pode estabelecer o limite da questão apenas na segurança estatal, deve-se buscar a implementação de uma política de longo prazo adequada ao problema como um todo, de modo a não tornar seus resultados mais preocupantes do que as suas causas iniciais. Estas questões são enfrentadas também pelo Brasil, entretanto de forma diversa e com um agravante: boa parte da área de fronteira constitui-se de locais caracterizados por pouca presença do Estado, quer dizer, as políticas públicas são de difícil implementação considerando que os mecanismos de atuação e controle do Estado não chegam ou chegam muito pouco a tais locais. Este trabalho irá propor como uma possível abordagem para o Brasil ampliar a presença do Estado na fronteira a cooperação entre os países vizinhos e os diferentes níveis de governo. Esta proposta é sintetizada a partir do projeto das Casas de União que visa promover essa cooperação através dos consórcios públicos. O Tráfico Ilícito de Drogas Os principais ilícitos relacionados às regiões de fronteira são o contrabando, o tráfico de pessoas, armas e drogas. Porém, este artigo se concentra especialmente no último, tendo em vista que, por um lado, contrabando e tráfico de armas, violência urbana e lavagem de dinheiro são fortemente relacionadas e parcialmente decorrentes do narcotráfico, por outro, esta é, das questões transnacionais, a que mais capacidade de políticas públicas cooperativas apresenta. As drogas ilícitas assumiram lugar destacado na agenda de segurança em face do aumento da demanda tanto em termos globais quanto regionais. A cooperação multilateral acerca desse tema remonta ao início do século XX a partir do tráfico de ópio. Com a criação da ONU, o controle das drogas ilícitas passou a se dar sob seus auspícios, a partir de um regime internacional baseado em políticas de repressão. Porém, a ONU também destaca que a cooperação internacional para combater o problema mundial da droga é baseada no princípio da responsabilidade compartilhada, com compromisso mútuo entre os Estados de buscar objetivos comuns e a determinação para empreender uma política complementar e ação conjunta (UNODC, 2008). É com base nessas regras multilaterais que se estabelece a cooperação entre Estados nos demais planos regionais e sub-regionais, bem como são as referências nas quais se baseiam as políticas nacionais de combate às drogas ilícitas. O Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime (UNODC) reconhece uma série de consequências negativas inesperadas decorrentes das convenções, como a criação de um mercado paralelo lucrativo e violento, controlado pelo crime organizado. A repressão não produziu diminuição da oferta, pois os cultivos são transferidos para outras regiões. Da mesma forma, coibir um tipo de substância provoca o deslocamento do consumo para outras substâncias (UNODC, 2008). O tráfico de drogas se configura como um problema regional ou, se quisermos seguir o que refere o UNODC em seu relatório The threat of narco-trafficking in the Americas, de 2008, é um problema de segurança hemisférica, pois nenhum país passa ao largo dos efeitos decorrentes das drogas. Pagliari (2009), a partir dos dados da UNODC, destaca que a região andina (Colômbia, Peru e Bolívia) é responsável pela produção da folha de coca que gera a maior parte da cocaína consumida em todo mundo; enquanto países como México (por onde passa entre 74% e 90% da cocaína para os EUA), Venezuela e Equador (trânsito para a Europa e também EUA) são rotas de passagem; e a América do Norte é o mercado consumidor de quase a metade da produção (os Estados Unidos têm aproximadamente 6 milhões de consumidores de cocaína). A América Latina e a Política Punitiva de Combate às Drogas A região do subcontinente sul-americano tem sido diretamente afetada pelo narcotráfico, pois abriga países produtores de coca e, devido a política internacional que tem sido aplicada à questão, a área vem sofrendo os efeitos nefastos de uma política que privilegia o combate à oferta. Conforme as informações da Comisión Latinoamericana sobre Drogas y Democracia em seu relatório Drogas y Democracia: hacia un cambio de paradigma (2009), estes efeitos estão relacionados a questões como: - O aumento da violência, boa parte associada ao tráfico de drogas; - Uma parcela das forças do Estado deixou-se corromper pelo crime organizado; - O dinheiro proveniente do tráfico de drogas fomenta o tráfico de armas e a corrupção; - Milhares de jovens e policiais são vítimas fatais das guerras internas travadas pelo controle deste comércio ou nos combates com as forças do Estado; - Problemas de deslocamento da população rural (mais de dois milhões de deslocados internamente e milhares de refugiados colombianos), segundo o CODHES (2004); - O estigma sobre o cultivo da coca, tradicional nas culturas de Bolívia e Peru; - Problemas ambientais causados pela fumigação dos cultivos, ainda que não tenham sido completamente dimensionados. A transnacionalização mais vigorosa do narcotráfico a partir das últimas décadas do século passado provocou o aumento da violência urbana (Brasil e Colômbia são países que lideram historicamente esse indicador, com o determinante mais visível para o tráfico de drogas). E para que a teia de produção, processamento e distribuição funcione, se estabelecem outros ilícitos como corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e precursores químicos. Como resultado a América Latina é a líder mundial na taxa de homicídios (WAISELFISZ, 2008). A cooperação tornou-se um imperativo para alcançar resultados positivos, tanto em termos de diminuição da oferta, quanto da redução da demanda. Eis que a demanda vem aumentando em toda a região, as estimativas apontam o crescimento do consumo de cocaína na América do Sul, sendo Brasil e Argentina os maiores mercados (UNODC, 2008). Não apenas o consumo preocupa, mas também a produção, pois a América Latina - que tem sido a maior exportadora mundial de cocaína e maconha - passou também a produzir heroína, ópio e drogas sintéticas. Portanto, o enfrentamento precisa ser tanto em relação ao tráfico internacional de drogas quanto ao comércio para consumo interno. A política repressiva e punitiva de combate às drogas, que vem sendo empregada mundialmente, apresentou suas piores consequências para a América Latina. A Comisión Latinoamericana sobre Drogas y Democracia (2009) destaca que a América Latina tem sido a região mais afetada com as consequências negativas da guerra às drogas. Esta questão enseja preocupações para os países da região não apenas quanto à escalada da violência interna e o enfraquecimento das instituições, mas também em relação à defesa (resguardo das fronteiras, não-ingerência e respeito à soberania nacional), visto que as políticas de repressão indiscriminada securitizaram o problema das drogas e militarizaram o seu combate. A Colômbia, nas últimas décadas, tem sido o país mais afetado pelo problema das drogas na América do Sul. O narcotráfico encontrou ali um cenário ideal para prosperar: um conflito armado interno em curso, a escassa presença do Estado em algumas áreas e problemas de governabilidade. O deslocamento da produção da folha de coca de Peru e Bolívia para a Colômbia na década de 90 se deu justamente nas zonas controladas por grupos guerrilheiros. Mas, com o Plano Colômbia, passou a haver um deslocamento da produção, ou o “efeito balão”, espalhando o problema para outros países da América Latina. Ou seja, muito embora a Colômbia tenha sofrido e continue a sofrer as maiores consequências decorrente da questão das drogas, o país não é o único a enfrentar esse problema. No Brasil a região mais afetada por este spillover é a região amazônica. O Brasil atribui essa região como uma das áreas prioritárias de sua política de defesa. Ela está diretamente relacionada com a questão das drogas que atinge o arco amazônico e nossa fronteira. Assim, muito embora não se configure uma situação na qual um Estado ameace a soberania do outro, o que se apresenta é um temor do resultado da baixa atuação ou pouca presença do Estado naquela região fazendo com que haja pouca capacidade de lidar com as eventuais externalidades negativas que se desenvolvem a partir do grande problema inicial que é o narcotráfico. Os Desafios à Segurança e a Coordenação Multilateral Durante certo tempo os países sul-americanos temeram que o conflito colombiano espalhasse seus efeitos pela região a partir das políticas de combate ao narcotráfico implementadas internamente. Contudo, o que ocorreu não foi o spillover do conflito como um todo e sim o de determinados efeitos negativos, que repercutiram nos vizinhos criando focos de instabilidade, seja em decorrência dos deslocamentos da população (especialmente para Equador, Venezuela e Panamá), seja em face do cultivo dos ilícitos na fronteira ou mesmo do tráfico de drogas. O Brasil, como país limítrofe, inquieta-se não somente em relação a eventuais invasões do território por grupos armados, mas também com as ramificações estabelecidas com os ilícitos, como tráfico de drogas e armas, contrabando e crime organizado. Os efeitos dessas conexões repercutem, sobretudo, nas grandes cidades brasileiras, tanto em relação aos reflexos das redes do crime organizado, quanto aos índices de violência e problemas sociais. O receio com as questões relacionadas à segurança pública é especialmente relevante na região sul-americana, dada a interdependência entre os Estados. Esses problemas são agravados pela inexistência de políticas estatais para controlar a escalada da violência, pelo ainda insuficiente fortalecimento das instituições e de fatores estruturais. As ações no Brasil, em termos de segurança pública, são no sentido de manter o tratamento político do tema, evitando a securitização dessas questões e o seu tratamento unicamente via emprego das forças armadas (militarização). Por isso o Brasil, como uma importante rota do tráfico de drogas internacional (um dos países líderes no trânsito de cocaína produzida nos países vizinhos), trabalha para fortalecer ações de prevenção, de redução da demanda, conciliando com métodos de repressão. As ações se desenvolvem por meio das polícias, contando com suporte das forças armadas. Questões transnacionais como o tráfico de drogas desafiam a capacidade dos Estados sul-americanos de desenvolverem políticas multilaterais. Desafiam Estados e governos a trabalharem conjuntamente na implementação de ações que minimizem os impactos desses problemas. O Brasil se preocupa com o crime organizado como correlato do tráfico de drogas, que gera aumento da violência e lavagem de dinheiro. Além disso, se tem especial atenção com o resguardo das fronteiras nacionais, sobretudo, na região amazônica, que se caracteriza por ser uma área de difícil controle devido às suas dimensões, à falta de recursos humanos e materiais para dotar os órgãos de controle e fiscalização de todos os meios necessários, por isso, há uma insuficiente presença do Estado na área. De acordo com a Constituição Federal, a faixa de fronteira do Brasil possui 150 km a partir da linha divisória. Esse território inclui 710 municípios, sendo que, destes, 122 são limítrofes, correspondendo a 27% do território nacional. A extensão das linhas de fronteira brasileiras é de 16.886 km, sendo 7.363 de fronteira seca. Temos 11 estados de fronteira: Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nossos países vizinhos são: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai 1. Assim, a zona de fronteira brasileira possui uma área considerável que, portanto, requer atenção do poder público tanto no que diz respeito às estruturas institucionais quanto às populações que ali vivem. 1 Fonte: IBGE http://cod.ibge.gov.br/233XJ. Os novos desafios à segurança, em vista da variedade dos potenciais de conflito, requerem uma combinação de medidas de âmbito militar, financeiro, econômico, político e policial, além da coordenação de esforços nacionais, regionais e internacionais. Neste sentido, são importantes as medidas coordenadas, bilateral e regionalmente, adotadas pelos países sul-americanos, que tem crescido nos últimos anos, embora essas ações não possam ser consideradas como definitivas para a solução do problema. Tem-se como exemplo de cooperação em combate ao narcotráfico o acordo assinado com a Bolívia em 2011, que objetiva a formulação de uma estratégia regional contra as drogas para ações conjuntas de polícias, com o suporte das forças armadas, para localizar e destruir laboratórios e pistas de pouso clandestinas e trocar informações acerca do tráfico. Uma importante ação que deve ser destacada é o Plano Estratégico de Fronteiras que foi implementado a partir de junho de 2011 a fim de reforçar a presença do Estado na fronteira terrestre e, com isso, inibirem a incidência de ilícitos nas zonas fronteiriças e evitar entrada de armas e drogas2. O Plano Estratégico de Fronteiras visa produzir ações de modo integrado entre os diversos ministérios envolvidos. Como uma das principais formas de ação do Plano Estratégico de Fronteiras tem-se as Operações Ágatas, sendo que a Ágata 7, realizada em 2013, foi a maior ação militar voltada para a segurança pública nos últimos anos. Esse patrulhamento da fronteira resultou num aumento de mais de 300% nas apreensões de drogas e quase 500% nas apreensões de armas (sem contar os números da Operação Ágata 7). Esse tipo de operação está na linha do que acreditamos ser necessário e um caminho indicado para combater os ilícitos transnacionais: cooperação nas ações e operações entre os diferentes Ministérios e agentes responsáveis ou que podem atuar para produzir respostas positivas em termos de avanço ao combate dos ilícitos - pelo 2 Para maiores informações sobre o Plano Estratégico de Fronteiras ver: http://agata8.defesa.gov.br/plano-estrategico-de-fronteiras.shtm. Ministério da Defesa: as forças armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica); pelo Ministério da Justiça: Polícias Federal e Rodoviária Federal e Força Nacional de Segurança Pública; e pelo Ministério da Fazenda: Secretaria da Receita Federal. Além disso, a operação Ágata 7 contou, por exemplo, com a mobilização de tropas militares de Peru e Colômbia ao longo dos 11 mil quilômetros da fronteira Norte e teve um volume de apreensões de drogas recorde (25 toneladas de maconha e 657 kg de cocaína, crack e haxixe). As Casas de União como Resposta Entretanto, para o aprofundamento de ações de cooperação, seja entre Estados vizinhos, seja entre os diferentes níveis de governo e os atores da sociedade, é necessário que seja possível tornar a presença do Estado permanente nessas regiões. Um caminho possível é o das Casas de União. As Casas de União constituem em proposta para dar consecução ao princípio da gestão associada contida no artigo 241 da Constituição Federal, a partir do compartilhamento de infraestrutura (servidores, instalações prediais, material de consumo e material permanente) entre distintos entes federados pertencentes a diferentes órgãos, a fim de aumentar a presença do Estado em todo território nacional. Este compartilhamento se daria por meio da realização de consórcios públicos em que estados e, sobretudo, municípios, podem amortizar suas dividas através da cessão de instalações prediais, material de consumo, servidores e do compartilhamento de material permanente. Estas possibilidades já estão previstas na Lei 11.107/2005, o marco regulatório da gestão associada. Dessa forma, oportuniza-se melhor prestação de serviços ao cidadão através da capilarização da administração em seus diversos níveis (Federal, estadual, municipal), materializando, assim, o princípio do Federalismo Cooperativo. Enfrentar a vulnerabilidade nas fronteiras — através da parceria da União com estados e municípios pode-se dispor, a partir das capacidades já instaladas, de bases operacionais para as atividades de controle de fronteiras. Sobretudo as ligadas às atribuições do Ministério da Defesa (Forças Armadas), Ministério da Justiça (Polícia Federal) e Ministério da Fazenda (Receita Federal). Trata-se de ampliar o enfrentamento ao tráfico de entorpecentes; de armas de fogo, munições e explosivos; ao contrabando, pirataria e descaminho; à evasão de divisas; à exportação ilegal de veículos; ao tráfico de pessoas; aos crimes ambientais e desmatamento ilegal nos estados amazônicos fronteiriços do Brasil. A mera presença, circulação e sociabilidade dos agentes do poder público federal nas regiões de fronteira criariam canais próprios, ad hoc, para coleta de dados e produção de inteligência acerca dos ilícitos mencionados. Os consórcios públicos também podem ser úteis para uma cooperação permanente entre os Estados vizinhos na região amazônica. O Brasil através do Mercosul e do FOCEM, já incentiva a criação de consórcios públicos entre cidades gêmeas e regiões que compartilham fronteiras no âmbito do bloco3. Devido à ausência de um mecanismo institucional como o FOCEM na região norte da América do Sul é necessário a criação de um guarda-chuva institucional que permita a criação de uma massa crítica para a formulação de contratos de consórcio e para formulação de políticas públicas para a região; as Casas de União podem representar esse mecanismo. As Casas de União podem ser o instrumento que viabilize a presença do Estado em zonas carentes, não só com forças de segurança pública, mas também com prestação de serviços públicos, inclusão social e cidadania. Projetos semelhantes já são executados pelo Exército Brasileiro e outros órgãos federais nas regiões da fronteira, como por exemplo, o “Pavilhão de Terceiros”, ou o Barco de Pronto Atendimento Itinerante (PAI), que leva às populações locais distintos serviços sociais — desde o atendimento médico até o Registro Civil. Contudo, através 3 Um exemplo é o financiamento que o FOCEM oferece a projetos no âmbito das mercocidades. da cooperação entre os diferentes níveis de governo e dos Estados vizinhos através de consórcios públicos, existe a possibilidade de ampliar consideravelmente a abrangência dessas iniciativas e tornar permanente a presença do Estado nessas regiões. As Casas de União podem replicar estes projetos bem-sucedidos nas regiões de fronteira física também em centros urbanos, em conjunto com outros níveis da administração pública com os demais entes federados. Fazendo com que as iniciativas tomadas pelo Estado para reocupar territórios degradados não se deem apenas com forças policiais, mas também com a inclusão social. Considerações Finais Como foi analisado, o poder público enfrenta grandes desafios nas regiões de fronteira, em especial na fronteira norte. Estes desafios em grande parte são o reflexo de problemas advindos do narcotráfico. O tráfico de drogas ampliou o seu efeito desestabilizador a partir dos anos 1990, devido a continuidade das políticas de combate à oferta de entorpecentes promovida pela comunidade internacional através da ONU e da promoção de uma nova agenda de segurança, que securitizava questões antes consideradas ilícitos comuns, entre elas o tráfico de drogas. A América do Sul é uma das regiões mais afetadas por este problema, por ser um dos principais produtores de cocaína e maconha do mundo e ser uma importante escala da rota internacional do tráfico. Esse problema é particularmente preocupante na região da fronteira, onde a pouca presença do Estado, em parte incentivada pela própria configuração geográfica desta região, facilita a ação de narcotraficantes e agudiza ainda mais problemas sociais. Entretanto, a solução para o problema não reside na securitização do problema, esse modo de ação já se mostrou ineficaz e, geralmente, acaba por disseminar a produção e os problemas advindos do tráfico por toda região. O combate a esse problema passa por ampliar a presença do Estado nas regiões de fronteira e, apesar das dificuldades, esse caminho se torna viável a partir da cooperação entre os países vizinho e entre os diferentes níveis de governo e de administração pública. Para isso, propõe-se como um caminho possível as Casas de União. Esse projeto se baseia na disseminação de consórcios públicos para a efetiva cooperação entre os diferentes níveis de governo e os países vizinhos, a exemplo do que já acontece na região sul com o incentivo do Mercosul e do FOCEM. BUZAN, Barry. Rethinking Security after the Cold War. Cooperation and Conflict, vol. 32, n. 1, p. 5-28, 1997. CODHES (Consultoría para lós Derechos Humanos y El Desplazamiento). Desplazados: ni seguridad ni democracia. 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Introdução O presente artigo tem o objetivo de informar o leitor acerca da realidade da fronteira norte do Brasil, em particular em seus aspectos de segurança, e sensibilizá-lo para a necessidade de políticas públicas, como as Casas de União, que sejam eficientes e garantam a presença do Estado em regiões lindeiras. O perfil do texto é predominantemente descritivo e totalmente subsidiado de fontes oficiais, documentos públicos e relatórios ostensivos. Esse estilo informativo, com significativa base documental, permite caracterizar a vulnerabilidade em dois segmentos da fronteira norte (Brasil/Venezuela e Brasil/Guiana) tão precisamente quanto possível a um pesquisador acadêmico. Apresentam-se, nas considerações finais, uma análise dos fatos expostos e uma relação destes com novas e antigas ações da administração pública na zona de fronteira. Busca-se, ainda, indicar a aplicabilidade das Casas de União nas regiões analisadas. 1 Esse artigo é parte integrante, editada porém não modificada em seus argumentos e dados, de pesquisa realizada para dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPG-POL/UFRGS), financiada com recursos da CAPES. Segurança na Fronteira com a República Bolivariana da Venezuela Essa seção trata de algumas das principais questões de segurança ocorridas na fronteira entre o Brasil e a Venezuela entre os anos de 2003 e 2008 e está dividida em (a) tráfico seres humanos, (b) tráfico de armas e drogas e (c) mineração ilegal. (a) O tráfico de seres humanos — Na fronteira, o tráfico de seres humanos foi uma prática crescente durante todo o período em estudo, levando principalmente mulheres e adolescentes brasileiras a serem aliciadas para fins de exploração sexual na Venezuela. O perfil médio destas mulheres indica origens humildes, baixa escolaridade e residência em espaços urbanos periféricos com carência de saneamento, transporte, educação e saúde (LEAL; LEAL, 2002). No mercado de trabalho, estariam inseridas nos ramos de prestação de serviços e comércio em funções “mal remuneradas, sem carteira assinada, sem garantia de direitos, de alta rotatividade e que envolvem uma prolongada e desgastante jornada diária, estabelecendo uma rotina desmotivadora e desprovida de possibilidades de ascensão e melhoria” (LEAL; LEAL, 2002, p. 58). O recrutamento para o tráfico internacional ocorreria sob a promessa de melhoria das condições de vida, especialmente através de redes de entretenimento adulto, agências de modelo, serviços de telessexo, agência de emprego, recrutamento para frentes de assentamentos agrícolas, construção de rodovias, hidrovias, mineração (garimpos) e outros (LEAL; LEAL, 2002, p. 62-70). No caso específico da fronteira binacional, o problema envolveria mais frequentemente adolescentes e mulheres adultas, oriundas de capitais da região norte (Manaus, Boa Vista, Macapá, Rio Banco e Belém) rumo à região de fronteira ou às cidades do litoral venezuelano (Caracas, Porto La Cruz, Lechería). O aliciamento seria facilitado não apenas pela falta de oportunidades nos locais de origem, mas também pelo destacado envolvimento das redes de tráfico de pessoas em território venezuelano. De acordo com relatório anual do Departamento de Estado dos EUA, a Venezuela seria local de origem, destino e trânsito de mulheres e crianças com o objetivo de trabalhos forçados e exploração sexual, recebendo indivíduos da região (especialmente de Peru, Colômbia e Brasil) e de países asiáticos. Em 2004, o país foi rebaixado no ranking norte-americano de classificação para o combate ao tráfico de seres humanos (Tier 3), indicando o não atendimento aos requisitos mínimos de proteção às vítimas e a insuficiência dos esforços governamentais para solucionar o problema (BRASIL, 2004a; USA, 2005, p. 226-7). Pesquisas brasileiras também referem um intenso fluxo de mulheres em direção à Venezuela para fins de exploração sexual, indicando pelo menos dez rotas internacionais de tráfico de pessoas (LEAL; LEAL, 2002, p. 78, 96): Ações conjuntas para o combate ao tráfico de pessoas graçaram durante todo o período. Em 2003, autoridades brasileiras e venezuelanas firmaram o Pacto de Pacaraima, um acordo de cooperação bilateral para o combate ao tráfico fronteiriço de pessoas. No ano de 2005, os países do MERCOSUL e membros associados assinaram a Declaração de Montevidéu contra o Tráfico de Pessoas, prevendo a cooperação policial e o intercâmbio de informações sobre o tráfico humano, especialmente o tráfico ligado à prostituição (USA, 2004, p. 249). Em 2006, a Declaração de Montevidéu ganhou um significado prático com a adoção de um Plano de Ação, que identifica pontos focais dentro de cada governo responsável pela sua implementação e institui campanhas informativas, troca de informações, capacitação de atores governamentais e não-governamentais e assistência às vítimas do tráfico de pessoas (MARREY; RIBEIRO, 2010). Em maio de 2008, realizou-se a I Reunião de Autoridades Nacionais e Regionais entre a República Bolivariana da Venezuela e a República Federativa do Brasil, em Matéria de Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres, Adolescentes e Crianças, primeiro encontro bilateral especificamente dedicado ao assunto (BRASIL, 2008). Não há dados suficientes que permitam afirmar o êxito ou o fracasso dessas iniciativas no combate ao tráfico de pessoas. (b) O tráfico de drogas e de armas — Na fronteira entre Brasil e Venezuela, o tráfico de drogas e de armas está bem menos documentado em artigos científicos, relatórios e arquivos públicos, tornando bastante escassas e segmentadas as informações a esse respeito. Especula-se que a natureza dessas atividades dificulte o levantamento de dados e requeira dos agentes públicos envolvidos em seu combate um elevado grau de sigilo. Apesar das contingências, é possível afirmar categoricamente que ambas atividades possuem grande penetração na região. O tráfico de armas na fronteira norte deslocaria principalmente fuzis, pistolas e cartuchos com destino à Colômbia, passando por território brasileiro em pelo menos três grandes rotas internacionais (RoterdãSuriname Colômbia, PanamáParaguaiColômbia e ChinaColômbia). Embora em menor volume, essas armas também abasteceriam a Venezuela cruzando o território nacional (BRASIL, 2006a, p. 55-62). O tráfico de drogas na região teria como objetivo primário a exportação de estupefacientes produzidos nos países andinos (esp. Colômbia) para os grandes mercados consumidores dos Estados Unidos e Europa.2 Os territórios brasileiro e venezuelano seriam crescentemente utilizados como rota ou plataforma de exportação das drogas, sobretudo cocaína e maconha, consolidando as redes do crime organizado e aumentando a quantidade de drogas disponível internamente.3 O tráfico de armas e munições entre Brasil, a Colômbia e a Venezuela é muito grande. Há uma estreita vinculação entre o tráfico internacional de drogas e o crescimento do comércio ilegal de armas e munições. (...) Armamentos são comprados diretamente [na Colômbia], e na Venezuela através de ouro. São dois garimpos na Venezuela, o SIAPA e o ACAPANA. O ouro também é vendido livremente. Lá a troca é constante e realizado qualquer tipo de câmbio. Os índios são usados por traficantes para carregarem drogas e também são usados para exploração sexual dos comandantes das quadrilhas que atuam naquela fronteira. E algo que chama a atenção não somente na região da Colômbia, mas na região da Guiana e Venezuela. Toda fronteira é um raio de tráfico de seres humanos, de drogas e de armas e munições (BRASIL, 2006a, p. 61-62, grifo nosso). 2 3 Sobre a origem e destino das drogas que circulam na América do Sul, o World Drug Report da ONU argumenta que “Colombian cocaine dominates the markets to the east of Colombia. In 2002, Venezuela reported that all cocaine seized originated in Colombia. Brazil estimated that about 70% of the cocaine originated in Colombia, 20% in Bolivia and 10% in Peru (2000). In Suriname about 60% of the cocaine seized in 2002 could be traced back to Colombia, 20% to Venezuela and 20% to Brazil. Suriname is one of the few countries in South America where the bulk of the cocaine seized was not going to the USA (20%) but to Europe (Netherlands 80%).” (UNODC, 2004, p. 106). Informações do World Drug Report 2008: “The territory of Brazil is increasingly exploited by international organized crime groups looking for transit points for cocaine shipments from Colombia, Bolivia and Peru to Europe. This is likely to have brought more cocaine to the local market.” (UNODC, 2008, p. 87). Por outro lado, tem sido frequentes as detenções de brasileiros envolvidos com o narcotráfico na Venezuela, país normalmente utilizado como trânsito para chegar a Europa e aos Estados Unidos. Recentemente, os brasileiros detidos no Aeroporto de Maiquetia, com cocaína em seus estômagos, iam para a Espanha via Lisboa ou Paris, configurando-se, possivelmente, uma nova rota de comércio de estupefacientes. Recordo que, em anos anteriores, vários brasileiros foram presos com entorpecentes nos Países Baixos, procedentes de Caracas, e, invariavelmente, eram deportados para esta capital, de onde foram repatriados para o Brasil (BRASIL, 2007e, grifo nosso). Ações de cooperação para o combate de atividades ilícitas também foram desenvolvidas nesse segmento (tráfico de armas e drogas) durante o período em estudo. A VI Reunião da Comissão Mista de Drogas Venezuela-Brasil, realizada em setembro de 2003, foi um exemplo de iniciativa de pauta ampla na luta contra o crime organizado na fronteira. Na Reunião, discutiram-se operações policiais conjuntas em áreas vulneráveis, intercâmbio eficiente e seguro de informações, medidas para o combate ao contrabando de armas, desenvolvimento de inteligência estratégica conjunta, controle de espaço aéreo e fluvial para interdição do tráfico de drogas, ações para redução do impacto social da drogadicção (prevenção, tratamento, reabilitação e reincorporação social de dependentes químicos), controle de fármacos e precursores químicos e fontes de financiamento alternativo para programas de combate ao tráfico de drogas (BRASIL, 2003d). Além de reuniões temáticas, houve solicitações de informação de parte a parte sobre indivíduos sob investigação e registro de linhas telefônicas utilizadas na prática de atividades ilícitas, em pelo menos duas ocasiões (BRASIL, 2003e; 2003a). Contudo, ainda que as reuniões e o intercâmbio de informações representem per se um ganho na cooperação entre autoridades brasileiras e venezuelanas, não há referências posteriores que indiquem continuidade das iniciativas propostas ou impacto positivo no combate ao tráfico de drogas e armas. (c) Mineração ilegal — A questão da mineração ilegal diz respeito ao garimpo ilegal de ouro venezuelano por parte de brasileiros, em especial na intersecção dos estados homônimos do Amazonas. Sabese que o garimpo é uma prática muito antiga na região, porém a limitada presença do Estado em ambos os lados da fronteira não permite aferir a data exata do início dessas atividades. A partir 1989, entretanto, a questão teria ganhado evidência por força de uma súbita incursão de garimpeiros brasileiros em território venezuelano. 4 A mineração ilegal representaria grave inconveniente para as autoridades venezuelanas pela degradação ambiental e pelos danos às comunidades indígenas presentes na região, além de questões de segurança relacionadas à região de fronteira. A mineração ilegal traria, ainda, consequências negativas para as relações bilaterais em função da falta de coordenação das ações de repressão. Em janeiro de 1992, por exemplo, a Guarda Nacional da Venezuela abateu um avião Cessna com cinco garimpeiros brasileiros a bordo, matando dois passageiros da aeronave. O caso teve implicações político-militares adicionais: “[n]o dia 27 do mesmo mês, quatro caças venezuelanos invadiram o espaço aéreo brasileiro, segundo informou a Funai, e, na madrugada do dia 28, aviões venezuelanos bombardearam uma área, a cerca de dez quilômetros da fronteira com o Brasil, onde trabalhavam ilegalmente garimpeiros brasileiros” (LOSS, 2007, p. 5666). A questão gerou um grande mal-estar entre os dois países e deixou clara a urgência de uma solução definitiva para o problema. O caráter estratégico das relações entre Brasil e Venezuela recomenda [que] seja dada absoluta prioridade à execução de medidas com vistas à erradicação das atividades de 4 Documentos do GT de Mineração Ilegal da COBAN situam os primeiros casos de garimpeiros brasileiros em território venezuelano em fins da década de 1980.“Los antecedentes de este Grupo de Trabajo se remontan al año de 1989, fecha en la cual se da a conocer a luz pública, las primeras denuncias del descubrimiento de invasiones de mineros ilegales de nacionalidade brasileña a território venezuelano, especificamente en el Cerro Delgado Chalbaud en las cabeceras del río Orinoco” (COBAN, 1999). Poucos anos depois (1994), documentos da diplomacia brasileira já referiam que “milhares de garimpeiros brasileiros (...) ingressavam clandestinamente em território venezuelano” para o exercício da atividade (BRASIL, 1999). mineração ilegal em território venezuelano. Tal constatação decorre da circunstância de que cabe ao Brasil tomar iniciativa de exercer controle efetivo daquelas atividades em seu território, impedindo, assim, que a persistência de incidentes na região de fronteira venha a contaminar a agenda diplomática bilateral, com sérios prejuízos para o relacionamento futuro entre ambos os países (BRASIL, 1994, p. 1). Entre o surgimento do problema e o início do período em estudo (2003), diversas ações foram levadas a cabo para tentar solucionar a questão. Por ocasião da II Reunião do Mecanismo Político de Consulta Brasil-Venezuela, realizada em maio de 1994, os Vice-Chanceleres de ambos os países decidiram constituir um Grupo de Trabalho ao qual incumbiria formular propostas de ações concretas para combater e erradicar a mineração ilegal. Em julho daquele ano, realizou-se em Brasília a primeira reunião do grupo, ocasião em que se procedeu a um levantamento das medidas implementadas à luz dos compromissos anteriores e à identificação de ações pendentes. Nos anos seguintes, o GT de Mineração Ilegal da COBAN liderou os esforços de combate ao garimpo na fronteira entre Brasil e Venezuela, coordenando operações de inutilização de pistas de pouso clandestinas, retirada de garimpeiros e missões de autoridades às áreas degradas com vistas à erradicação daquela prática ilegal (BRASIL, 1999; 2003g).5 O resultado dessas ações foi bastante positivos, de modo que a VI Reunião do GT de Mineração Ilegal (Caracas, 22 a 23 de maio de 1999) pode constatar significativa redução do garimpo na fronteira e uma abordagem menos politizada do problema. 6 Entretanto, apesar dos avanços logrados no 5 6 Em novembro de 2000, o Grupo de Trabalho organizou uma missão às áreas afetadas pela mineração ilegal em território venezuelano. A missão foi integrada por autoridades e técnicos da administração pública de ambos os países e serviu para averiguar in loco os prejuízos socioambientais decorrentes daquela atividade (INSPECCIONAN..., 2000). Um relatório do corpo diplomático brasileiro, escrito logo após a VI Reunião do GT de Mineração Ilegal, avaliava que “o problema da mineração ilegal na região fronteiriça era particularmente sério, em virtude da presença no local de milhares de garimpeiros brasileiros, muitos dos quais ingressavam clandestinamente no território venezuelano para a prática de tal atividade [...]. Diferentes medidas tema, ainda eram conhecidos sítios ativos de mineração ilegal na região de Serra Parima, na fronte binacional, em 2000. Em 2003, o assunto retornou à pauta bilateral em função da “suposta ampliação da área de mineração ilegal e da consequente degradação ambiental, com a participação de garimpeiros brasileiros, da cabeceira do rio Orinoco, (...) Estado Amazonas, para a região do rio Caroní, no Estado Bolívar.” (BRASIL, 2003b). Na ocasião, não foi possível comprovar a expansão das atividades de garimpo para o norte da fronteira comum, porém ficou claro que a mineração ilegal ainda representava um problema que não fora devidamente equacionado. 7 Em 2005, durante o julgamento de cidadãos brasileiros acusados de garimpo ilegal e crimes correlatos, diplomatas brasileiros puderam ter uma noção mais clara da gravidade da situação. Constatou-se, por meio dos depoimentos, que a mineração ilegal estaria sendo “organizada por grupos com atuação internacional (...) com ramificações na Colômbia, na capital venezuelana e no Brasil” e que a atividade possuiria um sistema de organização complexo, envolvendo mineradores, supervisores e fornecedores de serviços (alimentos, remédios e artigos de primeira necessidade) (BRASIL, 2005d). Além disso, esses grupos teriam à disposição equipamentos modernos como telefones satelitais e rádios de comunicação VHF de longo alcance e teriam capacidade para 7 foram tomadas entretanto com relação ao problema, tais como as operações de retirada de garimpeiros das áreas vizinhas à Venezuela, o que contribuiu para reduzir a prática de mineração ilegal de maneira considerável. Tais medidas, associadas a um desenvolvimento sem precedentes das relações BrasilVenezuela em variados campos nos últimos cinco anos, melhoraram o tratamento dispensado à questão, que passou a merecer enfoque mais técnico e cooperativo e menos reivindicatório do que no passado” (BRASIL, 1999, p.1). “Foram então mostradas fotografias oficiais que, segundo os venezuelanos, retratariam equipamentos e locais de mineração ilegal. No entanto, a maioria das imagens referiam-se a localidades do parque Nacional de Yapacanes, no Estado Amazonas. No caso do Estado Bolívar foram apresentadas diversas matérias jornalísticas, em particular do ano de 2001, sobre a existência, na cabeceira do rio Caroní, de cerca de 200.000 garimpeiros ilegais, grande parte proveniente do Brasil, Colômbia e Guiana, segundo tais reportagens. Consultado, o Senhor Planchalt disse ter conhecimento de número real inferior ao de 1.000 brasileiros no local” (BRASIL, 2003b, p.2). burlar rotineiramente importantes postos de vigilância da Guarda Nacional Venezuelana (BRASIL, 2005d). Assim como havia sido feito no passado, foram realizadas novas ações conjuntas entre Brasil e Venezuela com o objetivo de combater a mineração ilegal. Entre elas, destacou-se a atuação dos Grupos de Trabalho da Comissão Binacional de Alto Nível (COBAN), que figuraram como fórum de discussão e coordenação para a maior parte das iniciativas do período. A VII Reunião do GT de Mineração Ilegal, realizada nos dias 26 e 27 de agosto de 2003, se propunha a retomar as “fórmulas de cooperação para a detecção, vigilância, verificação e controle das atividades ilegais de mineração na zona de fronteira” através de zoneamentos ecológicos, controle e penalização de delitos ambientais, missões técnicas às áreas atingidas e cooperação técnica em gestão de recursos ambientais e monitoramento terrestre via satélite (BRASIL, 2003c). O encontro reuniu grandes delegações dos dois países, com a presença de técnicos e ministros envolvidos no combate à mineração ilegal, e serviu para avaliar as perspectivas de cooperação no setor (BRASIL, 2003c). A V Reunião de Representantes Policiais e Militares, realizada em 29 e 30 de julho de 2005, concentrou-se nas possíveis contribuições de agentes de segurança brasileiros e venezuelanos para o combate à mineração ilegal e deixou clara a possibilidade de iniciativas conjuntas em diversas frentes (BRASIL, 2005h). A despeito dos esforços empreendidos, a mineração ilegal continuou ativa durante todo o período, causando prejuízos às comunidades indígenas, degradação ambiental e comoção política (AUTORIDADES..., 2010; BUTLER, 2008; VENEZUELA..., 2009). Além dos transtornos previamente mencionados, a mineração ilegal ainda contribuiu para o aumento do número de brasileiros presos na Venezuela “sob a acusação de prática de garimpagem em áreas proibidas, porte ilegal de armas, formação de quadrilha e contrabando” (GABINETE..., 2004). Segundo os dados disponíveis até 2007, seriam pelo menos 30 indivíduos de nacionalidade brasileira detidos naquele país, cidadãos geralmente desprovidos de recursos financeiros e com educação formal bastante limitada (BRASIL, 2005d). Não bastasse a carência desses indivíduos, as instalações penitenciárias venezuelanas apresentariam ainda condições precárias de assistência aos detentos, infraestrutura insuficiente e falta de segurança (apesar dos controles, muitos detentos possuiriam armas) (BRASIL, 2005g). Para remediar a situação, o corpo diplomático brasileiro entregou regularmente artigos de higiene pessoal, alimentos, medicamentos e cartões telefônicos e contratou um advogado para que os casos pudessem ser devidamente acompanhados (BRASIL, 2005d; 2005g). Vale lembrar, ainda, que a abertura do Vice-Consulado do Brasil em Puerto Ayacucho teve como uma de suas principais justificativas a assistência consular aos presos (BRASIL, 2005a; 2005b; 2005c; 2005e; 2005f). Segurança na Fronteira com a República Cooperativista da Guiana Essa seção trata de algumas das principais questões de segurança na fronteira entre o Brasil e a Guiana entre os anos de 2003 e 2008 e está dividida em (a) tráfico de drogas, (b) tráfico seres humanos, (c) mineração ilegal e (d) outros ilícitos transfronteiriços. (a) O tráfico de drogas — Na fronteira entre Brasil e Guiana, o tráfico de drogas seguiu um padrão bastante semelhante ao encontrado na fronteira com a Venezuela durante o período em estudo. Tratar-se-ia principalmente de cocaína, oriunda dos países andinos (esp. Colômbia), que cruzaria os territórios brasileiro e guianense em direção aos grandes mercados consumidores da Europa e Estados Unidos. A passagem das drogas fortaleceria os grupos criminosos que atuam na região e aumentaria a disponibilidade de narcóticos dentro dos países que servem de rota internacional para o tráfico (UNODC, 2008, p. 87). Além desses efeitos perversos, o comércio de entorpecentes ainda se associaria a outras atividades ilícitas (e.g. tráfico de pessoas, armas, munições), formando uma rede de criminalidade que desestruturaria a sociedade e rivalizaria com o poder do Estado. 8 Não é possível precisar a dimensão 8 O relatório final da CPI das Armas, já citado anteriormente, afirma que “Lá [na fronteira norte do Brasil] a troca é constante e realizado qualquer tipo de câmbio. Os índios são usados por traficantes para carregarem drogas e também são usados para exploração sexual dos comandantes das quadrilhas que atuam naquela fronteira. E algo que chama à atenção não somente na região da do tráfico de drogas na região, porém há evidências de que foram bastante frequentes as apreensões de cocaína proveniente da Guiana em portos europeus e norte-americanos no período (ADDICTED..., 2009). Um dos principais motivos mencionados para o agravamento da situação é a falta de policiamento na extensa faixa de fronteira (BRASIL, 2007b); porém, também devem ser considerados o crescente papel da região como escoadouro de drogas após o Plano Colômbia e as limitações de ambos os Estados em se fazerem presentes na região (BRASIL, 2004d). A Guiana vem, assim, se transformando rapidamente em teatro de operações do narcotráfico, que logrou infiltrar os setores público e privado do país, em busca de novas alternativas, à medida que os Governos de Bogotá e dos Estados Unidos da América, através da ‘Operação Colômbia’, intensificaram o controle sobre rotas tradicionais. A ação dos narcotraficantes, que operam, ademais, esquemas de lavagem de dinheiro e apoiam esquadrões da morte [...] é facilitado pela falta de policiamento nas fronteiras, sobretudo com a Venezuela, pela prática da corrupção e pela morosidade do sistema jurídico, que gera impunidade (BRASIL, 2004d, p. 1; 2003g). O combate ao tráfico de drogas contou exclusivamente com iniciativas unilaterais durante quase todo o período. No Brasil, há registro de operações para destruição de pistas de pouso clandestinas usadas por traficantes na região norte da Amazônia (BRASIL, 2003g). Na Guiana, o governo lançou o Plano de Estratégia contra Drogas (20052009) para coordenar as ações de repressão ao tráfico de entorpecentes (BRASIL, 2005i). Apenas em novembro de 2007 foi realizada a I Reunião da Comissão Mista Bilateral Antidrogas, que buscou discutir operações conjuntas em cidades fronteiriças, Colômbia, mas na região da Guiana e Venezuela. Toda fronteira é um raio de tráfico de seres humanos, de drogas e de armas e munições.” (BRASIL, 2006a, p. 61-62). Há diversas menções nesse sentido em outras fontes, e.g. Leal e Leal (2002, p. 29), Brasil (2007b) e USA (2003, p. 11). colaboração na redução e prevenção da demanda por drogas, controle de medicamentos e precursores químicos, assistência bilateral para aperfeiçoar e fortalecer agências antinarcóticos, combate à lavagem de dinheiro, treinamento policial e cooperação judicial (BRASIL, 2007c). Os principais resultados da reunião foram o avanço nas negociações para operações conjuntas de patrulhamento, para as quais “autoridades policiais de Roraima informaram sua disposição em dar início prontamente [...] a partir das cidades fronteiriças de Normandia e Bonfim”, e a apresentação de tecnologias brasileiras utilizadas na repressão ao narcotráfico, tais como o esquema de controle de precursores químicos e o software avançado para monitoramento de ligações telefônicas usado pela Polícia Federal (BRASIL, 2007d). Entretanto, não há informações suficientes para apurar a evolução dessas iniciativas nem tampouco subsídios para avaliar possíveis impactos sobre o fluxo de drogas que atravessa a fronteira comum. (b) O tráfico internacional de seres humanos — o tráfico internacional de seres humanos entre Brasil e Guiana vitimou, durante o período em estudo, especialmente mulheres e adolescentes de ambas as nacionalidades, aliciadas para fins de exploração sexual no exterior. Na Guiana, mulheres brasileiras seriam atraídas com falsas promessas de emprego e forçadas a trabalhar como prostitutas em casas noturnas da capital. De acordo com os arquivos diplomáticos, seria “notória a existência, em Georgetown, de estabelecimento que emprega cidadãs brasileiras para espetáculos e facilita encontros com os frequentadores” (BRASIL, 2004c, p. 2). Além das ocorrências relatadas em grandes cidades, cidadãs brasileiras seriam contratadas por mineradores para prestar serviços domésticos e vender produtos brasileiros no interior do país, eventualmente apelando à prostituição. Contudo, nestes casos não haveria indícios de aliciamento ou cativeiro forçado, mantendo estas mulheres a liberdade de ir e vir (BRASIL, 2004c). Ainda, o território guianense seria usado pelo tráfico de mulheres como rota de passagem para os demais países caribenhos (USA, 2008, p. 134). No Brasil, por sua vez, “há um fluxo migratório típico, que ocorre no sentido inverso, ou seja, da Guiana para o Brasil, no qual predominam as profissionais do sexo que se dirigem para Boa Vista” (LEAL; LEAL, 2002, p. 79). Em agosto de 2003, o Setor Consular recebeu denúncia de que cidadã brasileira estava sendo mantida no referido local [casa de shows], contra a sua vontade, após ter sido atraída por aliciante, com falsas promessas de emprego; contactada [sic], a responsável pelo estabelecimento negou aliciamento, mas confirmou que uma ‘profissional’ estava sendo impedida de deixar o país, em virtude de dívidas que havia contraído; após a imediata e incisiva intervenção da Embaixada, a interessada embarcou, no mesmo dia, para Boa Vista (BRASIL, 2004c). Não há registro disponível do número aproximado de mulheres e adolescentes nessa situação, nem foram mapeadas as principais rotas que conectam os dois países. O Trafficking in Persons Report 2004 menciona a presença de mais de 100 pessoas submetidas à exploração sexual forçada em regiões isoladas da Guiana, porém este dado, além de antigo, não inclui as zonas urbanas — onde se supõe que se concentre o maior número de brasileiras aliciadas (USA, 2004). Também não há registro de qualquer reunião bilateral, acordo ou fórum que tenha abordado a questão de forma integrada entre os dois países no período em estudo. (c) A mineração ilegal — A mineração ilegal em território guianense ocorreu, no período, sob condições especiais. Ao contrário da Venezuela, onde o garimpo figura majoritariamente como problema político e ambiental, a indústria da mineração da Guiana representa a segunda maior atividade econômica do país, atrás apenas da agricultura (IHRC, 2007, p. 4). Desse modo, o governo guianense buscou incentivar o desenvolvimento controlado da atividade, regularizando a condição trabalhista dos mineradores e procedendo a uma “mudança de atitude em relação à comunidade brasileira [...] (cerca de 1.500 mineradores), que, de invasores, imigrantes ilegais e poluidores do meio ambiente, passaram a ser reconhecidos como parceiros e coadjuvantes no desenvolvimento econômico” (BRASIL, 2007a; 2004b). Essa postura cooperativa não impediu, entretanto, que alguns setores da população se mantenham desconfiados em relação aos brasileiros, cuja principal ocupação na Guiana é justamente o garimpo (BRASIL, 2003f). A postura governamental tampouco eliminou completamente as irregularidades na prática da mineração, tais como o exercício laboral sem visto apropriado, o garimpo em local proibido e os impactos ambientais negativos da atividade (BRASIL, 2006b). Com efeito, a mineração em pequena e média escala causaria aumento drástico de sedimentos nos rios, alteração do fluxo fluvial pelo surgimento de bancos de areia, contaminação por mercúrio, desmatamento e epidemias de malária (IHRC, 2007, p. 11-17). Além disso, a presença massiva de homens jovens e desacompanhados nos sítios de mineração estaria fortemente associada à prostituição, tráfico de mulheres e abuso sexual de menores indígenas (IHRC, 2007, p. 18-20). Apesar dos esforços de pesquisa, as fontes à disposição são bastante limitadas em alguns aspectos. Não se conhece a prevalência da ilegalidade sobre as atividades de mineração, as rotas de escoamento do metal clandestino, os valores envolvidos ou a associação com outros crimes. Tampouco é consensual que o impacto socioambiental das atividades de garimpo seja realmente elevado: representantes da Guyana Gold and Diamond Miners Association acreditariam que “os danos ambientais por ela causados são relativamente pequenos e objeto de exageros eitos pela imprensa” e que “este país precisaria receber um fluxo de cerca de 30 mil novos garimpeiros do Brasil para desenvolver adequadamente sua indústria da mineração” (BRASIL, 2006d). Da mesma forma, não há registro no período de nenhum acordo, fórum permanente ou reunião entre Brasil e Guiana especificamente dedicados a tratar da mineração ilegal na fronteira comum. (d) Outros ilícitos transfronteiriços — outros ilícitos como tráfico de armas, roubo de veículos, contrabando de gasolina e tráfico de diamantes, completam a rede de criminalidade que atuou na fronteira entre Brasil e Guiana durante o período em estudo. O tráfico de armas presente na região se caracterizou principalmente pelo comércio de pequenas armas de fogo manufaturadas no Brasil, que entram na Guiana para abastecer o crime organizado local. Os compradores estariam associados a outros crimes, em especial o tráfico drogas, contribuindo para a elevação dos índices de criminalidade (alta de 36% em 2008) e da taxa de homicídios (26,1/100.000 hab. em 2008) na Guiana (GUYANA'S..., 2008; GUNS..., 2009; EXIT..., 2008; QUANBALGOBIN-HACKETT, 2008). A atividade seria facilitada pela permeabilidade da fronteira, pela falta de policiamento e pelo entrosamento com as demais redes de ilícitos: Commenting on the problems of illegal firearms, the expert said in addition to Guyana’s long unpatrolled border with Brazil, one of the world’s largest manufacturers of small arms, this country had a serious problem with organized contraband. ‘We have massive smuggling of people, fuel and drugs in areas in the Corentyne and North West District and it is through these means persons were bringing in guns,’ the expert declared. He said unless law enforcement authorities were able to stamp out smuggling it would be difficult for the authorities to arrest the guns problem. The expert explained that there was evidence that some of the persons involved in drugs and fuel smuggling as well as those engaged in high seas piracy were actually the gunrunners. ‘While they bring in their uncustomed goods they bring in weapons also,’ the security official said (ILLEGAL…, 2008). O roubo de veículos na fronteira consistiu no furto de motos e carros brasileiros no estado de Roraima, em especial na cidade de Boa Vista, que seriam ilegalmente transportados e revendidos na Guiana (TRAJANO, 2009; NASCIMENTO, 2009; LADRÕES..., 2009). Essa atividade criminosa foi bastante comum no período, levando autoridades a negociar um acordo para pronta recuperação de veículos roubados à semelhança dos assinados entre Brasil, Bolívia e Paraguai (BRASIL, 2007d). A iniciativa, porém, nunca foi adiante. O contrabando de gasolina parece ter afetado especialmente Suriname e Venezuela, produtores do combustível repatriado para a Guiana. Entretanto, o tráfico ocorreria com particular ênfase em regiões próximas ao Brasil e haveria indícios de envolvimento de cidadãos brasileiros no descaminho de combustível. A fronteira entre Brasil e Guiana ainda abrigaria ainda um esquema para fraudar certificações internacionais de diamante bruto, que previnem que o mineral financie guerras e abusos aos direitos humanos nos locais de origem. Relatórios internacionais confirmam que “vinte por cento dos diamantes existentes na Guiana é contrabandeado para Boa Vista, no Brasil, misturado a diamantes provenientes ilegalmente da Venezuela e devolvidos à Guiana, onde obtém falsos Certificados Kimberley” (BRASIL, 2006c). Mais uma vez, há uma escassez crônica de dados sobre esses assuntos. Não foi possível encontrar fontes seguras que informassem o volume ou valores do comércio ilegal, média anual de ocorrências, rotas mais utilizadas, informações precisas sobre procedência e destino das mercadorias ou cobertura geográfica/demográfica dessas atividades. Tampouco há registro de iniciativas bilaterais direcionadas especificamente ao combate dos ilícitos transfronteiriços mencionados (i.e. tráfico de armas, roubo de veículos, contrabando de gasolina e tráfico de diamantes). Breve Análise Perspectiva Uma breve análise permite concluir que os dois segmentos da fronteira norte analisados estiveram marcados pelos ilícitos transfronteiriços durante todo o período. O fenômeno não é recente e parece estar relacionado à omissão do Estado brasileiro, problema conhecido e bem documentado em diversas fontes (Política de Defesa Nacional9, Programa Calha Norte10, arquivos diplomáticos 11). O 9 10 A Política de Defesa Nacional afirma que “A garantia da presença do Estado e a vivificação da faixa de fronteira são dificultadas pela baixa densidade demográfica e pelas longas distâncias, associadas à precariedade do sistema de transporte terrestre, que condiciona o uso de hidrovias e do transporte aéreo como principais vias de acesso. Essas características facilitam a prática de ilícitos transnacionais e crimes conexos, além de possibilitar a presença de grupos com objetivos contrários aos interesses nacionais. (...) O adensamento da presença do Estado, e em particular das Forças Armadas, ao longo das nossas fronteiras, é condição necessária para conquista dos objetivos de estabilização e desenvolvimento integrado da Amazônia.” (BRASIL, 2005j). A brochura institucional do Programa Calha Norte reconhece que “Entre os principais problemas, figura o esvaziamento demográfico das áreas mais remotas argumento principal é que a falta de controle sobre regiões isoladas, que inclui desprovimento de serviços públicos 12, vigilância limitada do espaço aéreo, fronteiras desguarnecidas, baixa densidade demográfica e condições geográficas desfavoráveis (extensão do terreno, vegetação cerrada e abundância de hidrovias), facilitam a atuação clandestina de grupos criminosos. Com efeito, essa situação de vulnerabilidade contribuiu para o florescimento de atividade ilegais na fronteira comum. O tráfico de mulheres está bem estabelecido na região norte do Brasil, e há rotas internacionais conhecidas que conduzem mulheres e adolescentes brasileiras para a prostituição na Venezuela e na Guiana. O tráfico de armas e de drogas também têm raízes profundas na região. Embora o Brasil não seja o destino principal dos itens traficados, o trânsito dessas mercadorias pelo território nacional resultou em aumento da oferta interna de drogas e armas, corrupção policial e fortalecimento do crime organizado. O tráfico de drogas, por exemplo, dá indícios de penetrar progressivamente na região, não apenas para escoar a produção de entorpecentes como também para aproveitar o potencial de consumo 11 12 e a intensificação e o espraiamento dos ilícitos transfronteiriços. Nesse contexto, crescem, igualmente, as necessidades de vigilância da fronteira”. Sugere-se como solução “aumentar a presença do Poder Público na região do programa Calha Norte, contribuindo para a Defesa Nacional, proporcionando assistência às suas populações e fixando o homem na Região.” (BRASIL, s.d., p.1). “A geografia da zona fronteiriça entre o Brasil e a Venezuela, em grande parte inóspita e de difícil acesso (com exceção da área de Vila Pacaraima/Santa Elena de Uiarén), associada à baixa densidade demográfica, explicam a escassa presença governamental na região. [...] [A] persistência do problema do garimpo ilegal, sugere a necessidade de uma agenda de fomento à cooperação entre os dois países naquela área.” (BRASIL, 1995). Realizei viagem aos municípios roraimenses de Normandia, Uiramutã e Pacaraima nos meses de janeiro e fevereiro de 2009. Na ocasião, pude conversar com políticos e servidores públicos, e ouvir relatos de cidadãos residentes da área, muito do que ficou registrado em fotos, anotações e gravações de áudio. Além disso, foi possível acompanhar uma reunião entre integrantes do Ministério Público estadual, lideranças indígenas e autoridades locais sobre a administração pública neste municípios fronteiriços. Dessa experiência, pôde-se constatar que os municípios fronteiriços do estado de Roraima sofreram, em maior ou menor grau, com a precariedade da infraestrutura de rodagem, problemas de abastecimento elétrico, limitações orçamentárias para contratar técnicos (contadores, advogados, técnicos agrícolas), etc. durante todo o período em estudo. dos países sul-americanos13. O tráfico de armas, por sua vez, encontra no conflito interno da Colômbia um mercado seguro para a armas de fogo e munições14, de modo que o fim do comércio clandestino passa pelo apaziguamento social naquele país. A mineração ilegal representa um complicador adicional na região, reforçando as redes de ilegalidade e causando constrangimento às relações bilaterais. Os demais ilícitos transfronteiriços (i.e. roubo de veículos, contrabando de gasolina, tráfico de armas e diamantes) possuíram menor representatividade no período, mas não sofreram medidas de repressão eficazes e, dessa forma, contribuíram para consolidar a rede de criminalidade na região. Considerações Finais Uma análise perspectiva dessa situação, considerando as limitações materiais e políticas dos Estados em desenvolvimento para investir recursos em vigilância territorial em sentido amplo, sugere que uma abordagem exclusivamente militar para os problemas 13 14 O World Drug Report das Nações Unidas indica o Brasil como maior consumidor de drogas da região, porém em níveis ainda inferiores a outros mercados consolidados como Europa Ocidental e Estados Unidos. O relatório refere, ainda, em vários anos da publicação, um aumento generalizado no consumo de drogas na América do Sul. “While there are indications that the expansion of cocaine consumption is losing some of the momentum it had in the 1990s, and while traditional markets such as the USA and Mexico are stabilizing, new markets continue to emerge. According to UNODC's Drug Abuse Trend Index, cocaine use has increased dramatically in Southern America, Central America and the Caribbean since 1995. Abuse levels are high and increasing in Brazil and Colombia. There are exceptions to this trend in Bolivia and Peru.” (UNODC, 2004, p. 51). De acordo com a CPI das Armas, do Congresso Nacional brasileiro, “A Colômbia é sempre o destino final das rotas do tráfico internacional de armas e munições. Isto se dá em conseqüência [sic] daquele país ter os melhores e maiores compradores de armas e munições e de ser grande fornecedora de cocaína. As organizações paramilitares e as chamadas Forças Armadas Revolucionárias entraram no comércio ilegal de armas e munições e fazem esta disputa usando a cocaína como moeda de troca e de pagamento. Um exemplo disso é o que aconteceu no município de Cucu [...], onde militares brasileiros prenderam em flagrante os colombianos: Justo Alexander Ramirez e William Norbey Nagles Cespedes [...]. Estes colombianos são acusados de pertencerem às FARC” (BRASIL, 2006a, p. 61). supramencionados é pouco efetiva. As Forças Armadas são a principal instituição nacional encarregada de dar expressão prática à soberania brasileira nas regiões de fronteira. Entretanto, sua presença exclusiva é insuficiente para garantir a continuidade da presença do Estado, e a militarização de todos os aspectos da vida civil (abastecimento, eletrificação, arbitragem de disputas particulares, etc.) não é uma situação desejável. Como consequência, iniciativas que gerem economia dos recursos públicos e, desse modo, viabilizem financeira e logisticamente o provimento de serviços públicos em zona de fronteira são essenciais para coibir a difusão de ilícitos fronteiriços. Nesse ínterim, abre-se espaço para as Casas de União. As Casas de União se propõem a aumentar a presença do Estado no território nacional de forma flexível, uma vez que preveem a elaboração de consórcios e convênios entre os diversos entes da federação (municípios, estados e União), garantindo a capilarização da administração das políticas públicas no médio e longo prazo. Isso busca evitar que a cooperação internacional e/ou subnacional se perca no decorrer do tempo. Ao mesmo tempo em que viabilizariam a implementação de políticas públicas eficientes, as Casas de União propõem uma atuação com economia de recursos, já que dentre seus princípios incluem-se a gestão associada e o Federalismo Cooperativo. Assim, maior presença do Estado se daria também pelo compartilhamento de instalações físicas e servidores entre os entes da federação brasileira. As Casas de União facilitariam o controle das fronteiras brasileira, seja com Venezuela, Guiana, ou qualquer outro Estado sulamericano, tanto pela maior presença e atuação do Estado brasileiro, quanto pela inclusão social. No decorrer da pesquisa, fez-se claro que as regiões atingidas pelos diversos tipos de ilícitos transnacionais carecem de serviços básicos como educação, saúde, saneamento e trabalho formal. Implica entender que a baixa qualidade de vida das zonas de fronteira assegura um ambiente propício à proliferação desses ilícitos. Assim, uma política para a região demanda não somente a cooperação entre os Estados sul-americanos, mas também a administração dessa cooperação pelos entes subnacionais, o que garantiria maior acesso das populações locais a serviços fundamentais. De tal forma que as Casas de União podem somar-se aos esforços do Estado para fazer frente aos desafios das regiões de fronteira: a permeabilidade das fronteiras, a falta de policiamento em sua extensão, a escassez de dados sobre os ilícitos transnacionais, a percepção de omissão do Estado brasileiro, a falta de controle sobre as zonas de fronteira e o desprovimento de serviços públicos à população local. ADDICTED to drug trafficking. Stabroek News, Georgetown, 13 jan. 2009. Disponível em: <http://www.stabroeknews.com/2009/opinion/editorial/01/13/addicte d-to-drug-trafficking/>. Acesso: 11 nov. 2014. AUTORIDADES venezuelanas investigam mortes de índios ianomâmis: poluição de garimpos ilegais é possível causa. Reuters, 16 abr. 2010. Disponível em: <http://www.globoamazonia.com/ Amazonia/0,,MUL1571643-16052,00.html>. Acesso em: 24 jun. 2010. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Mineração ilegal: BrasilVenezuela. c.1994. p.1. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. 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Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 2230. 2004a. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Georgetown (BRASEMB Georgetown). Telegrama 0132. 2004b. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Georgetown (BRASEMB Georgetown). Telegrama 0276. 2004c. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Georgetown (BRASEMB Georgetown). Telegrama 0319. 2004d. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 0023. 2005a. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 0045. 2005b. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 0178. 2005c. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 0505. 2005d. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 0681. 2005e. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 0804. 2005f. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 1013. 2005g. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Caracas (BRASEMB Caracas). Telegrama 1327. 2005h. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Georgetown (BRASEMB Georgetown). Telegrama 0295. 2005i. BRASIL. Presidência da República. Decreto no. 5484 [aprova a Política de Defesa Nacional]. Brasília, jun. 2005j. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as organizações criminosas do tráfico de armas. Brasília, nov. 2006a. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Embaixada Brasileira em Georgetown (BRASEMB Georgetown). Telegrama 0070. 2006b. BRASIL. 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Por fim, evidencia a iniciativa das Casas da União e seu potencial como uma ferramenta institucional capaz de aumentar eficácia, eficiência e efetividade das ações governamentais. O Separatismo Boliviano A Bolívia é um dos países mais pobres da América do Sul, o que pode ser observado a partir do exame de alguns indicadores socioeconômicos. Por exemplo, embora a porcentagem de pobreza apresente tendência de queda desde 2004, quase dois terços da 1 Este artigo é baseado na dissertação de mestrado apresentada em 2010: SEBBEN, Fernando D.O. Bolívia: Logística Nacional e Construção do Estado. PPG em Ciência Política. UFRGS, 2010. população ainda vive abaixo da linha da pobreza.2 Ademais, cerca de 70% do trabalho ocorre em condições de informalidade (CUNHA, 2004, p. 13).3 Um terço da população vive em comunidades com 250 pessoas ou menos, ao passo que metade da população está concentrada nas cidades de La Paz, Cochabamba e Santa Cruz (VAN COTT, 2000, p. 333).4 Estima-se que três milhões de bolivianos não têm acesso à eletricidade e, no inverno, usam lenham para aquecer-se. Também é notável a ausência de infraestrutura e de saneamento básico, como rede de esgotos e de água tratada.5 Verifica-se que a pobreza e a indigência são de 50 a 100% maiores entre a população rural (CUNHA, 2004, p. 14). Segundo Gustavo Saavedra, ex-embaixador da Bolívia no Brasil, “no mundo andino, viver nas zonas rurais equivale a viver na miséria. Na Bolívia, 95% da população rural sobrevive abaixo da linha da pobreza” (SAAVEDRA, 2004:99). Em termos políticos, a Bolívia apresenta-se historicamente marcada por violência social e instabilidade. Durante o século XX, teve a média de um presidente a cada dois anos. Segundo Hofmeister (2004, p. 273), foram mais de 200 golpes e trocas de governo com uso da força. A pesquisadora Donna Lee Van Cott registra mais de 190 tentativas de golpe desde a independência (VAN COTT, 2000, p. 331). Houve intervenções militares frequentes durante a segunda metade do século XX. De 1952 a 1982, por exemplo, houve 20 governos, apenas seis constitucionais (SANTORO, 2007, p. 32). Para Guimarães, Domingues e Maneiro (2005, p. 11), “A história da Bolívia independente evidencia uma instabilidade quase sem paralelo internacionalmente. A república conheceu mais golpes militares que aniversários em sua existência”. 2 3 4 5 Segundo Taborga, a pobreza afeta 76% da população e a extrema pobreza 50% (TABORGA, 2005, p. 9). Ainda segundo o autor, um a cada quatro bolivianos reside no exterior (TABORGA, 2005, p. 17). Alguns autores chegam a afirmar que cocaína é a principal fonte de renda do país, sendo responsável por uma renda anual de mais de meio bilhão de dólares (VAN COTT, 2000, p. 346). População total da Bolívia: nove milhões. La Paz (incluindo El Alto) — 1.4436.000. Santa Cruz de la Sierra a — 1.135.00. Cochabamba — 517.000. Somando a população das três cidades, tem-se um total de cerca de três milhões, ou seja, cerca de um terço da população nacional (cf. JANE'S, 2008). Além disso, a Bolívia não é autossuficiente em comida (JANE'S, 2008). Para além desse quadro social, econômico e político crítico, existe na Bolívia um movimento separatista com diversas implicações estratégicas. No país, os anos 2000 foram marcados por uma ampliação da desigualdade de renda entre uma elite exportadora das terras baixas e os indígenas pobres do altiplano (VAN COTT, 2000, p. 348). Impulsionado pelo crescimento econômico do período, o movimento separatista da região da Meia-Lua ressurgiu com força. Trata-se de uma reemergência, visto que o movimento tem suas raízes na própria origem do Estado boliviano. A clivagem étnica, econômica e social adquiriu contornos políticos. As diferentes demandas regionais polarizaram-se e os grupos sociais passaram a “se enfrentar cara a cara”, nos termos de Huntington (1975, p. 208). Proliferam-se as demandas por maior autonomia, seja ela de indígenas ou dos cambas6. Instaurou-se uma crise de hegemonia e o Estado fragmentou-se, processo galvanizado pela inédita chegada à presidência de um indígena, Evo Morales, em 2006. A reemergência do separatismo foi protagonizada pela região da Media Luna. A Meia Lua é composta pelos departamentos de Santa Cruz de la Sierra, Beni, Pando e Tarija. A região é responsável por 80% do PIB boliviano, corresponde a quase dois terços do território e abriga cerca de 58% dos quase dez milhões de bolivianos (MALAMUD; ENCINA, 2008). A região da Meia Lua, além de sediar a produção de gás, também conta com recursos madeireiros e uma pujante produção de soja, liderada tanto por grandes produtores do oriente boliviano quanto por ruralistas brasileiros, os quais aproveitam o relativo baixo preço do hectare e uma oferta de terras pouco explorada. 7 Outros departamentos bolivianos, como La Paz, Oruro e Potosí apresentam condições muito mais precárias. Potosí e Chuquisaca apresentam níveis de renda e desenvolvimento humano semelhantes aos da África Subsaariana 6 7 Camba é o termo utilizado para se referir à população da Meia-Lua, situada no Oriente boliviano. Trata-se de uma construção sociológica, baseada em aspectos culturais da região. Para mais detalhes, conferir a descrição a seguir. Cerca de 200 mil brasileiros residem na Bolívia, a maior parte envolvida na produção de soja da região oriental (SANTORO, 2007, p. 15). Não obstante, a maior comunidade de emigrantes bolivianos no mundo está na Argentina (VIZENTINI, 2004, p. 378). (Cunha, 2004:14). Por outro lado, na região da Meia-Lua vivem aqueles que se autodenominam cambas; no altiplano, residem os kollas.8 É comum a crença de que Evo Morales constitui um fator de desestabilização na Bolívia e na América do Sul. Todavia, foi eleito com 53,7% dos votos em dezembro de 2005, na eleição com maior participação eleitoral da história boliviana (84,51% dos eleitores habilitados) (CÂMARA, 2007, p. 65). Morales foi referendado em 2008 por mais de 67% dos eleitores que o confirmaram no cargo, em um processo cuja correção e legitimidade foram ressaltadas pelos observadores internacionais e pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Ademais, em 2009 não só logrou aprovar o projeto Constituição da coalizão que representava, com cerca de 60% dos votos, como também venceu o opositor Manfred Reyes com 63% dos votos. Portanto, o veredicto do próprio povo boliviano parece contrastar com aquele conferido a Evo pelo senso-comum brasileiro e até mesmo por parcelas da mídia nacional. Além dos quatro departamentos da Meia-Lua, Chuquisaca e Cochabamba também somaram vozes nos pedidos por mais autonomia por algum tempo. Cochabamba ensaiou um alinhamento às demandas autonômicas por meio da figura de seu ex-prefeito Cap. Manfred Reyes Villa 9, um dos principais opositores de Evo Morales, derrotado nas eleições de 2009. A pressão de movimentos sociais, todavia, acabou resultando na perda do mandato de Villa no referendo revogatório de 8 9 A população boliviana é formada por 35% de indivíduos descendentes do grupo Quéchua e 25% do grupo aymara (VAN COTT, 2000, p. 333), o que resulta em mais de 50% do total da população como descendente de indígenas. De uma população de cerca de 10 milhões, 2,1 milhões falam quéchua e dois milhões aymara; porém, a grande maioria também fala espanhol. A pluralidade de grupos sociais tem sido utilizada pelas elites para justificar uma “fraqueza originária”, um “defeito congênito” que impediu a Bolívia de ganhar guerras contra seus vizinhos (cf. WASSERMAN, 2004, p. 320). Manfred Reyes Villa é ex-militar formado na Escola das Américas, no Panamá, quando era chefe de segurança na ditadura do general Luís Garcia Mesa Tejada (1980-1981) (cf. BANDEIRA, 2007). Destaque na política boliviana, em 2002 obteve o terceiro lugar nas eleições presidenciais, com 20% dos votos (HOFMEISTER, 2004, p. 301). 2008.10 De Chuquisaca, a governadora Savina Cuellar exerceu forte oposição ao governo. Ex-membro do MAS, elegeu-se com apoio dos votos da capital (Sucre), posto que nas áreas rurais o candidato governista teve votação superior. A elite de Santa Cruz de la Sierra, centro político do separatismo, depende historicamente dos incentivos governamentais da Bolívia 11. Desde a década de 1950, parte significativa dos excedentes tributados a partir das atividades de mineração, comércio e indústria foram aplicados no desenvolvimento do Oriente boliviano. Tanto regimes autocráticos quanto democráticos investiram na infraestrutura da região, construindo ferrovias, rodovias e investindo maciçamente no agronegócio (BARRIENTOS, 2008). Isenções tributárias e facilidade de crédito impulsionaram o crescimento da região. Segundo Bernardo Barrientos (2008), o montante de subsídios à atividade de soja representa 40% do valor total das exportações do produto que, segundo o autor, foram de cerca de 470 milhões de dólares em 2007. Ainda de acordo com o economista boliviano, “enquanto a superfície dedicada à produção de soja cresceu 94% entre os triênios 1994-1996 e 2004-2006, registrou-se simultaneamente um declínio de 14% no rendimento da produção” (BARRIENTOS, 2008). Verifica-e, portanto, que a expansão da produção é acompanhada de uma queda da produtividade da commodity. Ademais, é preciso ressaltar que a produção de soja do Oriente boliviano é extremamente dependente das preferências tarifárias da Comunidade Andina. Não fosse o mercado do bloco (Peru, Equador, Colômbia)12, a economia local dificilmente resistiria à competição das 10 11 12 Antes da consulta, ocorreram vários choques entre manifestante pró-MAS, revoltados contra a ideia de Villa promover separatismo, e a favor do prefeito, o que resultou em alguns mortos e centenas de feridos. A cidade de Santa Cruz de la Sierra é a capital do departamento Santa Cruz. A Venezuela anunciou sua formalmente sua saída da Comunidade Andina em 2006, passando a pleitear seu ingresso no Mercosul, do qual se tornou parte em 2012. Todavia, firmou naquele mesmo ano, juntamente com Bolívia e Cuba, o Tratado de Comércio dos Povos (TCP), pelo qual se comprometeu a comprar regularmente a soja boliviana. Por meio da adesão a este tratado, a Bolívia passou a fazer parte também da ALBA (Alternativa Bolivariana para as produções da Argentina e do Brasil, com melhores solos e maior nível de mecanização (BARRIENTOS, 2008). Na prática, configura-se uma elite rentista (dependente dos incentivos governamentais), com latifúndios de produção pouco competitiva e uma estrutura de poder oligárquica.13 A ascensão desta elite acabou resultando na polarização do país, marcada por conflitos entre grupos sociais, notadamente a referida elite oriental e partidários do governo do MAS (movimentos indígenas, sindicatos, operários, etc.). No Oriente boliviano, encontra-se, pois, um setor rural prémoderno que apresenta uma elite tradicionalmente dependente do Estado mais um sem número de camponeses sem-terra e miseráveis, o que contribui para que o país seja um dos mais pobres da América do Sul. Como resposta à ideia de Estado plurinacional, a elite da Meia Lua lançou mão de uma estratégia bidimensional: tentou aumentar seu poder de barganha enquanto consolidava o separatismo. Língua e etnicidade são critérios mutáveis, opacos, vazios (HOBSBAWM, 1991:15), mas, no caso da Meia Lua, foram instrumentalizados de acordo com o interesse econômico do gás. O critério de abrangência da nação foi moldado de acordo com o interesse da elite local. Neste caso, manipulou-se e projetou-se a identidade em torno de um conflito, o que também contribuiu para aumentar a coesão social do grupo reclamante. Ser cruceño tornou-se um privilégio de poucos escolhidos. Na arena legislativa, o governo parece disposto a negociar e fazer concessões. Todavia, caso a negociação fracasse e ocorram novos atos de violência, pode ter início uma espiral de violência de difícil estabilização. Há, na Bolívia, uma inversão da expressão de O’Donnell. Na concepção do cientista político argentino, havia nos EUA manchas 13 Américas), em 2009 rebatizada como Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América . E vale lembrar que é justamente “(...) a fatal coligação de uma forte elite proprietária e de uma burguesia fraca que (...) tem sido a origem social dos regimes e movimentos autoritários de direita na Europa e na Ásia.” (MOORE, 1983, p. 424). hobbesianas14 em um universo poliárquico. Na Bolívia, opera-se uma inversão: há manchas poliárquicas em um universo hobbesiano. Talvez sejam dois os principais motivos que fazem de Evo uma figura odiada pela elite oriental: primeiro, o fato de ser indígena, o primeiro a governar o país. Segundo, o fato de ter promovido a nacionalização dos hidrocarbonetos. Ao passar o setor para as mãos do Estado boliviano, Morales praticamente impossibilitou as chances de os separatistas terem o mercado de produção de gás em suas mãos, associando-se ao setor privado diretamente. Assim, diminuiu-se também consideravelmente a possibilidade do advento de uma nova economia de enclave — um Estado camba que iria se resumir à exportação de gás em uma conjuntura de crise energética, visto que Argentina e Chile costumam sofrer carência de gás natural.15 Com a nacionalização dos hidrocarbonetos, dificultou-se a associação das elites da Meia Lua com as empresas estrangeiras exploradoras de petróleo e gás. Até porque, É através do processo político que uma classe ou grupo econômico tenta estabelecer um sistema de relações sociais que lhe permita impor ao conjunto da sociedade um modo de produção próprio, ou pelo menos tenta estabelecer alianças ou subordinar os demais grupos ou classes com o fim de desenvolver uma forma econômica compatível com seus interesses e objetivos. Os modos de relação econômica, por sua vez, delimitam os marcos em que se dá ação política (CARDOSO; FALETTO, 1977, p. 23). Em termos de ação política, as elites orientais têm procurado justificar o seu direito à maior autonomia. Os grupos mais radicais, como o Nação Camba, utilizam-se do argumento da autodeterminação dos povos, princípio consagrado pela Carta da ONU (Art.1º). Esta é, 14 15 Fenômenos que indicam, em geral, a ausência de governo, tanto em termos de proteção legal como de prestação de serviços. Por exemplo, o desemprego estrutural, a subclasse, as minorias excluídas, as migrações, os riscos de anomia. Segundo Carra (2008, p. 120), “O aproveitamento das reservas (ou introdução) de gás natural na matriz energética faz parte dos planos de todos os países da América do Sul. Ainda segundo o autor, o Chile importa quase todos os hidrocarbonetos de que necessita” (CARRA, 2008, p. 132). aliás, a defesa universal dos movimentos separatistas.16 Entretanto, há uma clara deturpação da ideia. Aqui vale retomar o estudo de Charles Tilly, demonstrando a diferença entre Estado nacional e Estado-nação e ressaltando a real existência de poucos casos deste último: Durante a maior parte da história, os estados nacionais — aqueles que governam múltiplas regiões adjacentes e as suas cidades por intermédio de estruturas centralizadas, diferenciadas e autônomas — surgiram muito raramente. A maioria deles eram [sic] não-nacionais: impérios, cidades-estado, ou algo semelhante. Para nosso pesar, o termo “estado nacional” não significa necessariamente estado-nação, um estado cujo povo compartilha uma forte identidade lingüística [sic], religiosa e simbólica. Embora alguns estados, como a Suécia e a Irlanda, se aproximem hoje desse ideal, pouquíssimos estados nacionais da Europa se qualificaram algum dia como estados-nação. A Grã-Bretanha, a Alemanha e a França — estados essencialmente nacionais — por certo nunca passaram por este teste (TILLY, 1996, p. 47). Mais adiante, o autor afirma: Se todos os povos em nome de quem se fizeram exigências de um estado separado obtivessem seus próprios territórios, o mundo passaria dos 160 e tantos estados reconhecidos atualmente para milhares de entidades similares a estados, a maioria deles diminutas e economicamente inviáveis (TILLY, 1996, p. 48). 16 No Brasil, por exemplo, há o Movimento Pampa (que busca a restauração da República Rio-Grandense) ou, em uma versão mais “includente”, abrangendo Santa Catarina e Paraná, o movimento “o Sul é o meu país”. Outros movimentos separatistas no Brasil são o Movimento São Paulo Independente (MSPI), e o Movimento República de São Paulo (MRSP). Cf. http://www.patria-sulista.org/; http://www.pampalivre.info/; http://www.mspi.cjb.net/; http://mrsp.110mb.com/ (Último acesso para todos: 29/07/2009). A reemergência do movimento separatista gera problemas de segurança regionais. Grupos mais radicais, como o Nación Camba, deixam de formular suas preferências por meio de instituições e passam a usar a coerção. O fenômeno guarda alguma semelhança com o pretorianismo (HUNTINGTON, 1975): há uma politização geral da sociedade, cujos agentes passam a atuar de forma direta, não mediada, em um contexto de sobrecarga de demandas. Entretanto, o conceito não se aplica simetricamente ao caso boliviano: o descompasso entre modernização econômica e política não trouxe como resultado, no contexto atual, intervenção das Forças Armadas. Ademais, não se verifica na Bolívia ausência de instituições ou incapacidade para criá-las (características típicas da sociedade pretoriana). Na Bolívia, há instituições políticas e elas continuam a surgir. Há intensa participação, seja no altiplano seja no oriente, mas reduzido grau de intermediação e de moderação entre as demandas dos grupos. “As forças sociais se enfrentam cara a cara” (HUNTINGTON, 1975, p. 208). Entretanto, algumas delas (os grupos radicais) recorrem ao uso da força e, até mesmo, à contratação de mercenários estrangeiros. Estes grupos possuem poder de conexão com outros Estados e grupo sociais de outros países, o que impacta diretamente na questão da segurança regional. Conforme ressalta Antonio Mitre (2008, p. 82), “[e]sse quadro, assombrado pelas eclosões de racismo, pode degenerar em conflito aberto e guerra”. Não tendo suas demandas atendidas, recorrem à destruição do Estado boliviano (tomadas de prédios públicos, greves, manifestações violentas). Existe, portanto, um problema se segurança regional que pode afetar o Brasil e, em especial, a região de fronteira com a Bolívia. Separatismo: riscos do transbordamento para o Brasil A ascensão do movimento separatista na Bolívia desperta importantes preocupações para a estabilidade da região e para a manutenção do regime democrático no país. A Meia Lua possui uma importância estratégica. Fornece 90% do gás enviado ao Brasil (VALENTE, 2007). O gás boliviano chegou a ser responsável, no início dos anos 2000, pelo abastecimento de cerca de 50% do parque industrial do Brasil, especialmente importante para a indústria paulista (SANTORO, 2007, p. 14). Tal fornecimento seria inevitavelmente ameaçado em caso de escalada de um conflito para uma guerra local. Ressalte-se que é na fronteira entre os dois países que passa boa parte do gasoduto Brasil-Bolívia. A fronteira do Brasil com a Bolívia é sensível à segurança brasileira por várias razões. A região Centro-Oeste é a maior porta de entrada do narcotráfico para o Brasil.17 Lá está situada a Reserva Roosevelt, área ocupada pelos índios cinta-larga que, estima-se, abriga a maior reserva de diamantes do mundo. O Centro-Oeste abriga três das dez cidades com maiores taxas de homicídio do Brasil.18 Há risco de a região tornar-se valhacouto do crime transnacional e mesmo de forças mercenárias estrangeiras. A hipótese de uma guerra local tendo como epicentro o separatismo boliviano foi desenvolvida em outro trabalho (SEBBEN, 2007). Por ora, cumpre ressaltar que uma guerra civil na Bolívia confrontaria os diferentes projetos para a América do Sul, como é o caso do bolivarismo da ALBA, liderada pela Venezuela, e do livre-comércio da “ALCA fatiada”, tendo Chile e Colômbia como protagonistas (Área de Integração Profunda — AIP). A Venezuela apresenta-se como aliada da Bolívia. O Chile, inimigo histórico da Bolívia, tem interesses no gás boliviano e no lítio. No passado recente (Era Pinochet e 2005-06), foi acusado de patrocinar o separatismo boliviano. Em relação à Colômbia, há quem afirme que paramilitares colombianos (AUC’s), ligados ao governo Uribe, apoiam os separatistas de Santa Cruz (VALENTE, 2007). 17 18 Cerca de 80% da produção boliviana de narcóticos passa pelo Brasil e vai para a África, chegando, finalmente, até a Europa, seu mercado final (JANE'S, 2008). Os dados referem-se ao período de 2002 a 2006. As cidades são: Colniza (2º), Itanhangá (3º) e Juruena (8º). Suas taxas de homicídio são, respectivamente: 106,4; 105,7; 91,3 (número por 100 mil habitantes) (cf. WAISELFISZ, 2008). Restaria a Brasil e Argentina o papel de mediadores. Nesse sentido, a hipótese de guerra local representa tanto uma ameaça à unicidade da Bolívia quanto ao projeto de integração regional pretendido pelo Brasil. A possibilidade de divisão da região boliviana poderia levar à conflagração alianças rivais entre os países sulamericanos: em síntese, liberais e separatistas de um lado, e desenvolvimentistas e integracionistas de outro. Ademais, conforme se afirmou, o separatismo da região da Meia Lua traz várias implicações à segurança da América do Sul, dado o risco do estabelecimento do tráfico de drogas, armas e pedras preciosas. Este ponto de vista é corroborado por Francisco Teixeira da Silva (2008, p. 53), para quem, “o movimento autonomista denominado Nación Camba representa, ao nosso ver, o maior risco real e concreto para a segurança hemisférica no momento” (TEIXEIRA DA SILVA, 2008, p. 53). O problema do separatismo na Bolívia, embora tenha passado à resolução institucional, não parece de todo solucionado. Em abril de 2009, a polícia boliviana efetuou uma operação em que matou três mercenários e prendeu outros dois em Santa Cruz de la Sierra.19 Em uma entrevista à televisão húngara (BOLÍVIA OPINA, 2009) antes de viajar à Bolívia, o líder do grupo, Eduardo Flores, sabendo que sua vida estaria em risco, contou que fora chamado por bolivianos para estabelecer um sistema de milícias a fim de defender a região Oriental da Bolívia. Por mais que Flores tenha argumentado que o propósito 19 Seu líder, Eduardo Rózsa-Flores, boliviano nascido em Santa Cruz de la Sierra, serviu na Guarda Nacional Croata durante a década de 90 em meio à guerra civil na Iugoslávia. Os outros dois óbitos foram Árpád Magyarosi, húngaro, e Michael Martin Dwyer, irlandês. Foram presos Mario Tadic, croata, e Előd Tóásó, húngaro. Dentre as várias acusações, descobriu-se que os cincos tinham um plano para assassinar o presidente Evo Morales. Seriam apenas uma célula de um grupo muito maior que envolveria, por exemplo, dois generais; o governador da província de Santa Cruz, Rubén Costas; o ex-presidente do Comitê Cívico, Branco Marinkovic; Guido Nayar, pecuarista da mesma região e ex-ministro de Governo do ditador Hugo Bánzer. dessas milícias era estritamente defensivo, é sempre preocupante que a política continue por outros meios, neste caso, a guerra — segundo a máxima de Clausewitz (2003, XCI). De um modo geral, verifica-se que as diversas ameaças ocasionadas pelo separatismo boliviano impactam o Brasil, em especial suas regiões de fronteira. Portanto, faz-se necessário ampliar a presença do Estado na região Centro-Oeste e na Amazônia, para o que a iniciativa das Casas da União tem papel fundamental. A Iniciativa das Casas da União As Casas da União buscam propiciar uma maior a presença do Estado em todo território nacional de forma flexível, com economia de recursos, garantindo uma maior efetividade às políticas públicas. Elas consistem no compartilhamento de recursos, humanos e materiais, entre diferentes entes federados. Trata-se de dar consecução ao princípio da gestão associada contida no artigo 241 da Constituição Federal. Ao mesmo tempo, de oportunizar a realização de consórcios e convênios que ponham em prática a legislação infraconstitucional já vigente acerca do tema. Além de permitir o intercâmbio de conhecimento e experiências entre diferentes servidores, bem como oportunizar uma economia de material de consumo, a iniciativa traz benefícios que importam diretamente para o caso boliviano e suas possíveis implicações para o Brasil. Viu-se que a hipótese de transbordamento de uma guerra em torno do separatismo na Bolívia poderia envolver, entre outros: a) tráfico de drogas, muito presente na fronteira Brasil-Bolívia; b) pedras preciosas (haja vista às reservas pouco conhecidas na região, como a Reserva Roosevelt); c) ameaça ao fornecimento de gás natural (gasoduto BrasilBolívia); d) ameaça ao processo de integração regional (hipótese de confronto entre os três principais projetos: ALBA, ALCA fatiada (AIP) e Unasul); e) risco de a região tornar-se valhacouto do crime transnacional e mesmo de forças mercenárias estrangeiras. As Casas da União permitiriam que os agentes públicos tivessem sua capacidade de ação plenamente otimizada diante dessas ameaças. No caso de uma escalada no conflito da Bolívia, a presença das Casas da União fortaleceria o controle de fronteiras. Ao reunir, por exemplo, Ministério da Justiça (Polícia Federal), Ministério da Defesa (FFAA) e Ministério da Fazenda (Receita Federal), poder-se-ia compartilhar o conhecimento e a experiência de cada uma das áreas de modo a fortalecer a vigilância da fronteira e controlar o tráfico de todo tipo de ilícito. Tais unidades não só teriam ganhos informacionais, como também a eficácia e a eficiência de suas ações seriam ampliadas. Missões conjuntas, por exemplo, teriam maiores chances de êxito. Embora tenham diferentes atribuições e competências legais, a ação conjunta e combinada fornece um alcance e uma sinergia para a ação total que as unidades, isoladas, não teriam. Ademais, a experiência de compartilhamento entre entes federados é também um protótipo para preparar os Estados a um futuro aprofundamento da integração regional por meio da Unasul. A cooperação dos Estados e dos entes subnacionais facilitada pelas Casas de União conformariam um ambiente propício à integração Sul-Americana. BANDEIRA, L. A. Moniz. A balcanização da Bolívia: Estimulada por identidade e economia, região da meia-lua avança para a secessão. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 de julho de 2007. BARRIENTOS, Bernardo Corro. Bolivia: Contra la élite intelectual cruceña: Una crítica a la interpretación que los intelectuales cruceños hacen de la economía y los valores predominantes de su Departamento. Nueva Mayoria, 2008. Disponível em: <http://www.nuevamayoria.com/index.php?option=com_content&ta sk=view&id=505&Itemid=50>. Acesso: 29 jul. 2009. BOLÍVIA OPINA. Transcrição da entrevista de Eduardo Rózsa-Flores pelo jornalista András Kepes. Bolívia Opina, 2009. 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As Casas de União são consórcios públicos entre entes e órgãos da Federação, utilizando de infraestrutura compartilhada de forma a economizar recursos e custeio. São apresentadas como uma forma de propiciar o aumento da presença do Estado em regiões isoladas e garantir maior efetividade às políticas públicas. A integração regional e os processos de formação de blocos regionais são uma variável central para este debate, posto que possuem elevada capacidade de impactar as relações internacionais, assim como as relações políticas, econômicas e sociais nos níveis regional, nacional e subnacional. Nos últimos séculos surgiram novos padrões de competição econômica e geopolítica que ampliaram a necessidade de grandes mercados para sustentar a escala de produção industrial moderna. Consolidaram-se grandes Estados Nacionais, de dimensões continentais e muitas vezes multinacionais, com grandes populações e significativos parques industriais, que acabaram por alterar definitivamente os termos da competição interestatal internacional (ARRIGHI, 1996; OLIVEIRA, 2012; MODELSKI; THOMPSON, 1996; MODELSKI, 2005; RASLER; THOMPSON, 1994). Nas últimas décadas, a tendência à integração de mercados e cadeias produtivas regionais, especialmente dentro dos blocos regionais de poder ou econômicos , estabeleceu um novo ciclo de ampliação da competição interestatal internacional. Os processos de formação de blocos de poder têm sido acelerados pela integração da infraestrutura (energia transportes e comunicações) e das instituições (intergovernamentais e supranacionais), a construção de cadeias produtivas interdependentes e mercados consumidores progressivamente interconectados. Contudo, tudo indica que o aprofundamento da integração no campo político-institucional e a concomitante construção de uma política de defesa comum entre os Estados de um mesmo bloco regional, tornaram-se críticos para assegurar algum grau de autonomia e soberania a estes Estados. Principalmente considerando que os ciclos de intensificação da competição internacional, especialmente entre as grandes potências, têm se mostrado, ao longo dos últimos séculos, uma variável central para compreender a instabilidade e a tendência à guerra no sistema internacional. Nesse sentido, a formação de blocos regionais de poder parece ser a única forma de reduzir desconfianças e rivalidades regionais, enquanto amplia a autonomia destes mesmos Estados frente às crescentes ameaças das grandes potências. O problema das transformações e transições tecnológicas apresenta-se como crítico, especialmente porque inclui a questão da transição energética , ou seja, das perspectivas de mudanças na matriz energética. As transformações tecnológicas e, em especial, as mudanças na composição da matriz energética — incluindo as tecnologias de geração, distribuição e consumo de energia, em última instância, a capacidade de controlar a energia — apresentam grandes implicações no mundo contemporâneo, impactando os diversos setores da sociedade tanto de forma positiva quanto negativa. Isto porque mudanças nas tecnologias de energia impactam desde os sistemas produtivos — e portanto, a geração de emprego e renda — até a infraestrutura (de energia, transportes e comunicações), passando pelos setores da agricultura, comércio e serviços, afetando até mesmo as instituições, a política e a guerra. Importa destacar que historicamente, os Estados que acumularam mais poder na Era Industrial e tornaram-se grandes potências, foram os que conseguiram construir os maiores parques industriais e, também, tornaram-se os maiores produtores e consumidores de energia do mundo. Neste contexto, as transformações tecnológicas, em especial as ligadas à transição energética, apresentam implicações relevantes para compreendermos as principais crises no sistema internacional contemporâneo, na medida em que afetam o equilíbrio de poder entre os Estados nacionais, o que é especialmente crítico entre as grandes potências. Por sua vez, a problemática das fronteiras é abordada aqui considerando a importância estratégica das faixas e “regiões de fronteira” no mundo contemporâneo e, em especial, para o Brasil e sua relação com os países sul-americanos. A relevância destas regiões revela-se, principalmente, através do extenso e controverso debate sobre o papel das regiões de fronteira no mundo contemporâneo. Muitas fronteiras no mundo são áreas distantes dos grandes centros urbanos, industriais e políticos; áreas de reduzida presença dos Estados e de infraestrutura deficiente, onde a cidadania é frequentemente fragilizada. Concomitantemente, assistimos o choque entre as forças centrífugas e centrípetas da globalização, com resultados divergentes em cada região: a regionalização e integração resultando no fortalecimento de alguns Estados através da formação de blocos regionais e, ainda, o enfraquecimento dos que não se integram a um bloco regional, muitas vezes tornando-se objetos das disputas fratricidas entre as grandes potências, sofrendo com a falência de governos e até mesmo a balcanização e implosão de Estados, que são mergulhados no caos e na fragmentação. Nesta polarização, de um lado estão as abordagens que tratam as fronteiras como uma região que pode ser vetor para facilitar e acelerar a integração regional; de outro, como uma região intrinsecamente problemática. Assim, questões como o aumento da presença das instituições estatais nas regiões de fronteira, assim como o desenvolvimento dessas áreas (incluindo a construção da infraestrutura da integração regional e de cadeias produtivas regionalmente integradas), passam pela abordagem das regiões de fronteira enquanto vetor para a integração regional. Para o Brasil e a América do Sul este não é um debate secundário. Ao pensarmos a integração regional em termos continentais, considerando a América do Sul uma região-continente, mostra-se ímpar considerar os desafios tecnológicos, produtivos, infraestruturais e energéticos que enfrentamos hoje. Faz-se necessário considerar o desafio da interiorização do desenvolvimento e da infraestrutura; da construção de uma infraestrutura energética e logística mais eficiente e sustentável, que viabilize e acelere a integração regional e o desenvolvimento de regiões historicamente esquecidas pelos seus respectivos governos. Nota-se que o enfrentamento do conjunto desses desafios passa necessariamente pela identificação das regiões fronteiriças como centrais para a integração regional. Nesse contexto, quando pensamos, nessa grande região — a América do Sul — identificamos inúmeras fronteiras que foram consolidadas historicamente através de conflitos e guerras, deixando marcas e rivalidades que hoje ainda dificultam ou a integração regional. Ao longo dos últimos séculos, assistimos inúmeras disputas pela delimitação das fronteiras sul-americanas, entre diferentes povos e países, entre povos originários e colonizadores, entre Estados consolidados e povos sem Estado. Os colonizadores portugueses e espanhóis, muitas vezes, digladiaram-se para controlar regiões estratégicas, especialmente as bacias hidrográficas, rios centrais ou áreas de acesso aos grandes rios, que, historicamente, eram os vetores de transporte de longo alcance pelo interior dos continentes. Controlar as bacias hidrográficas significava controlar o acesso aos continentes e ao escoamento de qualquer tipo de produto que fosse extraído ou produzido no interior do continente. Historicamente, as grandes disputas sul-americanas deram-se em torno da Bacia Platina e da Bacia Amazônica. Enquanto a Bacia Amazônica acabou sendo controlada, predominantemente, pelos portugueses, a Bacia Platina, foco das tensões e disputas mais intensas, ao menos até o séc. XIX, pode ser considerada o centro das disputas do Cone Sul do continente. No séc. XX, a situação das disputas de fronteira, no Cone Sul, se mantém relativamente estável, apesar de algumas oscilações e períodos de maior tensão na região. As rivalidades fronteiriças acabaram sendo gradativamente substituídas pelas geopolíticas, especialmente disputas por influência entre Brasil e Argentina na Bacia Platina. Comparativamente, na Amazônia, não haviam grandes tensões ou disputas geoestratégicas tão intensas, ao menos até o século XIX. A partir dos anos 1960 e 1970, essa situação começa a se inverter, à medida em que boa parte das atenções e das tensões que o Brasil passa a considerar em termos de fronteira, voltam-se para a questão da Amazônia e de suas fronteiras. Em grande medida, isso é fruto da intensificação dos discursos de líderes das grandes potências em defesa da internacionalização da Amazônia. Por outro lado, essa mudança foi resultado, também, do fim das últimas grandes disputas pelo controle dos rios e das bacias hidrográficas que compõem a grande Bacia Platina. As disputas com o Paraguai foram solucionadas nos anos 1960, com a assinatura da Ata das Cataratas (1966), que resolveu o litígio territorial entre os dois países prevendo que a área contestada seria inundada sob a represa de Itaipu. As tensões com a Argentina, em torno da questão do uso dos recursos hídricos da Bacia do Paraná, acabaram solucionadas através do Tratado Tripartite Itaipu-Corpus, assinado em 1979. Esses processos acabaram por solucionar algumas das tensões com os vizinhos, principalmente as ligadas às questões fronteiriças, especificamente a questão do uso dos recursos hídricos transfronteiriços. O fim destas tensões foi determinante para viabilizar a reaproximação entre esses países, que hoje são parceiros estratégicos do Brasil no MERCOSUL. Com o fim destas disputas, ocorre uma lenta e gradativa melhoria nas relações do Brasil com a Argentina, que se aprofundou ao longo dos anos 1980. O processo de distensionamento das relações Brasil e Argentina se acelera ainda mais a partir da Guerra das Malvinas (1982), apenas três anos após a assinatura do Tratado Tripartite. A partir deste período assistimos, na prática, uma aliança entre o Brasil e a Argentina, que permanece até hoje. Esta aliança viabilizou as negociações de acordos econômicos nos anos 1980 e posteriormente sustentou a criação do MERCOSUL. É interessante notar como esses dois países que talvez fossem os maiores rivais dentro da América do Sul, no âmbito geopolítico, passaram a cooperar e se tornaram aliados ao acordarem sobre o compartilhamento de recursos naturais estratégicos antes disputados (água). Obviamente, o apoio do Brasil à Argentina na Guerra das Malvinas teve um peso significativo, mesmo que tenha sido bastante discreto. A cooperação no âmbito estratégico, com acordos na área nuclear e aeroespacial, apenas consolidou a aliança nos anos 1980, que culmina, na formação do MERCOSUL. Concomitantemente, cresceu o receio brasileiro de que disputas antigas, por exemplo, no Norte, especificamente em suas fronteiras, fossem reavivadas pelas potências europeias, em meio à intensificação do discurso pró-internacionalização da Amazônia. Vale lembrar que as relações do Brasil com as potências europeias passaram por ciclos de tensões e aproximações bastante significativos e intensos nos últimos séculos, especialmente considerando-se as disputas fronteiriças entre Brasil e Inglaterra e França, nas fronteiras da Amazônia brasileira com as Guianas Inglesa e Francesa. Essas tensões nos anos 1960 e 1970 com esses países podem ser consideradas descontínuas, mas marcadas por momentos ou crises de grande tensão. É o caso da “Guerra da Lagosta”, em que Brasil e França quase entraram em uma conflagração militar devido à pesca ilegal francesa no litoral brasileiro. A ameaça de uma guerra em duas frentes, marítima e terrestre, com uma potência europeia, naquele contexto, mostrou-se um desafio bastante complexo e possivelmente devastador. O papel dos discursos dos líderes das potências europeias, como Inglaterra e França, na defesa da internacionalização da Amazônia, nos anos 1960 e 1970, viria apenas consolidar a região Amazônica como foco das preocupações dos estrategistas brasileiros naquele período. Desde então, notamos uma clara mudança na percepção de ameaça principal por parte do Brasil. O país começava a superar a percepção de que a principal ameaça poderia vir dos países vizinhos, para consolidar a percepção de que o maior perigo à integridade territorial e à sobrevivência do Estado brasileiro, era a possibilidade de uma invasão ou confrontação militar com potências extrarregionais. Essa mudança no foco das preocupações brasileiras se consolida através da busca de soluções inovadoras para tais ameaças. Naquele contexto, ocorreu uma intensificação na busca pela solução de controvérsias com os países vizinhos, assim como pela assinatura de tratados de cooperação bilateral e multilateral, que culminou com as primeiras iniciativas contemporâneas de integração regional através da criação de novas organizações. Dentre essas iniciativas, destacam-se, especialmente, o Tratado de Cooperação Amazônica (1978) e a aproximação com a Argentina, incluindo a série de tratados que dariam origem ao MERCOSUL. O estabelecimento de acordos de cooperação nuclear e espacial com a Argentina, destaca-se naquele contexto, por estabelecer a estratégia de construção de um bloco regional como meio central para enfrentar a ameaça de potências extrarregionais. Além disso, esta mudança na percepção de ameaça foi central para impulsionar o desenvolvimento inicial de uma indústria voltada para a produção de tecnologia estratégica; a indústria de defesa, tecnologias estratégicas no âmbito das telecomunicações (incluindo a fabricação de fibra ótica, equipamentos eletrônicos e satélites), assim como o desenvolvimento inicial de uma indústria de informática nacional, todos meios necessários para dotar o país de capacidade para se defender no caso de um confronto com uma grande potência. Também foi naquele contexto que se fortaleceu a estratégia de desenvolvimento das faixas de fronteira do país, através do aumento da presença do Estado nestas regiões, o que foi pensado através de diversas iniciativas: desde a criação de novas unidades militares nas faixas de fronteira, das quais se destacam as do Projeto Calha Norte (1985), passando pela construção de infraestrutura física (transportes, energia e comunicações) ligando os grandes centros econômicos do país até as zonas fronteiriças, até a ampliação de serviços públicos básicos, como saúde e educação. No que tange à educação, destacaram-se as iniciativas de interiorização das instituições federais de ensino superior, com a criação de novas Universidades Federais nas regiões de fronteira, como os casos das que foram criadas nos estados fronteiriços da Amazônia: no Acre (1974), em Rondônia (1982), Amapá (1986) e Roraima (1989). Entretanto, grande parte dessas iniciativas acabaram sendo abandonadas ou significativamente esvaziadas nos anos 1990, quando a hegemonia do neoliberalismo apregoava que o Estado não deveria mais atuar como indutor do desenvolvimento, pois partia da hipótese de que as forças de mercado o fariam. O resultado foi uma década de progressivo abandono das regiões de fronteira, apesar do sucesso relativo da integração regional, que deixou de ser estratégica para se limitar à integração meramente comercial (BANDEIRA, 2002; LOUREIRO, 2007, VIZENTINI, 2005). Somente ao fim de uma década, esboçaram-se as primeiras reações significativas àquela lógica, como a criação da IIRSA, a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana, em 2000. Embora tivesse como objetivo coordenar e integrar centenas de projetos de construção de infraestrutura entre os países sul-americanos, em sua primeira versão, a IIRSA ainda era muito fortemente influenciada pela lógica do mercado, típica dos anos 1990. Apenas com a incorporação da IIRSA ao COSIPLAN da UNASUL , esta realidade começou a ser alterada, e os projetos passaram a ser coordenados a partir das necessidades político-estratégicas dos países sul-americanos. Como disposto no estatuto do COSIPLAN: No marco do COSIPLAN, será dada prioridade ao desenvolvimento interno da região, com o fortalecimento do vínculo existente entre os países membros. O conceito dos EIDs foi ampliado, de forma a privilegiar o desenvolvimento sustentável e a atuar na redução das assimetrias existentes na região. Assim sendo, a concepção dos projetos do COSIPLAN deverá levar em conta a contribuição para o desenvolvimento endógeno regional e para a melhoria das condições de vida das populações existentes nas áreas de influência dos empreendimentos (COSIPLAN, 2011, p. 3). Apesar dessa primeira mudança ser significativa, o volume dos recursos destinados aos projetos da integração infraestrutural sulamericana ainda são muito reduzidos. Especialmente quando se considera a dimensão continental dos desafios para a construção da infraestrutura da integração regional e para a interiorização do desenvolvimento na América do Sul. Como pode-se observar através do Mapa 1 da América do Sul à noite, que evidencia a infraestrutura energética do continente, fica claro que a integração está diretamente ligada à questão do desenvolvimento das regiões de fronteira. Destaca-se não apenas o problema da urbanização desigual, da distribuição desigual das cidades e da malha urbana, mas de indicadores básicos de desenvolvimento, como o acesso à energia elétrica. A concentração populacional e industrial se dá, majoritariamente, nas regiões próximas ao litoral, tanto do lado do Pacífico como do lado do Atlântico, com pequenas exceções de cidades industriais no interior do continente. Em grandes porções do interior do continente, pode-se visualizar a quantidade reduzida de cidades e zonas industriais. Manaus é uma das poucas cidades que pode-se identificar com facilidade no centro da Amazônia. Igualmente, são poucas as cidades bolivianas, como La Paz, que podem ser identificadas com facilidade. Concomitantemente, é possível identificar grandes áreas do interior da Bolívia e do norte do Paraguai, assim como vastas porções amazônicas do Brasil, do Peru, da Bolívia, Colômbia e Venezuela, onde a infraestrutura básica de energia é insignificante ou inexistente. Se considerarmos que, na atualidade, a energia moderna (eletricidade e combustíveis) tornou-se fundamental para o desenvolvimento de qualquer setor da economia (especialmente da indústria) e para a prestação de serviços públicos básicos, isso significa que vastas regiões do interior do continente encontram-se hoje, não apenas privadas de desenvolvimento, mas desconectadas do mundo moderno. Isto porque sem eletricidade não temos como oferecer serviços públicos básicos de qualidade, desde o saneamento básico, até a educação e a saúde; um Posto de Saúde moderno simplesmente não funciona, pois não é possível manter vacinas refrigeradas; não é possível ligar computadores, nem viabilizar o acesso à internet para as populações destas áreas; em diversas regiões do interior da Amazônia, a ausência de infraestrutura adequada de energia elétrica inviabiliza até mesmo procedimentos básicos de segurança alimentar, como o processamento e congelamento de alimentos.1 O próprio tratamento de água em larga escala, dependemos do uso da energia elétrica para tratar e bombear a água encanada. Por isso a disponibilidade de água tratada per capita em grandes partes do interior da Amazônia mostra-se menor do que a da Arábia Saudita. Importa ressaltar que uma grande quantidade de estudos destaca a elevada correlação entre consumo de energia e indicadores de desenvolvimento, indicadores sociais e de qualidade de vida (OLIVEIRA, 2012): desde a renda per capita (CIMA, 2004, p. 110-11) e índices compostos como o IDH1 (GOLDEMBERG, 1998; GOLDEMBERG; LUCON, 1998; CIMA, 2004, p. 28-30, 109) até indicadores sociais como as taxas de analfabetismo, mortalidade infantil, expectativa de vida ao nascer e fertilidade (GOLDEMBERG, 1998, p. 7-15). Estas correlações entre energia e desenvolvimento levaram a Agência Internacional de Energia a propor a análise do desenvolvimento dos países utilizando-se um “Índice de Desenvolvimento Energético” (IEA, 2010). De acordo com o IDE, os países mais ricos do mundo, membros da OCDE, dispõem de 100% de acesso à eletricidade para suas populações. Em contrapartida, os 50 países mais pobres do mundo (classificados pelo PNUD como subdesenvolvidos pela baixa renda per capita), possuem uma média de apenas 20% de acesso à eletricidade entre suas respectivas populações, 1 Estes processos são extremamente úteis para assegurar a segurança alimentar em regiões que dependem, muitas vezes, da pesca de peixes cuja disponibilidade varia enormemente ao longo das estações do ano, em função das grandes oscilações do clima e do fluxo dos rios. dos quais 46 países apresentam mais de 50% da população sem eletricidade e 38 países tem mais de 80% sem acesso à energia elétrica (UNDP; WHO, 2009, p. 13-14). A disponibilidade de energia elétrica abundante e barata é, neste contexto, vital para viabilizar o desenvolvimento de atividades industriais, que vão desde a industrialização de produtos primários típicos de determinada região até a produção de bens intensivos em alta tecnologia. As implicações para o Brasil, assim como para a América do Sul e América Latina são significativas: infelizmente, a realidade de grande parte das fronteiras brasileiras com seus vizinhos sul-americanos é de profundas deficiências ou mesmo a completa ausência de infraestruturas críticas essenciais, como saneamento básico, energia elétrica e de comunicação. Ao todo o Brasil tem mais de 15 mil quilômetros de fronteiras, sendo que temos 588 municípios localizados em 11 estados diferentes, especificamente na faixa de fronteira (de 150 quilômetros a partir da linha de fronteira). Nota-se no Mapa 2 que, na faixa de fronteira, a maior parte das cidades e aglomerações urbanas estão concentradas próximas às fronteiras do Brasil na Região Sul. Essa é a região fronteiriça mais desenvolvida e integrada aos países vizinhos, onde destacam-se fronteiras com países membros-fundadores do Mercosul. Comparativamente, rumo ano norte, na região Centro-Oeste, nota-se que a malha urbana vai tornando-se progressivamente mais rarefeita. No norte da Amazônia, temos uma densidade urbana ainda mais reduzida, com o número de cidades próximas à faixa de fronteira tornando-se perigosamente rarefeito. Consequentemente a infraestrutura que integra estas cidades à malha urbana nacional é, em muitos casos, insignificante ou até mesmo, inexistente. Algumas dessas cidades de fronteira têm cidades gêmeas, o que se sobressai também nas fronteiras com os países membros-fundadores do Mercosul, onde temos várias cidades gêmeas, algumas das quais parcialmente ou totalmente conurbadas. Essas regiões conurbadas estão entre as mais estratégicas do ponto de vista do aprofundamento da integração regional; muitas vezes, as cidades de fronteira são separadas apenas por ruas ou pontes sobre rios. Estas são fronteiras extremamente porosas; na prática, temos cidades funcionando como efetivas áreas de livre circulação de pessoas e de livre comércio no nível local. Os moradores dessas cidades gêmeas muitas vezes trabalham ou estudam em um lado da fronteira e são residentes no outro, fazendo compras e utilizando serviços públicos dos dois lados da fronteira. Apesar de todas as deficiências de infraestrutura, os residentes dessas regiões muitas vezes vivenciam a integração regional no dia a dia como algo real e consolidado. São áreas críticas para a ampliação da infraestrutura da integração regional, para o aprofundamento do turismo e da livre circulação de pessoas, e, especialmente, para a consolidação de cadeias produtivas integradas, com capacidade para gerar emprego e renda de ambos os lados da fronteira. O Brasil tem ao todo 15.179 km de fronteiras, sendo que as maiores fronteiras, algumas das quais consideradas as mais críticas, estão ligadas à Amazônia sul-americana, onde estão 11 mil km das fronteiras brasileiras. Nossa maior fronteira, a Brasil-Bolívia, tem 3,4 mil km e é uma fronteira vital para o Brasil e para a Integração SulAmericana (SEBBEN, 2010; 2014). A título de comparação, 3 mil quilômetros de comprimento equivale à fronteira dos Estados Unidos com o México. Contudo, apesar de os Estados Unidos serem a maior potência militar e econômica do mundo, estes têm tido algumas dificuldades para controlar efetivamente esta fronteira com o México, mesmo sendo formada por vastos desertos e rios com perigosas corredeiras; é uma fronteira extremamente militarizada, com uma verdadeira muralha de paredes, muros, sensores, câmeras eletrônicas, vigilância via satélite vigiando em toda a região e uma elevada densidade de diferentes tipos de forças policiais dos dois lados da fronteira. Em comparação, a fronteira dos Estados Unidos com o Canadá que tem mais de 6,4 mil km contínuos, equivalendo à soma das fronteiras do Brasil com a Bolívia, o Peru e a Guiana Francesa. Somando-se a fronteira do Canadá com o Alasca temos mais 2,4 mil km, quase o tamanho da fronteira BrasilVenezuela (2,2 mil km). Enquanto a fronteira EUA-México tem 3.141km, a soma das fronteiras descontínuas dos EUA com o Canadá totalizam 8.891km. Apesar disso, a fronteira dos Estados Unidos com o Canadá não é militarizada, não apresenta muros, nem alta densidade de forças policiais, posto que não é considerada um problema de segurança para os Estados Unidos: não apresenta problemas de tráfico de drogas e armas do Canadá para os Estados Unidos, nem fluxos de imigrantes ilegais canadenses. Estes são alguns dos indícios de que o tamanho das fronteiras não é necessariamente fonte de problemas, e que a insegurança advém de outros fatores. Essa é uma constatação importante, pois a economia canadense é extremamente integrada à economia estadunidense: 90% do comércio do Canadá é com os Estados Unidos, as cadeias produtivas dos dois países são altamente integradas, assim como suas infraestruturas logística e energética. O Canadá é o maior fornecedor de energia para os EUA, somando-se combustíveis, petróleo, gás e eletricidade. A migração predominante é no sentido inverso, pois os americanos migram mais para o Canadá do que os canadenses para os EUA. Isto ocorre porque as condições de vida são melhores no Canadá, os indicadores sociais são melhores, os índices de violência são menores, o sistema de previdência pública e os serviços públicos básicos (saúde e educação), são muitas vezes melhores do que os similares nos EUA, e, até mesmo o consumo de energia per capita no Canadá é superior ao dos EUA. Este é um ponto crítico, pois demonstra duas estratégias diferentes que os EUA adotaram ao longo do século XX para suas fronteiras. A estratégia foi de integração com o Canadá e fechamento da fronteira com o México, visto como um risco ou ameaça histórica. Enquanto a integração com o Canadá vem se aprofundando ao longo do século XX, e os EUA aparecem como os maiores investidores no país desde a II Guerra Mundial, a estratégia para o México foi de integração econômica mínima, adotando-se uma política de isolamento e recrudescimento da fronteira, percebida historicamente como fonte de problemas. O resultado destas duas estratégias é bastante claro: a fronteira com o México é percebida como um problema geopolítico e fonte de insegurança, enquanto a fronteira com o Canadá é cada vez mais aberta e integrada. Esta comparação é relevante, pois apresenta implicações bastante complexas para a Grande Estratégia Brasileira e, especificamente para a Política Externa brasileira para a América do Sul e para a Integração Regional sul-americana. A sociedade brasileira e os tomadores de decisão ainda não têm uma visão clara sobre o perfil de entorno estratégico que queremos ter, nem sobre como trataremos nossas fronteiras e nossos vizinhos. Ainda não é consensual a importância da integração regional sul-americana, nem a disposição do Brasil para arcar com seus custos no presente momento. Afinal, que perfil de fronteiras o Brasil pretende constituir nas próximas décadas? Se considerarmos as projeções do Goldman Sachs (O’NEILL, 2001; 2012), o Brasil será a 4ª maior economia do mundo até 2050. Entre 2040 e 2050, o país estará disputando com o Japão o posto de 4ª ou 5ª maior economia do mundo. Assim, considerando um cenário para 2050, por exemplo, podemos imaginar basicamente dois tipos de fronteiras, dependendo dos rumos da Integração Regional SulAmericana. Caso a integração regional não tenha prioridade, corremos o sério risco de crescer desconectados dos países vizinhos; de chegarmos em 2050 como uma espécie de “ilha de riqueza” cercada de Estados pobres e desiguais ou países com grandes e problemáticos bolsões de pobreza. Neste cenário, esses países tornar-se-ão progressivamente instáveis, podendo se tornar fontes de todo tipo de insegurança para o Brasil. Os riscos tornam-se elevados considerando a instabilidade internacional e a competição inter-regional, tendo em vista que grandes potências extrarregionais poderão explorar a pobreza e as desigualdades dos nossos vizinhos para dividir e desestabilizar toda a região, com impactos seriamente negativos para o Brasil – o risco que representará uma guerra civil em um ou mais países vizinhos, com o surgimento de facções de insurgentes armados ou terroristas financiados e armados por potências extrarregionais é evidenciado por Sebben (2009; 2010; 2014). Se hoje tal cenário se mostra “altamente” indesejável, dentro de poucas décadas suas consequências poderiam inviabilizar definitivamente as perspectivas de integração regional e de uma inserção internacional mais soberana e autônoma do Brasil e da América do Sul no cenário internacional. No cenário inverso, o Brasil poderá priorizar a integração regional nas próximas décadas, irá ver seus vizinhos como aliados, arcar com os custos da integração da infraestrutura, de cadeias produtiva e comercial que favoreça esses vizinhos. Neste cenário o Brasil poderá integrar progressivamente esses países a sua economia, suas cadeias produtivas; o crescimento brasileiro poderá favorecer a expansão do mercado de trabalho, através da geração de emprego e renda e, subsequentemente, ampliar o mercado consumidor dos nossos vizinhos. Esta estratégia, apesar de representar custos no curto prazo, tem o benefício de incalculáveis retornos no longo prazo, posto que a melhoria das condições de vida e do poder aquisitivo dos países sul-americanos significará ganhos para todos, inclusive para o Brasil. Destarte, o Brasil enfrenta hoje um problema prático para resolver no curto prazo, na medida em que temos fronteiras onde a presença do Estado é bastante reduzida, a infraestrutura é insuficiente e a integração com os vizinhos é insignificante. São fronteiras que mostram-se absolutamente porosas, muitas das quais estão se tornando, lentamente, fontes de problemas e insegurança. É inviável que a militarização dessas fronteiras, por si só, resolva algum problema de longo prazo. Nas nossas fronteiras do Centro-Oeste e da Amazônia, muitas vezes, os marcos de fronteiras estão dentro de vilas ou pequenas aglomerações urbanas, ou dentro de propriedades rurais em que o proprietário é dono de terras de ambos os lados. Neste contexto destacase que o Brasil tem tido dificuldades reais para controlar, por exemplo, até mesmo o fluxo de gado nas suas fronteiras com a Bolívia, ao longo das últimas décadas. A solução para controlar a febre aftosa, inicialmente adotada pela Secretaria da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso, e hoje adotada pelo MAPA, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foi de vacinar gratuitamente o gato boliviano. Vacinamos o gado boliviano para controlar a febre aftosa do lado brasileiro da fronteira, pois o gado transita o tempo todo entre os dois lados. Se não conseguimos controlar o fluxo de gado com países vizinhos, é possível imaginar o quão catastrófico podem vir a ser os efeitos de uma possivelmente longa, sangrenta e fratricida guerra civil em um de nossos vizinhos. A principal lição que podemos tirar da análise destes cenários é que a estabilidade social, política e econômica dos nossos vizinhos interessa, e muito, ao Brasil. No curto e médio prazos, tal estabilidade é fundamental para evitar cenários de guerra civil ou de guerra entre dois ou mais países vizinhos, que nos afetariam diretamente. No longo prazo, é central para garantir a questão da estabilidade do continente sulamericano e as perspectivas de crescimento e desenvolvimento socioeconômico do Brasil e de toda a região, progressivamente mais integrada. O planejamento desta integração precisa levar em consideração as diferenças regionais,pois enquanto em alguns lugares as fronteiras são quase desabitadas, em outros, identificamos formações urbanas que permitiram caracterizar essas fronteiras como zonas metropolitanas fronteiriças. Considerando, por exemplo, a região da tríplice fronteira Foz de IguaçuCiudad Del EstePorto Iguaçu, que tem quase 800 mil habitantes, mais as cidades próximas, num raio de 150 km, pode ser considerada uma zona metropolitana em formação, com mais de 1 milhão de habitantes. A tríplice fronteira conta com a maior ponte entre Brasil e Paraguai, a Ponte da Amizade, além de três aeroportos internacionais. Nela também está localizada a maior hidrelétrica do mundo; a primeira hidrelétrica binacional e marco símbolo da integração energética regional, assim como um dos maiores polos turísticos do Brasil: a Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu. Essa região possui um potencial enorme de desenvolvimento, está localizada no centro da Bacia do Paraná e no centro do Aquífero Guarani – se os cálculos estiverem certos a respeito do Aquífero, não é só um dos maiores do mundo em volume de água potável, mas também pode ser uma das maiores reservas mundiais de deutério2. Contudo, mesmo com toda a infraestrutura de pontes, aeroportos, hidrelétricas e portos secos, existe 2 O deutério é considerado um dos mais prováveis combustíveis para viabilizar, no futuro, a fusão nuclear, caso esta se torne técnica e economicamente viável. uma imensa demanda reprimida por outras formas de infraestrutura; de portos, canais e eclusas, passando pelo saneamento básico, o transporte público, a habitação, até serviços públicos federais de saúde e educação. Só muito recentemente, em 2010, foi instalada a primeira Universidade Federal nessa região3. Também verifica-se grande demanda por novos hospitais na região, na medida em que, muitas vezes a população de um lado atravessa a fronteira para ser atendida em hospitais do outro lado. Observando retrospectivamente, nota-se o quão central foi até agora a construção de infraestrutura para o desenvolvimento desta região. Antes da construção da Ponte da Amizade, Foz do Iguaçu e Ciudad del Leste, tinham cerca de 30 mil habitantes cada uma. Cinquenta anos depois, a região tem 1 milhão de habitantes e é um polo econômico e comercial significativo. Nesse sentido, a visão que estabelecemos de uma fronteira mostra-se crítica: se vista como uma barreira, vai continuar sendo uma fronteira tradicional; mas, se for tratada como um vetor da integração regional pode tornar-se fonte de riqueza e desenvolvimento. Para que isso se concretize, é necessário também superar a visão tradicional e simplista da integração regional, entendida apenas como integração comercial. É fundamental repensar a integração regional e incorporar os desafios da integração na esfera da política e das instituições; da integração da infraestrutura ou da integração no campo da segurança e da defesa. Portanto é pertinente destacar as peculiaridades dos desafios e perspectivas de desenvolvimento e integração de cada região e subregião das nossas fronteiras. Afinal, se o acesso à energia elétrica está praticamente resolvido na fronteira sul do país, na fronteira norte ainda é um desafio a ser superado. Enquanto algumas regiões têm potencial para sustentar atividades industriais complexas e centros de pesquisa, gerando empregos qualificados para técnicos, engenheiros e pesquisadores de todo tipo, outras regiões não possuem qualquer tipo de infraestrutura; encontram-se sem acesso adequado a eletricidade, sem internet e, portanto, sem bancos ou serviços públicos modernos; as 3 A Universidade Federal da Integração Latino-Americana, UNILA. comunidades locais vivem em uma situação de absoluta subsistência, muitas vezes dependendo essencialmente dos gastos locais do soldo da tropa de um pelotão de fronteira. No entanto, quando debatemos um macroprojeto de desenvolvimento para a imensa região da Amazônia, é necessário incorporar a diversidade de realidades das fronteiras e das zonas do interior, muitas vezes isoladas de grandes metrópoles como Manaus ou Belém. Para efetivamente implementar projetos de desenvolvimento e integração regional que incorporem as fronteiras amazônicas, é necessário, por exemplo, considerar a necessidade de constituir mecanismos de desenvolvimento sustentável que favoreçam a urbanização e industrialização, em sinergia com o combate ao desflorestamento e desmatamento predatórios. Por isso, compreender as causas do desmatamento pode se mostrar central para debater as soluções de desenvolvimento mais sustentáveis para cada região da Amazônia. Por exemplo, se considerarmos os dados das últimas décadas, podemos verificar que a construção de cidades, estradas, hidrelétricas e atividades de mineração e indústria, somadas, corresponderam a apenas 0,8% das causas de desmatamento. Em contrapartida, cerca de 75% das terras já desmatadas da Amazônia são utilizadas para diferentes formas de pecuária, agricultura (comercial e de subsistência) ou agropecuária (TERRACLASS, 2011). Portanto, para que atividades como a agropecuária extensiva e o extrativismo madeireiro tornem-se economicamente secundárias nesta região, é fundamental priorizar projetos urbanos e industriais, que concentram os impactos ambientais em uma região geograficamente reduzida e de mais fácil controle. Destarte, é necessário consolidar alternativas de desenvolvimento, para que a população local não precise atuar em atividades ilegais, como o desmatamento. Mesmo no setor da agropecuária e silvicultura pode-se adotar medidas simples, como priorizar projetos para o financiamento da produção de culturas vegetais típicas da Amazônia em vez de culturas agrícolas exóticas. É possível financiar projetos de reflorestamento com silvicultura de plantas típicas amazônicas, de elevada produtividade de alimentos, biocombustíveis ou outras matérias-primas – a produção de látex, castanhas, cupuaçu, guaraná e cacau; até palmáceas de alta produtividade para o setor alimentício, de cosméticos e de biocombustíveis, como o açaí, o babaçu e a macaúba. A macaúba, por exemplo, produz cerca de 10 vezes mais óleo por hectare/ano do que a soja, podendo sustentar vastas regiões produtoras de biocombustíveis de elevada produtividade. Também é necessário viabilizar meios de transporte de baixo custo para tornar tais projetos economicamente sustentáveis. Nesse sentido, a região amazônica já conta com a maior rede de rios navegáveis do país, muitos dos quais podem tornar-se navegáveis a baixos custos, com projetos de eclusas, canais, ou hidrelétricas com eclusas, que podem viabilizar a navegação plena destes rios a custos bastante reduzidos. Temos projetos para a construção de novas hidrelétricas binacionais; por exemplo na fronteira Brasil-Bolívia, uma hidrelétrica com eclusa pode viabilizar a navegação do Madeira desde a Bolívia até o Amazonas e, portanto, dar à Bolívia o acesso ao Atlântico através do meio de transporte mais barato que existe, o hidroviário. Devido a redução dos custos logísticos, as hidrovias têm um grande potencial para viabilizar o desenvolvimento local. Por isso, o transporte hidroviário também se mostra basilar para reduzir os custos da integração regional, consolidando a integração de cadeias produtivas e reduzindo os custos logísticos, econômicos e ambientais do comércio e transporte de pessoas. Mais precisamente, as hidrovias podem ser essenciais para tornar possível a integração de cadeias produtivas complexas, desde a agroindústria até setores intensivos em tecnologia. Tais setores, mostram-se fundamentais para que o Brasil e a América do Sul possam enfrentar uma transição tecnológica energética profunda, que provavelmente afetará não apenas o setor energético, mas os transportes e a indústria. É importante, também, permitir a geração de emprego e renda de maior qualidade nestas regiões, o que só será assegurado ao agregar valor aos produtos locais, industrializando-os na região em que são produzidos. Hoje, produtos como a castanha-do-pará e o guaraná em estado bruto têm um valor médio de mercado situado em torno de 20 a 25 vezes o da soja. Quando industrializados, o valor destes produtos pode ser multiplicado dezenas de vezes, no setor alimentício, ou até uma centena de vezes, nas indústrias de cosméticos e farmacêutica. Contudo, para industrializar esses produtos na Amazônia, é necessário dispor de meios de transporte de baixo custo e de energia abundante e barata. Novamente, o uso combinado de meios de transporte e fontes de energia renováveis pode ser determinante para assegurar a sustentabilidade ambiental e econômica de iniciativas desta natureza. O uso combinado de hidrovias como meio de transporte principal, e de hidroeletricidade e biomassa (bioeletricidade) como fontes de energia primária para as indústrias pode viabilizar cadeias produtivas mais eficientes e sustentáveis, que agregam maior valor à produção e geram empregos e renda na região. Concomitantemente, as mesmas hidrovias que podem ser determinantes para o desenvolvimento mais sustentável da Amazônia, incluindo suas regiões de fronteira, podem ser considerados vetores essenciais para a integração regional. A perspectiva de integrar, a partir das grandes hidrovias da América do Sul, as economias desses países aparece como uma oportunidade única, talvez, na nossa história: a integração de toda a América do Sul, levando desenvolvimento sustentável para o interior do continente, ou seja, justamente para as regiões mais pobres da América do Sul. É possível vislumbrar a perspectiva de se agregar o máximo possível de valor aos produtos amazônicos na própria região onde o produto é produzido ou extraído. Dentre os exemplos mais interessantes, pode-se citar a cadeia produtiva do alumínio4. O alumínio, produzido da bauxita, hoje é industrializado no Brasil, mas, por décadas, exportou-se a bauxita em estado bruto. Foi a construção de complexos hidrelétricos como o de Tucuruí, que tornaram viável todo um complexo de polos eletrometalúrgicos da indústria do alumínio na Amazônia Oriental. Contudo, o país não chegou a completar as cadeias produtivas ligadas a estes polos eletrometalúrgicos de alumínio e, hoje a maior parte das ligas de alumínio exportadas são de média tecnologia. Entretanto, existem inúmeras indústrias modernas que precisam de grandes quantidades de alumínio: desde a indústria naval, onde a produção de catamarãs de alta velocidade, hovercrafts e lanchas depende de alumínio, até a indústria aeroespacial, que consome alumínio de alta tecnologia. A construção de um polo aeroespacial capaz de produzir e consumir ligas de alumínio de alta tecnologia e elevada resistência, é apenas um exemplo de estrutura que poderia se beneficiar da produção local desses insumos, posto que eles podem ser utilizados desde a fabricação de aviões civis, hidroaviões, até aviões militares e instrumentos espaciais, passando pela indústria automobilística e a indústria de bens de produção energética, como a fabricação de turbinas eólicas; todas utilizam ligas de alumínio de alta resistência. 4 Importa destacar que a indústria eletrometalúrgica do alumínio pode ser considerada central para outras indústrias desenvolvidas na Terceira Revolução Industrial, especialmente a aeroespacial. O processo de produção de alumínio depende basicamente de energia elétrica abundante e barata, necessária para produzir o derretimento das ligas de alumínio, processo que corresponde a cerca de 1/3 do custo da produção deste metal. Neste sentido é interessante notar que o uso da eletricidade como insumo energético na metalurgia representa uma transformação tecnológica substancial quando comparada à metalurgia e a siderurgia tradicionais, que durante milhares de anos utilizaram basicamente a queima de combustíveis sólidos para produzir a energia necessária para derreter e moldar as ligas metálicas. Destaca-se que essas cadeias produtivas podem ser facilmente integradas e compartilhadas com os países vizinhos da América do Sul, caso se consolide a construção de redes de hidrovias e outros modais, além de outras redes de energia e comunicações regionalmente integradas. Neste sentido, podemos ter, no futuro, várias modalidades de indústrias integradas regionalmente, que viabilizem um desenvolvimento menos desigual na América do Sul, com maior geração de emprego e renda, especialmente através de empregos mais qualificados no interior do continente. Para consolidar esses projetos, será necessário avançar na cooperação técnica e no desenvolvimento científico e tecnológico de setores críticos para a integração regional, como a área de comunicações. Em sinergia com a infraestrutura de energia, a infraestrutura de comunicações é essencial, não apenas para conectar as redes de Internet e telecomunicações dos países sulamericanos sem a necessidade de intermediários extrarregionais 5, mas, também, para viabilizar que o interior do continente, incluindo as regiões de fronteira, tenha acesso a troncos de fibra ótica de grande velocidade. A infraestrutura de comunicações pode ser considerada determinante para a integração nacional (HERZ, 1987; 1994) e regional (CEPIK; ARTURI, 2011), assim, como para a segurança nacional na Era da Digitalização da Guerra (MARTINS, 2009), ou ainda para a estruturação da política industrial de um país (CHANDLER, 2002; CASTRO; SCHRÖDER, 2009; HERZ, 1996; 2003). Conclui-se que estas redes podem ser utilizadas para acelerar sensivelmente os processos de integração regional, dando sustentação para o processo de criação e estruturação de novas instituições transnacionais, intergovernamentais ou supranacionais (MANTOVANI, 2006). Pode-se dizer, que, sinteticamente, essa modalidade de infraestrutura é absolutamente básica para trazer as regiões mais pobres do país e do continente para a “Era da Informação”. 5 Atualmente a infraestrutura de fibra ótica que liga o Brasil ao Peru ou ao Equador, por exemplo, passa antes pelo Caribe, vai até a Flórida e volta pelo litoral do Pacífico até esses países, ampliando os custos e aumentando a insegurança destas comunicações. Esta seria uma contribuição bastante significativa para consolidar a cidadania em muitas das regiões de fronteira hoje abandonadas. Isto porque a interiorização da infraestrutura de comunicações moderna é um pré-requisito básico para levar serviços públicos essenciais: acesso a cartórios, tabelionatos e ao Judiciário, ou a serviços bancários, à educação a distância e a universalização do acesso à internet. Embora nem sempre seja viável construir a infraestrutura de troncos de fibra ótica de alta velocidade até as pequenas cidades e comunidades de fronteira, esta infraestrutura se torna viável quando pensada como parte de uma rede muito maior, voltada para a integração regional. Construir troncos de fibra ótica integrando o continente do Atlântico ao Pacífico, implica na construção de uma infraestrutura que vai, necessariamente, passar pelas regiões de fronteira do interior. Assim, estas deixam de ser regiões isoladas, para se tornarem centros, partes essenciais de um processo de desenvolvimento integrado continental. O desafio de incluir as regiões de fronteira e as regiões mais pobres e isoladas do interior da América do Sul na Era da Informação, passa pela necessidade de construção de outras formas de infraestruturas estratégicas, como, por exemplo, centros de pesquisa e universidades federais. Na última década, o Governo Brasileiro voltou a criar novas universidades federais nas regiões de fronteira, como, por exemplo, a UFGD, a UFFS, a UNIPAMPA, e a UNILA, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Este último caso destaca-se pela localização na Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, e por ser um projeto voltado para assegurar o acesso de um grande contingente de alunos dos países vizinhos da América do Sul e da América Latina e Caribe. Isoladamente, estas iniciativas podem parecer pequenas, mas em conjunto e no longo prazo podem contribuir não apenas para a segurança das nossas fronteiras do interior, mas para consolidar uma integração regional pacífica, mais harmoniosa e menos desigual. É nesse contexto que importa destacar a relevância de instituições regionais como o MERCOSUL e a UNASUL, que podem aprofundar e impulsionar a integração regional, colaborando para a interiorização do desenvolvimento nas regiões em que este é mais crítico: as de fronteira. Para isso, é necessário criar e operacionalizar novos mecanismos e instituições capazes de viabilizar a cooperação nos diferentes níveis da federação, e, ainda, entre os diferentes tipos de governos nacionais e subnacionais, permitindo que a cidadania seja ampliada no nível local, especialmente nas faixas de fronteira. Dentre os mecanismos de engenharia institucional inovadores que vêm sendo pensados e discutidos na atualidade, destaca-se o projeto das Casas de União. O projeto mostra elevado potencial para complementar e produzir sinergia entre os diferentes processos aqui debatidos, tanto para a integração regional no nível interestatal quanto para a integração local, nas faixas de fronteira. No nível interestatal, o papel das Casas de União seria o de fomentar a cooperação técnica internacional e a integração das burguesias nacionais a partir da contratação de empresas sul-americanas no âmbito dos consórcios estabelecidos. Já no nível local (regiões de fronteira), as Casas de União têm o potencial de manter a soberania através da garantia da cidadania nessas regiões críticas. Se por um lado é central o papel das organizações regionais, como a UNASUL e MERCOSUL, também é essencial construir mecanismos institucionalizados para lidar com problemas locais, especialmente nas regiões fronteiriças, que precisam de políticas e instituições específicas. O aprofundamento da integração regional dependerá da capacidade do Brasil de arcar com seus custos. Por conseguinte, a consolidação de uma liderança regional brasileira só será possível e legítima se conseguirmos resolver problemas básicos de cidadania dentro do nosso próprio território, especificamente, assegurar a cidadania plena para todos os seus cidadãos, mesmo nas regiões de fronteira mais isoladas. Estas demandas não são concorrentes nem uma é pré-requisito temporal para a outra, pois, como foi discutido, é necessário estabelecer uma estratégia abrangente, que produza sinergia entre a interiorização do desenvolvimento e da cidadania até as nossas fronteiras, com a integração regional e a consolidação de um bloco regional sul-americano. Considerando a dimensão continental desses desafios, pode parecer difícil estabelecer uma estratégia operacionalizável para transformar esses projetos em uma realidade palpável, que concretamente leve mais cidadania para os rincões do Brasil e corroborem, simultaneamente, a integração regional sul-americana. Destarte, a proposta das Casas de União aqui debatida é mais do que um mecanismo de operacionalização de cooperação para políticas públicas nas faixas de fronteira; é uma estratégia de longo prazo, pensada para que possamos superar nossos desafios internos em sinergia com as perspectivas de construirmos uma integração regional, que seja, progressivamente, mais segura e estável, e que assegure o fortalecimento da cidadania também nos países vizinhos. É uma visão de longo prazo para viabilizar a sinergia entre a estratégia voltada para busca por soberania, democracia e cidadania e, simultaneamente, para fazer frente ao continental desafio da integração regional com nossos vizinhos, partindo da realidade de que ambas passam, necessariamente, pelas nossas fronteiras. ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 1996. ARRIGHI, Giovanni. Costume e Inovação: ondas longas e estágios do desenvolvimento capitalista. In: _____________. 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Estes anais procuraram oferecer ao leitor um panorama do estágio inicial do debate acerca das Casas de União. Seus textos traduzem o estado da arte do debate na ocasião, em que ainda tateávamos no escuro, procurando conectar nossas diferentes experiências intelectuais e administrativas com o tema em tela. É fácil compreender este momento pela ligação, às vezes ainda precária, que as temáticas desenvolvidas e as Casas de União guardam entre si. Como se pode constatar, antes de pretender representar qualquer tipo de panaceia — longe disso — as Casas de União procuram apenas sistematizar e generalizar a experiência administrativa já existente. Trata-se de uma proposta de inovação cautelosa perfeitamente enquadrada dentro do marco legislativo e legal brasileiro. O artigo do Cel. Clynson serve para mostrar o quanto, mesmo com recursos escassos e atuando praticamente sozinho, o Exército faz pela cidadania nas regiões de fronteira e, ao mesmo tempo, a pouca adesão dos próprios órgãos federais frente ao apelo representado pelo Pavilhão de Terceiros. Evidencia-se a necessidade de mediações administrativas para que os programas (eg. Bolsa Família) efetivamente cheguem aos confins do Brasil ou às regiões de fronteira. Como referido, em muitos locais, inexistem municípios ou, mesmo onde estes se fazem presentes, falta o material humano e os recursos administrativos para a execução de ações que permitam ao cidadão ter acesso aos programas da União. Esta dimensão, de obter-se a necessária sinergia entre órgãos do próprio Poder Público Federal para atuar em regiões de fronteira em parceria com estados e municípios, fica evidente — e sua necessidade é ricamente ilustrada — através da situação retratada nos artigos de Graciela Pagliari e Rodrigo Cardoso. O mesmo pode ser dito acerca da demanda por soluções multidimensionais que envolvem diferentes órgãos e até governos. Fernando e Lucas, de seu turno, ainda que partindo de perspectivas diversas (defesa e energia), trazem a dimensão econômica e produtiva: a possibilidade de constituir-se as Casas de União em uma espécie de facilitador — incubadora, diriam alguns — de convênios e, quando for o caso, consórcios públicos, encarregado de oferecer know how e segurança jurídica para a construção desses mecanismos. Mais que modernização administrativa, trata-se de uma nova interface; relacionada à possibilidade de alavancar a produção e, com ela, a geração de emprego e renda. Importa que se entenda a importância destas tecnologias nãofísicas, de alternativas modestas, como a encarnada na proposta do Casas de União. A despeito de seu aspecto despretensioso, soluções incrementais como esta entram no âmago de questões axiais como é o caso do Pacto Federativo, da Reforma Fiscal e Tributária, do atendimento ao cidadão, da presença do Estado no território nacional. Em suma, o artifício aplica-se a temas que vão desde a prestação de serviços à cidadania, passando pelo processo produtivo, pelo federalismo cooperativo, enfim, procura-se criar alternativas ad hoc para a conciliação administrativa entre entes federados e uma dinâmica informal para resolver dívidas de estados, sobretudo municípios com o aumento — e não a redução —, da prestação de serviços e da promoção da cidadania. Neste sentido, apesar dos Seminários Casas de União constituírem-se em uma experiência recente e estreitamente ligado ao impulso juvenil dos acadêmicos de Relações Internacionais da UFRGS, nós, os Organizadores deste volume, somos gratos a toda a influência benfazeja, oriunda de elementos que constituíram o Brasil no passado e que, temos certeza, graças a sua generosidade e amplitude de horizonte, irão continuar — juntamente com as novas gerações — sendo imprescindíveis ao Brasil no presente e futuro. No curso destes anos, obteve-se avanços significativos. Contudo, ainda estamos longe de termos elucidado completamente o problema. Importa mencionar que, entre as regiões de fronteira e as zonas urbanas — que será tema dos próximos anais —, conseguiu-se conectar as Casas de União como parte integrante do processo de reforma administrativa. Trata-se de uma resposta a ideia de propriedade pública não-estatal, apresentada pelo então Ministro Bresser-Pereira em sua exposição ao Senado em 1997. As Casas de União ajustam-se à ideia de uma esfera pública não-estatal um elemento de emulação às parcerias entre o setor público e o privado e a própria formação de um terceiro setor. A ampliação do debate, igualmente, permitiu uma aproximação maior com o estado da arte da reforma administrativa: as parcerias públicoprivadas, convênios e consórcios. Hoje o debate está mais uniforme e objetivo do que é retratado no âmbito desses anais. Entretanto, há ainda um longo caminho a ser percorrido. É preciso estudar, discutir e sistematizar a já rica experiência brasileira em convênios e consórcios. Segundo o Portal da Transparência (2014), entre 1996 e 2014, foram celebrados 452.543 convênios pelo Governo Federal; ainda, segundo Caldas e Cherubine, em 2013, já havia 637 consórcios públicos ativos no Brasil.1 Sem dúvida, todos gostariam de poder ter feito mais. Mas procurou-se obter o possível deste processo coletivo e multifacetado com experiências tão diversas como a suscitada pelos órgãos e entidades que integram os Seminários Casas de União. Esperamos, ainda, que estes anais, como os próximos, cumpram a função de informar mais os brasileiros a respeito das realidades do 1 CALDAS, Eduardo de Lima; CHERUBINE, Marcela Belic. Condições de Sustentabilidade dos Consórcios Intermunicipais. In: CHERUBINE, Marcela; TREVAS, Vicente (orgs.). Consórcios públicos e as agendas do Estado Brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013, p. 62. Brasil — ainda hoje são poucos os que tem presente que os maiores bolsões de miséria encontram-se nas regiões de fronteira. Do mesmo modo, esperamos despertar a suscetibilidade entre acadêmicos, professores e funcionários de carreira (tanto civis quanto militares) sobre a importância da iniciativa e da atitude pró-ativa do serviço público. Do papel tanto da inovação, do empreendedorismo, quanto da importância em se pensar a inclusão e a participação social a partir de uma perspectiva relacionada ao incremento do processo produtivo. Sem dúvida, as Casas de União traduzem tanto do ponto de vista intelectual quanto material pluralidade e ecletismo. Mas, acima de tudo, uma visão ecumênica que procura congregar sob as cores do Brasil diferentes visões, perspectivas ou filiações partidárias. Os Organizadores. Clynson Silva de Oliveira é Doutor e coordenador da área de pesquisa de especialização em Operações Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Atualmente está nomeado pelo Comandante do Exército para comandar o 3º Batalhão de Infantaria de Selva em Barcelos-AM no biênio 2015-16. Graciela De Conti Pagliari é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1994), especialização em Integração e Mercosul (1999) e em Direito Internacional (2001) e mestrado em Relações Internacionais (2004) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2009). É autora do livro O Brasil e a Segurança na América do Sul (2009). Rodrigo Bertoglio Cardoso é analista de Ciência e Tecnologia da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior CAPES; possui graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestrado em Ciência Política pela mesma instituição. Fernando Dall'Onder Sebben é analista Legislativo do Senado Federal e Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais no PPGEEIUFRGS. Possui mestrado em Ciência Política e bacharelado em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro associado ao Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE). Lucas Kerr de Oliveira é professor adjunto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), onde atualmente exerce a Coordenação do curso de Relações Internacionais e Integração. Doutor em Ciência Política, com ênfase em Política Internacional, e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pesquisador colaborador no Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) e no Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV). Maria da Graça Hahn é procuradora da Fazenda Nacional, em exercício na Escola da Advocacia-Geral da União de Santa Catarina (EAGU/SC). É Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui PósGraduação em Política e Estratégia pela ADESG/RS, especialização em Processos Regionais de Integração e Mercosul pela UFRGS e Mestrado em Relações Internacionais pela mesma instituição. José Miguel Quedi Martins é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Possui mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e especialização em Integração Regional e Mercosul pela UFRGS. É pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT-UFRGS) e do Grupo de Trabalho de Políticas de Defesa, Inteligência e Segurança do Centro Estudos Internacionais Sobre Governo (CEGOV/UFRGS), com ênfase nos temas Integração Regional, Conflitos Internacionais, Guerra Local e Digitalização. O Lançamento dos Anais do I Seminário Casas de União: Políticas Públicas e Regiões de Fronteira é um marco importante na reflexão sobre o pacto federativo, desenvolvimento e segurança no Brasil. Realizado em setembro de 2013 na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o evento do qual resultam estes anais discutiu a aplicação das Casas de União como política pública em regiões de fronteira e apresentou a sua relevância em diversas frentes, como na economia de recursos dos estados, dos municípios e da União; na redução da dívida de estados e municípios; na redução da litigiosidade; no controle de fronteiras; na segurança energética; na segurança pública; no combate à fome e à miséria; na proteção à indústria nacional e na possibilidade de reforço à segurança pública para eventos de grande porte, como as Olimpíadas de 2016. As Casas de União sintetizam uma proposta de políticas públicas para o planejamento, a articulação e a orientação administrativa para a execução associativa de serviços públicos. As Casas de União viabilizariam fisicamente a prestação desses serviços, possibilitando, ainda, a prevenção e eventual resolução de litígios envolvendo as dívidas dos entes federados. Neste sentido, as Casas de União são uma proposta de mediação entre os possíveis partícipes de consórcios públicos e convênios de cooperação. Com elas oportuniza-se uma melhor prestação de serviços ao cidadão através da capilarização da administração em seus diversos níveis (Federal, estadual, municipal), materializando, assim, o princípio do Federalismo Cooperativo. Marco A. Chaves Cepik Diretor do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV/UFRGS) PROMOÇÃO: APOIO: