Anafilaxia “ alergia que mata “ Eduardo Costa F. Silva Professor colaborador DMI / FCM Chefe do Serviço de Alergia e Imunologia / HUPE [email protected] ANAFILAXIA • HISTÓRICO Portier e Richet (1902) Buscando obter a prevenção para reações graves causadas por anêmonas do mar Observaram reação sistêmica grave/fatal após tentativa de imunização de cães com o veneno de anêmonas Oposto de profilaxia = afilaxia anafilaxia Portier MM, Richet C. De l’action anaphylactique de certains venims. Comptes Rendus des Seances Mem Soc Biol 1902; 54:170-2 Richet ganhou o Prêmio Nobel em 1903 Villandry – Vale do Loire / França DEFINIÇÕES - Reação grave sistêmica (alérgica ou pseudo-alérgica), que envolve mais de um sistema orgânico (ao menos dois): pele-mucosas, ap. respiratório, ap. cardio-vascular, TGI - ASBAI 2006: “reação sistêmica aguda e grave, que acomete simultaneamente vários órgãos e sistemas, determinada pela atividade de mediadores de mastócitos e basófilos” - Sampson, JACI 2006: “reação alérgica grave, de início rápido e que pode ser fatal” ANAFILAXIA = Anafilaxia alérgica X REAÇÃO ANAFILACTÓIDE = Anafilaxia não alérgica Critérios Diagnósticos (Alta probabilidade - Sampson JACI 2006) 1 – Reação aguda, de evolução rápida (minutos a horas), com envolvimento de pele/mucosas acompanhada de ao menos um dos seguintes: - dificuldade respiratória (por edema laringeo ou broncoespasmo) - hipotensão arterial (lipotímia, síncope ou choque) 2 – Ocorrência aguda de dois ou mais dos seguintes, após exposição a um alérgeno previamente suspeito para o paciente: - pele/mucosas: prurido/flush/urticária e/ou angioedema - dificuldade respiratória - hipotensão arterial - sintomas gastro-intestinais persistentes 3 – Redução da PA após exposição a um alérgeno previamente conhecido para o paciente: - em crianças PA baixa para a idade, ou queda de 30% na PA sistólica - em adultos PA < 90 mmHg ou queda > 30% na PA sistólica Epidemiologia • Pouco conhecida - Incidência : pop. geral = 10 a 20 casos:100.000 / ano (UK) 10 a 50 casos:100.000 / ano (USA) média = 21 casos:100.000 / ano (USA) atendimentos em PS = 1:200 a 1:1.000 Provável aumento de incidência nas décadas de 1990-2000 (+ medicamentos) - Raça: sem distinção - Sexo / gênero Incidência geral: sem diferenças entre homens e mulheres Relaxantes musculares, AAS/AINEs e látex => mulheres Insetos (Hymenoptera) => homens - Idade: crianças, adolescentes > adultos < 15 anos mais comum nos meninos > 15 anos mais comum nas mulheres – Maioria dos casos ocorre fora de ambiente hospitalar e dentre os atendidos em PS, muitos tem diag. errado (urticaria ou angioedema) Eduardo Costa - UERJ Prevalência por agente causal Brasil – Bernd LAG e cols. ASBAI 2007 • Questionários: 112 casos – idade entre 8 e 83 anos • Medicamentos = 49/112 (44%) – AINES, ATBs e IECA • Picada de insetos = 20/112 (18%) – abelhas e vespas • Alimentos = 18/112 (16%) – clara de ovo e leite de vaca • 13% miscelânea • Não identificado em 8,9% dos casos Eduardo Costa - UERJ CAUSAS DE ANAFILAXIA ALÉRGICA (IgE) - ALIMENTOS – crustáceos, amendoim, leite, ovo Causa mais comum em P.S. nos EUA Principal causa em crianças / Maioria não fatal - MEDICAMENTOS . penicilinas – mais comum entre os medicamentos . vacinas / imunoterapia . protamina, estreptoquinase, cefalosporinas . Agentes usados em anestesia geral Mortalidade = 4% (+ 2% de dano cerebral) Choque e broncoespasmo podem ser as únicas manifestações Principais drogas - bloqueadores neuromusculares - VENENO DE INSETOS (Hymenoptera) Única forma onde a imunoterapia é aplicável e reconhecidamente eficaz Eduardo Costa - UERJ ANAFILAXIA NÃO-ALÉRGICA PRINCIPAIS CAUSAS - MEDICAMENTOS Opióides – degranulação direta de mastócitos e basófilos Bloqueadores neuromusculares – degranulação direta - inibição das COXs AAS/AINEs aumento de LTs e redução de PgE2 - > expressão de LTC4 sintase e de receptores LTs - menor produção de lipoxinas Contraste iodado: hiperosmolaridade + ativação de C’ - ADITIVOS ALIMENTARES corantes, benzoatos e sulfitos (raras / mecanismo ?) Eduardo Costa - UERJ OUTRAS CAUSAS DE ANAFILAXIA - LÁTEX (IgE) : per-operatório e procedimentos invasivos É a segunda causa mais frequente em per-operatório Medidas preventivas são eficazes - Exercício +/- alimento > 50% dos casos associados a ingestão prévia de alimentos (IgE): menor acidez gastrica => menor digestão de Ags (?) - Idiopática cerca de 20% dos casos (é diagnóstico de exclusão) Mutação em gen (cKit) levando a hiperativação mastocitária ? Eduardo Costa - UERJ CAUSAS MAIS FREQUENTES DE ANAFILAXIA ALÉRGICA E NÃO ALÉRGICA Medicamentos => no Brasil 1a causa (?) - penicilinas (alérgica) - contraste iodado (pseudoalérgica) - bloq. neuromusculares (os 2 mecanismos) - AINEs (pseudoalérgica) Insetos (Himenoptera) (alérgica) Alimentos => nos EUA 1a causa - amendoim (EUA), crustáceos, LV (alérgica) Látex => importante em profissionais de saúde (alérgica) Eduardo Costa - UERJ FISIOPATOLOGIA Outros ativadores MASTÓCITO - C3a, C5a - osmolaridade - medicamentos - outros ? Alergeno + IgE HISTAMINA, PAF PROSTAGLANDINAS LEUCOTRIENOS, ILs resposta imediata resposta tardia QUADRO CLÍNICO Eduardo Costa - UERJ MANIFESTAÇÕES AGUDAS REAÇÃO IMEDIATA MANIFESTAÇÕES TARDIAS REAÇÃO BIFÁSICA (8 - 72 horas após) Ocorre em 25% ou mais dos casos Eduardo Costa - UERJ MEDIADORES, CITOCINAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Efeito Fisiológico Expressão Clínica Risco Extravazamento Vascular Urticária Angioedema Edema laríngeo Hipotensão Asfixia Choque SUBST. P HISTAMINA PAF PROSTAGLANDINAS Edema de Mucosa LEUCOTRIENOS Contração de Musculatura lisa TNFa IL4 e 13 Edema laríngeo Rinite Asma Diarréia Asfixia Asma Dor abdominal Diarréia Insuf.Resp. Insuf. Resp. Ativação de céls. endoteliais amplificam a resposta dos órgãos-alvo aos mediadores ATIVAÇÃO DO SIST. RENINA liberação de noradrenalina ARRITMIAS Eduardo Costa - UERJ OS SINTOMAS INICIAIS OCORREM EM SEGUNDOS/MINUTOS ATÉ 2 HORAS APÓS A EXPOSIÇÃO AO AGENTE CAUSAL TEMPO MÉDIO PARA OCORRÊNCIA DE ASFIXIA OU CHOQUE APÓS INÍCIO DO QUADRO REAÇÃO A ALIMENTOS = 30 MINUTOS (VO) REAÇÃO A VENENO DE INSETOS = 15 MINUTOS (SC) REAÇÃO A DROGAS E CONTRASTE IODADO = 5 MINUTOS (IV) Eduardo Costa - UERJ DIAGNÓSTICO DA REAÇÃO AGUDA – É EMINENTEMENTE CLÍNICO - Anamnese => obter todos os detalhes possíveis: agente suspeito, via de adminstração, dose, sequência de sintomas, tempo para início dos sintomas, tratamento já aplicado, outros fatores associados (exercício, uso de medicamentos) - Exame físico - Dosagem de triptase: alta na crise / se normal não exclui o diagnóstico DO AGENTE CAUSAL – DEPENDE MUITO DA ANAMNESE EVENTUALMENTE UTILIZA-SE TESTES DIAGNÓSTICOS: - IgE específica no sg: veneno de insetos, látex, alimentos - Triptase: pode estar alta na mastocitose fora da crise - testes cutâneos : avaliar risco x benefício - testes de provocação com drogas: só para identificar alternativa Eduardo Costa - UERJ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL • Síncope vaso-vagal – sudorese, náusea, hipotensão, bradicardia, sem urticária/angioedema • Flushing : sínd. do homem vermelho (vancomicina) sínd. do restaurante chines (GMS) feocromocitoma, sínd. carcinóide • • • • Síndrome do pânico Disfunção de cordas vocais Escromboidismo Mastocitose sistêmica Eduardo Costa - UERJ TRATAMENTO Dois aspectos fundamentais do tratamento - administração rápida e agressiva de adrenalina - manutenção adequada da volemia (SF) Outros elementos importantes para o tratamento adequado - administrar O2 100% quando indicado - transporte rápido ao hospital Falsas concepções - “anafilaxia é sempre precedida por sintomas leves iniciais” - “uma reação leve não progride para maior gravidade” - “não há necessidade de pressa, pois sempre há tempo para chegar ao hospital” - “anti-histamínicos e corticóides são eficazes” - “adrenalina sempre é eficaz” Eduardo Costa - UERJ ABORDAGEM E TRATAMENTO INICIAL AVALIAR Via aérea / respiração: máscara, IOT, TQT ? Circulação: hipotensão/choque ? Estado Mental: consequência dos anteriores Posição adequada – decúbito dorsal com MMII elevados Adrenalina 1:1000 IM na região lateral da coxa (IV choque grave, SC não é ideal) Dose IM – adulto: 0,3 a 0,5 mg (= 0,3 a 0,5 ml) crianças: 0,01 mg/Kg (máx 0,3 mg) pode ser repetida a cada 5-15 min. Tempo para Cmáx Via IM = 8 +/- 2 min SC = 34 +/- 12 min Dose IV – 0,1 mg em bolus durante 5 min. Dripping – 0,1 mcg/Kg/min até 1,5 mcg/Kg/min Reposição volêmica inicial: SF - 5 a 10 ml/Kg nos 1os 5-10 min até total de 20 - 30 ml/Kg na 1a h O2 100% se: PA, dispnéia, alteração mental, Sat O2 < 95%, necessidade de mais que uma dose de adrenalina Eduardo Costa - UERJ TRATAMENTO SUBSEQUENTE Anti-histamínicos – só aliviam o prurido inicialmente IM – prometazina Beta-agonistas por via inalatória (ou SC) se houver broncoespasmo Doses altas, como na crise grave de asma Glicocorticóide IV - no broncoespasmo para prevenção da resposta bifásica metilprednisolona 1-2mg/Kg (máx 125 mg) 6/6h Reanimação em caso de choque/PCR Suporte ventilatório se necessário Suporte hemodinâmico: adrenalina 1:10.000 IV dripping Hidratação venosa – SF 0,9% 20 ml/Kg/h Observação por 8 h (casos leves) a 24-48 h (casos graves) Eduardo Costa - UERJ Considerações terapêuticas pós-crise Excluir o fator causal é fundamental, se possível - mais fácil com medicamentos - difícil para alimentos e veneno de insetos Imunoterapia com alergenos é altamente eficaz e indicada na alergia/anafilaxia a veneno de Hymenoptera Pacientes e familiares devem ter orientação escrita para ação em caso de nova crise. Disponível tb na escola e trabalho. Pacientes devem ter cartão, cordão ou pulseira com identificação de ser alérgico com risco de anafilaxia, nome do agente causal e orientação para tratamento inicial Estudos em andamento com indução de tolerância oral com alimentos em casos selecionados Eduardo Costa - UERJ ADRENALINA AUTO-INJETÁVEL EduCosta 2007 Epipen / Twinject (0,15 e 0,3 mg) Indicada para pacientes com anafilaxia por: - veneno de insetos - alimentos - idiopática Obs.: 25 a 35% dos pacientes necessitam 2 ou mais doses de adrenalina Wallace D. AAAAI 2007 Eduardo Costa - UERJ CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES Indivíduos com asma mal controlada têm maior risco de reações fatais Quanto mais a hipotensão se agrava na evolução da reação, menor será a resposta ao tratamento com adrenalina POR ISSO ADMINISTRE ADRENALINA PRECOCEMENTE ! Mesmo com o uso rápido de adrenalina, até 10% das reações não serão revertidas PacienteS em uso de beta-bloqueador: Necessitará de doses dezenas de vezes maiores de adrenalina para o mesmo efeito Ideal usar glucagon ações estimuladora cardíaca direta Eduardo Costa - UERJ [email protected] [email protected]