UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP- DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA ANA PAULA PESSOA DE OLIVEIRA O cuidado familiar na perspectiva de cuidadores de idosos com demência de Alzheimer Tese apresentada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências. RIBEIRÃO PRETO 2009 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP- DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA ANA PAULA PESSOA DE OLIVEIRA O cuidado familiar na perspectiva de cuidadores de idosos com demência de Alzheimer Tese apresentada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências. Orientadora: Profa. Dra. Regina Helena Lima Caldana RIBEIRÃO PRETO 2009 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. FICHA CATALOGRÁFICA Oliveira, Ana Paula Pessoa de. O cuidado familiar na perspectiva de cuidadores de idosos com demência de Alzheimer. Ribeirão Preto, 2009. 269 p. : il. ; 30cm Tese de Doutorado, apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Psicologia Orientador: Regina Helena Lima Caldana. 1. Cuidado. 2. Idoso. 3. Família. 4. Demência de Alzheimer. FOLHA DE APROVAÇÃO OLIVEIRA, A. P. P. O cuidado familiar na perspectiva de cuidadores de idosos com demência de Alzheimer. Tese apresentada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências. Aprovado em:______/______/________ Banca Examinadora Prof. Dr._______________________ Instituição: ________________________________ Julgamento____________________ Assinatura:____________________________ Prof. Dr._______________________ Instituição: ________________________________ Julgamento____________________ Assinatura:____________________________ Prof. Dr._______________________ Instituição: ________________________________ Julgamento____________________ Assinatura:____________________________ Prof. Dr._______________________ Instituição: ________________________________ Prof. Dr._______________________ Instituição: ________________________________ Julgamento____________________ Assinatura:____________________________ DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha fonte mais preciosa de inspiração, minha querida mãe, Ana Lúcia, e a idosa mais especial da minha vida, minha querida mãe, avó e madrinha, Gessy. AGRADECIMENTOS Em especial a eterna Profa Dra Zélia Biasoli- Alves (in memória) pelo acolhimento inigualável no início deste doutorado. À minha querida orientadora e amiga Profa. Dra. Regina Helena Lima Caldana, que me conduziu com sabedoria no caminhar desta etapa, e me proporcionou a percepção para a abertura de possibilidades. Às psicólogas Ledina, Claudia Bandeira e Cremilda pelo apoio na identificação dos participantes deste estudo. Às colegas e amigas Hadelândia Milon e Elisa Oliveira pela grande ajuda na realização das entrevistas da pesquisa. Às professoras Dra. Maria do Rosário de Menezes e Dra. Maria Manuela Rino, pelas valiosas contribuições no exame de qualificação. A toda minha maravilhosa família por acreditar e apostar sempre na efetivação do meu sucesso. Em especial a minha querida irmã Alice, a minha sobrinha e filha, Duda, e as minhas tias Márcia e Bay. Aos idosos que fazem parte do Programa de Atenção a Saúde do Idoso (PROASI), por entenderem minhas constantes ausências e pelas orações e pensamentos positivos. Aos queridos cuidadores, participantes deste estudo, que depositaram em mim toda sua confiança. Sem vocês não seria possível. Aos colegas de doutorado pelas palavras de incentivo, consolo e companheirismo nos momentos de angustia e também de alegria. Sem vocês tudo seria mais difícil do que foi, em especial a amiga Nazaré Hayasida. A FAPEAM pelo apoio financeiro à realização da pesquisa. A UFAM e a USP pela concretização do DINTER, que me possibilitou a realização de um desejo de anos. A todos aqueles que conheci, re-conheci e me afastei, ao longo desta caminhada. A Luta está difícil, mas não posso desistir. Depois da tempestade, flores voltam a surgir Mas quando a tempestade demora a passar A vida até parece fora do lugar Não perca a fé em Deus Fé em Deus que tudo irá se acertar Pois o sol de um novo dia vai brilhar E essa luz vai refletir na nossa estrada Clareando de uma vez a caminhada que nos levará direto ao apogeu Tenha fé, nunca perca a fé em Deus Pra quem acha que a vida não tem esperança Fé em Deus Pra quem estende a mão e ajuda a criança Fé em Deus Pra quem acha que o mundo acabou Pra quem não encontrou o amor Tenha fé, vá na fé Nunca perca a fé em Deus Pra quem sempre sofreu hoje em dia é feliz Fé em Deus Pra quem não alcançou tudo que sempre quis Fé em Deus Pra quem ama, respeita e crê E pra aquele que paga pra ver Tenha fé, vá na fé, nunca perca a fé em Deus. Aquilo que não mata, só nós faz fortalecer Vivendo, aprendi, que é só fazer por merecer E passo a passo um dia a gente chega lá Pois não existe mal que não possa acabar Não perca a Fé em Deus, fé em Deus Que tudo irá se acertar ( Flavinho Silva) RESUMO OLIVEIRA, A. P. P. O cuidado familiar na perspectiva de cuidadores de idosos com demência de Alzheimer. 2009. 269f. Tese (Doutorado)- Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009. Este trabalho tem como objetivo compreender, a partir da perspectiva de cuidadores familiares de idosos com diagnóstico de Demência de Alzheimer, a situação de cuidado familiar em suas diferentes dimensões, à luz da história de vida dos cuidadores. Foram gravadas, literalmente transcritas e analisadas qualitativamente, entrevistas realizadas com 20 cuidadores cadastrados na Associação Brasileira de Alzheimer do Estado do Amazonas (ABRAZ-AM) na cidade de Manaus, através de roteiro semi-estruturado segundo a modalidade de história de vida temática. Os entrevistados têm entre 26 e 82 anos, são no geral provenientes de zona urbana, na quase totalidade mulheres (17), nível socioeconômico e de escolaridade médio para alto em sua maioria, a maior parte dos cuidadores (16) são casados, o grau de parentesco com o idoso é de filiação em sua maioria (14). A história de relacionamento entre o idoso e o cuidador foi descrita como um elemento de grande importância frente ao bem-estar subjetivo no dia-a-dia do cuidado; os cuidadores experienciaram sentimentos positivos se contrapondo a sentimentos negativos no processo do cuidar, desde o momento do diagnóstico; a obrigação moral de cuidar, o sentimento de solidariedade e a motivação para retribuir experiências anteriores gratificantes se fizeram presentes na situação de cuidado. No que se refere ao cotidiano do cuidado, os cuidadores familiares mostraram passar por várias situações com as quais ainda não sabiam lidar. A condução solitária de tarefas relacionadas às Atividades da Vida Diária (AVDs) são as que mais geram sobrecarga aos entrevistados, associadas às suas privações particulares, sociais e profissionais. A falta de apoio no cuidado, a relação de indiferença, distanciamento e de agressividade dos familiares para com o idoso doente são fatores geradores de crise no contexto familiar. No que se refere à doença, os cuidadores relacionam o seu surgimento aos fatores causadores de sofrimento que os idosos vivenciaram no passado; no imaginário destes cuidadores, a doença de Alzheimer tem uma conotação de fraqueza, crueldade e incertezas, gerando um olhar do familiar doente como desprotegido, sofrido e que desperta pena. Os recursos de enfrentamento das dificuldades vivenciadas no processo do cuidado, relatados pelos cuidadores, estavam relacionados ao amor que sentem pelo idoso, atividades relacionadas ao estudo e trabalho como geradoras de prazer e, religiosidade e espiritualidade. Diante das perspectivas, reconhecemos a necessidade da efetivação de uma rede formalizada de serviços com intervenções terapêuticas que sejam sensíveis às características específicas de cada família, que permita ao cuidador adaptar-se melhor à realidade de cuidado do seu familiar idoso em processo demencial, buscando agir adequadamente sobre ela e resolvendo em conjunto os problemas que esta lhe coloca. Palavras-chave: Cuidado, idoso, família, Demência de Alzheimer. ABSTRACT OLIVEIRA, A.P.P. Family care according to the perspective of carers of elderly relatives with Alzheimer’s Disease. 2009, 269p. Thesis (Doctorate). Faculty of Philosophy, Sciences and Letters, University of São Paulo, Ribeirão Preto, 2009. The objective of the present study was to understand, as from the perspective of family carers of elderly relatives diagnosed with Alzheimer’s Disease, the situation of family care in its different dimensions, in the light of the life history of these carers. Interviews with 20 carers registered in the Brazilian Association for Alzheimer of the State of Amazonas (ABRAZAM) in the city of Manaus, were taped, transcribed literally, and qualitatively analyzed using a semi-structured itinerary according to the modality of a life history theme. The interviewees were between 26 and 82 years of age, in general from urban areas and almost all (17) women. Most of them showed medium to high socioeconomic and educational levels, the majority (16) were married and in most cases (14) the relationship with the elderly person was that of son. The history of the relationship between the elderly person and the carer was described as an element of great importance considering the day-to-day wellbeing of the person cared for. The carers experienced positive feelings in opposition to negative feelings in the caring process, as from the moment of diagnosis, and the moral obligation to care for the demented person, sentiments of solidarity and of motivation to repay earlier gratifying experiences, were factors present in the caring situation. With respect to the daily caring routine, the family carers faced various situations which they were still unable to cope with. The solitary undertaking of tasks related to the Everyday Activities (EDAs) was what most caused an overload in the interviewees, associated with the need for personal, social and professional privation. The lack of support for the caring process, attitudes of indifference, distancing and aggressiveness by other relatives with respect to the sick elderly relative, were factors generating crises in the family context. With respect to the disease itself, the carers related its appearance to factors that caused suffering to the elderly person in the past. In the imagination of the carers, Alzheimer’s disease had a connotation of weakness, cruelty and uncertainty, generating an unprotected and suffering appearance in the eye of the sick person, which stimulated pity. As reported by the carers, the resources used to face the difficulties encountered in the caring process were related to the love they felt for the elderly person, activities related to study and work as pleasure providers, and also religiousness and spirituality. Considering these perspectives, the authors recognized the need to implant a formal network of services with therapeutic intervention, sensitive to the specific characteristics of each family, which allows the carer to better adapt to the reality of caring for the elderly relative in a process of dementia, searching for the most adequate way to face the situation and resolving the problems that appear as a group. Keywords: Care, elderly, family, Alzheimer’s disease. SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO .................................................................................................................19 1.1 - O ponto de partida ........................................................................................................ 19 1.2 - Velhice, envelhecimento populacional e a Demência de Alzheimer ..........................23 1.2.1 - Um pouco da história da Velhice .......................................................................... 23 1.2.2 - Envelhecimento populacional e a Doença de Alzheimer......................................25 1.3 - Um Pouco da História da Demência de Alzheimer...................................................... 32 1.4 - Demência de Alzheimer : da epidemiologia ao tratamento ......................................... 33 1.4.1 - Caracterização e fisiopatologia da DA.................................................................. 35 1.4.2 - Sintomatologia da DA........................................................................................... 38 1.4.3 -Diagnostico da DA ................................................................................................. 41 1.4.4 - Condutas para a DA .............................................................................................. 43 1.5 - Família e D. Alzheimer ................................................................................................ 46 1.6 - Cuidado e Alzheimer.................................................................................................... 50 1.6.1 - Dimensões do Cuidado e o idoso .......................................................................... 50 1.6.2 - O cuidador familiar do idoso com a Doença de Alzheimer ..................................54 2 - OBJETIVOS ...................................................................................................................... 61 3 -TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ................................................................................ 63 3.1 - Abordagem qualitativa ................................................................................................. 63 3.2 - Participantes ................................................................................................................. 65 3.3 - A ética na relação com os participantes ....................................................................... 67 3.4 - Instrumento .................................................................................................................. 68 3.5 - Coleta de dados: O processo das entrevistas................................................................ 72 3.6 - Procedimento de análise dos relatos das histórias de vida dos cuidadores ....................... 76 4 - CUIDADORES e IDOSOS uma apresentação em conjunto......................................... 81 5 - O CUIDADOR em foco .................................................................................................... 87 5.1 - A história de vida uma a uma:...................................................................................... 87 5.2 - A trajetória dos cuidadores e a configuração do cuidado no momento atual....................... 152 5.2.1 - A trajetória até se tornarem cuidadores...............................................................152 5.2.2 - Ser cuidador: Por que “eu”?.............................................................................. 154 5.2.3 - Filhos cuidando dos pais..................................................................................... 158 5.2.4 - Esposas cuidando dos maridos ........................................................................... 160 5.2.5 - O cuidado de parentes por afinidade .................................................................. 162 6 - A DEMÊNCIA DE ALZHEIMER E O IDOSO na visão do cuidador...................... 165 6.1 - O diagnóstico ............................................................................................................. 165 6.2 - A etiologia ................................................................................................................. 166 6.3 - A evolução ................................................................................................................. 169 6.4 - A imagem da doença ................................................................................................. 171 6.5 - Imagem do idoso com a doença de Alzheimer.......................................................... 174 7 - O CUIDADO NO MOMENTO ATUAL ...................................................................... 177 7.1 - O cotidiano do cuidado: tarefas ................................................................................. 177 7.2 - Repercussões na vida do cuidador............................................................................. 181 7.3 - Rede familiar: fonte de apoio e relações.................................................................... 189 7.4 - Recursos financeiros.................................................................................................. 204 7.5 - Serviços de saúde....................................................................................................... 206 7.6 - Recursos de superação de dificuldades no processo de cuidado ............................... 207 8 - DISCUSSÃO: O CUIDADOR, O IDOSO E O CUIDADO ........................................ 213 8.1 - O cuidador e o idoso sob cuidado.............................................................................. 213 8.2 - O cuidado: história, repercussões, dificuldades e recursos de superação.................. 218 9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 235 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 243 APÊNDICES ........................................................................................................................ 263 19 1 - INTRODUÇÃO 1.1 - O ponto de partida O Brasil está passando por uma progressiva mudança no seu perfil demográfico, em que o número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos está aumentando cada vez mais em virtude da diminuição da mortalidade e natalidade e o aumento na expectativa de vida populacional. Associado a essa transição demográfica, segundo estudos, o Brasil está vivenciando uma transição epidemiológica, em que as doenças crônico-degenerativas estão ganhando um espaço significativo na população adulta e preferencialmente nas pessoas idosas. O aumento das doenças crônicas vem causando alterações na capacidade funcional dos idosos, o que pode exigir mudanças na estrutura da vida dessas pessoas e de quem as cerca. Dentre as doenças crônicas mais frequentes tem-se: hipertensão, diabetes, osteoporose e demência. A demência de Alzheimer faz parte do grupo das mais importantes doenças que acometem os idosos dos países ocidentais. Hoje a demência de Alzheimer é reconhecida como síndrome caracterizada por deterioração intelectual que ocorre no idoso e é tão severa que dificulta o seu desempenho social. As alterações cognitivas interferem na capacidade de solucionar problemas necessários à vida cotidiana, bem como diminuição da habilidade de desempenhar o autocuidado. Com a evolução dessa doença, o idoso tende a tornar-se dependente de cuidados. Cuidar de um idoso portador de demência de Alzheimer é uma tarefa que demanda muita dedicação e preparo e, na maioria das vezes, a família é a grande cuidadora nesse processo. 20 Ao desenvolver trabalhos com cuidadores domiciliares de idosos dependentes, pôde-se perceber que, na grande maioria das vezes, a responsabilidade pelo cuidado direto fica a cargo de uma única pessoa, que acaba vivendo em prol do cuidado do idoso. Embora esse cuidador possa ser também um profissional contratado pela família, geralmente é um familiar que assume a tarefa de cuidar do idoso; mais comumente uma mulher - a cônjuge, a filha ou outra pessoa da família -assume sozinha a função de cuidadora, e sobre ela recai a maior carga física e emocional. Em função da relação com o idoso antes do processo demencial, esse cuidador possivelmente tem dificuldade de aceitar as mudanças do portador da demência que progressivamente vai assumindo um outro modo de ser, embora conserve o mesmo corpo bastante conhecido. O cuidador pode ainda se deparar com situações conflitantes no cotidiano com a pessoa de quem cuida. Assim, proporcionar cuidados ininterruptos ao idoso demenciado pode ocasionar inúmeras demandas aos cuidadores, representando-lhes um ônus que precisa ser compartilhado com outras pessoas. Com efeito, o cuidador familiar de idosos merece um olhar mais atento, pois o fortalecimento dos laços familiares é uma das principais finalidades da Política Nacional do Idoso, que foi criada para responder às crescentes demandas da população que envelhece. Essa política foi contextualizada no modelo de atenção à saúde, regulamentado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que prioriza as ações preventivas para viabilizar a promoção, manutenção e reabilitação da saúde do indivíduo e sua família, na dimensão da integralidade da atenção. Foram criadas estratégias pelo Ministério da Saúde com o objetivo de reorganizar as práticas assistenciais através do Programa de Saúde da Família na atenção básica. Nessa perspectiva, o indivíduo é visto na sua multidimensionalidade sem se desvincular das especificidades do seu domicilio para identificação das necessidades assistenciais. Embora a 21 legislação brasileira relativa aos cuidados da população idosa seja bastante avançada, a prática ainda é insatisfatória. A constituição brasileira em 1998 assinala o dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores e por outro lado, os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Assim, é possível perceber que no âmbito das políticas públicas reconfigura-se a desinstitucionalização do cuidado, a família é percebida como a cuidadora ideal. A Política Nacional do Idoso buscou envolver os segmentos das esferas Federal, Estadual e Municipal com vistas a garantir o bem-estar físico, mental e social do idoso. Propõe priorizar, em uma de suas diretrizes, o atendimento aos idosos por intermédio de suas próprias famílias. A criação da Política Nacional de Saúde do Idoso teve como objetivo central a promoção do envelhecimento saudável, a preservação e/ou melhoria da capacidade funcional dos idosos. Sendo que, uma das diretrizes desta política propõe o apoio ao desenvolvimento dos cuidadores informais ou familiares. Na prática profissional como enfermeira tive a oportunidade de gerenciar cuidados a pessoas idosas em diversas situações, acometidas de patologias variáveis, dentre elas a demência de Alzheimer. O envolvimento familiar para a prestação dos cuidados é essencial para o idoso possuir uma referência. Em contatos frequentes com os familiares, muitos deles demonstravam grandes dificuldades em lidar com situações de cuidados envolvendo as pessoas acometidas pela patologia. Ao questionar os motivos destas dificuldades, várias respostas apareciam, como: a não aceitação da patologia no idoso, a falta de afinidade com o idoso no decorrer da sua história de vida, bem como o significado do idoso doente no contexto familiar. Com efeito, a importância das relações familiares no contexto de cuidado ao idoso ficou bastante evidente também em pesquisa desenvolvida no curso de mestrado, buscando 22 compreender o cotidiano da pessoa idosa em convívio familiar, particularmente as vivências de solidão. Ao término do estudo, destacou-se a importância da estrutura familiar para que todos os membros se sintam seguros e possivelmente preparados para enfrentar alguns desajustes que podem acontecer ao longo da vida. Os idosos participantes da pesquisa (Oliveira, 2001) revelaram que durante toda sua vida o que mais fizeram foi cuidar de filhos, aconchegando e se sentindo aconchegados por dar e receber atenção. Para estes idosos a vida em família sempre representou um tipo de proteção, dando-lhes suporte emocional e atenuação das suas fraquezas íntimas. No entanto, com o crescimento dos filhos, cada um cuidando da sua vida, sem portanto lhes dar a atenção de que se sentem merecedores, as pessoas idosas se sentem cada vez mais fracas e dependentes de afeto. Numa aproximação com a enfermagem, o estudo (Oliveira, 2001) mostrou que é preciso que os cuidados com o idoso devam estar estruturados em estratégias flexíveis, centradas na pessoa e na sua família, de tal modo que possamos ter uma relação empática e compreensiva, principalmente no que se refere à assistência domiciliar, que cresce vertiginosamente a cada dia no meio profissional. Ao ingressar no doutorado, questões envolvendo os familiares de pessoas idosas continuavam a me causar inquietações; desta vez focalizamos o familiar cuidador de um idoso portador de demência de Alzheimer com a preocupação de conhecer as histórias de vida das pessoas que cuidam, para compreender as nuances do processo de cuidar no contexto sóciopsicológico das relações familiares, através do ponto de vista do cuidador. O cuidado é focalizado por alguns autores, em termos de ação e interação, através do contato físico e social no momento mesmo em que ele é exercido (Teixeira, 2006). De outro lado, no entanto, acredito que o cuidado pode também ser visto na sua relação com um processo histórico, na concretude da vida de cada membro, na rede das relações familiares, principalmente quando se fala de um idoso portador de uma patologia que mexe com todo o 23 contexto familiar, como é o caso da demência de Alzheimer. Considero assim importante que os profissionais de saúde percebam a tarefa de prestação de cuidado ao longo da história do cuidador e tudo que advém disso, que é um dos objetivos deste estudo. 1.2 - Velhice, envelhecimento populacional e a Demência de Alzheimer 1.2.1 - Um pouco da história da Velhice As concepções de juventude e de velhice se transformam ao longo do percurso da existência do indivíduo, são interpretações não absolutas. Essas concepções se constroem historicamente, fundando-se em um campo de valores e se inserem na dinâmica das culturas. A cada novo momento da história da humanidade e a cada etapa do indivíduo, a forma como a juventude e a velhice são pensadas vai se alterando (BIRMAN, 1995). Na passagem do século XVIII para o século XIX, na maioria das sociedades ocidentais, os velhos eram considerados sábios dos costumes e lendas, dos valores locais e ocupavam lugar de prestígio nos conselhos comunitários (HILLMAN, 2001). Segundo o mesmo autor, na passagem do século XVIII para o XIX ocorre também a biomedicalização da saúde, com o fortalecimento da medicina, da vida e da velhice e a consequente associação entre velhice e doença. No século XIX, sob a influência do evolucionismo, a infância e a adolescência eram lócus principal das pesquisas, pois se concebia o desenvolvimento apenas em termos de ganhos, concepção esta marcada pela idéia de ascendência do desenvolvimento durante a infância e a adolescência, de estagnação na maturidade e decadência na velhice até se chegar à morte (HILLMAN, 2001; SCHARFSREIN, 2004). 24 Até a metade do século XX, as pesquisas continuaram focadas na psicologia da infância e da adolescência. Os preconceitos sociais e científicos acerca do idoso ainda persistiam e a velhice era compreendida como fase de declínio cognitivo (LIMA, 2008). Conforme Burger (1990), no final da Segunda Guerra Mundial, houve um decréscimo populacional de homens em idade reprodutiva, levando a uma diminuição das taxas de natalidade e aumento da longevidade. Apesar do idoso passar a ser alvo da preocupação dos governos e da sociedade em geral em relação a sua saúde e às condições de vida, ainda não existia no século XX um lugar social ativo para esta faixa etária (BURGER, 1990). O compromisso com a pesquisa não foi suficiente para ganhar o apoio e a atenção da comunidade científica para o assunto do envelhecimento (LOPES, 2000). Até hoje, a sociedade ocidental continuou a fechar os olhos para o velho. Beauvoir (1990) enfatiza que a velhice nas últimas décadas do século XX inspirou repugnância biológica e é rejeitada de forma útil. As alterações biológicas do envelhecimento representadas pelas rugas e pela flacidez passam a ser vistas como vergonha e fraqueza moral, devendo ser combatidas com o uso de medicações e plásticas (DOURADO, 2000). No século XXI esse comportamento ainda persiste com o paradigma da biomedicalização através da medicina anti-envelhecimento. Essa representação social da velhice, muitas vezes, é incorporada pelo idoso que pode se tornar dependente ou doente ou assumir os esteriótipos e comportamentos considerados próprios dessa etapa (NÉRI et al, 2006). Apesar desse pensamento paradigmático da velhice como etapa de decrepitude e vergonha persistir em nossa sociedade ocidental, atualmente parece que a velhice está sendo objeto de cuidado e atenção, na tentativa de fazer diminuirem os valores negativos que a modernidade delineou na velhice. Pesquisas realizadas atualmente pela gerontologia têm contribuído para que o envelhecimento deixe de estar relacionado com decrepitude e morte. 25 Infelizmente, ainda existe na representação social da velhice uma relação direta entre envelhecimento e doença, muitos sintomas vivenciados pelo velho são interpretados como algo comum e normal da velhice e não como a instalação de alguma doença, de caráter fisiológico ou psicológico. Muitos velhos são abandonados e vivenciam o final da vida como fonte de amargura e desprezo, ao invés de vivê-lo como uma fase de sabedoria (NOUWEN; GAFFNEY, 2000). É importante salientar que a velhice é uma etapa da vida com características e valores próprios, em que o indivíduo sofre modificações na estrutura orgânica, no metabolismo, no equilíbrio bioquímico, na imunidade, na nutrição, nos mecanismos funcionais, nas características intelectuais e emocionais, não podendo ser vista como doença (ZASLAVSKY; GUS, 2002). 1.2.2 - Envelhecimento populacional e a Doença de Alzheimer Estudos demográficos mostram como é rápido e expressivo o crescimento da população de idosos no mundo, resultado da diminuição progressiva das taxas de fecundidade e mortalidade, e do aumento da expectativa de vida das pessoas (DUARTE, 2007). As projeções demográficas relativas ao período de 1950 a 2025 indicam uma alta taxa de crescimento. Enquanto a população total crescerá cinco vezes, estima-se que a idosa aumentará quinze vezes (PAPALEO NETO, 2005). Assim, o envelhecimento populacional é um dos fenômenos mais notórios dos tempos atuais, em todo o mundo. Considerando-se as projeções, ainda, em 2025, o Brasil ocupará a sexta posição mundial com relação ao número de idosos ( PAPALEO NETO, 2005). Sabemos ainda que no último século, as projeções do envelhecimento populacional indicavam as transformações 26 eminentes pelas quais passariam nosso País, porém sem esperar que este fenômeno se desse de forma tão rápida: Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007): O brasileiro vive, em média, 72,3 anos. Em 2005, a expectativa média de vida era um pouco menor, de 71,9 anos; em 2000, de 70,5 anos; e em 1980, de 62,6 anos. Em 1960, a expectativa média de vida no Brasil era 54,6 anos. Nas últimas quatro décadas as mulheres ganharam 20 anos e 34 dias de expectativa média de vida, e os homens 15 anos, 10 meses e 14 dias, em relação ao início da década de 60 do século passado. A estimativa é que a partir de 2030, a esperança de vida do brasileiro ultrapasse a barreira dos 80 anos. Desta forma, o envelhecimento populacional em nosso contexto torna-se um fenômeno discutido na última década. O aumento da expectativa média de vida humana acompanha uma tendência mundial. É decorrente em larga escala dos avanços da ciência em geral e não somente das especialidades da saúde. Em 2007, segundo recentes dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD-2007), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 19,9 milhões o número de idosos no Brasil, o que equivale a 10,5% da população. Entre 1940 e 2006, o número de idosos cresceu 11 vezes no País, passando de 1,7 milhão para 18,5 milhões. De acordo com o PNAD-2007, é agora de 53% a percentagem dos domicílios nos quais os idosos possuem mais da metade da renda total. Entre 1997 e 2007 enquanto a população brasileira cresceu 21,6%, o contingente de idosos aumentou 47,7% (IBGE, 2007). Assim, não se pode dizer mais que nosso País seja uma nação de jovens, uma vez que a Organização Mundial de Saúde (OMS) avalia que para uma população ser considerada envelhecida deve obter a proporção de pessoas com 60 anos ou mais atingindo 7% com tendências de crescimento (COSTA; PORTO; SOARES, 2003). A expectativa de vida ao atingir 60 anos também acompanha o sexo, com mais 9,3 anos de vida, em média, para as mulheres, contra 6,8 anos para os homens (GARRIDO; 27 MENEZES, 2002). O aumento da longevidade (principalmente entre as mulheres) é um aspecto muito importante que tem sido observado com o envelhecimento da população, representando reflexo direto do declínio da mortalidade nos grupos etários mais velhos (DIAS JUNIOR; COSTA; LACERDA, 2006). As populações em geral envelhecem em consequência de um processo conhecido como transição demográfica, havendo mudança de uma condição de mortalidade e natalidade altas, com populações predominantemente jovens, para uma condição de mortalidade e natalidade baixas, traduzindo-se numa elevação na proporção de idosos (COSTA; PORTO; SOARES, 2003). Costa, Porto e Soares (2003) consideram também que, para que ocorresse o envelhecimento da população não bastou apenas aumentar a expectativa de vida. A partir dos anos sessenta, com o advento de métodos contraceptivos mais eficazes, as taxas de fecundidade caíram vertiginosamente. Kalache (1998) afirma que a taxa de fecundidade total no Brasil diminuiu de 5,8 filhos por mulher em 1970 para de 2,3 filhos, em 2000. Para que uma população envelheça, é necessário, primeiro, que haja uma queda da fertilidade; um menor ingresso de crianças na população faz com que a proporção de jovens, na mesma, diminua. Se, simultânea ou posteriormente, há também uma redução das taxas de mortalidade (fazendo com que a expectativa de vida da população, como um todo, torne-se maior), o processo de envelhecimento de tal população torna-se ainda mais acentuado. Tal processo é dinâmico, estabelece-se em etapas sucessivas e é, comumente, conhecido como "transição demográfica" (KALACHE; VERAS; RAMOS 1987). Embora a fecundidade seja o principal componente da dinâmica demográfica brasileira e mesmo assim ainda não apresentarmos os níveis de fecundidade dos países desenvolvidos, em relação á população idosa, é a longevidade que vem progressivamente definindo sua evolução tanto que estamos experimentando um aumento significativo na nossa proporção de 28 idosos, que chega a mais de 10% da população (COSTA; PORTO; SOARES, 2003; DIAS JUNIOR; COSTA LACERDA, 2006). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), são consideradas idosas as pessoas com mais de 65 anos. Esse referencial, entretanto, é válido para os habitantes de países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a terceira idade começa aos 60 anos. O aumento do percentual de idosos em uma determinada população, como o que vem ocorrendo, é denominado envelhecimento demográfico, que traz várias consequências sociais, médicas e econômicas. O idoso tem necessidades próprias, características e peculiaridades que devem ser atendidas (ZIMERMANN, 2000). Para Garcia (2005), o envelhecimento não começa subitamente aos sessenta anos, mas consiste no acúmulo e interação de processos bio-psico-sócio-culturais durante toda a vida que podem constituir fatores de adoecimento ou promotores de saúde e de bem estar. O envelhecimento humano é um processo universal, gradativo e progressivo, no qual há uma influência de vários fatores de ordem genética, biológica, social, ambiental, psicológica e cultural. Néri et al (2006) afirmam as possíveis variações na concepção do envelhecimento e de suas vivências conforme tempos históricos, culturas, classes sociais, histórias pessoais, condições educacionais, estilos de vida, gêneros, profissões, etnias, entre outros. Enfatizam ainda a importância de compreender tais processos de fatos anteriores, em constante interação com múltiplas dimensões do viver. Os mesmos autores apresentam possíveis classificações sobre padrões de velhice, sendo que a primeira delas considera velhice normal a que se caracteriza por perdas e alterações biológicas, psicológicas e sociais próprias à velhice, mas sem patologias; a segunda é a velhice ótima que seria a possibilidade de sustentar um padrão compatível ao de indivíduos mais jovens; e a terceira é a velhice patológica que corresponderia à presença de síndromes típicas da velhice ou do agravamento de doenças preexistentes. 29 Dentre as questões que cercam o envelhecimento, a saúde constitui-se como uma das principais fontes de estigmas e preconceitos em relação à velhice, pelo seu forte impacto sobre a qualidade de vida. No imaginário popular de saúde na idade mais avançada, conforme Scrutton (1992), velhice é associada com crescente mal-estar, doença e dependência, aceitas como características normais e inevitáveis desta fase. A sociedade de um modo geral tem um esteriótipo negativo e/ou preconceituoso a cerca do velho. A adoração pela junventude faz com que as pessoas que são velhas se sitam inferiores, inadequada e pouco atrativas (SIMÕES, 1994). Enquanto que Costa, Porto e Soares (2003) consideram que o processo de envelhecimento caracteriza-se por diminuição da reserva funcional que, somada aos anos de exposição a inúmeros fatores de risco, torna os indivíduos idosos mais vulneráveis às doenças. Velhice e doença não devem ser tratadas como sinônimos, romper esse estereótipo é um desafio para a sociedade e especificamente para a família, que é a principal responsável pela qualidade de vida de cada membro e especialmente do idoso. As representações negativas do processo de envelhecimento afetam diretamente as relações com as pessoas idosas, principalmente a construção do cuidado. O certo é que este aumento acentuado do número de idosos nos países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, trouxe consequências dramáticas para a sociedade e, principalmente, para os gerontes. Há necessidade de se buscar condições determinantes do estado de saúde e de vida dos idosos e de se conhecer as múltiplas facetas que envolvem o processo de envelhecimento, para que o desafio seja enfrentado por meio de planejamento adequado (PAPALÉO NETTO, 2005). Do ponto de vista social, pode-se observar que quanto maior a disponibilidade de recursos em uma determinada sociedade, maior a possibilidade de posição social da faixa idosa da população referida. A valorização do conhecimento e da experiência dos idosos 30 parece ter variado da dependência direta do montante de conhecimento e cultura e da disponibilidade de meios alternativos de transmissão dos mesmos (PAPALÉO NETTO, 2005) O envelhecimento é um processo que se inscreve na temporalidade do indivíduo do início ao fim da vida, processo este composto de perdas e ganho. A velhice, antes vista só como mais uma etapa do ciclo da vida, hoje é considerada como um processo contínuo, em construção (KERTMAN, 2005). Envelhecer é um processo lento e progressivo. Ninguém envelhece do dia para a noite. Percorrer dia a dia o trajeto de vida permite uma adaptação gradual às mudanças decorrentes do passar dos anos. Como essas mudanças ocorrem de forma contínua, é necessário adaptar-se a elas durante toda a vida. De acordo com Costa, Porto e Soares (2003) com a transição demográfica ocorrendo, tem-se modificado o perfil epidemiológico da população. Em vez de processos agudos que “se resolvem rapidamente” por meio da cura ou do óbito, as doenças crônicas nãotransmisíveis passam a predominar, causando incapacidades e situações de dependência. Na literatura Gerontológica, a dependência é definida como a incapacidade de a pessoa funcionar satisfatoriamente sem a ajuda de outra pessoa ou de equipamentos que lhe permitam adaptação. Segundo Caldas (2003) a dependência se traduz por uma ajuda indispensável para a realização dos atos elementares da vida. Não é somente a incapacidade que gera a dependência, mas sim a somatória da incapacidade com a necessidade. A dependência não é um estado permanente, é um processo dinâmico cuja evolução pode ser modificada e até ser prevenida ou reduzida, se houver ambiente e cuidados integrados. A incapacidade significa a restrição ou falta de capacidade, como consequência de uma deficiência para executar atividade de uma maneira ou de outra nos limites do que se considera normal, o grau de incapacidade dá a extensão das deficiências provenientes do processo de envelhecimento (GONÇALVES; SANTOS; SILVA, 1992). 31 Com o progresso das práticas médicas, levando à maior eficácia das intervenções e tratamentos, a mortalidade populacional tem-se associado, cada vez mais, às condições próprias do envelhecimento e às doenças não-transmissíveis (LEVCOVITZ, 1999). Segundo Pereira et al (2004), o envelhecimento condiciona o ser humano a um progressivo decréscimo nas funções fisiológicas e na redução da habilidade em responder ao estresse ambiental, deixando-o mais susceptível e vulnerável ao aparecimento de doenças. Em estudo realizado por Maia, Duarte e Ramos (2004) demonstrou-se que muitos idosos nessa etapa da vida são acometidos por distúrbios mentais, sendo evidenciado-se prevalência desses distúrbios em 29,3% dos 327 idosos investigados. Alguns destes distúrbios são as demências, popularmente conhecidas como "esclerose", um grupo de doenças que afeta o cérebro, principalmente as áreas da memória e da linguagem, levando a um progressivo prejuízo dessas funções. O impacto provocado pelo aumento da expectativa de vida da população brasileira reflete diretamente na manutenção da saúde dos idosos e na preservação de sua permanência na família. Neste contexto está inserida a demência de Alzheimer como uma doença que afeta o idoso, comprometendo sua integridade física, mental e social (MACHADO, 2006), ocasionando situação de dependência total, necessitando de cuidados cada vez mais complexos, na maioria das vezes, realizados no seu próprio domicílio pelos membros da família. Doença progressiva que acarreta alto custo financeiro, fazendo com que isto represente um desafio para o poder público de todo o mundo. A doença de Alzheimer é responsável por mais da metade dos casos de demência, Desta forma, a Doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de demência no idoso, com apresentação clínica e patológica bem definidas (MALLOY-DINIZ; CARVALHO, 2001). 32 1.3 - Um Pouco da História da Demência de Alzheimer O termo “Mal de Alzheimer” originou-se em 1901, quando Dr. Alois Alzheimer, nascido em 14 de junho de 1864 na cidade alemã de Marktbreit, iniciou o acompanhamento do caso de uma paciente, admitida em seu hospital. Em novembro de 1906, durante o 37° Congresso do Sudoeste da Alemanha de Psiquiatria, na cidade de Tubingen, Dr. Alois Alzheimer fez sua conferência, com o título ” SOBRE UMA ENFERMIDADE ESPECÍFICA DO CÓRTEX CEREBRAL”. Relatou o caso de sua paciente e o definiu como uma patologia neurológica, não reconhecida, que cursa com demência, destacando os sintomas de déficit de memória, de alterações de comportamento e de incapacidade para as atividades rotineiras. Relatou também, mais tarde, os achados de anatomia patológica desta enfermidade, que seriam as placas senis e os novelos neurofibrilares. Dr. Emil Kraepelin, na edição de 1910 de seu “Manual de Psiquiatria”, descreveu os achados de Dr. Alzheimer, cunhando esta patologia com seu nome, sem saber da importância que esta doença teria no futuro (JORN, 1990). O grande mérito de Alzheimer teria sido demonstrar pelo estudo do caso da paciente, que a DA era uma patologia e não uma consequência da senilidade como parte normal do processo de envelhecimento (LEIBING, 1999). Com o passar do tempo, o conceito de Demência de Alzheimer foi se estendendo. A partir da década de 70, quando se transformou em uma das doenças mais frequentes em consequência do envelhecimento populacional mundial, despertando preocupações na população, a DA passou a ser considerada uma doença neurodegenerativa progressiva, heterogenia nos seus aspectos etiológicos e neuropatológicos, acompanhando o aumento do número de idosos em todo o mundo ( ROBERTSON, 1991). Hoje a DA faz parte do grupo das mais importantes doenças que afetam os idosos de todo mundo, desde os estágios precoces, com um declínio progressivo funcional e uma perda gradual da autonomia, que em 33 conseqüência, ocasionam, nos indivíduos por elas afetados, uma dependência total de outras pessoas (MACHADO, 2006). Nos últimos 20 anos, a comunidade científica vem se empenhando para obter respostas acerca da etiopatogenese e descobrir tratamentos curativos orientados para os mecanismos fisiopatológicos da doença, que já é considerada a epidemia do século XXI. 1.4 - Demência de Alzheimer : da epidemiologia ao tratamento As doenças crônico-degenerativas predominam na idade adulta e sua incidência, prevalência e mortalidade se elevam à medida em que aumenta a vida média da população. São caracterizadas por uma evolução lenta, progressiva e irreversível, exigindo constante supervisão, observação e cuidado (TOLEDO; DIOGO, 2003). Entre as patologias crônico-degenerativas, as demências detêm lugar de destaque, entre as quais se destaca a Demência de Alzheimer (DA). A demência, a incontinência urinária, a instabilidade postural e quedas, o delírio e a depressão constituem-se os chamados “gigantes da geriatria” (GORDILHO et al, 2000) por apresentarem alta taxa de prevalência na população idosa. Sua prevalência aumenta progressivamente com a idade (JORN, 1990; NITRINI, 2000). Pode-se dizer que a DA é uma doença quase sempre dependente da idade. A idade mostra-se tão preponderante no acometimento dos indivíduos pela demência de Alzheimer, que os portadores da Síndrome de Down, com envelhecimento prematuro, apresentam-se com demência de Alzheimer clínica e neuropatologicamente confirmada entre 40 e 50 anos. É deste fato que surgiu a descoberta do primeiro gene associado à demência de Alzheimer, situado no cromossomo 21 (SMITH, 1999). Um histórico familiar de DA e a presença da sindrome de Down são dois fatores de risco estabelecidos para a DA (SMELTZER; BARE, 2005). 34 Causa mais comum de demência em idosos, a DA acomete de 1% a 6% da população a partir dos 65 anos, com índices superiores a 50% em indivíduos com 95 anos ou mais (LOPES; BOTTINO,2002), estudos epidemiológicos demonstram que a incidência da doença aos 60 anos é de cerca de 10%, dobrando a cada 5 anos e ao redor dos 85 anos é nove vezes maior que aos 69 anos de idade. No Brasil, os dados epidemiológicos são semelhantes, com base no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, estima-se a prevalência da doença de Alzheimer em 1 milhão e 200 mil portadores, com a incidência de 100 mil novos casos por ano. Em relação à incidência dessa enfermidade na população dos Estados Unidos e Brasil, Corrêa (1996) diz que a demência de Alzheimer atinge de 1,5 a 2,0 milhões de americanos, enquanto em nosso País o percentual é de um milhão de portadores desse tipo de demência, sendo que aos 65 anos a prevalência é de 5%, subindo para 20% aos 80 anos. Porém esses dados não excluem o surgimento dessa patologia em pessoas com idade menor que 65 anos. Há estudos (GOLDMAN et al, 2004; TRUZZI; LAKS, 2005) que relatam casos de indivíduos com 46 anos de idade com diagnóstico de Alzheimer esporádico de início precoce. Estudos (BROOKMAYER; GRAY; KAWAS, 1998; FREITAS et al., 2006; NADLER-MOODIE; WILSON, 1998) mostram que a DA é a quarta causa de morte nos Estados Unidos, acometendo uma pessoa a cada dez famílias. Estima-se que supere 15 milhões o número de indivíduos acometidos pela demência de Alzheimer em todo o mundo (FREITAS et al, 2006). No Brasil, apesar dos grandes documentos estatísticos não serem precisos, estima-se que cerca de 500 mil pessoas sejam acometidas pela doença. Embora essas cifras sejam questionáveis, ainda assim é indiscutível o impacto da demência de Alzheimer em nossa sociedade (MACHADO, 2006). A própria Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) propõe que no Brasil existam cerca de um 35 milhão de pessoas afetadas pela demência de Alzheimer, enquanto que o número nos Estados Unidos é de, pelo menos quatro milhões de pacientes. Em estudo realizado por Lopes e Bottino (2002) sobre a prevalência de demência em diversas regiões do mundo, analisando estudos epidemiológicos de 1994 a 2000, identificouse que a prevalência média de demência variou entre 2,2% na África, 5,5% na Ásia, 6,4% na América do Norte, 7,1% na América do Sul e 9,4% na Europa. No Brasil, a prevalência média foi de 7,1%. Em todas as regiões a demência predominante é a de Alzheimer. Desta maneira, a demência de Alzheimer é reconhecida, a exemplo de outras demências, como um importante problema de saúde pública em todo o mundo. 1.4.1 - Caracterização e fisiopatologia da DA Demência é um termo genérico que caracteriza síndromes de etiologias diversas cujo aspecto fundamental é o prejuízo da memória. Somado a este, o comprometimento de pelo menos outra função cognitiva (linguagem, praxia, gnosia ou funções executivas) deve estar presente (GARRIDO; MENEZES, 2004). Desta forma, a doença de Alzheimer é uma patologia a se enquadrar no grupo das demências. A Demência de Alzheimer (DA) é uma afecção neuro-degenerativa progressiva e irreversível de aparecimento insidioso, que acarreta perda da memória e diversos distúrbios cognitivos (SMITH, 1999), que provoca demência, comprometendo ao longo de sua lenta evolução a autonomia dos indivíduos. Tal redução da autonomia é fator determinante da dependência de um cuidador, que se torna indispensável para preservar o fornecimento das necessidades básicas da vida diária (ABREU; FORLENZA; BARROS., 2005). A demência de Alzheimer se caracteriza por perda de neurônios em áreas cerebrais responsáveis por memória e aprendizado. O cérebro do paciente fica atrofiado e apresenta um 36 acúmulo excessivo de placas e emaranhados de proteínas beta-amilóide, o que levou à idéia inicial, amplamente difundida, de que essas placas fossem as grandes vilãs do “Mal de Alzheimer” (RAMALHO, 2006). A perda neuronal e a degeneração sináptica intensas são os principais achados fisiopatológicos encontrados (SMELTZER; BARE, 2005). As placas senis são lesões extracelulares formadas por restos celulares com um núcleo central protéico sólido constituído pelo peptídeo beta-amilóide. Tal peptídeo originado a partir da clivagem proteolítica de uma proteína precursora maior, a proteína precursora de amilóide (FORLENZA; CARAMELLI, 2000; FREITAS et al, 2006). Amilóide é uma descrição genérica aplicada a um grupo heterogênico de precipitados protéicos, que podem se depositar de maneira geral por todo corpo (amilóide sistêmico) ou limitar-se a um órgão específico (amilóide cerebral, amilóide renal) (FORLENZA; CAMARELLI, 2000). Na doença de Alzheimer, o amilóide é depositado em torno de vasos meníngios e cerebrais na substância cinzenta (ROWLAND, 2002). Acomete inicialmente a formação hipocampal, com posterior comprometimento de áreas corticais associativas e relativa preservação dos córtices primários. Essa distribuição faz com que o quadro clínico da demência de Alzheimer seja caracterizado por alterações cognitivas e comportamentais, com preservação do funcionamento motor e sensorial até as fases mais avançadas da doença (CARAMELLI; BARBOSA, 2002). Esse comprometimento neuronal ocorre principalmente no córtex cerebral e resulta na atrofia do cérebro (figura 1). As células mais afetadas são aquelas que utilizam o neurotransmissor acetilcolina, que está envolvida no processamento da memória (SMELTZER; BARE, 2005). 37 Figura 1 – Fonte: www.alzheimermed.com.br/m3.asp?cod_pagina=1014 Por seu intenso acúmulo, as já citadas placas e emaranhados de proteínas betaamilóide têm sua produção associada ao gene descoberto no cromossomo 21 (APP), o mesmo responsável pela Síndrome de Down. Outros genes também estão associados ao quadro demencial além da APP. O gene PS1 é o responsável por cerca de 40% dos casos familiares e de acometimento precoce da demência de Alzheimer e está situado no cromossomo 14 enquanto o gene ApoE4 (apoliproteína E4), localizado no cromossomo 19, é considerado como fator de risco em cerca de 50% dos casos de demência de Alzheimer de acometimento tardio (SMITH, 1999). Estas alterações encontradas nos cérebros dos afetados pela demência de Alzheimer também podem ser encontradas em idosos sadios, porém não conjuntamente e em tal intensidade (SMITH, 1999). As alterações da doença de Alzheimer são mais quantitativa do que qualitativamente diferentes daquelas em outras condições, incluindo o envelhecimento não complicado. Podem-se encontrar perda neuronal, placas e emaranhados, geralmente em graus menores, nos cérebros de muitas pessoas idosas intelectualmente intactas. A importância funcional da inervação autonômica reduzida permanece obscura. A perda celular no hipocampo e amídala correlaciona-se com a amnésia proeminente da doença. O comprometimento das células piramidais em áreas do córtex explica muitos sintomas psicológicos iniciais e correlaciona-se 38 com as pesquisas recentes que mostram o metabolismo cerebral moderadamente reduzido nos casos incipientes de demência de Alzheimer, com áreas de associação temporais-parietaisoccipitais sofrendo maior declínio (ANDREOLI et al, 2002). Devido à progressão lenta, com declínio insidioso de funções corticais, os pacientes, muitas vezes, são encaminhados ao médico anos após a instalação do processo mórbido (PAPALÉO NETTO, 2005). 1.4.2 - Sintomatologia da DA Existe variação de sintomas nos portadores de DA, pois nem todos os sintomas estão presentes em cada caso. A perda das capacidades intelectuais ou cognitiva incluem: alteração da memória, desorientação, alteração do juízo e da instrospecção, alteração do pensamento abstrato, problemas em falar e em compreender a linguagem ( disfasia), dificuldade em executar atos com finalidade (dispraxia), incapacidade para conhecer objetos e pessoas (agnosia). Os sintomas cognitivos mais frequentes incluem perda de memória, prejuízo da atenção e distúrbios da linguagem (FERRE; KLUGER, 1997). Os sintomas não-cognitivos incluem: alteração da personalidade, do comportamento, do humor, distúrbios psicóticos, distúrbios do sono, entre outros (KEMP et al, 2002). Os primeiros sintomas da Demência de Alzheimer aparecem usualmente após os 65 anos. Nos estágios iniciais da doença, o paciente demonstra dificuldade em pensar com clareza, tende a cometer lapsos e a se confundir facilmente, além de apresentar queda em seu rendimento funcional em tarefas complexas. Observa-se tendência ao esquecimento de fatos recentes e dificuldade para registrar novas informações (ABREU; FORLENZA; BARROS, 2005). O início da DA é muitas vezes confundido com o processo de envelhecimento (PAVARINI et al, 2008). 39 Como se percebe, um dos primeiros sintomas da demência de Alzheimer é usualmente o declínio da memória, principalmente para fatos recentes (memória episódica) e desorientação espacial (CARAMELLI; BARBOSA, 2002). Diante destas pequenas dificuldades iniciais nas atividades sociais e no trabalho o paciente ainda apresenta uma função cognitiva adequada que oculta as demais perdas, funcionando de maneira independente (SMELTZER; BARE, 2005). Com a progressão da doença os déficits se expõem mais, podendo perder a capacidade de reconhecer faces, lugares e objetos familiares e ficar perdido no ambiente familiar (SMELTZER; BARE, 2005). A demência de Alzheimer possui, em período de vários anos, três fases: a inicial, a intermediária e a terminal (BOTTINO; LACKS; BLAY, 2006). Na fase inicial, ocorre a perda progressiva da memória recente, dificuldade para aprender e reter novas informações, para desenvolver abstrações, distúrbios de linguagem e dificuldade progressiva para as atividades da vida diária. Assim, o idoso apresenta irritabilidade, agitação, teimosia e hostilidade com frequência, pois o mesmo tem consciência de que alguma coisa está mudando, tenta mascarar suas dificuldades, procurando esconder os seus erros, recusa ajuda, perde a iniciativa, a espontaneidade e o interesse pela vida (LEVY; MENDONÇA, 2000). Esta fase dura, em média, de 2 a 3 anos (FREITAS et al, 2006). Na fase intermediária, o indivíduo se torna incapaz de aprender e reter novas informações , de realizar julgamentos e críticas, tem dificuldade para reconhecer familiares e amigos, encontra dificuldade na leitura, números e escrita. Apresenta movimentos e falas repetidas, atitudes infantis, ocorrendo episódios de hostilidade, implicância, desconfiança, agressividade física e comportamento social inadequado (GALLUCI NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005). Momentos de agitação são comuns nos idosos que se encontram nesta fase, e se tornam bastante desgastantes para os familiares, profissionais e para os próprios 40 pacientes ( LUZARDO; GORINI; SILVA, 2006). Os cuidadores relatam em estudos (CALDEIRA; RIBEIRO, 2004; PAVARINI et al, 2008) que a recusa em alimentar-se, ficar bravo e empurrar nesta fase são fatores que dificultam o cuidado ao idoso com Alzheimer. A duração desta fase varia entre 2 e 10 anos (FREITAS et al, 2006). Já na fase final com duração de 8 a 12 anos (FREITAS at al, 2006), o idoso passa a não se reconhecer no espelho, torna-se incapaz de andar, ficando totalmente dependente de cuidados, comunica-se por meio de gritos, é incapaz de sorrir, torna-se incapaz de controlar a urina e as fezes (VIEIRA, 2004). Nesta fase devido à imobilidade, o idoso pode apresentar comorbidades como úlceras de pressão, perda de peso e pneumonia, entre outras. A causa mais comum de morte no idoso com DA é a pneumonia, conforme Stevens e Lowe (2002), porque à medida que a doença progride o sistema imunológico se deteriora e a perda de peso aumenta o risco de infecções orofaríngeas e pulmonares (SAVONITTI, 2000). Na fase pré-senil (antes dos 65 anos), os distúrbios de linguagem podem ser a manifestação predominante do processo demencial, enquanto a sintomatologia psicótica é mais comum nos mais idosos (CARAMELLI; BARBOSA, 2002). O indivíduo acometido por esta demência, ao longo do tempo, fica impossibilitado de se relacionar, cuidar de si e planejar sua condição de vida, perdendo autonomia e coerência, acaba por perder a capacidade de funcionar de modo independente, tornando-se cada vez mais dependente de um cuidador (ABREU; FORLENZA; BARROS, 2005). Assim, a demência de Alzheimer muda significativamente o cotidiano das famílias. Por apresentar uma evolução extremamente personalizada e produzir um quadro insidioso, progressivo e crônico, com grande repercussão emocional e socioeconômica sobre as famílias, as demandas físicas/emocionais e sociais podem tornar alguns membros da família exaustos, deprimidos e estressados, especialmente aqueles que assumem com maior intensidade a 41 função de cuidador, com consequências sobre a sua saúde física e mental (CALDEIRA; RIBEIRO, 2004). Em estudo realizado em Portugal (CRUZ et al, 2004) constatou-se que a primeira pessoa a reconhecer a presença de comprometimento cognitivo nos portadores de DA foi a esposa (56%), os filhos (39%) e o próprio doente (4,8%). Estas esposas e filhos são os cuidadores principais do portador. Os sintomas mais reconhecidos por eles foram as alterações de memória e alterações do humor e personalidade. 1.4.3 -Diagnostico da DA O diagnóstico da Demência de Alzheimer, com base na exclusão de diversas patologias que também podem evoluir para um quadro de demência, é feito por meio de exames laboratoriais, incluindo os métodos de neuroimagem estrutural e funcional (CARAMELLI, BARBOSA, 2002). Apesar da presença de alguns indicadores em exames de sangue, como a apolipoproteína E (APOE) aumentarem as chances de desenvolvimento da doença de Alzheimer, um diagnóstico conclusivo só é possível através da realização de uma biópsia ou necropsia de tecido cerebral. Quanto à investigação laboratorial e de imagem da demência de Alzheimer não há marcadores específicos da doença, mesmo que alguns achados possam dar suporte ao diagnóstico clínico. Alguns parâmetros de neuroimagem associados a novas tecnologias poderão contribuir para o diagnóstico precoce da demência de Alzheimer (GALLUCCI NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005). A tomografia computadorizada e ressonância magnética revelam a atrofia da formação hipocampal e do córtex cerebral o que preenche os critérios diagnósticos da demência de Alzheimer provável (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; GALLUCCI NETO et al, 2005). 42 Assim, o provável diagnóstico da DA é feito por meio de avaliação clínica abrangente e detalhada (GALLUCCI NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005). Dentre os critérios clínicos mais utilizados para o diagnóstico incluem-se a avaliação do comprometimento das funções cognitivas, principalmente relacionados à memória, a orientação e a linguagem, dentre outras, que interferem nas atividades da vida diária e, portanto, na autonomia do indivíduo (ABREU; FORLENZA; BARROS, 2005). Gallucci Neto, Tamelini, e Forlenza (2005) mostram ainda alguns critérios para ser concretizado o diagnóstico de provável demência de Alzheimer segundo padrões do NINCDS – ADRDA (National Institute for Communicative Disorders and Strokes – Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association) (MCKHANN et al, 1984) como: Demência estabelecida por exame clínico e confirmada por testes neurológicos; Déficits em duas ou mais áreas da cognição; Piora progressiva da memória e outras funções cognitivas; Ausência de distúrbio da consciência; Início entre os 40 e 90 anos, mais frequentemente após os 65 anos; Ausência de doenças sistêmicas ou outras doenças cerebrais que por si só possam provocar declínio progressivo de memória e cognição. Os instrumentos de avaliação cognitiva e funcional devem ser implementados para conferir maior suporte clínico ao diagnóstico de provável demência de Alzheimer. Os mais conhecidos instrumentos de avaliação cognitiva e funcional respectivamente são o MiniExame de Estado Mental (MEEM) e o Índice de Katz (ABREU; FORLENZA; BARROS, 2005). O MEEM é o teste de busca e triagem muito utilizado, por ser simples e de aplicação rápida. É capaz de determinar a extensão da avaliação cognitiva subsequente a sua aplicação 43 em sujeitos com demência moderada e severa. É composto por diversas questões que são agrupadas em sete categorias, cada uma com a finalidade de avaliar funções cognitivas específicas como orientação, retenção ou registro de dados, atenção e cálculo, memória e linguagem. A pontuação do MEEM pode variar de um mínimo de zero a 30 pontos. No Brasil, o MEEM foi traduzido e adaptado por (BERTOLUCCI et al, 1994). O Índice de Katz é uma escala mais descritiva que avalia desempenho em atividades da vida diária (AVDs), ou seja, sua capacidade funcional, e as divide em rotineiras (tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, continência e alimentação) e instrumentais (usar telefone, preparar comida, fazer compras, locomoção fora de casa, medicação e dinheiro). Classifica os pacientes em independente (I), dependente (D) e necessitado de assistência (A) (ABREU; FORLENZA; BARROS, 2005). 1.4.4 - Condutas para a DA Até o momento, não existe tratamento preventivo ou curativo para a DA, uma vez que ainda não foi descoberta a etiologia dessa patologia. O Tratamento da DA envolve estratégias farmacológicas e intervenções psicossociais para o paciente e seus familiares no intuito de retardar a evolução da doença. O tratamento farmacológico disponível para a DA restringe-se ao tratamento paliativo ou sintomático, capaz de propiciar efeitos benéficos nos aspectos cognitivo, comportamental e funcional, ainda que esses efeitos não sejam mantidos por longo prazo (MACHADO, 2000). Mesmo com o uso de medicação específica como anticolinérgicos, é contínuo o progresso da demência de Alzheimer. No mercado brasileiro estão disponíveis e licenciados pela ANVISA os seguintes fármacos: tacrina, donepezil, rivastigmina e galantamina, sendo os três últimos fármacos inibidores da Acetil-colinesterase, enzima responsável pela destruição 44 da acetilcolina, de 2ª geração, sendo ainda os mais utilizados na demência de Alzheimer nos estágios leves e avançados. Os melhores resultados advêm da administração de grandes doses, porém com efeitos adversos frequentes (ENGELHARDT et al, 1998). Dentre o tratamento farmacológico indicado por Forlenza (2005) encontram-se os inibidores da colinesterase que têm efeito sintomático discreto sobre a cognição, algumas vezes beneficiando também certas alterações não-cognitivas da demência; antioxidantes, por exemplo, a vitamina E (Alfa-tocoferol) por apresentarem evidências de que o estresse oxidativo, através da formação de radicais livres de oxigênio, pode contribuir para a patogenia da demência de Alzheimer, o que justificaria o emprego dessas substâncias; estrógenos como proposta de ação preventiva; estatinas e antiinflamatórios não-esteroidais; Ginkco-biloba cuja ação é capaz de promover o aumento do suprimento sangüíneo cerebral por vasodilatação e redução da viscosidade do sangue, além de reduzir a densidade de radicais livres de oxigênio nos tecidos nervosos (LUO, 2001). Os efeitos das drogas hoje aprovada para o tratamento da DA limitam-se ao retardo na evolução da doença, ocasionando apenas uma melhora temporária do estado funcional do paciente (ROCKWOOD, 2004). Forlenza (2005) define ainda em quatro níveis o tratamento farmacológico da demência de Alzheimer: 1) Terapêutica específica, que tem como objetivo reverter processos patofisiológicos que conduzem à morte neuronal e à demência; 2) Abordagem profilática, que visa a retardar o início da demência ou prevenir declínio cognitivo adicional, uma vez deflagrado o processo; 3) Tratamento sintomático, que visa a restaurar, ainda que parcial ou provisoriamente, as capacidades cognitivas, as habilidades funcionais e o comportamento dos pacientes portadores de demência; 45 4) Terapêutica complementar, que busca o tratamento das manifestações não-cognitivas da demência, tais como depressão, psicose, agitação psicomotora, agressividade e distúrbio do sono. Atualmente não se dispõe de medicamentos capazes de interromper o curso da DA, nem de impedir o seu surgimento, mas mesmo assim muito se pode fazer pelo indivíduo portador dessa patologia e por seus familiares (MACHADO,2006). Atualmente estuda-se (SCHENK et all, 1999) a possibilidade da vacina que pode ser eficaz tanto antes quanto depois do aparecimento da doença. Pesquisadores do Instituto Metropolitano de Tóquio testaram a vacina em camundongos e revelaram que o resultado é muito positivo (WHITE; HANK, 2003). Os cientistas estão verificando sua segurança em chimpanzés. A vacina estimula o sitema imunológico a produzir anticorpos específicos contra a proteína beta-amilóide, cujo acúmulo no cérebro caracteriza a DA. Além das intervenções farmacológicas para o tratamento da demência de Alzheimer, contamos com as intervenções psicossociais para pacientes e familiares, por exemplo, as intervenções de reabilitação cognitiva. Estas se deparam com dificuldades relacionadas à heterogeneidade de pacientes quanto aos seus níveis de alterações cognitivas, comportamentais e familiares, progressão da doença além da colaboração e empenho dos cuidadores que eventualmente estão despreparados para prestarem estes cuidados (ENGELHARDT et al, 1998). Dentre as intervenções de reabilitação cognitiva, encontra-se a reabilitação da memória que conta com duas técnicas, sendo uma para orientação da realidade – esta com maior eficácia na orientação e memória pessoal – e terapias de reminiscências, esta última com menos eficácia. Auxílios externos para a memória (ex: calendários, diário, agendas...) também são cogitados nestas reabilitações. (ENGELHARDT et al, 1998) 46 A técnica de reabilitação cognitiva é semelhante à técnica “life review” (revisão da vida), que foi desenvolvida nos anos 60 e encoraja as pessoas a falarem sobre seu passado distante, buscando a ativação da memória de longo prazo. Essa técnica permite que o indivíduo conheça sua identidade, os amigos que teve, a residência em que mora, onde estudou, entre outros. Um atrativo que possibilita a viabilização desta técnica é a de poder ser aplicada a qualquer momento, pois que consiste em perguntas e respostas sobre o passado. Álbuns de fotografias de família, jornais e revistas da época são materiais simples de serem conseguidos e os únicos necessários (SAYEG, 2005). 1.5 - Família e D. Alzheimer A família pode ser definida como um grupo formado por pessoas unidas por laços afetivos, consanguíneos ou não, inseridas em um contexto social. A família se constitui em uma instituição social, onde se originam as primeiras manifestações da sociabilidade humana, desenvolvendo a personalidade e a qualidade das relações. A família é o primeiro local de mediação cultural, da reprodução material dos indivíduos, espaço de conflitos, refúgio para o mundo hostil circundante (MACHADO, 2006). Souza, Skubs e Brêtas (2007) ainda salientam que a família é uma construção social influenciada pela cultura e contexto histórico em que foi concebida, constituindo-se em uma instituição importante para a organização humana na sociedade. Conforme mostra Elsen (2002), a família é um sistema no qual se conjugam valores, crenças, conhecimentos e práticas, formando um modelo explicativo de saúde-doença, através do qual a família desenvolve sua dinâmica de funcionamento, promovendo a saúde, prevenindo e tratando a doença de seus membros. 47 A família é a base da sociedade e garantia de uma vida social e emocional equilibrada dos seus membros. É na família que se aprende a perceber o mundo e a se situar nele, é a formadora da primeira identidade social do cidadão (CANEVACCI,1982). O papel familiar é de extrema importância para o idoso. A sua aceitação no seio familiar contribui gradativamente no aspecto afetivo. Sua necessidade de amor, auto-estima, compreensão e segurança aumenta com a idade (GONÇALVES et al, 1989). É necessário perceber que quando se fala em família como suporte ao idoso, frequentemente se cai em uma visão paternalista do problema. Enxerga-se a família como necessária à sobrevivência dos idosos e ponto final. Um questionamento mais profundo sobre a imagem da velhice que a família possui certamente conduziria a uma reflexão sobre a própria família e o conjunto social (FIRRIGNO,1991). Conforme Moragas (1997), é possível distinguir dois tipos de família em relação aos idosos: de um lado a família de procriação formada por duas pessoas de sexo e sangue diferentes, unidas pelo casamento, e que dará origem a uma descendência comum. Por outro lado, existe a família de orientação ou a família em que se nasce; até que os filhos se casem e formem sua própria família de procriação, quase toda a experiência familiar basear-se-á na família de orientação em que nasceram e na qual terão os avós como geração mais velha. A maior parte dos idosos casados se apoia na própria família de procriação, na qual eles compõem a primeira geração em ordem cronológica. Os laços geracionais que antigamente se reduziam a três gerações, chegam atualmente a quatro gerações, isto porque os idosos das famílias contemporâneas não são somente avós, mas também bisavós e tataravós. As transformações marcantes ocorridas na sociedade modificaram sensivelmente a família. Quando o modelo patriarcal predominava, o idoso detinha, muitas vezes, uma função de dirigente maior da família, como conselheiro e consultor, conservando-se em destaque. O 48 papel do idoso modificou-se em razão dessas transformações ocorridas na própria família (BARROSO,1988). Há algum tempo, a família passou a ser nuclear, constando de pai, mãe e poucos filhos. Mas mesmo sendo a família nuclear prevalente em nosso meio e considerada unidade duradoura, ela também vem passando por alterações em todos os sentidos, inclusive no interior e na estrutura do modelo familiar (ROMANELLI, 1991). No Brasil, estudo realizado na década de noventa, com a intenção de revelar a situação da atenção e da proteção ao idoso, identificou que 44,3% dos idosos de mais de 65 anos viviam em famílias nucleares, 41,3% em famílias extensas e 2,6% em famílias compostas (SILVA ; NERI, 2000). Ainda que a família nuclear seja nos dias atuais, o modelo mais expressivo de estrutura familiar, é impossível desprezar os outros tipos de arranjos. O ocidente sempre se caracterizou pela diversidade de arranjos de famílias, das suas funções e dos seus relacionamentos (SILVA, 2002). Assim, enfatiza Elsen et al (1994) que a maioria dos problemas de saúde são tratados na família. Essa é a primeira a reconhecer os sinais de alterações na saúde de cada um dos seus membros, bem como a primeira a realizar o cuidado, uma vez que o desequilíbrio na saúde do indivíduo afeta não só a ele, como também a dinâmica familiar. Aproximadamente 90% dos idosos permanecem em domicílio, sendo os serviços institucionais responsáveis por menos de 10% desse público. Assim, a família é a grande responsável pela assistência ao idoso em seu domicílio (RAMOS, 2002). Segundo Santos (2003), a doença extrapola o evento biológico em si, pois é uma construção sociocultural que possui diferentes significados e interpretações de acordo com quem vivencia e suas relações interpessoais, principalmente dentro da família. 49 De acordo com Pelzer e Fernandes (1997), a Demência de Alzheimer pode ser considerada uma doença familiar por mudar profundamente o seu cotidiano. Karsch (2003) salienta que as perdas das capacidades funcionais observadas em idosos com doenças crônicodegenerativas implicam numa reorganização do núcleo familiar, no sentido de redefinir papéis e responsabilidades, além de desarticular a dinâmica familiar, bem como as relações interpessoais experimentadas no cotidiano de suas vidas. Assim, as alterações de comportamento nos idosos causam um grande impacto emocional nos cuidadores familiares, gerando situação de estresse (LEMOS; GAZZOLA; RAMOS, 2006; PAVARINI et al, 2008). Cuidar de idoso portador de demência de Alzheimer é uma tarefa que não é fácil, não só pela total dependência física que ele venha a encontrar, como também pela inviabilidade de diálogo com o doente. A família que possui idoso com alta dependência em função do processo demencial está sujeita a uma constante carga de tensão, podendo seus membros tornarem-se exaustos, desgastados física e emocionalmente, ao mesmo tempo em que pode haver desestruturação financeira de um modo geral. Assim, cuidar de um idoso portador de Demência de Alzheimer pode ser uma das tarefas mais complicadas para a família. Pesquisa (ALMBERG; GRAFSTROM; WENBLAD, 1997) sinaliza para o alto nível de estresse entre os cuidadores. A perda da memória no portador de DA dificulta a aproximação das pessoas em suas relações afetivas, sociais e familiares. Abreu, Forlenza e Barros (2005) enfatizam que a perda de memória no portador de Demência de Alzheimer leva à impressão de que o seu eu se desvincula das funções cognitivas, garantindo apenas sua sobrevivência. No processo demencial o idoso pode desenvolver apatia, que é uma síndrome neuropsiquiátrica mais frequente na demência de Alzheimer, ocasionando uma perda de interesse ou motivação pela vida (STARKSTEIN et al, 2005), exibindo atenuação ou ausência de resposta emocional a estímulos ambientais ( LANDES et al, 2001). Esse comportamento desconexo com o meio 50 traduz-se em dificuldades de realizar atividades diversas, como exercitar-se, interagir socialmente e efetuar as atividades diárias. Neste caso, é comum que a família tenha uma interpretação errônea do comportamento doentio como “preguiça”, ocasionando um sentimento de insatisfação do cuidador familiar no cotidiano do cuidado e consequentemente a sua exaustão mental e física (LANDES et al, 2001). 1.6 - Cuidado e Alzheimer 1.6.1 - Dimensões do Cuidado e o idoso No período antes de Cristo, o cuidado registrava-se no preparo de pessoas que tinham habilidade e conhecimento sobre a prestação dos cuidados aos doentes, portanto os cuidadores eram os sacerdotes, feiticeiros e mulheres que prestavam tal cuidado. Já no período após Cristo, o cuidado caracterizou-se por seu sentido religioso de prestar ajuda, caridade e de oferecer apoio espiritual aos pobres e aos doentes (MELO, 1986). É importante destacar que a sociedade do conhecimento e da informação, que se construiu após vários séculos de modernidade, privilegiou a economia, a propriedade, o lucro, o poder e o avanço tecnológico, colocando em segundo plano o ser humano. Este obtém uma importância e um certo valor na medida em que consegue se inserir no mercado de trabalho e de consumo. Tal situação denuncia a falta do cuidado pelo ser humano à medida em que o materialismo, a competitividade e o individualismo foram se estabelecendo como traços de uma sociedade onde o capitalismo se difundia, sobretudo relacionado ao cuidado ao idoso, que possui necessidades peculiares e específicas. Apesar dos avanços voltados para a área da saúde do idoso, através de atitude do governo em apoiar e criar leis e programas voltados para os idosos nos últimos anos, os 51 assuntos sobre a velhice ainda são permeados por preconceito, a própria definição de velhice encontrada nos dicionários contribui para que se difunda tal idéia: velhice “Estado de redução das forças físicas e das faculdades mentais (...)” envelhecer: “tornar-se desusado, inútil (...)”( Larousse Cultural Dicionário da Língua Portuguesa). Em geral, o processo de envelhecimento é visto pela sociedade de uma forma negativa, associando-a à falta de expectativa, à inutilidade e à perda de papéis, o que se inicia na família, difundindo-se para outros grupos sociais. É de estrema importância repensar o cuidado que envolve o ser humano, em particular o idoso, considerando-o como um dos aspectos primordiais da vida, por fazer parte da origem do ser humano, que é um ser de cuidado. Boff (2000) enfatiza que o cuidado é o fundamento do ser humano, permitindo-lhe viver a experiência fundamental do valor intrínseco do respeito, da reciprocidade e da complementaridade. O cuidar é na realidade uma atitude de preocupação, ocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o ser cuidado. O ato de cuidar envolve o respeito ao outro e a si mesmo (WALDOW, 1998). Várias palavras dão o significado do verbo cuidar em português e dentre elas destacam-se atenção, cautela, desvelo e zelo. O cuidar está presente ao longo da história do ser humano, pois este não pode sobreviver sem cuidado. O homem começa a desenvolver sentimentos e preocupações por seus semelhantes em busca de suprir a necessidade do cuidar que contribui para a sua sobrevivência. É importante perceber que o homem se constitui como ser social através da necessidade que teve do próximo, através da aceitação do outro como legítimo em convivência. O cuidar é a forma transpessoal de ser humano para ser humano no sentido de proteger, promover e preservar a humanidade, ajudando pessoas a encontrarem um significado na doença, sofrimento e dor, bem como na existência. Ajudar a pessoa a alcançar 52 o autoconhecimento sobre a sua doença, controle e autocura, quando esta é um sentido de bem estar interno, independente da circunstância externa (WALDOW, 1999). Cuidar é essencial à vida de qualquer indivíduo, tendo o entendimento de um sentimento de dedicação ao outro, a ponto de influenciar, de forma positiva, tanto a vida daquele que recebe o cuidado quanto daquele que o ministra (BOEHS; PATRÍCIO, 1990). Para Heidegger (2001), o cuidado se constitui na perspectiva do mundo existencial e na perspectiva do mundo cotidiano, ou seja como ser do ser aí, o cuidado é temporalidade. Assim, reflete-se que esse filósofo quis evidenciar que o cuidado carrega em si a dimensão do tempo presente, significando a dimensão da vida humana que transcorre e se projeta no curso do cotidiano. O ser humano compreende-se como um ser vivendo em um presente que se originou de um passado e que caminha em direção a um futuro, principalmente quando este chega aos 60 anos. A pessoa idosa é resultado das vivências do passado concretizado em relações sociais e principalmente familiares, de construção de sua identidade desde o nascimento, interagindo num contexto histórico, político e cultural durante sua vida. Vida esta que deve ser percebida numa relação de ligação entre a sua trajetória histórica e o momento atual. Assim, cuidar de um familiar idoso implica em percebê-lo como um ser que necessita de ser aceito na sua individualidade, tem sua essência, precisa ser respeitado independentemente da existência ou não de uma patologia que possa lhe ocasionar uma situação de dependência de outro. No contexto familiar existem relações afetivas e pessoais presentes na construção da história de cada um de seus membros. Segundo Mendes (1998), a qualidade dessas relações familiares encontra-se associada à qualidade do cuidado. Para Teixeira (1998), a necessidade de um cuidador diante do agravo de saúde do idoso geralmente é um fator vinculado à história de vida do indivíduo. 53 Assim, a filosofia da palavra cuidado indica que cuidar é mais que um ato singular, é modo de ser, é a forma como a pessoa se estrutura e se realiza no mundo com os outros (REICH, 1995). Boff (2000) em seu livro “Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra”conta a fábula-mito do cuidado, apresentando uma imagem em que a origem, a vivência e a finalidade da humanidade é o cuidado. Reich (1995) explana que cuidar do outro é ajudá-lo a crescer numa relação mútua, é um processo que favorece a confiança, a paciência, a humildade, a honestidade, o conhecimento do outro, a esperança e a coragem. Quando alguém recebe cuidado, cresce de forma a tornar-se autodeterminado, definindo seus próprios valores e ideais com base em suas próprias experiências. O desenvolvimento do processo de cuidar veio confirmar a importância do relacionamento de ajuda aos outros, na atribuição de ações que devem ser efetuadas sempre com a harmonização e na busca da qualidade de vida para os seres humanos. Embora o requisito básico para este relacionamento seja o envolvimento, o mesmo só acontece quando existe amor. Amor é o sentimento que vai constituir a palavra chave de uma relação de interesse e respeito pelo outro, além de inspirar confiança (ZOBOLI, 2007). Diante das concepções literárias acerca do cuidado, neste estudo estamos considerando o cuidado como um processo que envolve amor e co-presença, expressados através do afeto, do estar com, do proteger, do levar em consideração o outro, de guardá-lo do perigo, do atender as suas necessidades. A cultura, os valores, os custos, a exclusividade, o nível de amadurecimento, as regras, os níveis de estresse, o tempo, a autenticidade, o comparecimento e a comunicação são fatores que influenciam o cuidado, onde dimensões multivariadas estão presentes no desvelamento da interação de quem cuida e de quem é cuidado, sendo construída a partir dos cruzamentos das histórias de vida de cada um. 54 O planejamento dos cuidados e a compreensão das questões psicossociais confrontadas pela pessoa idosa devem ser elaborados dentro do contexto da família. A família é um importante apoio para as pessoas e como a velhice é uma ocorrência normal que engloba todas as experiências de vida, o cuidado e a preocupação com o idoso não podem limitar-se, é preciso oferecer uma abordagem holística dos cuidados com esta faixa etária (SMELTZER; BARE, 2005). 1.6.2 - O cuidador familiar do idoso com a Doença de Alzheimer Nos últimos anos tem aumentado progressivamente o número de famílias que se têm confrontado com a situação de cuidar de familiares idosos em condição de dependência, principalmente quando esta é provocada por processo demencial em virtude da Doença de Alzheimer. Esses idosos carecem de uma rede de apoio para permanecerem inseridos socialmente (AYÉNDZ, 1994). O apoio social proveniente da família é de fundamental importância para a sobrevivência do idoso acometido por uma doença incapacitante. O apoio social focaliza a qualidade das interações, devendo assim gerar efeitos positivos, tanto para quem recebe como também para quem oferece apoio (VALLA, 1999). O apoio social ao cuidador e ao idoso tem como objeto principal diminuir os aspectos negativos provocados pela tarefa de cuidar, contribuindo para a melhoria da saúde do cuidador refletir positivamente na qualidade dos cuidados prestados (BERKMAN; SYME, 1999). Para Néri (2005), as redes de suporte social são caracterizadas por relacionamentos que mantêm entre si laços afetivos, especialmente entre os membros da família, contribuindo para o bem estar das pessoas e o fortalecimento de estratégias para o cuidado do idoso acometido por uma doença. 55 Os estudos de Creutzberg e Santos(2003) e Karsh (2004) enfatizam que as estruturas de suporte social no Brasil ainda se mostram frágeis e não se constituem uma rede de apoio organizada, demonstrando a insuficiência de políticas sociais que proporcionem suporte às famílias cuidadoras de idosos fragilizados. O estudo concluído por Alvarez (2001) revelou a total falta de serviços públicos de saúde que atuem em cooperação com as famílias cuidadoras no cuidado domiciliar a idosos dependentes, bem como a falta de uma rede de apoio comunitário ou social especialmente para as famílias e os idosos mais carentes. Revelou também a carência de recursos humanos capacitados para assistir a clientela idosa e sua família na área da saúde. As pesquisas realizadas por Caldas (2000) Pelzer, Fernandes (1997) e Perracini (1994) apontam que os cuidadores familiares se ressentem da falta de uma rede de suporte mais efetiva na área da saúde e na área social. Esses cuidadores contam com a ajuda apenas da sua rede de suporte familiar. Em vários países desenvolvidos, como a Grã-Bretanha, Escócia e Suécia, entre outros, há uma tradição de organizações voluntárias que prestam auxílio aos idosos, inclusive àqueles portadores de demências. Na Escócia foi implantada em 1997 uma rede de enfermagem com enfoque objetivo de oferecer suporte à família tanto na prática, como na pesquisa (CLAVEIROLE; MITCHELL; WHITE, 2001). É importante salientar que, o conhecimento amplo do idoso e do cuidador considerando os aspectos psicológicos, familiares e a existência ou não de apoio social, é essencial para que se possam desenvolver ações voltadas para a garantia da qualidade de vida do idoso sob cuidado e de seu cuidador, juntamente com seus familiares. O apoio social ao idoso e seu cuidador tem como objetivo amenizar os aspectos negativos provocados pela tarefa de cuidar, contribuindo para a melhora da saúde de quem cuida e para a qualidade dos cuidados prestados. Esse apoio é chamado de informal quando é 56 proveniente de membros familiares, próximos ou distantes, por amigos ou vizinhos, dentre outros, e é denominado formal quando é proveniente de serviços de saúde e sociais, entre outros ( PINTO et al, 2006). Nolan e Dellasega (2001) enfatizam a necessidade de pensar no cuidador no sentido de oferecer informações e treinamento suficiente, de tal maneira que membros familiares se sintam confiantes nas suas habilidades para prover o padrão de cuidado que eles devem oferecer. Neste estudo, o cuidador é a pessoa que se responsabiliza e se envolve no processo de cuidar do idoso, sendo capaz de visualizar e atender suas necessidades. Os familiares que assumem a responsabilidade pelo cuidado do idoso são chamados, na gerontologia de cuidadores informais. Silverstein e Litwak (1993) classificaram os cuidadores informais, conforme as tarefas realizadas e o seu grau de envolvimento com as responsabilidades pelo cuidado, em cuidador primário, secundário e terciário. O cuidador primário ou principal é aquele que assume a responsabilidade integral de supervisionar, orientar, acompanhar e/ou cuidar diretamente da pessoa idosa, assumindo a maior parte das tarefas; o cuidador secundário é representado por outro elemento que pode desempenhar o mesmo tipo de tarefa do cuidador primário, mas que não tem o mesmo grau de envolvimento e responsabilidade pelo cuidado, podendo eventualmente substituir o cuidador primário ou socorrê-lo em situações emergenciais; o cuidador terciário é aquela pessoa que auxilia esporadicamente ou quando solicitado nas atividades instrumentais da vida diária mais relacionadas a tarefas especializadas, não tendo responsabilidade com o cuidado e pode assumir em situações excepcionais o cuidador primário. Essas classificações são utilizadas em muitos trabalhos da literatura internacional e brasileira na área de gerontologia (ALVAREZ; 2001; CARLETTI; REJANE, 1996; GONÇALVES; ALVAREZ; SANTOS, 2000; KRAMER, 1997; MENDES, 1998; NERI; CARVALHO, 2002; SOMMERHALDER, 2001; YUASO, 2001). 57 Os cuidadores de pessoas idosas, dentro da família, são definidos a partir dos critérios, segundo Caldas (2002) e Karsch (2003), que envolvem o parentesco, o gênero, a proximidade física e a proximidade afetiva. Estudos e pesquisas realizados apontaram que, em primeiro lugar é o conjugue quem mais assume o papel de cuidador principal, não apenas pela proximidade afetiva, mas também pelas responsabilidades assumidas no matrimônio e por obediência às normas e padrões sócio-culturais ( ALVAREZ, 2001; SOMMERHALDER, 2001). Em estudo realizado por Luzardo, Gorini e Silva (2006) sobre as características de idosos com Demência de Alzheimer e seus cuidadores em um serviço de neurogeriatria em Porto Alegre, constatou-se que cerca de 83% dos cuidadores são do sexo feminino, preferencialmente os conjugues e filhos, revelando que 44,4% eram filhas e 30, 6% eram esposas. Assim, os cuidadores com frequência são as mulheres, que desempenham esta atividade obedecendo a normas culturais em que cabe a elas a organização da vida familiar, o cuidado dos filhos e o cuidado dos idosos. Vilela e Caramelli (2006) que realizaram também um estudo com os cuidadores familiares de pacientes portadores de DA na cidade de São Paulo, constataram que 40% dos cuidadores eram cônjugues, 42,5% eram filhos, 15% eram irmãos e 2,5% eram sobrinhos. Sendo que, do total destes cuidadores 70% eram do sexo feminino. A literatura internacional e a nacional destacam que as mulheres, especialmente as esposas, tendem mais a assumir o papel de cuidador do que os maridos (BAUM; PAGE, 1991; GUBERMAN et al., 1992; NÉRI; SOMMERHALDER, 2001; PERRACINI; NERI, 2001; SILVA, 1998). No contexto familiar, a pessoa que assume o papel de cuidador está sujeita a produção de demandas de cuidados que afetam sua dimensão física, mental e social ( LUZARDO; GORINI & SILVA, 2006). Particularmente, a dependência psicofuncional do idoso com 58 demência, ao modificar a rotina, a dinâmica e a relação de troca entre os membros da família, pela inversão de papeis, coloca uma série de demandas novas e inesperadas, que podem ser angustiantes para quem cuida, em virtude de envolvimento afetivo entre o idoso e família. Essa angústia pode levar o cuidador familiar a vivenciar momentos de ansiedade em seu dia a dia. Toda esta movimentação emocional do cuidador familiar leva o idoso com doença de Alzheimer a uma labilidade afetiva, ou seja, a uma instabilidade das relações afetivas, o que também se atribui à insuficiência da regulação interna dos afetos (GOLDFARB,1996). O cuidador tem de superar muitos desafios para exercer com precisão seu papel (CALDEIRA; RIBEIRO, 2004). Estudos elaborados (ALVAREZ, 2001; GUTERMAN; LEVOVITZ, 1998; NÉRI, 2000; PELZER; FERNANDES, 1997) evidenciaram a questão da sobrecarga imposta ao familiar cuidador de idosos com Alzheimer no domicílio, bem como o cotidiano alterado dos seus membros em função da doença. O cuidado dispensado ao idoso doente torna-se muito complexo, por a família se perceber envolvida em sentimentos difíceis de manejar, que acabam por lhes impor um certo isolamento nas atividades do cuidado, abalando profundamente os sistemas emocionais, acarretando em privações e modificações no estilo de vida para incluir as novas necessidades de seu membro doente. Caldeira e Ribeiro (2004) em estudo realizado com o objetivo de analisar os fatores que afetam o cuidador do idoso com Alzheimer, atendido no ambulatório de geriatria e neurologia do Hospital de Base de São José do Rio Preto em São Paulo, identificaram uma alta incidência da palavra medo nos discursos dos cuidadores familiares quando se referiam ao dia a dia do cuidado em decorrência da sobrecarga, mostrando-se física e emocionalmente abalados. Estudos mostram que o cuidador familiar pode apresentar alto nível de ansiedade, em virtude do sentimento de sobrecarga e da constatação de que sua estrutura familiar está sendo 59 afetada pela modificação dos papeis sociais. Esse cuidador é a pessoa que chama para si a incumbência de realizar as tarefas para as quais o idoso doente não tem mais condições, que vão desde a higiene pessoal até a administração financeira da família (KARSCH, 2003; GARRIDO; MENEZES, 2004; LUZARDO; WALDMAN, 2004). Estudo realizado por Nardi e Oliveira (2008) no norte do Paraná sobre o apoio ao cuidador familiar do idoso dependente constatou que o apoio recebido pelos familiares adveio dos filhos (as), irmã, maridos e genro. A figura dos filhos foi mais referida, reforçando o fato de que os mesmos compartilham a tarefa de cuidar envolvido por sentimentos afetivos, dever e obrigações, influenciados culturalmente por valores e crenças. Pavarini et al (2008) realizaram estudos no interior de São Paulo com cuidadores familiares de idosos com DA e concluiram que o cuidado vivenciado pelos familiares é uma experiência muito pessoal, depende da fase da doença, da qualidade da rede de suporte familiar, da vida de cada família e da forma como cada família enfrenta esta situação. Cuidar de um idoso acometido por uma doença degenerativa que o torna incapacitado para o autocuidado e para decidir sobre a sua própria vida é uma tarefa muito difícil para o cuidador familiar, principalmente quando este não conta com o apoio da sua família. Esse cuidador tende a ficar sobrecarregado diante da imensa responsabilidade que envolve o processo do cuidado e muitas vezes esse acúmulo acaba provocando um nível alto de estresse que acaba interferindo na manutenção da sua saúde e na condução do cuidado ao idoso. Assim, o cuidador se torna um ser doente que precisa de força para cuidar do outro e de si mesmo. Por este prisma, faz-se necessário que os profissionais de saúde fiquem atentos no sentido de conhecer o contexto do processo de cuidado ao idoso demenciado, para que se possam estabelecer estratégias de suporte social, embasadas na permeabilidade da realidade familiar do cuidador e do idoso sob seus cuidados, levando sempre em conta a sua história e a condução de vida atual. 60 61 2 - OBJETIVOS A partir do que foi exposto até aqui, definimos como objetivo da pesquisa compreender, a partir da perspectiva de cuidadores familiares de idosos com diagnóstico1 de Demência de Alzheimer, a situação de cuidado familiar em suas diferentes dimensões, à luz da história de vida dos cuidadores. Os objetivos específicos são conhecer, na perspectiva do cuidador: 1 • a configuração do cuidado no momento atual à luz de sua história de vida; • concepções sobre Demência de Alzheimer; • a configuração da rede familiar frente ao cuidado; • as repercussões na vida do cuidador; • os recursos de superação das dificuldades no cotidiano do cuidado Como já foi visto o diagnóstico de Demência de Alzheimer só é confirmado mediante a realização de necropsia , em vida o diagnóstico é dado como provável. Ao longo do trabalho quando falamos de diagnóstico estamos levando em consideração esta concepção. 62 63 3 -TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 3.1 - Abordagem qualitativa Segundo Rey (2002) a abordagem qualitativa diz respeito ao processo de construção do conhecimento científico considerado como construção humana ligada à estrutura da cultura, à organização, à práxis histórica; o conhecimento científico, nessa perspectiva, não seria somente condicionado, mas também condicionante do contexto no qual é produzido. Assim, segundo o autor: A epistemologia qualitativa é um esforço na busca de formas diferentes de produção de conhecimento em psicologia que permite a criação teórica acerca da realidade plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa e histórica, que representa a subjetividade humana [...] (p.29) Esse autor diz que o conhecimento é uma produção de caráter interpretativo gerado pela necessidade de dar sentido às expressões do sujeito estudado, é um processo em que o pesquisador integra, reconstrói e apresenta, em construções interpretativas, vários indicadores obtidos ao longo da pesquisa. Rey ( 2002) ainda enfatiza que a pesquisa qualitativa se volta para o conhecimento da subjetividade em diferentes processos constitutivos do todo, os quais se transformam em decorrentes do contexto em que expressam o seu objeto de estudo, pois a sua história marca sua singularidade. O autor afirma que “[…] O indivíduo é um elemento constituinte da subjetividade social e, simultaneamente, se constrói nela […]. A subjetividade se constrói em sua própria história, no cenário real de seu conhecimento.” (p. 32). Minayo e Sanches (1983) dizem que a pesquisa qualitativa "[...] se volve com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e 64 as relações tornam-se significativas" (p. 244). Desse modo, compreende a busca da relação dos fenômenos estudados considerando o seu contexto (ALVES; SILVA, 1992). Para Rey (2002), a pesquisa qualitativa deve pautar-se pelo caráter interativo entre o pesquisador e o pesquisado, em que se constitui um processo que facilita a expressão de ideias e emoções que só surgem ao calor da reflexão conjunta e espontânea no momento do contato entre ambos. Assim, tal interação leva à significação da singularidade de cada participante da pesquisa no contato com o pesquisador, construindo um conteúdo único e diferenciado de construção intersubjetiva. Reinharz e Rowls 2 (1988, apud MENEZES, 1999) salientam que esta abordagem se preocupa em descrever padrões de comportamento e processos de interação, em revelar os significados, valores e intenções que invadem a experiência de pessoas idosas, ou a experiência dos outros em relação aos idosos. Acreditamos que a pesquisa qualitativa é fundamental em estudos humanísticos, pois qualifica o objeto de conhecimento, que são o ser humano e a sociedade. Estamos considerando como sujeito de estudo gente em determinada condição social, pertencente a determinado grupo social ou classe, com suas crenças, valores e significados, que se encontram em constante processo de transformação (MINAYO, 1994). Através da epistemologia qualitativa este estudo busca valorizar a história e o contexto dos cuidadores, que são sujeitos marcados pela sua individualidade na relação de cuidado ao idoso portador de Alzheimer. Assim, neste estudo, esta abordagem procura enfatizar as construções sociais da realidade, como também o relacionamento íntimo entre a pesquisadora e o que é pesquisado, exaltando a importância de investigar o modo como a experiência é criada e ganha significados (CALDANA, 1998; PEGORARO, 2002; TOZO, 2002; PEGORARO, 2007). 2 REINHARZ, S; ROWS, G. D. Qualitative Gerontology. New York: sprinder Publishing Company, 1988. 65 3.2 - Participantes Os participantes da pesquisa são os cuidadores familiares de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, portadores de demência de Alzheimer. Entende-se por familiar aquele que possui qualquer laço de parentesco com o idoso, não necessariamente laço consangüíneo. Assim, deste estudo participaram filhos, netos, cônjuge, nora, irmã e cunhada de idosos portadores de DA. Os critérios utilizados para a seleção dos participantes foram: estar cuidando do idoso há pelo menos cinco meses, por considerar-se que com este tempo há uma convivência a ser historiada; ter apresentado disponibilidade para fornecer entrevista longa, gravada, mediante sigilo de identificação; ser responsável pelo cuidado do idoso, não recebendo nenhum tipo de remuneração. No trabalho com abordagem qualitativa não há necessidade de se pré-estabelecer o número de participantes. Ao contrário, é ao longo da realização das entrevistas e da análise do material obtido que irá se definir o número de entrevistados. Ao verificar que o conteúdo passa a se repetir de uma entrevista para a outra, a coleta pode vir a ser encerrada, daí ser esse momento denominado por (ALBERTI, 1990) como “ponto de saturação” de novas informações, em que se tem a impressão de não haver mais nada de novo a apreender sobre o objeto de estudo; ao chegar a esse ponto é preciso realizar ainda algumas entrevistas para ultrapassá-lo, para se verificar de fato que não se obtêm novas informações a partir das entrevistas. No entanto, a estimativa inicial e efetivamente cumprida foi de vinte cuidadores, seguindo trabalho como o de Caldana (1998) que foi realizado nesta perspectiva e que conseguiu alcançar seus objetivos Estes cuidadores foram identificados através da Associação Brasileira de Alzheimer no Estado do Amazonas (ABRAZ-AM). A ABRAZ é a única organização não governamental 66 voltada especialmente para a DA no Brasil, criada em 1997. É uma entidade sem fins lucrativos, formada por profissionais da área de saúde e familiares de portadores da demência de Alzheimer, buscando transmitir informações sobre o diagnóstico e tratamento da Demência de Alzheimer e também orientar sobre os aspectos cotidianos do acompanhamento do paciente com o propósito de ajudar as pessoas a entenderem melhor a doença, favorecendo assim o melhor encaminhamento para o indivíduo portador desta patologia e uma qualidade de vida mais digna tanto para si como para a sua família. Além disso, a ABRAZ tem o propósito de expandir as suas ações através da criação das Associações regionais e sub-regionais. Os estados que possuem a ABRAZ são: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Assim, o objetivo geral da ABRAZ-AM é implantar e implementar a Associação Brasileira de Alzheimer sensibilizando profissionais de saúde e áreas afins, familiares, cuidadores e interessados, visando a desenvolver relações de auxílio, promovendo melhorias na qualidade de vida através da manutenção do intercâmbio de informações sobre a doença e o perfil epidemiológico no estado do Amazonas. O objetivo desta organização é propor para a comunidade amazonense a formalização e consolidação de um grupo de apoio no intuito de congregar famílias, cuidadores e profissionais, dando informações sobre a doença, com o objetivo de melhorar as condições de vida do idoso acometido pela demência de Alzheimer e de seus familiares. As reuniões da ABRAZ regional acontecem às quintas feiras, duas vezes ao mês, no horário das 17 às 18 horas, na sala violeta do Parque Municipal do Idoso na cidade de Manaus. A pesquisadora participou de todas as reuniões, explicando os objetivos da pesquisa e solicitando a participação de todos os cuidadores. Com aqueles que concordavam era 67 agendado o dia, hora e local de sua disponibilidade à entrevista. As entrevistas foram realizadas no parque do idoso, no domicílio do cuidador, no Centro de Atendimento Integral a Melhor Idade (CAIMI) da cidade de Manaus e na Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Amazonas, em ambiente privativo e favorável para a sua gravação. 3.3 - A ética na relação com os participantes O projeto de pesquisa foi discutido com a presidente da ABRAZ-AM3 previamente à época do seu encaminhamento para o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (julho de 2007). Após a sua aprovação a presidente da ABRAZ-AM foi novamente contactada para que fosse definida a melhor forma de aproximação com os cuidadores. Definiu-se que a cada reunião da ABRAZ a pesquisadora seria apresentada pela presidente, os objetivos da pesquisa seriam explicados e seria feito o convite para que os cuidadores participassem do estudo. No desenvolvimento dessa pesquisa aspectos éticos foram considerados também desde o primeiro contato com o cuidador, convidando-o a participar da pesquisa, informando seus objetivos e relevância, deixando-o livre para escolha da sua participação ou não, dando-lhe possibilidade de marcarmos a entrevista no momento em que lhe fosse conveniente. No dia da entrevista falou-se novamente sobre o objetivo da pesquisa, explicando ao cuidador a importância do seu consentimento por escrito (APENDICE A), autorizando a sua participação no trabalho, garantindo-lhe a confidencialidade, sigilo e privacidade. O anonimato dos participantes deste estudo foi outro aspecto ético seguido. Os nomes dos entrevistados foram substituídos por nomes fictícios, como mecanismo de proteção garantindo a confidencialidade de cada um. Para um conhecimento mais aprimorado dos 3 A ABRAZ- AM é presidida por uma psicóloga da Fundação Dr. Thomas, que é uma instituição de longa permanência de referencia assistencial aos idosos em situação de dependência e aos independentes. 68 entrevistados foi realizada uma síntese da vida de cada participante, com um delineamento o mais generalista possível, os depoimentos foram expostos no trabalho em pequenos trechos de forma pontual e não na sua grande totalidade, a fim de preservar a identidade dos entrevistados. Essas estratégias procuraram atender a resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que... [...] prevê procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem, a não estigmatização, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou comunidade, inclusive em termos de auto-estima... (BRASIL, 1996, p.4) Nos últimos anos observou-se uma preocupação cada vez maior com a ética na pesquisa envolvendo idosos e também nos estudos que envolvem relações interpessoais com indivíduos idosos (ROWLES,1988). Além disso, o homem atua sempre eticamente porque, desde a sua liberdade, dá valor às coisas. O valor é normatizado pelas culturas, constituindo um código de referência para seus membros. Cada cultura profissional tem seu código deontológico, que exige atuar moralmente, além de leis de cumprimento coercitivo (BAZTAN,1995) e a Enfermagem não é exceção. 3.4 - Instrumento Para buscar a compreensão do cuidado no contexto das experiências vividas, optou-se pela busca da história de vida dos cuidadores familiares de idosos com demência de Alzheimer. A determinação por esse caminho privilegia a expressão do vivido, focalizando experiências individuais e coletivas de relacionamentos e aprendizado na convivência familiar, o que inclui toda forma explícita ou implícita de perspectivas e sentimentos que poderão se apresentar diretamente ou nas entrelinhas dos depoimentos. 69 Considera-se que cada pessoa tem uma cultura particular, desenvolvida ao longo do tempo, que influencia diretamente aspectos de vida que dizem respeito às crenças, comportamentos, perspectivas, emoções, línguas, religião, atitudes em relação à doença, entre outros. Assim, a cultura pode ser considerada como um bloco de princípios, implícitos ou explícitos, que são repassados de uma geração para outra (HELMAN, 1994). O modo de viver do indivíduo é influenciado por suas concepções de vida, crenças, valores e conhecimentos que são variáveis integrantes da cultura da sua família. O sucesso de uma relação de cuidado, principalmente relacionado à pessoa idosa, pode ser alcançado através do cuidado cultural. O cuidado cultural constitui parte das premissas necessárias para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentado no cuidado gerontológico (BEAUVOIR, 1970; LEININGER, 1991). Segundo LEININGER (1991), a diversidade do cuidado relaciona-se aos significados, valores, modo de vida e padrões construídos ao longo da história do ser humano. Dessa forma, o cuidado humano é um fenômeno universal, sendo que as formas de cuidar variam culturalmente. A Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural desenvolvida por essa autora focaliza o cuidado envolvendo um processo interativo entre o enfermeiro e o cliente. Essa teoria se classifica como interacionista. A partir dela, surgiu a abordagem da enfermagem transcultural, que é definida como: [...] a área legítima e formal de estudo, pesquisa e prática focalizada no cuidado culturalmente baseado nas crenças, valores e práticas para ajudar as culturas e subculturas a manter ou recuperar sua saúde (bem-estar) e enfrentar as doenças ou a morte de uma maneira benéfica e culturalmente congruente ( LEININGER, 1991, p..5). A teoria do cuidado cultural vem sustentando metodologicamente os estudos baseados no cuidar do ser humano, principalmente voltado para a enfermagem. Com base nesta premissa, é que as histórias de vida do cuidador familiar e do cuidado do idoso com Alzheimer são compreendidas, levando em conta os aspectos culturais que envolvem o 70 processo do cuidado, descortinando aquilo em que as pessoas acreditam e o modo como vivem; buscando distinguir o que é singular e o que é similar nos modos de cuidar no contexto familiar. A técnica utilizada para a obtenção dos depoimentos dos participantes deste estudo foi a entrevista, que segundo Biasoli-Alves e Dias da Silva (1992), é uma ferramenta imprescindível para buscar contextualizar o comportamento dos sujeitos, vinculando-a com sentimentos, crenças, valores, permitindo que se obtenham dados sobre o passado recente ou longínquo. Meihy (1996) ainda salienta que a entrevista pressupõe o caráter de interação, pois permite o tratamento de temáticas de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Foi utilizada a entrevista semiestruturada, na modalidade de história de vida temática, seguindo trabalhos de Caldana (1998), Menezes (1999), Pegararo(2002) e Tozo (2002). Segundo Brioschi e Trigo (1987) a modalidade da história de vida privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de acontecimentos, conjunturas e visões de mundo, buscando estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos e outros (ALBERTI, 1990). Segundo Queiroz (1987), a história de vida permite não apenas a compreensão do que é particular ou individual no relato do narrador, por referir-se a sua existência através do tempo e ao procurar: (...) restituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu (...) se delineiam suas relações com os membros do seu grupo, de sua profissão de sua camada social, de sua sociedade global , que cabe ao pesquisador desvendar. Desta forma o interesse deste último será em captar algo que ultrapassa o caráter individual do que é transmitido e que se insere nas coletividades a que o narrador pertence. (Queiroz, 1987, p.257) Queiroz (1988) complementa ao colocar a história de vida no quadro amplo da história oral que também inclui depoimentos, entrevistas, biografias, autografias. Assim, Becker (1994) enfatiza que na história de vida, o que é valorizado é a história própria da pessoa, nela 71 são os narradores que dão forma e conteúdo às narrativas à medida em que interpretam suas próprias experiências. Bosi (1994) traz ainda que o que interessa quando se trabalha com história de vida é a narrativa da vida de cada um, da maneira como ele a reconstrói e do modo como ele pretende que sua vida seja narrada. Dessa forma, a história de vida é considerada instrumento privilegiado na medida em que incorpora experiências subjetivas interagindo em contextos sociais; Spindola e Santos (2003) emfatizam também que histórias de vida, por mais particulares que sejam, são sempre relatos de práticas sociais, das formas com que o indivíduo se insere e atua no mundo e no grupo do qual ele faz parte. Camargo (1984) trouxe que a entrevista na modalidade de história de vida é um instrumento valioso, uma vez que se coloca justamente no ponto de intersecção das relações entre o que é exterior ao indivíduo e aquilo que ele traz dentro de si. A história de vida temática, seguindo estudos anteriores ( CALDANA, 1998; PEGORARO, 2002), é um modelo que pressupõe a realização de entrevistas em três momentos: inicialmente compõe-se de questões sobre os dados pessoais que permitem a caracterização dos depoentes; em seguida prevê solicitação do relato da história de vida ao entrevistado, com mínima interferência do entrevistador; esgotada esta etapa, busca-se a complementação das informações já obtidas de acordo com uma série de tópicos previamente definidos, portanto na modalidade semi-estruturada, que segundo Ludke e André (1986) desenvolve-se a partir de um esquema básico, porém flexível, pois permite que o entrevistador faça as necessárias adaptações (APENDICE B). Segundo Meihy (1994), o relato livre da história de vida permite a exteriorização de expressões e subjetividades das experiências vivenciadas pelo sujeito segundo o seu ponto de vista, já o relato de temas específicos busca o esclarecimento ou a opinião do entrevistado sobre um determinado evento. Assim, na modalidade de história de vida temática, os detalhes da história pessoal do entrevistado interessam na medida em que podem ser úteis ao objeto 72 do estudo, auxiliando na aquisição de detalhes procurados. Nesse sentido, essa foi a estratégia escolhida: para melhor compreender a situação do cuidador de idoso com demência de Alzheimer, acredita-se ser necessário buscar o significado das suas próprias vivências dentro da história de sua vida. 3.5 - Coleta de dados: O processo das entrevistas As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora e por duas enfermeiras que já tinham experiência em trabalhos de pesquisa. É importante enfatizar que a utilização de abordagem qualitativa exige um treinamento cuidadoso do pesquisador: embora os procedimentos adotados na coleta e análise dos dados sejam delineados previamente nas suas etapas mais gerais, para sua execução, dependem de decisões tomadas por ele a cada momento; o que requer um pesquisador extremamente inteirado com a literatura acerca do seu objeto de estudo, bem como familiarizado com a metodologia. Para tanto, foi realizado um treinamento com as enfermeiras em três etapas: apresentação do projeto de pesquisa e discussão da metodologia utilizada; estudos sobre a modalidade de entrevista utilizada na pesquisa, com incessantes discussões acerca desta técnica; e por último o acompanhamento pela pesquisadora da primeira entrevista realizada pelas enfermeiras. Para conseguir a entrevista dos cuidadores, a pesquisadora contou com a ajuda da presidente da ABRAZ-AM, da Oficina de Comportamento do Parque do Idoso e do Centro de Atendimento Integral a Melhor Idade (CAIMI). A presidente da ABRAZ-AM passou uma lista com o nome de todos os cuidadores cadastrados na ABRAZ-AM e a partir desta listagem a pesquisadora foi em busca da localização de cada um, inicialmente nas reuniões do grupo de apoio da ABRAZ-AM. No entanto a maioria dos cuidadores listados não se fazia presente nessas reuniões, tendo a pesquisadora que buscar localizar estas pessoas durante as atividades 73 desenvolvidas pelos idosos cuidados no Parque do Idoso. A ajuda da psicóloga da Oficina do Comportamento do turno da manhã foi fundamental, pois através do estímulo dela que os cuidadores retornaram às reuniões. A ajuda da psicóloga do CAIMI também foi de grande valia por estimular duas cuidadoras do grupo realizado no CAIMI Dr. Paulo Lima na cidade de Manaus a novamente frequentar as reuniões da ABRAZ-AM. Durante as reuniões da ABRAZ- AM, a pesquisadora apresentou os objetivos da pesquisa, solicitando a participação de cada cuidador. Com aqueles que concordavam participar como entrevistados, era agendado o segundo contato para a concretização da participação na pesquisa. As entrevistas aconteceram no Parque do Idoso em uma sala privativa durante as manhãs e durantes as tardes (10 cuidadores), no CAIMI Dr. Paulo Lima em uma manhã ( 2 cuidadores), na faculdade de enfermagem no horário da tarde ( 2 cuidadores), em domicílios ( 4 cuidadores) e em local de trabalho do cuidador pela manhã (2 cuidadores).Vale ressaltar que estes locais foram de preferência dos cuidadores. No segundo contato com o cuidador, antes do início da entrevista, novamente houve uma explicação acerca da pesquisa e logo após solicitado o consentimento por escrito de cada um, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo-lhe sigilo em relação a sua identidade pessoal, ou a informações que posteriormente não quisessem que fossem utilizadas no trabalho. Era solicitada também a autorização para gravar cada entrevista. A reação mais comum foi a de concordarem, ficando à vontade e despreocupados. No início, cada cuidador se mostrava um pouco retraído com o gravador, mas no decorrer do relato da sua história, a preocupação com o gravador ia desaparecendo e no final de cada entrevista agradeciam pelo desabafo, o que nos chamou bastante atenção e sugeriu um benefício que a pesquisa já estava proporcionando àquelas pessoas. É importante comentar um pouco duas entrevistas que foram marcantes na 74 demonstração desse benefício e possivelmente momentos bastante expressivos na vida de cada pessoa entrevistada. Numa delas, no decorrer da entrevista, a cuidadora se mostrou emocionalmente abalada e cansada com a situação por ela vivenciada ao cuidar da mãe. A cuidadora em muitos momentos mostrou uma certa agressividade na tonalidade da sua voz e com o olhar bastante expressivo, e em outros momentos a cuidadora ao abordar pontos relacionados às questões familiares chorava muito, mas sempre querendo falar tudo aquilo que fazia parte da sua história e tudo que lhe incomodava em suas relações atuais. Ao término da entrevista, a cuidadora agradeceu bastante pela oportunidade de estar sendo ouvida, dizendo que passou a se sentir mais aliviada e mais leve com o seu desabafo. Em outra entrevista, a cuidadora permitiu que o seu filho acompanhasse todo o processo, dando a entender que era a oportunidade que tinha de falar sobre tudo que já passara e estava passando em sua vida. No decorrer da entrevista, a cuidadora se mostrou bastante à vontade e no final agradeceu pela oportunidade de falar sem se sentir julgada, expressando uma sensação de alívio. Ao olhar para o filho da cuidadora, a pesquisadora percebeu a expressão surpresa diante de tudo que ouvira da mãe e depois de alguns minutos, após o término da entrevista se aproximou da mãe e disse que nunca imaginava que ela estaria passando por tudo o que relatara. Cada entrevista durou em média 1 hora e 20 minutos, em todos os casos em uma única sessão. Em muitos casos a conversa entre a pesquisadora e os cuidadores continuou após o encerramento da entrevista. Com o gravador desligado, várias informações vinham à tona, sendo depois devidamente anotadas no diário de campo. Quando a entrevista se realizava no domicílio do cuidador ou no local onde o idoso se encontrava próximo, o cuidador fazia questão de que a pesquisadora conhecesse o idoso sob seu cuidado. Em muitos casos, os cuidadores mostravam fotografias de família e do idoso em comemorações diversas, 75 principalmente de aniversários, em que enfatizavam o convívio social como parte integrante do cuidado. No contato com o idoso, a pesquisadora teve a oportunidade de se aproximar mais ainda da realidade do cuidador, principalmente em sua casa, onde todas as dependências e reformas sofridas eram mostradas. Nestes casos, os cuidadores se sentiam acolhidos pela pesquisadora em virtude da mesma demonstrar atenção e paciência no contexto domiciliar e familiar do cuidador e do idoso. Na primeira fase da entrevista, que constava do relato livre da história de vida, percebeu-se que o cuidador de idade mais avançada contava com alguns detalhes a época de infância, já os demais cuidadores referiam não lembrar muito bem desta época, trazendo à tona com bastante ênfase fatos que lhe marcaram como: dificuldade financeira, estudo e educação dos pais. É digno de nota que nesse momento inicial foi necessária alguma forma de participação do entrevistador, pois alguns entrevistados solicitaram que o mesmo perguntasse alguma coisa. A utilização do modelo de entrevista adotado exigiu da pesquisadora a habilidade em ser capaz de acompanhar de forma participativa o cuidador no seu caminho particular de delineamento da sua história de vida, identificar o momento em que esta se esgotava, para então abordar os tópicos previamente definidos. No segundo momento da entrevista, focalizando o cuidado do idoso portador de Alzheimer, alguns entrevistados emocionaram-se e choraram, o que despertou uma enorme preocupação com o bem estar dos depoentes. Ao mesmo tempo, percebeu-se que, graças à relação entrevistador e entrevistado, as informações são trazidas à tona na entrevista, reafirmando o quanto é fundamental a atenção concedida à qualidade deste contato (CALDANA, 1998) para a adequação de sua análise. As vinte entrevistas gravadas foram atentamente ouvidas e transcritas literalmente, não deixando de se manter as características do linguajar de cada participante, traduzindo com a 76 maior fidelidade possível o sentido expresso na verbalização de cada depoimento. Após a transcrição literal, foi feita a edição de cada entrevista para facilitar a leitura. É importante ressaltar que por maiores que sejam os cuidados na transcrição, foi preciso que o trabalho de análise fosse apoiado a todo o momento na escuta da entrevista: há alguns sentidos e peculiaridades da fala que dificilmente são passíveis de tradução no texto escrito (Caldana, 1998), e outros só emergem como importantes ao longo da análise. Além das entrevistas com os cuidadores, as observações pessoais das entrevistadoras durante todo o processo foram registradas no diário de campo. 3.6 - Procedimento de análise dos relatos das histórias de vida dos cuidadores O processo de análise tem início no momento da realização das entrevistas, prosseguindo durante a transcrição e mergulhando no seu conteúdo, só terminando no momento da redação final da pesquisa (CALDANA, 1998). Segundo Poirier et al (1995), o processo de análise é rico em conteúdo manifesto, exigindo uma análise minuciosa que esclareça a pesquisa. Assim, a análise do conteúdo das histórias de vida, ou seja, do conteúdo manifesto fundamenta-se no que foi dito, no que foi declarado pelos cuidadores. O material obtido foi assim analisado qualitativamente, considerado por Biasoli-Alves e Dias da Silva (1992) um processo indutivo de análise de dados descritivos da realidade, focalizando o universo da vida cotidiana dos participantes entrevistados, com a função de apreender a multidimensionalidade dos fenômenos em sua manifestação natural, captando os diferentes significados de experiências vividas e compreensão do indivíduo em seu contexto. Nessa perspectiva recorre-se á interpretação, um processo em que o pesquisador integra e reconstrói diversos indicadores obtidos durante a pesquisa, desenvolvendo-se por 77 meio da atribuição de significados, dando sentido a diferentes manifestações do objeto de estudo e as convertendo em momentos do processo geral, em sua condição de sujeito social, como podem ser a família, a comunidade, a escola, ou indivíduo (REY, 2002). O processo de análise deste estudo seguiu os momentos, enfatizados por pesquisadores que trabalham com este tipo de abordagem (ANDRÉ, 1988; NICOLACI-DA-COSTA,1988; BIASOLI-ALVES, 1995): 1) Execução das entrevistas e registro literal dos dados 2) Transcrição literal das entrevistas gravadas 3) Leituras sucessivas das entrevistas transcritas 4) Sistematização dos dados coletados pela procura de regularidade e diferenças nas respostas dos participantes e delimitação progressiva do foco de estudo, seguindo-se o afunilamento dos resultados em função do referencial conceitual 5) Eleição de tópicos e temas, tendo como aporte a literatura e as próprias verbalizações dos participantes, buscando redigir com coerência e fluidez, encaminhando o leitor para compreensão e crítica do texto. Assim, conforme Biasoli-Alves (1995) a sistematização do processo de análise caracterizou-se por um movimento constante, propondo que o pesquisador fizesse leituras dos depoimentos dos sujeitos ao longo da entrevista, detendo-se ora numa análise mais imediata do conteúdo expresso, ora nas teias das relações que se evidenciam; que toda a leitura e o que veiu dela fossem anotadas, incluindo as interpretações levantadas e os pontos críticos identificados, selecionando os tópicos de interesse gradativamente. Após todo o processo de construção da análise, ocorreu a busca de regularidade e diferenças dos dados analisados com sucessivas discussões das formas de compreensão dos dados entre diferentes pesquisadores. 78 Os depoimentos, neste estudo, foram lidos e relidos um a um, buscando conhecer e compreender cada história relatada, bem como o contexto atual no qual cuidador e idoso estavam inseridos. A primeira estratégia utilizada para essa compreensão foi mergulhar em uma história de cada vez, buscando exaltar os pontos que mais nos ajudassem na construção do delineamento da história e da vida atual de cuidador a cuidador. Com o intuito de facilitar tal processo, foi construído um esquema das particularidades de cada relato, correlacionando os acontecimentos pregressos e as vivências atuais direcionadas à configuração do cuidado. A grande maioria dos relatos trazia uma riqueza de detalhes que proporcionou uma certa facilidade na construção dos esquemas. A segunda estratégia foi extrair do conjunto dos esquemas os pontos de similaridade entre eles, o que ajudou numa apresentação geral da caracterização dos cuidadores e idosos ao longo das suas vidas. Em seguida, construiu-se um quadro com as características sóciodemográficas segundo idade, estado civil, escolaridade, sexo, profissão, religião, renda e parentesco dos cuidadores e idosos sob cuidados, o que ajudou a ter um panorama situacional dos sujeitos da pesquisa. Em seguida, houve a necessidade de organizar os dados em tabela com o intuito de quantificar os dados apresentados no quadro 1. Essa quantificação nos ajudou na descrição da contextualização geral dos dados de identificação dos idosos e de seus cuidadores. Tabelas estas localizadas no APÊNDICE C deste estudo. Após ter trabalhado exaustivamente nos dados de caracterização do conjunto dos cuidadores e idosos sob cuidados, mergulhamos novamente no universo de cada depoimento, agora com a intenção de delinear uma síntese da história de vida de cada cuidador, inserindo o idoso e a configuração do cuidado no momento atual. Neste momento de construção, após as leituras sucessivas de cada entrevista, bem como das observações registradas no diário de campo, pôde-se perceber através do conhecimento mais aprimorado de cada cuidador, a 79 característica singular que marcou cada um. Tais dados se encontram no final da síntese de cada história e todas concentradas no esquema 1. O momento seguinte foi o levantamento dos acontecimentos pregressos que influenciaram o delineamento da vida atual do cuidador frente ao cuidado, buscando desvelar como se configura a trajetória de se tornar o cuidador principal de seu familiar idoso com DA. Mediante a história da configuração do cuidado, os cuidadores trouxeram à tona de uma forma bem focalizada a sua visão acerca do contexto da doença no idoso, em relação ao sentido do diagnóstico, aos acontecimentos que determinaram o surgimento da doença, à confrontação com a evolução do quadro demencial, à imagem do idoso demenciado e à percepção da DA na inserção do ambiente familiar e na imersão da vida do idoso. A diversidade do cuidado no cotidiano do cuidador e da sua família permeia todas as fases de cada depoimento, quanto à execução do cuidar em termos das tarefas, as repercussões do cuidado na vida do cuidador, da funcionalidade da rede familiar, dos recursos financeiros, dos serviços de saúde e das estratégias utilizadas para superar as dificuldades no processo do cuidado. Dessa forma, os resultados da análise são trabalhados nos seguintes temas centrais com as suas unidades, extraídas das falas dos participantes da pesquisa: 80 Tema 1: CUIDADORES E IDOSOS: uma apresentação em conjunto Tema 2 O CUIDADOR EM FOCO A história de vida uma a uma Trajetória dos cuidadores e a configuração do cuidado no momento atual A trajetória até se tornarem cuidadores Ser Cuidador: Por que “eu”? Filhos cuidando de pais Esposas cuidando dos maridos O cuidado de parentes por afinidade Tema 3 A DEMÊNCIA DE ALZHEIMER E O IDOSO NA VISÃO DO CUIDADOR O diagnóstico A etiologia A evolução A imagem da doença Imagem do idoso com a doença de Alzheimer Tema 4 CUIDADO NO MOMENTO ATUAL O cotidiano do cuidado: tarefas Repercussões na vida do cuidador Rede familiar: fonte de apoio e relações Recursos financeiros Serviços de saúde Recursos de superação de dificuldades no processo de cuidado 81 4 - CUIDADORES e IDOSOS uma apresentação em conjunto A faixa etária do grupo de cuidadores entrevistados mostrou-se bastante ampla, se estendendo dos 26 aos 82 anos, com maior concentração entre 40 e 60 anos. É interessante apontar que no caso de sete deles, com idade igual ou superior a 60 anos, são idosos, se tem um idoso cuidando de outro idoso. É importante salientar que, neste caso, o idoso que assume a responsabilidade pelo cuidado de outra pessoa idosa também se encontra numa situação possível de ser cuidado, em função de apresentar algumas limitações físicas provenientes do processo de envelhecimento, bem como da instalação de doenças crônicas não-transmissíveis. Na sua quase totalidade são mulheres, responsáveis pelo cuidado, sendo apenas três homens. O grau de parentesco entre o cuidador e o idoso sob seus cuidados é de filiação: em sua maioria, as filhas que cuidam dos pais. Há também dois netos, uma mulher e um homem, cuidando de avós que foram responsáveis pela criação de ambos, assim possuem uma relação de filiação com as avós, considerando-as como mães. Quatro dos entrevistados são mulheres cuidando dos seus cônjuges e duas cuidam de pessoas com vínculos estabelecidos em função dos maridos – a sogra e a cunhada. Uma das cuidadoras ainda é responsável pelo cuidado da sua irmã. O conjunto assim composto pode ser descrito como de pessoas que, na sua maioria, cuidam da mãe, do pai e do conjugue. À exceção de um dos cuidadores, todos residem com o idoso sob seus cuidados, e também com outras pessoas da família. Das mulheres, a grande maioria (13) é casada e coabita com os filhos, que ainda não saíram de casa por serem crianças, adolescentes ou estarem na idade adulta e ainda não terem se casado. O cuidador viúvo retornou para o convívio com os pais, dividindo hoje com a mãe a responsabilidade pelos cuidados com o pai. Os que são solteiros moram também com irmãos e um com mais uma sobrinha adolescente 82 com deficiência cerebral. É interessante colocar que uma das cuidadoras cuida também de uma filha adulta com distúrbio mental. Os cuidadores são, em geral, provenientes de zona urbana. O nível de escolaridade do grupo de entrevistados é alto; todos têm no mínimo o nível médio (10), sete deles possuem o nível superior completo e três estão cursando faculdade. Quanto à renda mensal dos cuidadores, observamos que nove dos entrevistados ganham de 2 a 4 salários mínimos, sendo profissionais de nível técnico (técnico de enfermagem, técnico de prótese dentária e técnico administrativo), comerciante e exercendo as atividades do lar como donas de casa. Essas não possuem uma renda própria, são casadas que vivem da renda mensal do marido, ou são idosas que possuem aposentadoria. Onze cuidadores possuem uma renda de 6 ou mais salários mínimos, são pessoas que têm ocupação profissional de nível superior ou são micro empresários. Em relação à religião seguida, a maioria (16) dos entrevistados é católica e somente quatro são seguidores da religião evangélica. Os idosos cuidados pelos participantes deste estudo totalizam dezenove (19), pois um dos idosos é cuidado por dois cuidadores que fazem parte deste estudo. São idosos com idade entre 65 e 92 anos, sendo com maior concentração (15 idosos) na faixa etária acima dos 75 anos. Em sua maioria mulheres (13), apenas seis são homens. Muitos dos idosos são viúvos (13) há mais ou menos 10 anos e cinco idosos – todos homens - são casados e convivem com seus cônjuges; apenas uma das idosas é solteira. O casamento destes idosos aconteceu durante a sua mocidade em torno dos 16 anos, e eles permaneceram com o conjugue até a morte. Uma boa parte destes idosos nasceu na zona rural do estado do Amazonas; a maioria dos idosos sempre foi católica praticante e apenas três se tornaram evangélicos ao longo da sua vida. 83 Quanto ao grau de escolaridade, cerca de oito idosos não concluíram o primário daquela época, sendo considerados semi-analfabetos; seis terminaram o ginásio e obtiveram o nível fundamental e apenas cinco idosos completaram o 20 grau, hoje chamado de nível médio. Sua renda mensal encontra-se entre dois e três salários mínimos; está acima disso o rendimento das idosas que, além da aposentadoria, recebem a pensão do marido e o do senhor que foi funcionário público, desempenhando a função de professor. A ocupação profissional da maioria das idosas era relacionada às atividades de casa, ou seja do lar; já os homens tinham atividades voltadas para o comercio durante a era da borracha no estado do Amazonas. Os idosos sob cuidados, na sua totalidade, apresentam alterações na memória, muitos deles não lembram do cuidador como membro da sua família, principalmente quando este é seu filho, ou filha. No entanto, estes idosos têm estas cuidadoras como referência no dia-a-dia do cuidado. Esquecer do que fez ou do que falou é muito constante na vida desses idosos; assim as repetições de histórias, contar a mesma coisa várias vezes, faz parte de seus cotidianos. Bem como colocar algo em um lugar e não lembrar onde pôs, isso lhes proporciona uma angústia muito grande, principalmente quando são pressionados a lembrar 4. Uma outra alteração cognitiva muito presente nos idosos deste estudo é a desorientação relacionada ao tempo e ao espaço, deixando-os perdidos e proporcionando alterações no sono, em alguns casos, o idoso troca o dia pela noite. Essas desorientações fazem com que o idoso se perca dentro da sua própria casa, necessitando de constante supervisão dia e noite. O diálogo com o idoso sob cuidados, segundo relatos, é muito difícil, pois os discursos incoerentes nas conversas se fazem presentes em função dos episódios de perda do raciocínio 4 Um dos casos que chamou bastante atenção, foi o de um idoso que não lembrou onde colocou a chave de casa após ter trancado a porta, ficando ele e a mulher presos por três dias em sua própria casa. 84 lógico, bem como da dificuldade de construir frases para formar uma idéia para o estabelecimento de uma boa comunicação. Em relação à capacidade funcional, a grande maioria dos idosos sob cuidados necessita de ajuda ou auxilio na realização das Atividades da Vida Diária (AVDs) como: higiene pessoal, alimentação, uso do banheiro, vestimenta, locomoção. Sendo assim, estes idosos se encontram em situação de dependência parcial, em sua maioria, ou em dependência total para a realização das AVDs. As alterações na capacidade funcional e cognitiva dos idosos sob cuidados em função da Demência de Alzheimer deram a necessidade de uma presença constante do cuidador para realizar ou auxiliar nas AVDs, bem como supervisioná-los em tudo que fazem. As tabelas descritivas do conjunto dos participantes, em termos de sexo do cuidador e idoso, local em que o cuidador passou a infância, escolaridade do idoso e do cuidador, grau de parentesco com o idoso, profissão do idoso e o estado civil do idoso e do cuidador estão em anexo. A seguir, um grande quadro com a caracterização dos cuidadores e dos idosos deste estudo para visualização: 85 Cuidador Cintia Fernanda Idade 26 a 32 a Est. Civil casada Solteira Escol. NM NM Jorge Angela Carlos Jéssica Gabriela 36 a 42 a 43 a 46 a 48 a Solteiro casada Solteiro casada casada NM NM NS NS NS Augusta 50 a casada NS Francisco 51 a Solteiro NM Alma 53 a viuva NM Débora Graça Valdete Margareth 55 a 57 a 58 a 60 a NM NS NM NS Rosângela Flora Eliane Izolda Almerinda Roberta 64 a 65 a 66 a 75 a 78 a 83 a viuva casada casada Divorcia da casada casada casada casada casada casada NF – nível fundamental NM – nível médio NS – nível superior NM NM NS NM NM NS cuidador Profissão Religião Empresária Católica Tec. Evangélica Enfermagem Estudante Católico Do lar Evangélica Odontólogo Católico Psicóloga Católica Enfermeira Católica Contadora Assistente Católica Social Micro Católico Empresário Tec. Prótese Evangélica Dentária Do Lar Católica Bióloga Católica Comerciante Católica Professora Católica Secretária Do Lar Professora Do lar Do Lar Professora Católica Católica Católica Católica Evangélica Católica idoso Filhos Escol. 5 F e 1 M NF 3 F e 3 M NM Profissão Do Lar Do Lar Religião Católica Evangél. Viúva Viúva Viúva viúva Viúva 2Fe5M 2M 3Fe6M 6Fe6M 3F NF NM NM NF NM Do Lar Costureira Professora Do Lar Comerciante Católica Católica Católica Católica Católica 83 a Viúva 2F NF Comerciária Católica M 79 a Casado 2M NF Sold. borracha Católico Filha F 82 a Viúva 3Fe3M NF Costureira Evangél. 3 salários 8 salários. 3 salários 4 salários Filha Filha Filha Filha M F F M 90 a 82 a 83 a 86 a Viúvo Viúva Viúva Viúvo 1Fe3M 1Fe2M 8Fe2M 3Fe6M NF NM NF NF Comerciante Do lar Do Lar Comerciante Católico Católica Católica Católico 8 salários 8 salários 9 salários 7 salários 2 salários 6 salários Esposa Irmã Cunhada Esposa Esposa Esposa M F F M M M 69 a 71 a 81 a 79 a 86 a 91 a Casado Solteira Viúva Casado Casado Casado 3Fe1M 1Fe1M 2M 5Fe2M 2F NM NF NF NF NF NF Professor Costureira Ser. Gerais Sold. borracha Tratorista Ag. Enf. Católico Católica Católica Católico Evangél. Católico Renda + 10 salários 3 salários Parentesco Neta Filha Sexo F F Idade 85 a 68 a Est. Civil Viúva Viúva 4 salários 2 salários + 10 salários 8 salários 10 salários Neto Nora Filho Filha Filha F F F F F 80 a 65 a 79 a 73 a 76 a 10 salários Filha F 7 salários Filho 3 salários F- Feminino M- Masculino Quadro 1: Características sócio-demográficas segundo idade, estado civil, escolaridade, sexo, profissão, religião, renda e parentesco do cuidador e idoso com Demência de Alzheimer 86 87 5 - O CUIDADOR em foco 5.1 - A história de vida uma a uma: Cíntia ( 26 anos) Cíntia nascida na zona urbana da capital do estado do Amazonas, possui um irmão de 28 anos de idade. Foi criada pelos avós maternos desde os três anos de idade e considera a avó como mãe. Não conhece seu pai e possui um relacionamento cordial com sua mãe biológica. Seu avô faleceu cerca de 15 anos atrás, fato que causou bastante sofrimento para a família, principalmente para a sua avó. Cíntia teve uma infância marcada por brincadeiras e estudos, com condições financeiras confortáveis e cercada de muito carinho. Casou-se aos 14 anos de idade após ficar grávida; fato que a tornou responsável precocemente frente aos cuidados familiares. Sempre contou com a ajuda da avó na criação dos filhos. Possui um filho de 12 anos e outro de 7 anos de idade, mesmo depois de casada sempre morou com a avó. Relata que sua avó sempre foi uma cuidadora da casa e da família. Hoje Cíntia é dona de um estabelecimento comercial e trabalha cerca de 6 horas por dia. Cerca de 4 anos atrás, Cíntia passou a perceber na avó frequentes episódios de esquecimento de nomes dos familiares, negligência na cozinha e na higiene pessoal, bem como agressividade. Cíntia levou a avó ao neurologista e no período de 4 semanas, após a realização de vários exames, chegou-se ao diagnóstico de Doença de Alzheimer. Desde então, Cíntia passou a ser a principal cuidadora da avó que, no decorrer de um ano, sofreu uma evolução significativa da doença, tornando-se cada vez mais dependente de cuidados. A mãe biológica de Cíntia passou a ajudar a filha no cuidado, substituindo-a na sua ausência. Cíntia sempre estuda e se atualiza sobre a doença da avó, com o intuito de entender melhor a sua manifestação. Para ela, o surgimento da doença na avó se deve ao sofrimento 88 pelo falecimento de seu avô. Refere que a mesma se tornou perdida pela perda de seu companheiro e cúmplice de muitos anos. Atualmente a avó não a reconhece, lembrando apenas da época em que era criança; não anda, necessita de alguém que lhe dê banho, possui incontinência urinária e fecal, não consegue se alimentar sozinha, não consegue estabelecer um diálogo coerente, possui desorientação temporal e espacial. O que a torna em condição de total dependência de cuidados por todo o tempo. Em virtude da condição de dependência de cuidados da avó, Cíntia se sente a principal responsável pela mesma, revezando essa responsabilidade com o seu trabalho. Ela declara ser esta a oportunidade de retribuir, tudo o que a avó fez por ela. Em relação ao cotidiano do cuidado, Cíntia relata que se priva de sair com a sua família, ficando em casa nos finais de semana em virtude da demanda de cuidados para com sua avó. Em virtude dessa privação social, Cíntia demonstra que fica impaciente frente a tal vivencia. A cuidadora associa a avó a uma criança que necessita de constante supervisão e cuidados. Mesmo contando com a ajuda da mãe e o apoio do marido, Cíntia relata que uma das maiores dificuldades que sente frente ao cuidado é a impossibilidade da avó em se locomover sozinha, já que se encontra limitada a uma cadeira de rodas. Sendo assim, o cansaço se faz presente no dia-a-dia da execução do cuidado à avó. Segundo a cuidadora, encontrar uma pessoa que tenha paciência para enfrentar tal situação é extremamente difícil, já que sua própria família não a tem. Faz parte dos relatos da história da Cíntia, a imensa gratidão aos avós por tê-la criado. Cíntia recebeu de seus avós maternos a educação e o amor dignos de filha. Ela refere que cuidar de sua avó, apesar das dificuldades, é uma forma de demonstrar gratidão por tudo de bom que a mesma lhe proporcionou na vida. 89 CINTIA HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando da avó com D.A.) Brincadeiras Estudos Cuidado como retribuição: avó- neta Privação da vida social I Impaciência no cuidado Criada pelos avós Carinho da avó Associação da avó a criança Busca de conhecimentos da D.A. Não aceita a impaciência dos tios e irmão com a idosa Sente dificuldade frente à não locomoção da idosa Estudos Adolescência Trabalho Conta com a ajuda do marido e mãe no cuidado Tem apoio dos filhos no cuidado Dificuldade de encontrar alguém com paciência para cuidar Perda do avô Adulta DA na avó 90 Fernanda ( 32 anos) Fernanda nascida na zona urbana em uma cidade do estado do Macapá, é filha de um casal de descendência oriental. Possui 3 irmãos e 2 irmãs, sendo a filha do meio das mulheres. Seus pais se mudaram com os filhos para a capital do estado do Amazonas em busca de trabalho, época em que Fernanda tinha 3 anos de idade. Fernanda relata uma infância e uma adolescência marcadas por uma educação rígida e com muito estudo. Sua mãe sempre foi uma pessoa muito autoritária, extremamente cuidadora da casa, do marido e dos filhos, pessoa que se importava muito com a postura de si mesma e dos filhos, dava um valor significativo ao pudor dentro de casa. Segundo a mesma, a religiosidade sempre fez parte da sua educação. Seu pai faleceu em 1992, em virtude de um acidente vascular cerebral, fato que trouxe muito sofrimento para a sua mãe. A partir de então, Fernanda passou a perceber que a sua mãe ficou meio perdida, pois não conseguia fazer mais o que fazia antes, que era o comando de tudo, da casa e dos filhos. Após 8 anos da morte do seu pai, sua mãe começou um processo de esquecimento dos fatos recentes, repetindo as mesmas histórias e a negligenciar a higiene pessoal. Fernanda levou a mãe a vários médicos da cidade, sem ter êxito no fechamento do diagnóstico durante 8 meses, buscou neurologista em outro estado e com duas semanas conseguiu um fechamento do diagnóstico da Demência de Alzheimer. Diante da demora no fechamento do diagnóstico da mãe, Fernanda, ao receber a notícia sobre a doença teve uma rápida sensação de alívio, já que agora sabia o que realmente estava acontecendo. Ao saber que a doença é incurável, Fernanda sofreu um choque, pois começou a perceber que sua mãe não voltaria mais a ser a mesma de antes. Fernanda atribui o surgimento da doença da mãe ao sofrimento pela morte de seu pai. 91 Em virtude das necessidades de cuidados que a mãe passou a ter, Fernanda resolveu fazer um curso técnico na área da saúde para obter maiores informações acerca do processo do cuidado. Há 3 anos, Fernanda entrou em processo de depressão por cuidar sozinha da sua mãe; atualmente conta com a ajuda dos seus irmãos, a irmã mais nova e o caçula, que moram na mesma casa. Fernanda se sente imensamente responsável pelo cuidado da mãe e cobra que os irmãos cuidem da mesma forma que ela. Fernanda é a principal cuidadora da mãe, dividindo-se com seus estudos na faculdade e com o trabalho na área da saúde. Dessa forma, a cuidadora vive para essas três funções, não tendo tempo para cuidar de si mesma, pois a preocupação com o bem-estar da sua mãe ocupa todo o seu espaço. Relata que precisa estar sempre atenta aos cuidados prestados pelos irmãos, pois na visão da mesma estes não os exercem com dedicação o que leva a conflitos entre irmãos, pois estes a consideram chata e rígida. No entanto, seu irmão mais velho, casado, distante dos cuidados para com sua mãe, não se sente responsável pelo processo do cuidar; mantém-se indiferente à condição e necessidades da mãe. Fernanda diz-se bastante indignada diante do distanciamento do irmão, principalmente por este morar no mesmo bairro e quase nunca vai visitar a mãe. Atualmente a idosa é altamente dependente, não anda, não consegue tomar banho sozinha, precisa de ajuda para se alimentar, tem desorientação temporal e espacial, não consegue estabelecer um diálogo coerente, não reconhece a cuidadora como filha, mas a tem como referência no processo do cuidado. Fernanda relata que após a doença, sua mãe se tornou mais próxima dos filhos. No entanto, a agressividade dela se faz presente em determinados momentos da execução do cuidado, pois por várias vezes durante o banho já recebeu muitos tapas e beliscões. 92 A cuidadora relata culpa por sentir raiva da mãe frente a tal situação, e ao mesmo tempo diz entender tal reação pelo fato de estar com sua intimidade invadida em função da condição de dependência. A cuidadora refere que sente falta de um serviço especializado em assistir idosos com a doença de Alzheimer, pois os profissionais não possuem conhecimento o suficiente para lidar com as alterações desencadeadas por esta doença. Fernanda percebe que sua mãe necessita de um tratamento adequado para retardar a evolução da doença, e isto a deixa muito empenhada e ao mesmo tempo bastante ansiosa. A luta da Fernanda para conseguir que seus irmãos se sintam também responsáveis pelo cuidado da sua mãe, vai se configurando ao longo da sua entrevista. Como já foi mencionado, no estágio inicial da doença, a cuidadora se viu sozinha diante da situação de necessidade de cuidado da sua mãe, teve que adiar o andamento da sua faculdade e adentrou na área da saúde para aprender acerca da doença e de seus cuidados adequados. Ao se deparar com tal aprendizado e a indiferença de seus irmãos frente à condição de sua mãe, Fernanda começou a cobrar dos mesmos o envolvimento na execução do cuidado, passando a delegar afazeres, já que moram na mesma casa. A cuidadora percebeu que sozinha não iria conseguir suportar toda demanda no cotidiano do cuidado, precisava sempre ir a luta para poder dar uma condição de cuidados melhor para sua mãe, pois se sente inteiramente responsável em estar à frente da administração da casa e da sua família por ser a filha mais velha. Segundo Fernanda, a luta faz parte da história de seus pais, e consequentemente da sua também, por ser filha de japoneses. 93 FERNANDA HISTÓRIA DE VIDA Estudos Infância Ajuda nos afazeres de casa Mãe rígida Adolescência Estudos Religiosidade Trabalho Mãe cuidadora Perda do pai Adulta Mãe com DA VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A.) Renuncias pelo cuidado Preocupação constante pelo cuidado Cuidado como retribuição: mãe-filha Prioriza o cuidado da mãe Mudanças de plano devido cuidado Divide cuidado com irmãos Relação entre irmãos conflituosa Irmãos não priorizam cuidado da mãe Irmãos percebem a cuidadora como durona Profissão escolhida por causa do cuidado Mão próxima dos filhos após DA Mãe agressiva no cotidiano do cuidado Dificuldade de lidar com o desconhecimento das pessoas – DA Sente falta de um serviço para idoso com DA Percebe a necessidade do tratamento adequado c/ a mãe 94 Jorge (36 anos) Jorge nasceu na capital do estado do Amazonas, tem 1 irmã e 3 irmãos por parte de pai. Foi criado pelos avós maternos, sem a presença do pai. Refere ter tido uma infância muito tranquila e marcada pelo carinho dos avós, que faziam muita questão de cuidar dos netos; sendo assim, conviveu bastante com os primos. Quando Jorge tinha 14 anos de idade, seu avô ficou doente em virtude de um Acidente Vascular Cerebral; relata que assumiu junto com sua avó a responsabilidade pelo processo do cuidar, que durou 8 anos até o falecimento do avô. Fato que lhe trouxe muito sofrimento por perder a única referência que teve de pai. Relata que a morte do seu avô causou um imenso choque na sua avó, que ficou com depressão. Jorge diz que, em virtude dos cuidados para com o avô, teve que renunciar às vivências sociais inerentes à adolescência. Aos 28 anos de idade teve um filho, mas não chegou a se casar com a namorada na ocasião, permanecendo solteiro e morando com a avó até hoje. Há oito meses, sua avó começou a esquecer onde colocava os objetos dentro de casa, bem como deixar o fogão ligado; passou a repetir as mesmas histórias e a ter momentos de desorientação temporal e espacial, trocava o dia pela noite. Jorge passou a se preocupar com o que estava acontecendo e levou sua avó a um neurologista, que após vários exames chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer em cerca de 5 semanas. A partir de então, passou a assumir a responsabilidade pelo cuidado da mesma. Jorge associa a doença na avó ao sofrimento relacionado a dificuldades financeiras vivenciadas no início do seu casamento, bem como à perda de seu fiel companheiro, o marido. Jorge relata que se sente inteiramente responsável pelo cuidado da avó, pois faz tudo por gratidão. Diz que fica muito triste por seus primos não se sentirem também responsáveis, 95 já que também foram criados pelos avós; principalmente aquele que ainda não saiu de casa. Refere que este primo se mantém indiferente frente à doença da avó. Jorge relata sentir prazer em cuidar da avó, no entanto queria dividir o processo do cuidado com a família (primos e tios). Sua mãe é quem o ajuda e fica com a idosa quando precisa se ausentar. Refere que vive para cuidar da avó e que a privação social continua fazendo parte da sua vida. Ao falar das dificuldades vivenciadas no dia-a-dia do cuidado, Jorge enfatiza que ao dar banho na idosa e ao trocar sua fralda tem uma sensação de estar rompendo a privacidade da mesma, pois sua avó sempre valorizou o pudor. Relata que tem dificuldade de aceitar a doença na avó, que sempre foi uma excelente cuidadora. Atualmente a idosa se encontra em uma situação de dependência, pois anda com dificuldade, necessita de constante supervisão devido à desorientação no tempo e no espaço, precisa de ajuda para tomar banho, possui incontinência urinária noturna, repete a mesma história por várias vezes e esquece fatos recentes. Atualmente o cuidador faz faculdade na área de humanas e mora com a avó, um primo e a esposa do primo. Realata que seu filho, que possui 8 anos de idade, se preocupa mais pela bisavó do que seus tios. A gratidão faz parte do relato da história de Jorge, porque seus avós o criaram, recebeu dos seus avós maternos a educação e o amor como se fosse filho. O cuidado para Jorge representa uma forma de demonstrar gratidão por tudo de bom que a idosa proporcionou em sua vida. 96 JORGE HSITÓRIA DE VIDA VIDA ATUAL ( Cuidando da Avó com D. A.) Infância Criado pelos avós Avós cuidadosos Avó cuidadora Estudo interrompido Adolescência Cuidou do avô Morte do avô Cuidado como retribuição Tem a ajuda somente da mãe Adulta Primos e tios distantes DA na avó Supervisão contínua Namoro/ filho Estudos Avó cuidadora Tem prazer em cuidar Preocupação Renuncias Família não se responsabiliza pelo cuidado Não aceita a DA na avó Sofre pelo rompimento de privacidade da avó durante o cuidado (banho) 97 Ângela (42 anos) Ângela nasceu numa cidade da região Centro Oeste, foi criada na zona rural em uma fazenda. Teve a infância marcada por doenças de criança e problemas na acuidade visual que dificultaram seus estudos até os dez anos de idade. Possui 2 irmãos e 3 irmãs. É a mais nova das irmãs e mais velha que os homens. Em sua adolescência assumia a responsabilidade de cuidar dos irmãos, suas irmãs não moravam com seus pais. Aos vinte e quatro anos de idade foi morar na capital do estado do Amazonas com uma das suas irmãs para trabalhar. Morou com a irmã por um ano e depois foi morar sozinha, pois trabalhava no distrito industrial e tinha condições de se manter financeiramente. Aos 26 anos de idade conheceu seu atual marido em uma confraternização do seu trabalho, após seis meses de namoro foram morar juntos. Teve duas filhas, hoje elas possuem 17 e 9 anos de idade. Refere durante todo este tempo ter tido um casamento muito feliz, pois seu marido sempre foi um verdadeiro companheiro. Ângela relata se sentir realizada como mulher e como mãe. Segundo Ângela, nunca teve uma relação de muita proximidade com a sua sogra, cada uma se respeitava no seu devido lugar. Cerca de dois anos, sua sogra, que é viúva há 10 anos, começou a apresentar esquecimentos de fatos recentes, a esquecer a comida no fogo, a guardar um objeto e não lembrar onde colocou, a sair na rua e se perder; a negligenciar sua higiene pessoal, pois não queria tomar banho; a ter episódios de agressividade. Como a mesma morava sozinha, seu marido decidiu trazer a mãe para morar em sua casa. Levou a uma geriatra, que após vários exames, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer em cerca de 6 semanas. Ângela passou a dividir o processo do cuidar com o marido, cuidando a maior parte do tempo em virtude de não trabalhar fora e o esposo trabalhar e estudar. Segundo Ângela, o cuidado para com a sogra é em decorrência do seu casamento. A mesma refere se sentir 98 prisioneira do cuidado e ainda não conseguiu aceitar tal situação, já que a idosa tem mais um filho, que também é casado e não quer assumir a responsabilidade pelo cuidado da mãe, mantendo-se distante. Ângela relata que perdeu o sossego com o cuidado da sogra, tem momentos de impaciência frente às manifestações da doença e se sente sobrecarregada. A família da idosa, segundo a cuidadora, percebe-a como inútil e se mantém afastada, tratando-a com indiferença. Ângela relata que a idosa sempre foi muito difícil de se lidar, sempre muito mandona e “espaçosa” no sentido de se meter na vida das pessoas. Então, a mesma diz que sentiu que seu cunhado e a mulher, bem como os filhos se sentiram aliviados em saber que a idosa não pode mais sair sozinha e que tem que ser comandada, direcionada. Atualmente o cuidado com a idosa direciona a dinâmica da casa da Ângela, em função da sua condição de dependência; a idosa anda, no entanto necessita de supervisão constante devido à desorientação temporal e espacial, precisa de ajuda na alimentação e banho, possui momentos de agressividade e incontinência urinária noturna. A cuidadora relata que seu marido tem dificuldade em aceitar a doença da mãe, pois a mesma sempre foi muito ativa e gerenciadora da família. A indignação da Ângela em estar cuidando da sogra ficou bastante evidente ao longo da sua entrevista. 99 ANGELA HISTÓRIA DE VIDA PREGRESSA VIDA ATUAL ( Cuidando da sogra com D.A) Brincadeiras Infância Privações devido doenças de infância Estudos Adolescência Amizades e namoros Cuidado dos irmãos Menores Casamento Ausência no cuidado Filhos não aceitam doença na mãe Cuidado da sogra com DA Adulta Percepção da idosa como inútil Supervisão constante Privação Social Não tinha boa relação com a sogra 2 Filhas Invasão familiar Não aceita ter q cuidar da idosa Impaciência no cuidado Perda do sossego Prisioneira do cuidado 100 Carlos ( 43 anos) Carlos nasceu na zona urbana da capital do estado do Amazonas, é o segundo de uma prole de 9 filhos (6 homens e 3 mulheres). Filho de professora, que era extremamente ativa, condutora da casa e cuidadora dos filhos. Teve uma educação rígida por parte da mãe, que sempre conseguiu conduzir os 9 filhos de maneira excelente; teve uma educação religiosa muito presente, refere que frequentava a igreja católica todos os finais de semana. Estudou em ótimas escolas, apesar das limitações financeiras dos pais. Possui ótima lembrança do relacionamento harmonioso entre seus pais, teve uma referência de vida de casal maravilhosa, de cumplicidade, de respeito mútuo. Relata que seu pai era uma pessoa muito calma e tranquila, era o equilíbrio da sua mãe, uma pessoa “ditadora” com os filhos e extremamente dinâmica, principalmente relacionada aos estudos. Refere que graças a isto cursou faculdade na área da saúde, exercendo a profissão até hoje. Carlos ao falar da mãe, enfatiza que anteriormente ela era excelente como cozinheira, mãe, esposa e uma excelente professora muito inteligente. Em 1991 seu pai adoeceu, vindo a falecer após ficar dias internado na UTI. Época que acompanhou todo o processo de perto, por ser profissional da área da saúde e ter acesso mais fácil ao hospital, do que os outros irmãos. Relata que antes do seu pai morrer, o mesmo lhe incumbiu da responsabilidade pelo cuidado da mãe. Fato este que o marcou profundamente. A perda do pai causou um grande sofrimento para toda a família, principalmente para sua mãe, que até 6 anos atrás chorava todos os dias. Há cerca de 5 anos atrás, Carlos começou a perceber que sua mãe passou a esquecer a comida no fogo, a esquecer de pôr alguns condimentos no preparo da alimentação, assim como a negligenciar a higiene pessoal e a repetir as mesmas histórias. Os esquecimentos se tornaram mais frequentes e após alguns meses, Carlos levou a mãe para fazer um 101 acompanhamento com uma geriatra, que no período de algumas semanas (4-5) fechou o diagnóstico de doença de Alzheimer. Ao ter a notícia do diagnóstico da mãe, Carlos passou a buscar informações para conhecer a doença e as formas de tratamento, com o intuito de entender tudo o que estava acontecendo com a mesma. Por mais que Carlos esteja informado sobre a doença, ainda não consegue aceitar o seu estabelecimento em sua mãe, já que a mesma sempre foi uma pessoa muito ativa. Fato que o deixa em constante inconformismo frente à situação de dependência vivenciada pela mãe. Desde o diagnóstico, Carlos assumiu a administração da casa, bem como ser o principal responsável pelo cuidado. Carlos recebe ajuda da sua irmã, que se separou do marido e retornou para a casa da mãe com uma filha adolescente, que possui uma deficiência cerebral. Sendo assim, Carlos mora com sua mãe, a irmã e a sobrinha. Em virtude de se sentir inteiramente responsável pelo cuidado e administração da casa, relata não ter feito muito esforço para se casar, permanecendo solteiro até então. No processo de cuidado da sua mãe, Carlos se incomoda com a não participação dos outros irmãos, que se mantêm distantes. Em função disso, o cuidador refere se sentir sobrecarregado, fato este causador de uma relação estremecida entre os membros da família, permeada de desentendimentos. Atualmente Carlos se divide entre o trabalho e o cuidado para com sua mãe, que se encontra numa situação de dependência; a idosa não o reconhece como filho em determinados momentos; precisa de supervisão contínua, em virtude de flutuação de orientação temporal e espacial; possui incontinência urinária noturna; se alimenta sozinha; deambula, mas necessita de supervisão; precisa de ajuda durante o banho. Em relação ao cuidado, Carlos relata vivenciar a oportunidade de retribuir tudo aquilo que sua mãe fez por sua família. As preocupações para proporcionar o bem estar da idosa 102 fazem com que Carlos se doe aos cuidados, privando-se de ter uma vida própria, pois vive em função da família, administrando a casa. As sucessivas renúncias em função do cuidado geram no cuidador sentimentos de impaciência frente às situações vivenciadas. Uma das maiores dificuldades relatadas por Carlos é o sentimento de estar invadindo a privacidade da sua mãe na execução das tarefas que compõem o cuidar, como por exemplo o banho e a troca de fralda. Relata que teve uma criação baseada na valorização do pudor, principalmente por parte da sua mãe, que não permitia que os filhos andassem apenas de roupa íntima pela casa. A sobrecarga do Carlos foi uma marca registrada ao longo da sua entrevista, referindo que o acúmulo de funções faz parte do seu cotidiano. 103 CARLOS HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A) Trabalho dos pais dificuldade financeira Educação rígida Estudos União dos pais Sente por não ter se casado Não aceita a doença na mãe Adolescência Adulto Mãe autoritária / ativa Religiosidade Estudos Cumplicidade dos pais União familiar Cuidado com o pai Morte do pai Adm. Da casa Cuidado imposto pelo pai ao morrer: ser solteiro e ser cuidador cuidado retribuído Preocupações Renuncia Impaciência DA na mãe Distanciamento dos irmãos Não se sentem responsáveis pelo cuidado Relação familiar Conflituosa Sofre por invadir a privacidade da mãe no cuidado 104 Jéssica (46 anos) Jéssica nasceu no interior do estado do Amazonas na zona rural. Teve 11 irmãos, sendo 6 homens e 6 mulheres, é a mais velha das mulheres. Refere ter tido uma infância muito boa, mas marcada pelo sofrimento da mãe em virtude do comportamento de infidelidade do pai, pois o mesmo tinha várias mulheres. Jéssica sempre foi muito próxima da mãe, era a filha preferida. Relata que teve uma educação severa por parte de seu pai, que não permitia que os filhos saíssem de casa. Aos 18 anos foi morar, juntamente com os irmãos, na capital para estudar. A mãe os visitava de 15 em 15 dias, e o pai, uma vez por mês. Fez faculdade na área da saúde, exercendo a profissão desde então. Casou-se aos 21 anos e após cinco anos se separou, aos 27 anos de idade casou-se pela segunda vez com seu esposo atual. Jássica não possui filhos. Em 2005 seu pai faleceu em função de um derrame cerebral. Época esta que percebeu algo de estranho em sua mãe, pois a mesma mostrou bastante indiferença frente à morte do marido e se comportava como se o mesmo estivesse vivo. Jéssica ficou muito preocupada com tal situação e buscou ajuda de um neurologista, que após vários exames, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer em 4 semanas. A partir de então, Jéssica se tornou a principal cuidadora da mãe, pois se sente inteiramente responsável pelo bem estar da mesma, por sempre tê-la como referência. Não mora com a idosa, mas consegue administrar todo o processo do cuidado e a casa da mãe, pois se dedica bastante a esta responsabilidade. Atualmente a idosa mora com a filha mais nova, que não se responsabiliza pelo cuidado e uma empregada doméstica. A cuidadora associa a doença à história de sofrimento vivenciado pela Mãe. Jéssica demonstra que cuida da mãe como se cuida de uma filha e a considera como um bebê. Relata que em alguns momentos fica impaciente com a agressividade da mãe, principalmente durante o banho. 105 Jéssica relata que seus irmãos se esquivam do cuidado, pois acham que a mesma tem que assumir a responsabilidade, pelo fato de ter sido sempre a preferida da mamãe. Os netos da idosa se mantêm distantes e a tratam com indiferença. Fato que deixa Jéssica indignada, pois estes seguem a conduta dos pais. A cuidadora relata que graças ao apoio do marido consegue aguentar as dificuldades do dia-a-dia, há momentos em que se sente sobrecarregada, pois refere que sempre esteve à frente de tudo da família, principalmente relacionado aos pais. Sempre mudou seu cotidiano para cuidar, coisa que os irmãos nunca mudaram. Atualmente a idosa se encontra numa situação de dependência, anda com dificuldade, necessita de supervisão contínua devido á desorientação temporal e espacial, possui incontinência fecal e urinária, não consegue tomar banho e se alimentar sozinha, possui momentos de agressividade, não reconhece os filhos e possui alucinação visual. Jéssica relata que o cuidado para com a mãe é a forma de retribuir tudo que a mesma fez pelos filhos e pelo marido, bem como para amenizar as vivências de sofrimento em toda história de seu casamento. A cuidadora diz que quando sua mãe ficou viúva, achou que ela fosse ter a oportunidade de recomeçar sua vida e buscar a felicidade que não teve em seu matrimônio, no entanto a doença tomou conta e paralisou a sua vida. O acolhimento da Jéssica foi uma característica bastante peculiar demonstrada nas entrelinhas dos seus relatos frente ao cuidado. A cuidadora expressa que puxou para si todos os cuidados de que seus pais sempre necessitaram, por ter sido a filha mais próxima do casal, independentemente da sua condição de estar ou não casada. Acolher a sua mãe é uma ação que lhe traz satisfação enquanto filha e enquanto pessoa. Todas as pessoas que se aproximam da sua realidade frente ao cuidado para com a idosa são também acolhidas, assim como a pesquisadora foi. 106 JÉSSICA HISTÓRIA DE VIDA VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A.) Educação rígida Infância Pai infiel/ mãe sofre Não aceita a doença na mãe Sofrimento da mãe Adoles- Mãe cuidadora cência Filha preferida da mãe Estudos Adulta Casamento Separação 2a casamento Cuidou do pai doente DA na mãe Morte do pai DA na mãe Supervisão constante Preocupação Renuncias Cuidado como retribuição Impaciência Se responsabiliza pelo cuidado Mãe Agressiva Relação de proteção Irmãos e sobrinhos não se sentem responsáveis pelo Cuidado Tratam a idosa com indiferença Recebe apoio do esposo DA é vista como doença que paralisa a vida 107 Gabriela (48 anos) Gabriela nasceu na capital do estado do Amazonas, é a primeira de uma prole de quatro filhos, um dos seus irmãos faleceu aos 38 anos de idade (há sete anos); atualmente possui duas irmãs com 56 e 54 anos de idade. Filha de comerciantes, teve a infância interrompida pela responsabilidade do trabalho no comércio com seu pai, desde os 10 anos de idade. Sempre foi incentivada pela mãe a não parar com os estudos. Fato que influenciou a mesma a ter cursado duas universidades, a primeira na área de saúde e a segunda na área de exatas, área em que trabalha atualmente. Casou-se com 25 anos de idade, teve dois filhos, uma menina e um menino, que atualmente possuem 18 e 21 anos. Há cerca de 15 anos seus pais se separaram, a partir de então sua mãe passou a morar próxima ao seu irmão mais novo; antes de falecer, segundo Gabriela, este sempre foi o “xodó da mamãe”. Em 1999 Gabriela perdeu o pai em função de problemas cardíacos. O irmão mais novo morreu em virtude de um infarto fulminante, a partir de então, Gabriela levou sua mãe para morar em sua casa, pois a mesma entrou em depressão. Após 1 ano de sofrimento pela morte do filho, sua mãe passou a ter esquecimentos e a repetir as mesmas histórias, o que se intensificou no período de seis meses. Gabriela levou a mãe a um neurologista, que depois de 4 semanas realizando vários exames, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer, há 6 anos atrás. Gabriela é a principal cuidadora da sua mãe, divide o processo de cuidado com uma empregada doméstica no período em que trabalha, 6 horas por dia. Relata que a idosa está inserida em todas as suas atividades, dedica-se inteiramente aos seus cuidados. Gabriela é bastante preocupada com a situação de saúde da sua mãe e mantém uma supervisão contínua. Vive em busca de conhecimentos a respeito da doença, principalmente relacionados ao término de novos estudos. O conhecimento não é o bastante para Gabriela aceitar a evolução da doença na mãe, considera que os investimentos no 108 cuidado para evitar tal evolução e proporcionar o bem-estar da idosa são constantes em seu dia-a-dia. Gabriela relata que seus filhos e seu marido se envolvem mais do que suas irmãs no cuidado para com sua mãe. Fato que lhe deixa muito triste. Atualmente a idosa se encontra numa situação de dependência total, não anda, não a reconhece como filha, possui desorientação temporal e espacial, necessita de uma pessoa para tomar banho, não consegue estabelecer um diálogo coerente, necessita de auxílio para se alimentar. A proteção foi algo que ficou muito presente nos relatos e nas expressões da Gabriela. A cuidadora cerca a mãe de todos os cuidados todo o tempo, como se a idosa estivesse numa redoma de proteção para que “nada e ninguém a atinja”. 109 GABRIELA HISTÓRIA DE VIDA Infância Adolescência Estudo Trabalho Mãe cuidadora VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A.) Supervisão contínua no cuidado da mãe Busca de conhecimento sobre a DA Não aceitação da evolução da doença Relação de proteção com a mãe Conciliação entre trabalho e cuidado Absorção pela responsabilidade do cuidado Adulta Morte do pai Morte do irmão DA na Mãe Investimentos no cuidado Inclusão da idosa em todas as suas atividades Pouca participação das irmãs no cuidado Envolvimento de filhos e marido no cuidado 110 Augusta (50 anos) Augusta nasceu na capital do estado do Amazonas, possui apenas uma irmã que tem 52 anos de idade. Teve infância e adolescência marcadas por uma educação severa e perfeccionista por parte da sua mãe, que não dava demonstração de carinho; fato que marcou bastante a vida da Augusta. Relata que sempre foi uma criança muito expansiva e que foi muito tolhida pela mãe, que a tratava com muita frieza. Relata que sua irmã tem muitas mágoas da mãe, pois a mesma não a apoiou nos momentos difíceis da sua vida. Augusta diz que sua mãe sempre demonstrou ser infeliz em seu casamento, acha que a mesma nunca sentiu amor pelo seu pai. Relata que a mãe sempre foi uma pessoa que estava de “mal com o mundo” e não queria que as filhas casassem para não sofrer na vida. Relata ainda que seu pai sempre foi um apaixonado, um sonhador, sempre foi apaixonado pela mulher. Fez curso superior, exercendo a profissão desde então; casou-se aos vinte anos de idade, sem o apoio da mãe, que queria que as suas filhas fossem freiras. Augusta teve uma filha e um filho, atualmente com 32 e 29 anos respectivamente, ambos casados. Em 2001, foi diagnosticado um câncer de próstata em seu pai, com posterior complicação renal, necessitando de fazer um transplante. No início, sua mãe passou a cuidar do seu pai, com o passar do tempo, Augusta relata que começou a perceber que sua mãe negligenciava seus cuidados, em virtude de ter episódios de esquecimentos da doença do pai. Em 2002, seu pai veio a falecer, Augusta se surpreendeu com a reação de indiferença da sua mãe, a mesma chorou muito pouco, na sua visão. A partir de então, sua mãe passou a repetir com frequência as mesmas histórias. Após alguns meses, Augusta levou a mãe a uma geriatra, que após 6 semanas realizando vários exames, fechou o diagnóstico de Demência de Alzheimer, há 5 anos. Ainda assim, Augusta fica confusa em relação aos efeitos da doença e o que é da personalidade da mãe. 111 Augusta não mora com a mãe, mas se mantém presente no cuidado, sua casa fica nas proximidades da casa da idosa, que mora com a filha mais nova e uma empregada doméstica. Com o passar dos anos a doença foi evoluindo, sua mãe passou a ter comportamentos opostos ao que tinha anteriormente, como comportamento carinhoso com as filhas, solicitando uma relação de proximidade. Augusta relata que percebe a doença como algo positivo no sentido da mãe se aproximar mais das filhas, no entanto exalta que sente uma grande dificuldade de retribuir tal aproximação, em virtude de não ter sido preparada para tal manifestação de carinho com a mãe. Relata que, ainda tem melhor relação com a mãe do que a irmã, em função de se considerar mais flexível e estar atuando em sua profissão. Segundo Augusta, sua irmã se irrita com a aproximação da mãe e reage com muita impaciência. Fato que a faz manter uma relação de proteção com a sua mãe. Augusta acha que o comportamento da irmã é um reflexo da relação no passado. Por mais que Augusta tenha conhecimento sobre a doença, ainda não consegue aceitar sua manifestação na mãe, pois de “grande” ela se tornou “pequena” perante os outros, na sua visão. Augusta relata que a mãe sempre teve uma personalidade muito forte e em alguns momentos fica confusa em relação ao que se constitui em manifestação da doença e no que faz parte da personalidade da mesma. Outra dificuldade vivenciada no processo do cuidado, é que a idosa não aceita ser cuidada. Atualmente a idosa é parcialmente dependente, anda, no entanto necessita de supervisão constante devido à desorientação temporal e espacial, precisa de ajuda para se alimentar e se banhar, possui incontinência urinária durante a noite, não consegue estabelecer um diálogo coerente. Ao longo da entrevista da Augusta, pode-se perceber o quanto a mesma está vivenciando um conflito interno em relação ao comportamento modificado da sua mãe por 112 causa da doença. Mãe que anteriormente tinha um comportamento frio e distante, hoje solicita carinho da cuidadora, que não consegue estabelecer esta proximidade para com a mesma, por não ter aprendido a demonstrar tal afetividade. Augusta sempre almejou ter esta aproximação, e no entanto quando esta oportunidade chega, ela não está preparada para a concretização deste sonho. A cuidadora demonstra não saber lidar com essa situação de conflito interno que ora vivencia. 113 AUGUSTA HISTÓRIA DE VIDA VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A.) I DA na mãe Infância Mãe rígida Mãe autoritária Mãe fria/ não dá carinho Cuidadora tem uma relação de proteção com a mãe Mãe carinhosa Adolescência Ausência de diálogo: Mãe/filhas Incompreensão das atitudes mãe Mãe infeliz com o casamento Relação difícil com a mãe Irmã ressentida com a mãe Mãe próxima Impaciência com a mãe Confusão entre a doença e a personalidade da mãe Adulta Personalidade forte da mãe Busca de aproximação com a mãe Morte do pai DA na mãe Não aceita a doença Percepção da D.A. como doença obscura Maus tratos 114 Francisco (51 anos) Francisco nasceu na cidade do interior do estado do Amazonas, é o segundo de uma prole de 6 filhos, duas mulheres e quatro homens. Foi criado na zona rural até os cinco anos de idade. Relata que tem ótimas lembranças da infância, que foi permeada por brincadeiras com os irmãos nas margens do rio, no terreiro de casa com as galinhas, que seu pai criava. Refere que nesta época, teve uma alimentação muito boa e farta, pois seus pais plantavam e pescavam seus alimentos. Aos cinco anos de idade, Francisco foi morar na capital do estado, juntamente com seus irmãos e seus pais, para estudar, já que na cidade onde morava só possuía até a 4a série do antigo primário. A partir dos sete anos passou a trabalhar para ajudar em casa. Francisco relata que perdeu suas duas irmãs e um irmão em um acidente de barco há 30 anos atrás. Fato que causou muito sofrimento na família, principalmente ao seu pai. Casou-se com 24 anos de idade e ficou viúvo três anos depois: Francisco relata que novamente perdeu para a morte mais uma pessoa que amava. Logo em seguida, voltou à mora com os pais e a irmã do pai, que é surda-muda. Atualmente trabalha como autônomo e montou um comércio em cima da casa onde mora. Acerca de 1 ano e meio, seu pai começou a ter episódio de esquecimentos relacionados aos fatos recentes, a estabelecer um diálogo incoerente durante as conversas. Inicialmente esses episódios eram esporádicos e no intervalo de alguns meses passaram a se tornar freqüentes e a comprometer o dia-a-dia da família. A partir de então, Francisco e sua mãe levaram seu pai ao neurologista, que após 6 meses realizando vários exames, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer, há um ano atrás. Fato que fez Francisco ajudar a mãe na responsabilidade pela administração da casa e a dividir os cuidados para com seu pai. Atualmente o idoso se encontra em uma situação de dependência parcial, anda, no entanto precisa de constante supervisão devido à desorientação temporal e espacial, 115 apresentou episódios de alucinações visuais e auditivas, têm momentos de agressividade, reconhece o cuidador como filho e o tem como referência no processo de cuidado; tem momentos em que não consegue estabelecer um diálogo coerente, precisa de supervisão durante a alimentação, e não consegue banhar-se sozinho. Francisco vê seu pai como uma criança que necessita de muitos cuidados, divide-se entre esses cuidados e seu trabalho em virtude de não cuidar sozinho do pai, mas no entanto além de assumir o cuidado de seu pai, assume também o cuidado de sua mãe, que é idosa e também precisa ser cuidada. Refere se sentir feliz em poder ser o cuidador de seus pais, pois segundo o mesmo, tem a oportunidade de retribuir-lhes tudo aquilo que fizeram pelos filhos. Sempre teve uma relação de companheirismo com seu pai, assim, dedica-se aos seus cuidados, acredita no amor que sente para consegui superar a doença. O cuidador, ao se referir à Demência de Alzheimer, diz que a percebe em seu pai como uma doença da escuridão, em virtude dos estudos acerca dessa doença ainda não terem desvendado todas as suas amplitudes. A alegria do Francisco em poder estar cuidando de seu pai é contagiante no decorrer dos seus relatos. A história anterior de cumplicidade com seu pai proporcionou ao cuidador se sentir responsável pelo bem-estar do mesmo. Desta forma, Francisco se mantém próximo do idoso em tudo que faz, demonstrando imensa satisfação por ter condições de lutar contra a evolução da doença e isto o faz sentir uma alegria muito grande, principalmente pelo fato do seu pai lhe ter como referência diante do cuidado. Demonstra ainda que, ao assumir a responsabilidade pelo cuidado de seu pai, está também cuidando de sua mãe, pois tira mais dela os encargos do cuidado, já que ela também é idosa e precisa de atenção. 116 FRANCISCO HISTÓRIA DE VIDA Infância Adolescência VIDA ATUAL ( Cuidando do pai com D.A.) Estudo Brincadeiras Trabalho Companheirismo do pai Estudo Trabalho Morte de 3 irmãos Religiosidade Cuidado como retribuição Da no pai Ver o idoso como criança Concilia o cuidado com o trabalho Sente-se feliz em ajudar o pai Mantêm o idoso ativo Não aceita a DA no pai Acredita no amor para superar a doença Casamento Morte da mulher Adulto Retorno para a casa dos pais Utilizar a fé para superar a doença Renuncias pelo cuidado Percebe a DA como escuridão Família percebe a doença como perda de forças 117 Alma ( 53 anos) Alma nasceu na capital do estado do Amazonas e é a segunda filha de 3 irmãs e 3 irmãos. Filha de um casal de dona-de-casa e de um dentista. Sua infância e adolescência foram marcadas por agressividade por parte do seu pai em relação a sua mãe, era um homem extremamente infiel no casamento; fato que lhe trouxe muito sofrimento. Por outro lado, sua mãe sempre se manteve numa posição de submissão perante o seu pai, em virtude do amor que sentia pelo mesmo. Fato que incomodava bastante todos os seus irmãos. As boas lembranças dessa época, ficam por conta dos cuidados ministrados pela sua mãe aos filhos, bem como a dedicação da mesma na administração da casa. Teve uma educação religiosa muito presente e desde criança acompanhava, junto com os irmãos, a mãe à igreja evangélica. Casou-se aos 27 anos de idade, teve três filhos, sendo duas mulheres e um homem, atualmente todos casados e com filhos. Ficou viúva há 10 anos, época em que seu pai foi acometido pelo câncer de próstata. A partir de então, Alma levou seus pais para morar em sua casa. Foi preciso a doença do pai, segundo Alma, para que o mesmo pudesse reconhecer seus erros e pedisse perdão à sua mãe, por tudo de ruim que lhe proporcionou. Ao assistir a cena em que sua mãe aceitou o perdão do pai, apesar de todo o sofrimento vivenciado, Alma ficou bastante emocionada e satisfeita. Passados alguns meses de cuidados ao pai, sua mãe começou a apresentar esporádicos episódios de esquecimentos em relação a fatos recentes, bem como alguns episódios de incontinência urinária. Cerca de seis meses depois, seu pai veio a falecer. A partir de então, os episódios de esquecimentos e incontinências na mãe se tornaram mais frequentes, acrescidos de repetições de histórias e dificuldades relacionadas à higiene pessoal e alimentação. Alma levou a mãe a um neurologista, que após a realização de vários exames, que durou cerca de 8 semanas, fechou o diagnóstico de Demência de Alzheimer há cerca de 4 anos. 118 Alma cuida sozinha da mãe, seus irmãos se mantêm distantes para não assumirem a responsabilidade pelo cuidado; ela tentou dividir a responsabilidade do cuidado, através de conversas, não obtendo êxito. Durante esses anos de dedicação, Alma não conseguiu realizar o sonho de cursar uma faculdade; possui um curso técnico na área da saúde e passou em um concurso público, no entanto, não pôde assumir o cargo em função do cuidado com sua mãe. Em virtude das renúncias, Alma se sente frustrada e sobrecarregada. Ao se questionar sobre a causa da doença em sua mãe, Alma atribui aos sucessivos sofrimentos vivenciados pela mesma na convivência com o seu pai. Fato que a deixa bastante entristecida. Atualmente sua mãe é altamente dependente; a idosa não anda, precisa de alguém para dar-lhe banho, possui incontinência urinária e fecal, desorientação temporal e espacial e momentos de agressividade; às vezes não a reconhece como filha, mas a tem como referencia no processo do cuidado. O sofrimento vivenciado pela Alma desde criança em relação aos seus pais foi a marca registrada da sua entrevista. Alma expressa ter sofrido com a forma grosseira e desrespeitosa que seu pai tratava sua mãe e com o amor incondicional da mesma pelo marido. Relata que sofreu e sofre pelo sofrimento vivenciado por sua mãe, que continua sofrendo mesmo após a morte de seu pai. Atribui a doença da mãe às vivências de sofrimento anterior, relata que sofre em ver a mãe desmemoriada em cima de uma cama. 119 ALMA HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A.) Educação rígida Mãe cuidadora Infidelidade do pai Sofrimento da mãe Briga entre os pais cuidado por retribuição Dificuldade financeira DA na mãe Adolescência Sofrimento da mãe Omissão da mãe diante dos maus Não aceitação do amor da mãe- pai Vive em função do cuidado Estar só no cuidado Renuncias pelo cuidado Sonhos não realizados Irmãos ignoram a existência da mãe c DA Desejo de dividir o cuidado Adulta Morte do marido Morte dos pais DA na mãe Sobrecarga no cuidado Tentativas frustradas Irmãos desunidos 120 Débora (55 anos) Débora nasceu em um município do estado do Amazonas na zona rural. Foi criada em uma fazenda de que seus pais tomavam conta. É a primeira de uma prole de 4 filhos. Relata ter tido uma infância tranquila e de brincadeiras com os irmãos na beira do rio, bem como de estudos; teve adolescência e juventude marcadas pelo trabalho para ajudar os pais. Refere que seus pais não dialogavam muito com os filhos, pois eram muito rígidos. Débora relata que foi morar na capital aos 18 anos de idade e começou a trabalhar, morou durante um tempo com uma tia. Após 2 anos, seus pais foram morar na capital e montaram um comércio. Aos 25 anos casou-se, teve 3 filhos, sendo dois homens e uma mulher, que atualmente possuem 31, 28 e 25 anos de idade, os primeiros estão casados e a terceira mora com a mãe. Perdeu a mãe há 12 anos atrás, logo após levou seu pai para morar em sua casa. Há 3 anos atrás, seu esposo adoeceu, vindo a falecer após sucessivas internações hospitalares. Débora relata que sofreu bastante a perda do marido. Em 2004 seu pai foi acometido por um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e ficou com uma dificuldade na marcha. Em 2007 a irmã de sua mãe, que era grande amiga do pai, veio a falecer, fato que trouxe sofrimento. A partir de então, seu pai parou de andar. Depois de alguns meses, evoluiu com incontinência urinária, alguns episódios de esquecimentos e desorientação temporal e espacial. Débora levou seu pai para o geriatra, que após vários exames o que durou cerca de 6 meses, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer. Atualmente Débora é a principal cuidadora do idoso que se encontra na situação de dependência total, pois não anda, necessita de uma pessoa para dar banho e alimentação, possui desorientação temporal e espacial, incontinência urinária e fecal, episódios de perda de memória recente. 121 Débora relata que se sente sobrecarregada no dia-a-dia do cuidado com seu pai, pois seus irmãos não se sentem responsáveis pelo processo. No entanto, refere que se sente inteiramente responsável pelo cuidado, pois segundo Débora, tem a oportunidade de retribuir ao pai os cuidados dispensados. Débora diz que voltou a estudar para superar o cansaço frente ao cuidado, mergulha nos estudos e consegue relaxar. A força de vontade da Débora chamou bastante atenção ao ler sua entrevista e presenciar suas falas durante as reuniões do grupo de apoio. Apesar das dificuldades vivenciadas no cotidiano do cuidado do seu pai, Débora não se entrega ao cansaço por estar cuidando sozinha, voltou a estudar para ter uma profissão. A vontade de alcançar seu objetivo é tanta, que faz de tudo para conseguir conciliar as funções de mãe, dona de casa, cuidadora e estudante. 122 DÉBORA HISTÓRIA DE VIDA Infância Estudos Brincadeiras Educação rígida Adolescência Estudos Trabalho VIDA ATUAL ( Cuidando do pai com D.A.) Não participação dos irmãos no cuidado Adulta Trabalho Casamento/ filhos Morte da mãe Morte do esposo Morte da tia (materna) DA no pai Sente-se responsável pelo cuidado distancia das cunhadas Usa estratégias para superar o cansaço Cuidado por retribuição Estudos 123 Graça ( 57 anos) Graça nasceu na zona rural de uma cidade do estado do Amazonas, é filha única e mais velha de dois irmãos (11 anos do caçula e 6 anos do irmão do meio); teve infância e adolescência marcadas pela depressão da mãe, necessitando dividir a responsabilidade do processo do cuidado com seu pai. Esta responsabilidade desde então foi o motivo de sucessivas renúncias em sua vida, não teve a oportunidade de vivenciar com intensidade os momentos inerentes à fase de criança e adolescência, tendo que assumir a administração da casa durante as crises da mãe. Graça relata que sua mãe sempre foi autoritária e geniosa para com a mesma, no entanto para com o filho do meio sempre foi muito generosa, demonstrando claramente a sua preferência por este, fato que traz à Graça ressentimentos para com a mãe até hoje. Casou-se com 23 anos de idade e ao mesmo tempo ingressou em um curso superior; após dois anos de casada teve sua primeira filha e dois anos após a segunda filha, que hoje possuem respectivamente 32 e 30 anos de idade, ambas casadas. Enfrentou o relacionamento difícil da sua mãe com o seu marido por vários anos. Atualmente é aposentada. Cuidou do pai, que possuía câncer, por dois anos, falecendo cerca de 13 anos atrás. A partir de então, sua mãe passou a morar com o filho caçula, que ainda não era casado. Graça se dividia entre sua casa e a casa do irmão, pois tinha muita preocupação com a saúde da sua mãe. Alguns anos após, o irmão caçula se casou e logo em seguida teve um filho. Graça relata que sua mãe não tinha um bom relacionamento com as noras, principalmente com a que morava com ela. Fato que a deixava, ainda mais, preocupada e sempre presente no dia-a-dia da mãe. Em 2002, sua mãe começou com um processo de esquecimento relacionado aos fatos recentes, repetindo histórias, inventando situações, perdendo a noção de valor do dinheiro, época esta em que ainda morava com o filho caçula. Após cinco meses do surgimento dos 124 primeiros sinais levou a mãe ao neurologista, que após dois meses diagnosticou o Alzheimer. A partir de então, passou a perceber que sua mãe não estava sendo bem tratada pela esposa do irmão, levando-a para morar em sua casa, passando a ser responsável diretamente pelo processo do cuidado. Inicialmente, segundo a Graça, enfrentou dificuldades em relação à aceitação do seu marido frente à convivência com a sogra doente, em função de problemas passados de relacionamentos. Hoje seu marido possui uma relação bastante próxima da sua mãe e passou a ajudar no processo do cuidado, apoio este que deixa a Graça mais aliviada. Atualmente o casal se dedica aos cuidados da idosa, tendo que vivenciar sucessivas renúncias. Atualmente a idosa não reconhece a cuidadora como filha, nem lembra do seu nome, não consegue estabelecer um diálogo coerente, continua desconhecendo valor de dinheiro, se alimenta com ajuda, necessita de supervisão durante o banho, durante a noite possui incontinência urinária. A idosa deambula, porém necessita de supervisão contínua, pois apresenta flutuação de desorientação temporal e espacial. Em virtude da condição de dependência, a idosa dorme no quarto junto com a cuidadora e seu marido. Graça relata que impõe o respeito e o cuidado para sua família em relação a sua mãe, em função disso, em muitos momentos, se estabelece uma relação de conflito com as cunhadas e os irmãos. A família não aceita a doença da idosa. O zelo da Graça para com sua mãe é expresso na entrevista todo o tempo, principalmente porque a cuidadora desde criança já assumiu os cuidados para com a mãe. Assim, a Graça demonstra que o zelo e a preocupação com a idosa é a principal “cena”da história de toda sua vida, bem como nos momentos atuais. 125 GRAÇA HISTÓRIA DE VIDA Infância Cuidar da mãe / depressão Renuncias Mãe geniosa Mãe autoritária VIDA ATUAL ( cuidando da Mãe com DA) vive p/ cuidado da mãe perda da privacidade c/ o marido Família não aceita DA Renuncias Adolescência Renuncias Cuidar da mãe Administração da Casa Preferência mãe- irmão Relação de conflito mãe-marido Relação de conflito mãe-cunhada Ressentimentos Maus tratos Cunhada-mãe Respeito imposto Adulta Relação familiar Conflituosa Morte do pai Continua depressão da mãe DA na mãe boa relação marido mãe Apoio do marido no cuidado 126 Valdete (58 anos) Valdete nasceu no interior do estado do Amazonas na zona rural. É a terceira de uma prole de 9 filhos, 5 mulheres e 4 homens. É a mais velha das mulheres. Refere que teve uma infância muito tranquila e confortável, seus pais criavam gado e nunca deixaram faltar nada para sua família; sempre foram muito cuidadores com os filhos e valorizavam a união familiar. Quando tinha 18 anos de idade, Valdete relata que seu pai foi acometido por um câncer, a doença evoluiu de uma forma muito rápida e a família investiu de tudo para proporcionar a cura do pai. Todas as economias foram investidas no tratamento, mas no percurso de 8 meses seu pai veio a falecer. Em virtude de sua família ter ficado em grande dificuldade financeira, Valdete decidiu morar na capital do estado para trabalhar e estudar. Passou a trabalhar e a estudar, relata que sofreu muito por ter que ficar distante da sua mãe. Aos 28 anos conheceu seu esposo e casou-se com 29 anos de idade. Teve três filhos, que estão com 26, 27 e 28 anos de idade; atualmente dois são casados e lhe deram dois netos, uma menina e um menino, que estão com 2 e 3 anos de idade. Valdete sempre foi muito apegada a sua mãe e, após alguns anos de casada, convenceu a mãe a morar na cidade, próximo a ela. Ajudou a mãe a comprar um terreno e a construir uma casa. Após alguns anos, seus irmãos também foram morar com sua mãe. Com o passar dos anos cada um foi casando e construindo suas próprias casas, sua irmã mais nova foi à última a casar, construiu uma casa em cima da de sua mãe. Valdete relata que durante um bom tempo sua mãe morou sozinha e sempre foi uma pessoa muito ativa e dinâmica. Seus irmãos eram muito unidos e sempre se encontravam na casa da sua mãe em época de festas. Há cerca de um ano, a mãe de Valdete começou a apresentar esquecimentos de fatos recentes, como o preparo na alimentação; dificuldades para andar e para realizar higiene 127 pessoal. Valdete ao perceber tais alterações, levou sua mãe para um neurologista, que após vários exames chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer em cerca de 3 meses. Em virtude da sua mãe precisar de cuidados e sua irmã mais nova não assumir tal responsabilidade, Valdete resolveu levá-la para morar em sua casa. Suas irmãs não concordaram com tal decisão, acham que a cuidadora só quer se apossar do dinheiro da mãe. Fato que proporcionou sucessivas brigas na família, chegando até ao registro de boletim de ocorrência policial. A família vive em constante conflito devido a divergências de idéias diante do cuidado da idosa. Valdete relata que seus irmãos acham que a mesma não tem estrutura física para cuidar da mãe. No entanto, Valdete diz que se sente feliz em cuidar da mãe, apesar da sobrecarga. Segundo Valdete, sua família não dá a devida importância para a doença da mãe. A maior preocupação de seus irmãos é com o dinheiro que a mesma recebe. Atualmente a idosa se encontra em uma situação de dependência, pois precisa de ajuda de uma pessoa para andar, possui incontinência urinária noturna, necessita de ajuda na alimentação e no banho, apresenta momentos de desorientação temporal e espacial. Hoje Valdete convive na mesma casa com sua mãe, seu esposo e o filho caçula. A cuidadora relata que em virtude das preocupações com o bem-estar de sua mãe, a necessidade de constante supervisão, associado aos afazeres de casa, seu marido se sente abandonado, pois a mesma não tem muito tempo para dar atenção para o mesmo. Valdete refere que tem uma grande dificuldade de encontrar alguém com responsabilidade para ajudá-la no cuidado. Para Valdete, o surgimento da doença na mãe se deu em virtude do sofrimento pela perda de seu pai, mesmo após sucessivos investimentos em prol da cura do câncer. O desabafo da Valdete foi percebido logo no primeiro contato: no momento do agendamento da entrevista, a cuidadora começou a contar sua vivência familiar frente ao cuidado com sua mãe. Diante dos acontecimentos, Valdete demonstrou a necessidade de falar exaustivamente sobre todos os fatos que cercam o cuidado para com a idosa. 128 VALDETE HISTÓRIA DE VIDA VIDA ATUAL ( Cuidando da mãe com D.A.) Cuidado dos pais Infância União familiar Adolescência Adulta Estudo Trabalho Mãe cuidadosa Morte do pai Desunião familiar Trabalho Casamento DA na mãe Cuidado por retribuição Irmãos não se interessam pelo cuidado Sente-se feliz em cuidar família não dá importância à mãe doente Preocupação Cuidado Supervisão constante Sobrecarga com o cuidado e afazeres de casa Marido se sente abandonado Dificuldade de encontrar alguém de confiança para ajudar no cuidado 129 Margareth (60 anos) Margareth nasceu na capital do estado do Amazonas, é a quarta de uma prole de 9 filhos, sendo 4 mulheres e 4 homens; seus pais ainda criaram mais 4. Dos irmãos, o mais novo dos filhos tem 46 anos e o mais velho 74 anos de idade. Relata que até os 10 anos de idade foi criada no interior do estado, zona rural, refere ter tido uma infância muito boa, de estudo, brincadeiras e ajuda nos afazeres de casa. Aos 10 anos de idade retornou à cidade de origem para estudar, morava com o irmão mais velho. Teve uma adolescência marcada pelos estudos e pelo distanciamento do pai em relação aos filhos; o pai não demonstrava carinho. Sua mãe se dividia entre a capital e o interior; quando tinha 20 anos de idade, seus pais se mudaram de vez para a capital e montaram um comercio. Aos 21 anos de idade casou-se e teve dois filhos, uma menina e um menino, que hoje têm 35 e 40 anos respectivamente, ambos casados e com filhos. É divorciada há 37 anos .Fez faculdade na área de humanas, atualmente é aposentada. Sua mãe faleceu há 13 anos atrás, em virtude de um problema cardíaco, seu pai continuou tomando conta do comércio e morava sozinho. Após um ano de viuvez, Margareth relata que seu pai começou a namorar garotas e passou a se afastar mais ainda dos filhos; quando os mesmos o procuravam, ele fazia questão de atendê-los do lado de fora da sua casa, não permitindo que entrassem. Fato que os deixou muito preocupados, pois ele nunca havia tido tal comportamento. Margareth relata que ao se passarem 5 anos, foi diagnosticado um tumor de próstata em seu pai, que foi tratado. Fato que o deixou bastante abatido, no entanto não aceitava sair da sua casa para morar com um dos filhos. Durante 3 anos continuou em sua casa e a ser cuidado por uma pessoa que era paga para tal atividade, pois não aceitava que os filhos assumissem os cuidados. 130 Margareth relata que cerca de 2 anos atrás, seu pai começou a apresentar esquecimentos de fatos recentes e a ter dificuldade na realização de contas. Alterações estas que foram se tornando mais aguçadas. Margareth passou a se preocupar com a situação do pai e o levou ao neurologista, que após vários exames chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer em cerca de 8 semanas. Atualmente Margareth é a principal responsável pelo processo do cuidado de seu pai, que se encontra em uma situação de dependência parcial. O idoso anda, no entanto necessita de supervisão constante devido desorientação temporal e espacial, possui momentos de agressividade, em alguns momentos não consegue estabelecer um diálogo coerente, possui incontinência urinária noturna, não reconhece os filhos, precisa de supervisão durante a alimentação e necessita de ajuda de uma pessoa para o banho. Atualmente os irmãos, segundo Margareth, tratam seu pai com indiferença em virtude do mesmo não ter construído uma relação de proximidade com eles ao longo das suas vidas. Cuidadora diz que cuida de seu pai sozinha, pois seus irmãos negam a doença no pai, sendo assim, a mesma se dedica inteiramente aos cuidados, tendo que se privar de muitas coisas em sua vida. As renúncias fazem parte de seu cotidiano, o que deixa Margareth se sentir sobrecarregada por assumir só a função de cuidadora, fato que a deixa impaciente frente às dificuldades do dia-a-dia. Para seus irmãos, Margareth tem que assumir tal responsabilidade pelo fato de ser divorciada e ter filhos já crescidos e casados. A cuidadora relata que após o surgimento da doença, seu pai se tornou carinhoso, estabelecendo uma relação de proximidade para com a mesma. Fato que a faz associar seu pai a uma criança. Atualmente Margareth está vivenciando uma situação muito difícil em sua vida, por estar dividida entre os cuidados de seu pai e a necessidade de cuidados para com sua filha, que teve filhos e se encontra em outro estado. A cuidadora diz estar se sentindo perdida em 131 relação a qual decisão deve tomar; refere que não quer abandonar seu pai que se encontra doente, mas que também não pode deixar de ajudar sua filha no momento em que a mesma precisa da presença da mãe. A indecisão da Margareth é algo que marcou muito sua entrevista, fato que a deixa perdida e triste, principalmente em virtude dos irmãos não quererem assumir a responsabilidade pelo cuidado do pai. 132 MARGARETH HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando do pai com D.A.) Brincadeiras Estudo Pais unidos Estudos Adolescência Adulta Pai afastado dos filhos Irmãos tratam pai com indiferença Negação da doença Casamento/ filhos Divórcio Morte da mãe DA no pai Cuidado imposto pelos irmãos Pai próximo (carinhoso) Impaciência Sobrecarga Em conflito: dividida entre Pai e filha/netas cobrança do pai Pelo cuidado Renuncias Associação a criança Cuidadora sozinha 133 Rosângela (64 anos) Rosângela nasceu na capital do estado do Amazonas, é a terceira de uma prole de 13 filhos. Relata que teve uma infância marcada por grandes dificuldades financeiras, pois seu pai ganhava um salário mínimo para sustentar todos os filhos. Rosângela sempre foi estimulada pelos pais para estudar, refere que teve uma educação bastante severa. Durante a adolescência Rosângela estudou bastante, passou em concurso público e foi trabalhar no interior do estado, ficando por lá durante 25 anos. Aos 22 anos de idade começou a namorar seu atual marido e aos 24 anos se casou, hoje está completando 40 anos de casada. Teve quatro filhos, sendo três mulheres e um homem, que atualmente têm 38, 36, 34 e 32 anos de idade; duas filhas moram em outro estado; apenas o filho é solteiro e ainda não saiu de casa. Rosângela relata que teve um casamento muito feliz, seu marido sempre foi um excelente pai e excelente companheiro, tinham uma cumplicidade muito boa. Comenta que se realizou como mulher e como mãe. Cerca de 3 anos atrás, seu marido começou a ter dificuldades em realizar cálculos, fato que deixou Rosângela apreensiva, pois o mesmo nunca teve tal dificuldade em função de ser professor de matemática; embora aposentado, sempre exercitou muito bem tal atividade, pois sempre ensinou os netos. Rosângela relata que ele começou a ensinar errado as tarefas, e ao ser questionado agia com agressividade. Em um período de um mês, seu marido passou a repetir as mesmas histórias e a ter um discurso incoerente nas conversas. Rosângela, muito preocupada com tais alterações, levou o marido ao neurologista para uma avaliação, após 6 semanas de realização de vários exames, o médico informou o diagnóstico de Demência de Alzheimer. Ao saber as informações acerca da doença, Rosângela relata que sentiu uma tristeza muito grande por saber que não tem cura e que é uma doença que evolui com o tempo. Rosângela refere sentir medo do seu marido esquecer-se dela e de que é casado, fato que a deixa muito angustiada. Ela não quer deixar de ser referência na vida dele, por isso 134 Rosângela faz questão de manter seu marido sempre presente em tudo que faz. No entanto, evita viajar sozinha com o marido, pois tem medo que o mesmo perca a memória totalmente. Relata que seus filhos lhe dão muito apoio, dividindo as preocupações e os anseios frente à evolução da doença e ao cuidado do dia-a-dia. Rosângela diz que seus filhos se aproximaram mais dela após doença do marido, principalmente o filho que mora em sua casa, pois o mesmo se tornou mais atencioso. Segundo Rosângela, seus filhos demonstram sentir uma preocupação com a sua saúde também, em virtude dos cuidados para com o pai. Refere que o idoso cada dia que passa se torna mais dependente de sua condução, pois não faz nada sem o seu consentimento. Rosângela diz que tem que escolher sua roupa e seu sapato, pois seu marido não consegue mais escolher sem a sua opinião. O idoso anda, no entanto necessita de supervisão contínua por vivenciar momentos de desorientação temporal e espacial, esconde os objetos e não lembra onde colocou, não lembra dos netos e apresenta momentos de agressividade, quando se sente pressionado. Idosa relata que busca na fé a força para superar a doença do marido, refere que tem que ter muita paciência para agüentar tudo que está passando. Diz que o sofrimento faz parte do seu dia-a-dia, pois não esperava que isso fosse acontecer com o grande amor da sua vida. Rosângela se sente sozinha em função de ter perdido a cumplicidade de seu marido. Fato que a deixa muito triste e que traz dificuldade em aceitar o surgimento de tal doença. Relata também que os projetos de vida do casal foram destruídos pelo Alzheimer. O medo da dona Rosângela é uma constante observada em seus relatos, como já foi abordado, a mesma tem receio que o seu marido esqueça que é casado e consequentemente, a sua posição de esposa no imaginário do marido. Quanto mais informação acerca da doença a cuidadora tem, mais medo vai surgindo em relação às alterações cognitivas, principalmente aquela que afeta a memória. 135 ROSÂNGELA HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando do marido com D.A.) Educação rígida Apoio dos filhos no cuidado Adoelscência Adulta Estudos Namoro Morte do pai Busca do conhecimento Casamento/ filhos Casamento feliz Marido companheiro Sente-se triste Marido com DA Sozinha no cuidado Supervisão constante Não aceita a doença Busca da fé Evolução da doença Mantém o idoso sempre ativo Medo da perda total da memória do marido Privação social 136 Flora (65 anos) Flora nasceu em uma cidade do estado do Amazonas, é a segunda de uma prole de 7 filhos, possui dois irmãos e 4 irmãs. Relata que teve uma infância feliz e tranquila, na condição de pobre. Tem a lembrança dos cuidados da irmã mais velha com os irmãos menores. Flora também relata que sempre percebeu que a sua irmã mais velha era uma pessoa infeliz, desde a infância; era uma pessoa revoltada, recalcada e bastante introvertida; sempre foi uma pessoa trabalhadeira, honesta , muito responsável, que nunca namorou. Flora foi morar no estado do Rio de Janeiro com 20 anos de idade, junto com os irmãos e os pais em virtude de um dos seus irmãos estar seguindo o militarismo. Depois de 2 anos, seu pai faleceu em virtude de um atropelamento, sua irmã mais velha sofreu um choque com o acontecimento, ficou durante dias sem falar, sem comer e sem chorar. Segundo Flora, essa sua irmã era muito protegida por ele; era a filha mais próxima e a que mais sofreu a sua perda. Aos 23 anos casou-se e após três anos foi morar no Distrito Federal, teve dois filhos, hoje com 43 e 36 anos de idade, ambos casados. Flora relata que quando completou dois anos de casada, sua mãe também faleceu, com sinais e sintomas de Alzheimer. Logo após, sua irmã mais velha, que não se casou, foi morar com ela para ajudar na criação dos seus filhos, os mesmos até hoje a consideram sua segunda mãe. Assim que seu marido se aposentou, Flora retornou para morar na sua cidade de origem, há 4 anos. Um ano depois, teve a notícia de que sua irmã começou a apresentar esquecimentos de fatos recentes, se perdia pela rua, repetia as mesmas histórias e passou a negligenciar a higiene pessoal. Flora viajou para buscar a sua irmã e cuidar dela, levou-a para um neurologista que após vários exames, durando em média de 7 semanas, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer, há dois anos atrás. 137 Flora atribui a doença da irmã ao sofrimento vivenciado pela perda do pai, bem como a questões hereditárias, já que sua mãe foi acometida pela mesma doença. Flora relata que sente dificuldade em aceitar o surgimento da doença na irmã, pois a mesma sempre foi uma pessoa ativa e uma excelente cuidadora da família. No intuito de retribuir todo o cuidado anteriormente recebido, Flora se tornou a principal cuidadora da sua irmã. A cuidadora relata que se sente sobrecarregada, seus irmãos não se sentem responsáveis pelo cuidado da irmã. Flora relata que se divide entre o cuidado da irmã e o cuidado do marido, que possui diagnóstico de depressão. Atualmente a irmã se encontra numa situação de dependência parcial; anda, no entanto necessita de supervisão contínua, devido à desorientação temporal e espacial; não consegue estabelecer um diálogo coerente, só aceita os cuidados da Flora e de mais ninguém; necessita de ajuda durante a alimentação e o banho. Flora relata que vive em função do cuidado da irmã e do marido; dessa forma, seus projetos de vida relacionados ao aproveitamento de seu casamento após aposentadoria do marido foram por “água abaixo”. Assim, seu sonho não foi concretizado, Flora diz que se sente dentro de um pesadelo. A retribuição é a marca registrada dos relatos da Flora, que está retribuindo o cuidado anteriormente recebido da irmã. 138 FLORA HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando da irmã com D.A.) Tranqüila e feliz Brincadeiras Cuidado recebido pela irmã Cuidado por retribuição Adolescência Infelicidade da irmã Trabalho Dedicação da irmã no cuidado dos menores Cuidadora se divide entre o cuidado da irmã e do marido Adulta Casamento Ajuda da irmã no cuidado dos filhos Morte do pai Não concretização de sonhos DA na irmã Cuidado imposto pela idosa Preocupação constante Sobrecarga Irmãos não se sentem responsáveis para o cuidado Não aceitação da doença na irmã 139 Eliane (66 anos) Eliane nascida na capital do estado do Amazonas é filha única. Aos dois anos de idade foi morar com um casal de tios em virtude da separação dos pais, que eram muito pobres e não tinham condições financeiras para criar um filho. Eliane refere que teve infância e adolescência marcadas por estudos em bons colégios, sendo sempre uma das melhores alunas da classe. Aos 13 anos de idade conheceu seu esposo que tinha 18 anos, casou-se aos 19 anos de idade. Teve cinco filhos, sendo 4 homens e 1 mulher, hoje na faixa etária entre 40 e 45 anos, todos casados, e possui cinco netos. Relata que sofreu muito no decorrer do seu casamento, pois seu marido foi muito infiel, fato que nunca comunicou aos filhos e nem para ninguém. Fez faculdade na área de humanas, hoje é aposentada.. Morou com a sogra e a cunhada durante seis meses após o casamento. Sempre procurou ter uma relação muito cordial com todos, mesmo sabendo que a família do seu marido não gostava muito do seu jeito bastante discreto e trabalhador. Eliane cuidou da sogra que ficou doente durante 28 anos até a sua morte. Relata que quando casou com o seu marido, se casou com um “kit”, que inclui sogra e cunhada, as quais não tinham um bom relacionamento com a mesma. Após a morte da sua sogra, sua cunhada se casou por três vezes, ficando viúva nos três matrimônios. Teve dois filhos do segundo casamento, um homem e uma mulher, que hoje possuem 52 e 46 anos de idade, ambos casados e com filhos. Eliane diz que com a morte do segundo marido, sua cunhada entrou em depressão, perdendo o gosto pela vida. Como ela morava sozinha e os filhos não davam atenção para a mãe, segundo a Eliane, eles só queriam pegar seu dinheiro, Eliane conversou com seu marido e levou a cunhada para morar em sua casa. No terceiro matrimônio, o marido da cunhada bebia muito e brigava bastante com ela, após sua morte, Eliane a levou novamente para morar em sua casa. 140 Eliane diz que após 6 meses, sua cunhada começou a ter falhas de memória, saia e não sabia como retornar para casa, passou a ter diálogo incoerente, não falava coisa com coisa. Em um determinado dia estava tomando banho e levou uma queda, a partir de então, começou a não reconhecer as pessoas. Eliane e seu marido levaram sua cunhada em um neurologista, que após 8 meses de vários exames, conseguiu chegar ao diagnóstico de Demência de Alzheimer, há dois anos atrás. Atualmente Eliane cuida da cunhada com a ajuda do seu marido. A idosa se encontra em uma situação de dependência total; anda, no entanto necessita de constante supervisão devido à desorientação temporal e espacial, possui incontinência fecal e urinária, necessita de auxílio na alimentação e no banho, não consegue estabelecer diálogo coerente, não reconhece a Eliane e nem os filhos. Eliane diz que buscou na fé forças para superar tal situação, fato que fez a mesma se tornar paciente frente aos cuidados. Abdica de muitas coisas por estar cuidando, pois não pode sair e nem viajar com seu marido. Relata que sofreu muito no decorrer do seu casamento, pois seu marido foi muito infiel, fato que nunca comunicou aos filhos e nem para ninguém. E ainda demonstra sentir mágoas do marido. Além disso tudo, Eliane enfatiza que, em virtude do casamento, terminou absorvendo todos os problemas de seu marido. Lembra com muita tristeza que nunca foi bem aceita pela sogra e pela cunhada e que acabou tendo que cuidar das duas, apesar dos pesares. Eliane fica indignada em ver que seus sobrinhos não dão a mínima para sua cunhada e teme que um dia possa acontecer à mesma coisa com ela, que seus filhos não cuidem da mãe quando precisar. O esforço de superação da dona Eliana frente aos problemas vivenciados ao longo da sua história de vida chamou a atenção no decorrer da sua entrevista. Sofreu muito com seu marido em virtude de traições, sem contudo transmitir tal sofrimento aos filhos. Atualmente dona Eliana refere perdoar todos aqueles que algum dia lhe causaram mal. 141 ELIANE HISTÓRIA DE VIDA VIDA ATUAL ( Cuidando da cunhada com D.A.) Estudos Infância Separação dos pais Criada pelos tios Sobrinhos n dão atenção à mãe c/ DA Adolescência Adulta Casamento ( 1 namoro) Assumiu família do marido Cuidou da sogra Estudos Cuida da cunhada com DA ( cuidado imposto) Buscou a fé c/ superação Estudos Trabalho Relação difícil c/ cunhada Marido infiel Ressentimentos Renuncias Cuidado Constante Relação Próxima Divisão do cuidado Com o marido 142 Izolda ( 75 anos) Izolda nasceu no interior do estado do Amazonas, foi criada nos arredores de uma fazenda. Teve onze irmãos, sendo 8 homens e 3 mulheres. Relata ter tido uma infância muito boa marcada por brincadeiras e ajuda nos afazeres de casa. Segundo Izolda, sua mãe criava as filhas, preparando-as para o casamento, cuidar do marido e dos filhos. Começou a namorar aos 15 anos com o primo de primeiro grau e casou-se aos 20 anos de idade, está completando 55 anos de casada. Aos 21 anos de idade perdeu sua mãe e aos 31 anos perdeu seu pai. Teve seis filhos, sendo 4 homens e 2 mulheres. Aos 29 anos de idade foi morar na capital para os filhos estudarem. Relata que perdeu quatro filhos, a primeira foi com 1 ano de idade por doença, e os outros com 15, 18 e 22 anos de idade em um acidente de barco. Fato que lhe trouxe muito sofrimento, que marca a sua vida até hoje. Só lhe restaram dois filhos, um que é viúvo e retornou para casa, e o mais velho é casado e mora com a família. O primeiro é o cuidador Francisco, que faz parte deste estudo também. Há cerca de 1 ano e meio, seu marido começou a ter episódio de esquecimentos relacionados aos fatos recentes, a estabelecer um diálogo incoerente durante as conversas. Inicialmente esses episódios eram esporádicos e no intervalo de alguns meses passaram a se tornar frequentes e a comprometer o dia-a-dia da família. A partir de então, Izolda e Francisco levaram o idoso ao neurologista, que após 6 meses de vários exames, chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer, há um ano. Fato que fez Francisco ajudar Izolda na responsabilidade pela administração da casa e dividir os cuidados para com seu pai. Atualmente o idoso se encontra em uma situação de dependência parcial, pois anda, no entanto precisa de constante supervisão devido à desorientação temporal e espacial, possui episódios de alucinações visuais e auditivas, momentos de agressividade, em alguns momentos não reconhece a cuidadora como esposa; nem sempre consegue estabelecer um 143 diálogo coerente; precisa de supervisão durante a alimentação e de ajuda durante o banho, pois não consegue banhar-se sozinho. Izolda relata que não consegue aceitar a doença em seu marido, pois ele sempre foi uma pessoa muito ativa e um bom companheiro, apesar das viagens que fazia em virtude do trabalho. Diz que em determinados momentos fica confusa em relação ao esquecimento do marido em ser casado, pois desconfia que ele não gosta mais dela e que ele possa ter uma amante. Izolda diz que fica extremamente impaciente frente às manifestações da doença no marido. Izolda relata que se não fosse a ajuda do filho Francisco no processo do cuidado de seu marido, não sabe o que seria dela, pois as constantes preocupações com a doença lhe proporcionam aumento de pressão e um imenso cansaço, o que é amenizado pelo apoio do filho. Izolda relata que se sente muito triste quando seu marido não lembra que é casado. Fato que faz com que a mesma sinta uma grande dificuldade em aceitar o surgimento da doença, refere sentir medo de ficar igual ao marido. A cuidadora diz que vive para cuidar do marido, refere que se sente prisioneira desse cuidado em virtude das renúncias fazerem parte da sua vida. Izolda relata que deixa de cuidar de si mesma para cuidar somente do marido; fato que faz com que a mesma tenha um sentimento de raiva e se torne impaciente em alguns momentos frente ao cuidado. Para a cuidadora a Demência de Alzheimer é uma doença cruel. A desconfiança da dona Izolda em relação ao marido doente está presente na entrevista. Como já foi dito, a idosa desconfia de que o marido não gosta mais dela e que tem uma amante, em função do mesmo ter esquecido que se casou, bem como nos momentos de desorientação ficar repetindo que quer ir embora de casa. Apesar dos profissionais do grupo, bem como do médico que acompanha seu marido e do seu filho, informarem sobre as alterações provenientes da doença, dona Izolda continua com o discurso desconfiado em relação ao comportamento do marido. A cuidadora relata que seu marido viajava muito e sempre desconfiou de que ele tivesse outras mulheres. 144 IZOLDA HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( cuidando do marido com D.A.) Brincadeiras Educação rígida Ajuda nos afazeres de casa Casamento (1o namoro) Adolescência Vida difícil ( financ) Renuncias Casamento feliz Divide o cuidado com o filho Adulta Morte de 3 filhos DA no marido Supervisão Contínua Vive para Cuidar Não aceita a DA no marido Doença Cruel Tristeza pela perda do companheiro Prisioneira Cuidado Sente Raiva Impaciência no cuidado Não aceita o cuidado Medo de ficar como o marido 145 Almerinda (78 anos) Almerinda nasceu na capital do estado do Amazonas, é a primeira filha de uma prole de cinco filhos, possui uma irmã e três irmãos. Teve uma infância muito boa, brincou bastante com os irmãos e com seu pai no quintal de casa. Relata que seu pai era bastante brincalhão, mas que incentivava também nos estudos. Sua mãe era muito rígida e autoritária com os filhos. Seu pai faleceu quando ela tinha 14 anos de idade em virtude de um Infarto fulminante. Almerinda sofreu bastante a perda de seu pai, refere ter sido feliz ao seu lado. Relata que sua mãe não dava atenção aos filhos e como ela era a filha mais velha foi morar com a tia, irmã do seu pai. Almerinda se casou três anos após, foi morar no interior do estado em uma fazenda, da qual o seu marido tomava conta; teve um filho e após seis anos foi largada pelo marido por causa de outra mulher. A partir de então, retornou para sua cidade de origem aos 23 anos de idade com um filho de 6 anos, e foi morar com sua irmã. Um ano depois, conheceu seu marido e casou-se novamente seis meses depois. O atual marido era separado e tinha 3 filhas provenientes do seu primeiro casamento. O novo casal teve mais dois filhos e 2 filhas, no total foram 8 filhos criados pelo casal. Uma das filhas do casal nasceu com deficiência cerebral, possui 43 anos de idade, e mora com o casal até hoje, sendo que o restante dos filhos estão todos casados e moram com as suas famílias. Almerinda relata que teve um ótimo casamento com o seu atual marido, que sempre foi um homem carinhoso e bastante companheiro. Almerinda é aposentada e possui 55 anos de casada. Há cerca de dois anos, seu marido começou a apresentar esquecimentos relacionados a fatos recentes, dificuldade na construção de frases e negligência na higiene pessoal. Relata que inicialmente esses episódios eram esporádicos e em um período de um ano passaram a se tornar frequentes. A partir de então, procurou o geriatra, que após 3 meses de vários exames, fechou o diagnóstico de Demência de Alzheimer, há oitos meses. 146 Almerinda é a principal cuidadora do marido e o inclui em tudo que faz. Relata que após a doença do marido, seu casamento se tornou bastante difícil, pois os episódios de esquecimentos marcam o dia-a-dia do casal, pois não lembra mais do que diz e do que faz. A cuidadora relata que vivencia dia de alegria alternado com dia de tristezas devido ao surgimento de crises de ciúmes por parte do marido, que acha que a mulher tem um amante, causando na cuidadora momentos de impaciência diante de tal situação. Idosa teme que o marido esqueça totalmente do seu casamento, sendo assim, tem dificuldade de aceitar a doença. Os filhos dão apoio à mãe e se preocupam com a doença do pai. Têm paciência com o pai, devido entendimento da doença. No entanto, Almerinda sente falta dos filhos homens estarem mais presentes na vida do pai, ou seja, mais envolvidos no processo do cuidar. O idoso se encontra numa situação de dependência parcial, pois anda, no entanto necessita de constante supervisão devido a momentos de desorientação temporal e espacial, dificuldades de reconhecimento de alguns objetos, principalmente de suas próprias roupas, possui momentos de diálogo incoerente e ciúme exacerbado da esposa. Almerinda relata que se divide entre os cuidados da filha e do marido, vivendo em prol dos dois, ambos com problemas de saúde. A decepção da dona Almerinda com o seu marido em função da alteração de comportamento provocada pela doença, permeia em seus relatos. A cuidadora se mostra decepcionada com as manifestações de ciúmes de seu marido, que frequentemente a acusa de ter um amante. Mesmo sabendo que esta mudança de comportamento seja causada pela doença, dona Almerinda se sente triste em ter que vivenciar esta situação em seu casamento, já que anteriormente vivia em plena felicidade matrimonial, pois seu marido era o companheiro ideal. Dona Almerinda esperava vivenciar toda a sua velhice com a manutenção da cumplicidade do seu marido, interrompida pelo surgimento da doença. 147 ALMERINDA HISTÓRIA DE VIDA Infância VIDA ATUAL ( Cuidando do marido com D.A.) Brincadeiras Respeito aos pais Educação rígida Mãe não dava atenção aos filhos Morte do pai Adolescência Casamento aos 17 anos Nascimento do filho Percepção da DA como doença do esquecimento Marido com DA há 6 meses Separação 2o Casamento Casamento feliz Esquecimento marca o casamento Convivência difícil idoso agressivo Medo do esquecimento total do marido cansada da relação Tristeza pela ausência dos filhos homens no cuidado Impaciência Cuidadora inclui o idoso em tudo que faz 148 Roberta (83 anos) Roberta nasceu na capital do estado do Amazonas, é a caçula de uma prole de 3 filhos. Refere que perdeu sua mãe quando tinha 3 anos de idade, foi criada por madrasta e teve uma infância marcada pelo sofrimento de não ter tido uma mãe. Relata que seu pai assumiu o papel de pai e mãe, deu-lhe muito amor, carinho e estudo. Roberta não tinha um bom relacionamento com a madrasta, refere que foi muito maltratada pela mesma. Teve 2 irmãos mais velhos, já falecidos. Roberta sempre foi bastante retraída e obediente. Fez faculdade na área de humanas, se formando aos 35 anos de idade, já trabalhava como professora desde os 20 anos de idade, atualmente é aposentada. Relata que se casou aos 36 anos de idade em virtude da sua madrasta querer morar em outra cidade; diz que ouviu uma conversa dos dois e o pai disse que só ia depois que sua filha se arrumasse na vida. Para não atrapalhar a vida do pai, Roberta resolveu aceitar o pedido de casamento do seu atual marido, o qual estava começando a namorar. Ao longo do casamento teve 2 filhas, atualmente com 38 e 40 anos de idade, possui 6 netos com a idade variando entre 13 e 25 anos. Roberta relata que não teve um casamento muito feliz, seu marido bebia muito, não sendo um bom exemplo de pai para seus filhos. Fato que lhe trouxe muito sofrimento. Alguns anos depois de casada, a filha mais velha do casal, levou Roberta e o marido para morar com ela, para evitar que a mesma continuasse a ser maltratada verbalmente pelo pai quando se encontrava bêbado. Durante esses 23 anos, Roberta deixou de se sentir tão sozinha e a sofrer menos. Há 4 anos, seu marido começou a esquecer tudo que fazia e a dizer muita bobagem, palavras sem nexo. Roberta diz que sua filha o levou para o geriatra, que depois de vários exames chegou ao diagnóstico de Demência de Alzheimer em cerca de 8 semanas. A partir de 149 então, Roberta passou a ser a principal cuidadora do seu marido, que possui 90 anos de idade e estar totalmente dependente. O idoso não anda, é agressivo, necessita de uma pessoa para o banho e auxílio para a alimentação, desconhece os filhos e netos, passa o dia sem querer conversar, possui incontinência urinária noturna, tem momentos de desorientação temporal e espacial. Roberta refere associar a doença ao uso prolongado de bebida alcoólica. Ela recebe ajuda da filha e do genro no dia-a-dia do cuidado. A cuidadora tem dificuldade de entender a doença no marido, fato que a faz não aceitar o seu surgimento nem o cuidado em seu dia-a-dia, já que seu marido é bastante agressivo para com a mesma. A idosa refere sentir pena do marido, no entanto relata que não tem paciência no cuidado, diz que se sente bem quando está longe. A fragilidade da dona Roberta foi a marca no contato com ela, pelo seu olhar triste, sua magreza associada à estatura baixa. A voz baixa e o choro se fizeram presentes ao longo da sua entrevista ao relatar todo o sofrimento que já vivenciou e vivencia no seu casamento. As marcas desse sofrimento na vida da idosa a tornaram mais frágil e mais vulnerável frente aos desafios de ter que assumir a responsabilidade pelo cuidado de seu marido. Dona Roberta demonstra em todo o tempo que também precisa de ser cuidada. 150 ROBERTA HISTÓRIA DE VIDA VIDA ATUAL ( Cuidando do marido com D.A.) Morte da mãe Infância Cuidado do pai Criada por madrasta Divide o cuidado com a filha Adolescência Estudos Amor do pai Relação difícil c/ madrasta Casamento por circunstancia Sentimento de piedade diante do marido Marido Agressivo Adulta Filhos Casamento infeliz Marido bêbado Agressivo DA no marido Sofrimento Não aceita ter que cuidar Impaciência no cuidado Sente-se bem quando está longe do marido Sofre por não entender a doença (não aceita) 151 Retribuição Proteção Indignação Alegria Conflito Zelo Decepção Acolhimento Gratidão Cuidando do Idoso com D.A. Força de vontade Fragilidade Indecisão Medo Desabafo Luta Desconfiança Sobrecarga Superação Sofrimento Figura 2 – Vivências que caracterizam os cuidadores frente ao cuidado, baseado em suas histórias A figura 2 mostra que a retribuição, indignação, conflito, gratidão, fragilidade, indecisão, medo, luta, sobrecarga, sofrimento, superação, desconfiança, desabafo, força de vontade, acolhimento, decepção, zelo, alegria e proteção são experiências vivenciadas pelos cuidadores no cotidiano do cuidado do idoso com a doença de Alzheimer, de acordo com os relatos das suas histórias de vida pregressa que refletem no momento atual. 152 5.2 - A trajetória dos cuidadores e a configuração do cuidado no momento atual Falar acerca da história de vida do cuidador a partir dos seus relatos nos faz entender acontecimentos que marcaram os entrevistados desde a sua infância e que influenciaram o delineamento da sua vida atual como cuidador. Cinco aspectos podem assim ser abordados: a trajetória até se tornarem cuidadores, aspectos que os fez se sentirem responsáveis pelo cuidado, as especificidades das histórias de filhos que cuidam dos pais, esposas que cuidam dos maridos e o cuidado de parentes por afinidade, trazendo a forma como qualitativamente se configura a situação de cuidado para o cuidador. 5.2.1 - A trajetória até se tornarem cuidadores Conforme os relatos, os cuidadores em quase sua totalidade tiveram uma infância marcada por uma educação rígida por parte dos pais, principalmente da mãe. Para aqueles que vivenciaram a infância após a década de sessenta, essa rigidez era estabelecida pela demarcação de horários entre o brincar e o estudar. Enquanto para aqueles que vivenciaram a infância em décadas mais remotas há uma conotação diferente, a rigidez na educação era relacionada com a valorização da obediência em que a comunicação dos pais com os filhos era estabelecida em determinadas situações pelo olhar, determinando o que deveria ou não deveria ser feito pelas crianças. A não obediência acarretava em severas punições, através das palmadas e dos castigos, na época existiam conversas de adultos, nas quais crianças não eram autorizadas a participar e nem tão pouco presenciar, principalmente entre os pais. O bom comportamento das crianças, através da disciplina, era muito valorizado pelos pais do início do século XX. É interessante destacar que a cuidadora mais nova do grupo das mulheres e o 153 mais novo do grupo dos homens foram criados com os avós e não tiveram como marca a rigidez educacional ao longo da sua vida. As meninas ajudavam a mãe nos afazeres de casa e cuidavam dos irmãos menores; aquelas que vivenciaram épocas mais antigas aprendiam também atividades de costura e cozinha, eram preparadas para o futuro casamento. Os que vivenciaram a infância na zona rural tinham nas brincadeiras com os irmãos a sensação de liberdade ao desfrutar dos banhos de rio e as brincadeiras no terreiro de casa com os animais, como as galinhas. O trabalho fez parte da infância daqueles que possuíam poucos recursos financeiros, e tinham de ajudar no sustento da família, principalmente dos que migraram para a zona urbana com os pais em busca de melhores condições de sobrevivência. Os estudos se dividiam com o trabalho em casa de família para as meninas e o trabalho no comércio para ambos os sexos. Já os que possuíam recursos financeiros migravam para a zona urbana em busca de estudos, em virtude de que no interior não havia escolas com todas as séries do ensino fundamental. Assim, as famílias que detinham condições financiavam os estudos dos filhos na cidade. Então as crianças, já na pré-adolescência, tinham que morar com os parentes, normalmente estes eram os tios. Então os pais, principalmente a mãe, se dividiam entre o interior e a cidade, viam os filhos de 15 em 15 dias. Os estudos perduraram na adolescência, bem como o trabalho para os que precisavam ajudar a família. Os participantes assumiram nessa fase determinadas responsabilidades em função do casamento, pois casaram-se em torno dos 16 anos, especificamente os mais velhos, pois naquela época as moças eram desde cedo preparadas para casar, procriar e cuidar da sua nova família. Neste caso, tinham que abandonar os estudos em função do casamento. Aqueles que se dedicaram aos estudos conseguiram, ao longo do tempo, cursar a faculdade e se tornarem profissionais capacitados, concretizando os sonhos dos pais e retribuindo o investimento dos mesmos no processo educacional. 154 Já alguns cuidadores tiveram que assumir na fase da adolescência a responsabilidade de cuidar de mãe e avô com problemas de saúde, tendo que se dividir entre estudos e o processo do cuidado. Estes cuidadores tiveram, desde então, o amadurecimento precoce da idade adulta, pois o cuidado é uma tarefa que se fez presente ao longo das suas vidas. Alguns cuidadores na fase de adolescência não possuíam um bom relacionamento com os pais por não concordar com determinadas atitudes e comportamentos dos mesmos em relação aos filhos, pais frios e distante; e no relacionamento matrimonial, pai mulherengo e agressivo. Na idade adulta, a maior parte dos cuidadores (16) deste estudo casaram e construíram suas próprias famílias, tiveram em torno de 2 e 3 filhos. Duas destas mulheres ficaram viúvas e uma se separou. O sofrimento pela perda de mãe, de pai, de filhos, irmãos e avô se fez presente na vida da maioria dos cuidadores (14) nesta fase, deixando marcas em sua trajetória de vida atual. Estas perdas na visão dos cuidadores contribuíram, também, para o desenvolvimento da demência de Alzheimer nos idosos sob seus cuidados. 5.2.2 - Ser cuidador: Por que “eu”? Os participantes deste estudo se tornaram cuidadores principais dos idosos, conforme suas falas, por um conjunto amplo de aspectos que os fez se sentirem responsáveis por assumir encargos familiares e de cuidado, incluindo-se uma escolha do próprio idoso, ou a imposição de um dos membros da família. O encargo familiar é um fator determinante para que o cuidador se sinta inteiramente responsável pelo cuidado do idoso. Assim, em função de ter sido ao longo da sua vida a filha preferida da sua mãe, Jéssica se sente cobrada pelos irmãos para cuidar: 155 “Meus irmãos acham que eu que tenho que cuidar da mamãe, porque eu sempre fui a filha preferida...”( Jéssica, 46anos) A definição do ser cuidador em função de sua condição de vida no momento atual, por ser o único filho solteiro, a filha divorciada e de ter filhos criados e casados, são fatos que parecem tornar os participantes deste estudo pessoas mais disponíveis para o cuidado do que os outros membros da família. Como se pode ver nas falas a seguir: “só eu que não dei um rumo na minha vida, sou solteira, então tenho que cuidar...”( Carlos, 43anos) “eles [irmãos] acham que eu que tenho que cuidar do papai porque eu não tenho marido e eu não tenho filho pequeno e porque eu sou aposentada...”( Margareth, 60anos) O laço de parentesco relacionado à questão de gênero foi um fator determinante para que a Ângela e a dona Graça se tornassem as principais cuidadoras da sogra e da cunhada respectivamente. O estabelecimento do cuidado se deu pelo casamento, tendo que assumir os problemas familiares do marido, segundo as mesmas a tarefa de cuidar se configura como uma obrigação de mulher: “[...] eu costumo dizer que quando eu casei com o meu marido, eu levei um Kit [pausa] ele e a família dele, primeiro cuidei da minha sogra e agora cuido da minha cunhada...”( Graça, 57anos) “[...] cuido da minha sogra, porque não tenho jeito, ela é a mãe do meu marido, né? Tenho que assumir isto também...”( Ângela, 42anos) O se tornar cuidadora para a Augusta se deu pelo fato da mesma se sentir responsável em proteger a mãe dos maus-tratos da irmã, que possui sérias mágoas da idosa em virtude de acontecimento do passado: “[...] agora eu acho que o básico dessa mudança é que nós que temos de protegê-la [pausa] quer dizer eu, né? Porque a minha irmã judia muito dela, tem muita mágoa dela, sabe?...”( Augusta, 50anos) 156 A continuidade do papel de cuidadora é uma realidade vivenciada pela dona Graça que sempre cuidou e continua cuidando da mãe. Na fala de Graça, por exemplo, o cuidado aparece no sentido de proteção, em que a filha protege a mãe de tudo e de todos e o cuidar da mãe é algo que faz parte da história da cuidadora desde a época de infância, em função de problemas depressivos. A impressão deixada pelo relato é a de que esse cuidado foi se “enraizando” na cuidadora, como se já fizesse parte dela: o zelo para com a mãe tornou-se uma responsabilidade inerente à condição de filha. Assim, a cuidadora passa a cobrar de si mesma a perfeição no processo do cuidado, querendo que a família estabeleça da mesma forma esta relação no cuidado da idosa. Nesta perspectiva, a cuidadora impõe de maneira enérgica para o marido, filhos e irmãos o tratamento para com a idosa na mesma forma e intensidade que julga necessário para a manutenção desse protecionismo. Desta forma, a preocupação da cuidadora em coordenar e fiscalizar o processo do cuidado se faz presente em seu dia-a-dia: “Durante toda minha vida, fui eu quem cuidou da minha mãe, ela sempre tinha problemas de depressão [...] então eu sempre quis protegê-la [...] você sabe quando a pessoa começa a perder o respeito? Como se fosse um cachorro que passa a ficar no canto, sabe como é? [...] eu imponho respeito, imponho amor[..] todos[familiares] têm que respeitar a mamãe...”( Graça, 57anos) O cuidado ainda aparece, nas entrevistas, no sentido de retribuição por parte dos cuidadores ao idoso, por exercer a função de mãe cuidadora, pai cuidador ou marido companheiro. Esta sensação de estar retribuindo ao outro a responsabilidade, a preocupação e a proteção faz com que o cuidador se sinta fortalecido para executar as tarefas do cotidiano do cuidado, bem como suportar os sofrimentos daí advindos: “[...]A gente ajuda outras pessoas, por que não aquela que lhe teve, que lhe cuidou né. A minha mãe, ela cuidou até dos netos dela. Esse, meu filho mais velho, quando eu tive, ela foi lá pra casa pra me 157 ajudar com ele sabe, com muito cuidado, me ensinou a tratar. Então, porque que eu também não vou cuidar dela?...”( Alma, 53anos) “[...] eu to, com ele, retribuindo tudo aquilo que ele fez por mim, pelo amor dele de pai..”(Francisco, 51anos). Dona Eliane mostra que cuida da cunhada, apesar dela não merecer, na esperança de que seus filhos façam por ela futuramente tudo aquilo que faz atualmente pela idosa. O pensamento de cuidar para que um dia seja cuidada é uma realidade no cotidiano dessa cuidadora, que espera ser retribuída algum dia: “cuido porque quero que meus filhos façam por mim o que estou fazendo pela minha cunhada, apesar dela não ser merecedora, pois foi uma pessoa muito ruim comigo [choros].”( Eliane, 66anos) Essa esperança depositada nos filhos faz com que a mesma se sinta responsável pelo cuidado, apesar dos desafetos que permearam o relacionamento com a cunhada no passado. O estabelecimento do cuidado como obrigação/dever foi colocado pelo pai de Carlos no leito de morte, deixando para o filho toda a responsabilidade do cuidado para com a mãe. O mesmo relata não ter tido a possibilidade de optar por cuidar ou não cuidar, por ser ou não ser responsável pelo cuidado. Assim, o ser cuidador se configura para Carlos como uma imposição: “[...] meu pai me pediu que eu nunca abandonasse minha mãe, porque ela iria precisar de mim, então essa frase dele me marcou até hoje: “você não esqueça que sua mãe vai precisa de você, não deixe sua mãe desamparada, ela vai precisar de você” então isso me acompanha até hoje [pausa]” ( Carlos, 43anos) O se tornar cuidadora para a dona Flora se concretizou em função da sua irmã a ter escolhido para cuidar, a mesma não aceita a aproximação de outras pessoas para executar a tarefa do cuidado. Dona Flora sente que a irmã a nomeou como cuidadora: “Mesmo tendo uma empregada para cuidar, eu não me sinto livre porque ela não aceita que outra pessoa faça as coisas nela, somente 158 eu. Ela já me nomeou a pessoa que sempre vai cuidar dela [..] ela não aceita que meus irmãos cuidem...”( Flora, 65anos) Neste caso, o cuidado também se configura como imposição, desta vez por parte da própria idosa sob cuidados. 5.2.3 - Filhos cuidando dos pais Os cuidadores que fazem parte deste grupo são: Graça, Fernanda, Carlos, Gabriela, Valdete, Alma, Augusta e Jéssica. A história de vida de uma dessas cuidadoras foi marcada por experiência anterior de cuidado da mãe por problemas de saúde desde a sua infância, como já apresentado anteriormente. Assim, o se tornar cuidadora já é uma responsabilidade de longas datas, que possivelmente facilita a aceitação da responsabilidade do cuidado atualmente em virtude do surgimento da Demência de Alzheimer. Outra situação de vivência de cuidado anterior é a da Cíntia e a do Jorge que cuidam das avós e foram criados pelas mesmas, possuem uma relação de filiação e as consideram como mães; durante a adolescência tiveram a oportunidade de participar do cuidado do avô até a morte. Assim, o cuidado já se faz presente na vida desses cuidadores, o que facilita a aceitação da responsabilidade de cuidar atualmente das avós demenciadas. Os outros filhos que hoje assumem o cuidado da mãe se tornaram cuidadores apenas após o surgimento da patologia. Tanto as cuidadoras como o cuidador referiram em seus relatos ter sua história de vida marcada pelo recebimento de cuidado dos seus pais, principalmente por parte da mãe. As mães aparecem como administradoras da casa e cuidadoras da família até o aparecimento dos primeiros sintomas do Alzheimer. Assim, as mães dessas cuidadoras passaram a ser cuidadas e os filhos passaram a assumir o papel de cuidadores de quem sempre cuidou. 159 Assim, houve uma mudança de posição do idoso na rede de suas relações em que passaram do nível de comando para a necessidade de ser comandado, como é o caso das mães que estão sob os cuidados dos filhos. No que diz respeito ao padrão de relação afetiva estabelecida, pôde-se perceber que a geniosidade, o autoritarismo e a rigidez da mãe antes do surgimento do Alzheimer marcaram a infância, a adolescência e a vida adulta de alguns dos participantes deste estudo, que atualmente assumem a responsabilidade pelo cuidado de suas mães. No entanto, estas características marcantes das idosas na vida dos cuidadores dificultam a aceitação do estabelecimento da doença por todos os membros da família no momento atual. Como é demonstrado nas falas da Graça e da Fernanda: “[...] a mamãe sempre foi uma pessoa bastante autoritária, geniosa e rígida por isso é muito difícil para a família aceitar, por mais que tenha conhecimento [...]”(Graça, 57anos) “ Por a mamãe ter sido muito rígida, autoritária, sabe aquela pessoa bem geniosa? Então hoje ter que vê-la nessa situação é muito difícil para todos aceitarem[...]”( Fernanda, 32anos) A rigidez da mãe na história de vida da Augusta marcou infância e adolescência permeadas por uma relação distante e fria por parte da mãe e que hoje doente e sob cuidados tenta estabelecer uma relação próxima de afeto e demonstração de carinho, mas que a cuidadora não sabe retribuir esses afetos, fato este que contribui para as dificuldades vivenciadas pela cuidadora no cotidiano de cuidado da idosa. “[...] a mamãe foi muito rígida com a gente, sempre se manteve distante, fria [...] hoje ela quer abraçar, beijar [pausa] e eu não estou preparada para isto, não sei fazer isto com ela [choro]” (Augusta, 50anos) Por outro lado, a educação rígida transmitida pelos pais desde a infância se reflete atualmente na vida dos cuidadores, parecendo que possuem pleno conhecimento das suas responsabilidades, assumindo o cuidado dos pais com disciplina e perseverança, buscando 160 sempre estar atualizados em tudo sobre o Alzheimer para se sentirem preparados para gerenciar um cuidado voltado para o atendimento das necessidades do idoso demenciado. Como é o caso do Carlos, Graça e Fernanda: “Graças a educação que tive, hoje tenho disciplina, sei assumir as minhas responsabilidades, e hoje minha maior responsabilidade é cuidar da minha mãe[...]”(Carlos, 43anos) “[...] tive uma educação bastante rígida, o papai sempre me cobrou as coisas, então hoje eu cobro de mim, tenho que proteger minha mãe, cuidar bem dela [...] procuro saber tudo sobre a doença, tenho uma pasta cheia de informações[...]”(Graça, 57anos) “A educação dos meus pais me ajudou bastante em tudo que faço, procuro fazer o melhor para a mamãe, o conhecimento que tenho buscado me ajuda muito [...]” (Fernanda, 32anos) Esse cenário se repete quando o idoso cuidado é o pai. Duas mulheres e um homem assumem a responsabilidade pelo cuidado do pai em virtude do surgimento do Alzheimer. As cuidadoras relatam ter tido anteriormente problemas de relacionamento com o idoso sob cuidado em função do gênio e autoritarismo para com os filhos. Já o cuidador relata ter tido uma história de vida com o idoso marcada por companheirismo e amizade de ambos. Os cuidadores que fazem parte deste grupo são: Margareth, Débora e Francisco. É importante ressaltar que ter sido o grande companheiro do pai ou ser a companheira da mãe desde a infância, bem como a filha de maior preferência ao longo das suas vidas, contribuíram bastante para que o Francisco, a Valdete e a Eliane assumissem atualmente com maior facilidade a responsabilidade pelo cuidado dos idosos. 5.2.4 - Esposas cuidando dos maridos Uma outra condição de cuidado dos entrevistados é o de mulheres que cuidam de seus maridos portadores de Alzheimer. A condição em que se estabeleceu o casamento, bem como 161 as relações vivenciadas pelo casal ao longo da sua história são fatores que determinam como se configura o contexto acerca do cuidado. As mulheres que cuidam de seus maridos totalizam três, duas delas relataram ter tido um casamento de felicidade até o surgimento dos primeiros sintomas da Demência de Alzheimer. Já uma delas relata ter tido uma história de vida marcada por um casamento realizado sem amor, por conveniência, não encontrou no marido o companheirismo que tanto desejava e nem um bom pai para os filhos, como já relatado anteriormente. As cuidadoras que compõem este grupo são: Rosângela, Izolda e Roberta. As cuidadoras que relataram ter vivenciado um casamento de felicidade com seus cônjuges, demonstram sentir uma grande dificuldade de aceitação da doença no idoso, a história de um matrimonio de amor, respeito e companheirismo reflete na não aceitação do Alzheimer no marido, as idosas relatam atualmente vivenciar momentos de tristeza no cotidiano do cuidado em virtude da percepção a cada dia das mudanças ocorridas em seu marido e consequentemente na relação de ambos. A condição de dependência é um dos fatores que traz insatisfação para a mulher no cuidado ao marido, bem como os esquecimentos no dia-a-dia, tornando, segundo as cuidadoras, um casamento cansativo, repleto de dever e obrigações não planejadas ao longo da sua vida. É o que demonstram as falas da dona Rosângela e da dona Izolda: “[...] tive um casamento de felicidade com meu marido, ele sempre foi maravilhoso [...] hoje ele estar nesta situação, dependente de mim[...] fico muito triste, mais ainda se ele se esquecer de mim[...]”(Rosangela, 64anos) “Ele sempre foi um bom marido, mas hoje essa situação me deixa muito triste e cansada [...] hoje tenho que fazer tudo para ele[...]”(Izolda, 75anos) Por outro lado, a dona Roberta que teve um casamento realizado por circunstâncias e não uma união pelo amor de ambos, demonstra que teve que casar para sair da casa da 162 madrasta em função de uma relação de conflitos. Como já apresentado, a cuidadora relata não ter tido um casamento feliz, o marido frequentemente se encontrava bêbado, fato este causador do Alzheimer, na visão da mesma. Assim, dona Roberta não consegue aceitar ter que cuidar do marido, por não ter tido uma história de companheirismo matrimonial: “Eu fui a ultima a casar. A mulher dele [pai] queria sair daqui de Manaus e eu ouvi ele dizer que só sairia daqui se os 3 filhos deles estivessem amparados, ai dei o sim para meu marido[...]. Minha madrasta nunca gostou de mim, ela nunca me tratou bem [...] não tive um casamento de felicidade, meu marido bebia muito, só andava bêbado[...] foi por causa do álcool que ele ficou assim, do jeito que estar, com essa doença [...] Quando estou longe dele me sinto muito melhor, é difícil aceitar esta situação, ter que fazer tudo por ele[...] (Roberta, 83anos) 5.2.5 - O cuidado de parentes por afinidade Outra situação de cuidado é o de um pequeno grupo de cuidadoras (duas) que cuidam de parentes dos maridos e em virtude do casamento assumiram a responsabilidade pelo cuidado da sogra e a outra da cunhada após o surgimento da Demência de Alzheimer. Ambas tiveram ao longo do seu casamento uma relação de implicância e desafeto com as idosas antes do surgimento da doença, fato que dificulta a aceitação do estabelecimento do cuidado em seu cotidiano, conforme as falas a seguir: “[...] eu e a minha sogra não nos dávamos muito bem, ela sempre implicou comigo [...] hoje tenho que cuidar dela, é muito difícil para me aceitar [...]”( Ângela, 42anos) “Esta minha cunhada nunca gostou de mim, ela fazia de tudo para me irritar, sempre quis me atrapalhar, sabe? [...] hoje cuido dela apesar de tudo [...] tenho que aceitar [...]”(Eliane, 66anos) Por outro lado, para estas cuidadoras, assumir a responsabilidade do cuidado da mãe e da irmã de seus maridos é uma tarefa inerente a sua condição de esposa, no sentido de ajudar 163 a solucionar os problemas do seu cônjuge que, na visão destas, são seus problemas também. Essas cuidadoras tiveram uma história de criação de preparo para o casamento, o de mulheres cuidadoras do marido e filhos; parece que o cuidar da família do marido corresponde ao cuidar do próprio marido. Assim, a Ângela e a dona Eliane são as executoras das tarefas acerca do cuidado da sogra e da cunhada respectivamente: “[...] o problema do meu marido é meu também, né? Então tenho que ajudar ele [...]”(Ângela, 42anos) “[...] quando casei com meu marido, digo que eu casei com um kit, com ele e com os problemas dele[...] tenho que assumir na condição de mulher dele[...]”(Eliane, 66anos) No desenrolar da entrevista da Ângela, pode-se perceber que a mesma ainda sente uma dificuldade de aceitar o ter que cuidar da sogra doente. Na concepção da cuidadora, os filhos deveriam ser os verdadeiros responsáveis pelo cuidado, mas não aceitam a doença na mãe e consequentemente não aceitam ter que cuidar. Principalmente, porque a idosa não teve um bom relacionamento com a cuidadora antes da doença, ainda assim, o desejo de aceitação da sua atual situação é algo presente em seu cotidiano: “Eu não me sinto muito bem não. Porque assim, eu acho que ela tem [pausa] se fosse dizer assim, família e tudo pra cuidar, e eu não me sinto bem porque só é eu... Porque só eu e não dividir? [...] Tem dia assim que eu digo assim “eu sei que ela não tem culpa”, porque já conscientizei isso, mas o difícil ainda tá pra mim aceitar. Os filhos que deveriam cuidar dela, principalmente o outro, que se dava melhor com ela. Agora, eu nunca me dei muito bem com ela, agora tenho que cuidar o tempo todo[ ...] eles não querem aceitar que a mãe está doente e precisa de cuidados o tempo todo, então sobra pra mim[...] queria muito aceitar está situação, mas é muito difícil” ( Ângela, 42anos) 164 Filhos Experiência de cuidados (mãe/ avós) Facilidade de aceitação do cuidado Mães cuidadoras Cuidado por retribuição Pai/ mãe geniosa, autoritária, rígida Não aceita a doença e aproximação com a id Disciplina e perseverança no cuidado Marido companheiro e próximo Esposas Casamento feliz Casamento sem amor, sem companheirismo Cunhada e Nora Imposição do matrimonio Relação difícil com as idosas sobre cuidados Irmã Irmã cuidadora da família Cuidado aceito Não aceita a doença Não aceita ter que cuidar Diminuição de problemas do cônjuge Não aceita o cuidado Cuidado por gratidão, retribuição Figura 3- Acontecimentos anteriores que influenciam no cuidado atual 165 6 - A DEMÊNCIA DE ALZHEIMER E O IDOSO na visão do cuidador 6.1 - O diagnóstico O diagnóstico da Demência de Alzheimer foi recebido pelos cuidadores deste estudo, ora se configurando em uma sensação de alívio, ora como um choque perante ao prognóstico da doença e ora como uma sensação de inconformismo pelo acometimento da patologia no idoso. A sensação de alívio se configura na fala da Fernanda, que levou vários meses para saber o diagnóstico da sua mãe. Fernanda relata que após sua mãe ter realizado inúmeros exames sem êxito no fechamento do diagnóstico, teve que ir para outro estado e com apenas duas semanas em um serviço de neuropsiquiatria é que finalmente se concretizou a conclusão do diagnóstico de Alzheimer. Ao saber da notícia, Fernanda relata ter ficado aliviada e tranquila, pois as dúvidas sanadas abriram espaço para o caminho certo no tratamento da doença de sua mãe: “(...) eles concluíram que realmente ela tinha Alzheimer, aí que realmente a gente ficou tranqüilo porque sabia que rumo tomar, né (...)” ( Fernanda, 32anos) Ainda segundo Fernanda, após a primeira sensação, que foi a de alívio, veio a segunda sensação ao receber as informações acerca da doença pela equipe de profissionais, relacionadas à impossibilidade de cura e à diminuição da expectativa de vida da sua mãe acometida pelo Alzheimer. Dessa forma, Fernanda demonstra ter experienciado uma sensação de choque diante do recebimento das orientações acerca da patologia: 166 “(...) assim para mim foi um impacto muito grande, assim, porque assim o que ele mostrava ali, que a pessoa não vivia muitos anos, né (...)” ( Fernanda, 32anos) O inconformismo diante do diagnóstico é expresso nas falas do Carlos, da dona Rosângela, da dona Graça e da dona Izolda, segundo os cuidadores é difícil se conformar com o surgimento do Alzheimer nos idosos que sempre foram pessoas bastante ativas e independentes e que não mereciam estar sendo tomados por uma doença tão incapacitante: “(...) a gente não consegue entender porque essa demência veio numa pessoa que foi extremamente ativa... eu não me conformo com isso, porque diante de uma pessoa extremamente ativa, como era minha mãe (...)” (Carlos, 43anos) “Não me conformo como que ele[marido] ficou com essa doença, sempre foi uma pessoa tão trabalhadora, exercitava tanto a mente[choro] e agora estar assim nesta dependência dos outros[...]”(Rosangela, 64anos) “(...) por mais que agente tenha conhecimento, mas é muito difícil aceitar essa situação, quanto mais agente saber mais agente não se conforma com esta doença na mamãe[pausa] foi muito difícil para todos nós quando sabemos [...]”( Graça, 57anos) “Não consigo me conformar até hoje, quando o médico disse, eu fiquei muito atarantada [pausa] como essa doença pode vim numa pessoa que sempre foi tão ativa? Eu não me conformo [...] (Izolda, 75anos) 6.2 - A etiologia Na visão dos cuidadores deste estudo, o surgimento da Demência de Alzheimer nos idosos sob cuidados está relacionado às histórias, acontecimentos anteriores que marcaram a trajetória de vida desses idosos. O sofrimento aparece nas falas do cuidador como um fator determinante para o surgimento da doença, tais como o sofrimento vivenciado pela 167 infidelidade do marido durante o casamento, pela morte do cônjuge, pela morte de filhos, bem como pela saída de filhos de casa em função do casamento. Jéssica e Alma relatam que seus pais foram bastante mulherengos durante o casamento, tal comportamento gerou um sofrimento significativo e constante na vida das suas mães. Este sofrimento, na visão das cuidadoras deixou as idosas susceptíveis para o acometimento da doença, como se pode perceber nas falas: “A mamãe sofreu muito com as traições do papai, ela chorava muito, ficava pelos cantos... acho que isso causou o aparecimento desta doença nela [mãe]...” (Jéssica, 46anos) “... meu pai era muito mulherengo, vivia todo tempo com outras mulheres... eu via como a mamãe ficava, ela sofreu muito com o papai... foi de tanto sofrer que a mamãe ficou com esta doença.” (Alma, 53anos) Os cuidadores Carlos, Graça, Fernanda e Valdete relataram que suas mães foram tomadas pelo sofrimento pela morte dos seus cônjuges, já que eram cuidadoras do marido e que ao se perceberem perdendo este papel, bem como a cumplicidade de seu companheiro passaram a se sentir perdidas. Fato que, na visão destes cuidadores, proporcionou o surgimento da doença nas idosas, conforme as falas: “minha mãe era uma excelente cuidadora da casa e da família, meu pai e ela viviam uma vida matrimonial de muita cumplicidade, eles eram excelentes companheiros... ela sofreu muito com a morte dele, ela chorava dia e noite... para mim todo este sofrimento proporcionou para que ela ficasse deste jeito...” (Carlos, 43anos) “... Depois que a mamãe perdeu o papai ficou muito difícil para ela superar essa perda. Vi que a mamãe sofreu muito, ela ficou um pouco perdida... de uns anos pra cá, ela começou com essa doença...” (Graça, 57anos) “...depois que meu pai morreu ela ficou uma pessoa muito como se tivesse perdida, sem saber o que fazer da vida, né?.... Cuidava dos filhos, né? cuidava do marido, esse negócio todo. Então depois que meu pai morreu ela, agente percebeu que ela ficou meio perdida não conseguia mais fazer o que fazia antes.” (Fernanda, 32anos) 168 “Mamãe gostava muito do papai, eles se davam muito bem e quando ele morreu ela sofreu muito. Sinto que a mamãe ficou meio que perdida, sentiu muito a sua falta... acho que tem alguma coisa haver com essa doença...” (Valdete, 58anos) Quanto ao seu pai, Margareth também atribui o surgimento da doença à morte da sua mãe, segundo a mesma seu pai sofreu muito ao perder sua companheira que sempre cuidou de tudo da casa e que ao ficar viúvo ficou meio perdido: “... o papai se perdeu quando a mamãe morreu, ele se fingiu de durão, mas percebi que ele sofreu muito. Assim, a doença veio e tomou conta...” ( Margareth, 60anos) O sofrimento pela morte de filhos foi algo que marcou muito a vida do esposo de Almerinda, que é o pai de Francisco; como também da mãe da Gabriela. Na visão destes cuidadores, os idosos sob cuidados foram acometidos pela doença em função de ter vivenciado as mortes súbitas de seus filhos, causando-lhes um sentimento de impotência, conforme mostrado nas falas: “...Nossos filhos foram embora, os três de vez... foi uma tragédia para nós todos, principalmente para meu marido... ele [marido] disse que não pôde fazer nada para evitar isto, foi um sofrimento muito grande, ele se sentiu muito mal. Por isso que meu marido ficou deste jeito...” (Almerinda, 78anos) “Meu pai sentiu muito pelo que aconteceu com os meus maninhos, tudo foi muito rápido... para ele [pai] os filhos não deviam morrer antes dos pais. De tanto sofrimento, é que esta doença veio tomar conta dele...” (Francisco, 51anos) “depois que meu irmão morreu de um súbito infarto, minha mãe ficou muito triste, triste e triste... ela [mãe] sofreu bastante sua morte... depois de uns anos ela começou com o Alzheimer, o que aconteceu pode ter causado o aparecimento desta doença...” (Gabriela, 48anos) Já Ângela atribui a doença da sogra ao sofrimento vivenciado em virtude da saída dos filhos de casa em função de casamentos. Relata que a idosa sempre teve ciúmes dos filhos e 169 que os queria somente para ela; essa dificuldade em lidar com esta perda foi um fator que contribuiu para o surgimento da doença, segundo a cuidadora: “...ela [sogra] ficou com esta doença porque nunca aceitou que os filhos tivessem casado e saído de casa, ela sempre foi muito ciumenta... ela [sogra] sentiu que perdeu os filhos...”(Ângela, 42anos) Um outro fator predisponente ao surgimento da Demência de Alzheimer que apareceu, foi o sofrimento vivenciado pela avó de Jorge no início do seu casamento, fato que segundo o cuidador, marcou bastante a vida da idosa. Para o cuidador o sofrimento e a angústia em função de dificuldades finaceiras foram fatores determinantes, como mostra a fala: “Ela teve uma vida pesada, passado dela com o meu avô foi pesado, passaram fome junto... Pelo que me falaram, acho que vem daí o passado pesado de sofrimento e angustia. Acho que esse é o motivo, razão dessa doença...” (Jorge, 36anos) 6.3 - A evolução A evolução da doença na mãe traz inconformismo e sofrimento para os cuidadores de um modo geral. Embora o discurso da Gabriela seja de que ela é da área da saúde e entende tudo sobre a doença e que a evolução da patologia é uma realidade, ela manifesta dificuldade em aceitar, nas reuniões da ABRAZ-AM, ao repetir por várias vezes “que a tendência do portador é o de piorar”. Na fala da cuidadora, a aceitação do Alzheimer na mãe é algo que já foi “concretizado em sua cabeça”, no entanto ela mesma aponta que as progressivas alterações da doença deveriam se estagnar, já que os constantes investimentos para prevenir essa evolução fazem parte do processo de cuidado dispensado à idosa: “[...] Até agora é a gente aceitar a situação. A gente lembra da pessoa super ativa que era,e olha e ver que, a pessoa não consegui mais fazer as coisas. Não consegui mais distinguir. É aceitar o 170 diagnóstico, é aceitar a situação, você por mais que saiba que aquilo vai evoluir, mas é difícil aceitar Tudo bem, eu já consegui aceitar a doença na mamãe[...] isso já está concretizado em minha cabeça[...], mas não aceito a sua evolução. Faço tudo para que a doença não evolua, mas não adianta muita coisa, não! Isso que me deixa muito triste, vê a mamãe decaindo...”( Gabriela, 48anos) A necessidade de aceitar a doença, responsável pela mudança de comportamentos e atitudes da mãe e pela mudança na dinâmica familiar, é uma realidade vivenciada por Carlos. Para o cuidador, a aceitação do acometimento da doença na mãe poderia ajudá-lo a compreender melhor suas alterações e consequentemente lhe dar suporte para amenizar o sofrimento sentido no processo do cuidado, assim como a melhor condução nas relações familiares: “Sei que preciso passar a aceitar essa doença na mamãe, não é fácil vc ver sua mãe, que era uma pessoa tão ativa, tão inteligente, gostava muito de ler um jornal e hoje ela está assim desse jeito[...] eu não consigo entender porque esse demência veio numa pessoa que foi extremamente ativa [...] percebo que se eu lutar para aceitar melhor essa doença na mamãe, eu irei ter mais condições de entender o que está acontecendo com ela, de sofrer menos com o que vejo e também de conduzir melhor o relacionamento com meus irmãos, sinto que tenho essa necessidade...”( Carlos, 43anos) A evolução gradativa ou rápida da doença, tornando o idoso cada vez mais em condição de dependência, traz para os cuidadores uma incerteza e ao mesmo tempo desesperança diante de uma possibilidade de melhora da situação, ainda que os investimentos no tratamento sejam realizados a cada dia por estes. Presenciar a perda da funcionalidade de sua mãe e seu marido a cada dia é uma realidade vivenciada por Gabriela, Carlos e dona Izolda, conforme mostram nas falas: [...] não sei até onde vai o avanço dessa doença, apesar de todo o tratamento que é feito, não vejo melhoras muito grande[...] antes ela comia sozinha, andava, agora não[...] ( Gabriela, 48anos) A mamãe não consegue mais usar o banheiro sozinha, se vestir, ela depende para quase tudo[...] não sei onde isso vai parar, não sei, não sei... (Carlos, 43anos) 171 [...] agora ele [marido] não consegue se vestir sozinho, antes conseguia, agora fica todo atrapalhado, tenho que ajudar, né! Ele ta tomando remédio, vai ao médico, mas não vejo melhora, só piora, então não sei o que pensar, não sei como que vai ser com isso tudo [...] ( Izolda, 75 anos) Nesses discursos a evolução da doença é algo que traz tristeza e uma sensação de desânimo para os cuidadores, não havendo nenhuma perspectiva de melhora. Dessa forma a insegurança perante o futuro se mostra presente. 6.4 - A imagem da doença Várias são as imagens trazidas pelos entrevistados em relação à doença. Para alguns é percebida pelo cuidador como a doença do esquecimento, caso do idoso que não lembra dos filhos, e principalmente daquele que cuida do cônjuge. Os constantes esquecimentos trazem para o cuidador um sentimento de ser rejeitado e abandonado pela pessoa que tanto ama: “[...] eu já fiquei sabendo que está doença faz a pessoa esquecer tudo, é essa a minha maior preocupação [pausa] é a doença do esquecimento”( Almerinda, 78anos) “Ela [idosa] não lembra mais de mim, ela está com essa doença do esquecimento...”( Alma, 53anos) “O Alzheimer fez com que minha mãe não lembrasse mais de mim, isso é muito ruim...”( Jéssica, 46anos) “Ela [mãe] esqueceu completamente de mim, me chama de menina, as vezes pergunta, quem sou eu, é muito chato, vê sua mãe nesse estado, estou lutando para mim acostumar...”( Gabriela, 48anos) “[...] a mamãe não lembra mais de mim, ela me chama de outro nome, mas lembra do nome do filhinho querido, mas de mim, não!...”(Graça, 57anos) A demência de Alzheimer é vista também como a doença que tira as forças do indivíduo, pois o idoso sob cuidado se mostra enfraquecido diante das pessoas e das situações. 172 Idosos que foram condutores da família e os principais responsáveis pelas tomadas de decisões, hoje estão sendo conduzidos por sua condição de dependência e perda da autonomia ocasionada pelo processo demencial: “Poxa! Era tão forte o assim.[pausa]”(Francisco, 51anos) Zé [pai]... e agora tá “Ela era uma excelente condutora da família, da casa, aquela que decidia tudo [...] e hoje está assim sem forças [pausa] nesta situação de ser conduzida pelos outros...”( Carlos, 43anos) Na percepção dos cuidadores, o Alzheimer aparece também como uma doença que transforma o comportamento e a personalidade do idoso: pessoas que tinham um comportamento reservado e conservador com personalidade forte, hoje se encontram extravagantes, usando palavras obscenas, com comportamentos inadequados diante das pessoas e inventando histórias, através das mentiras, como pode ser visto nos depoimentos abaixo: “[...] foi horrível, ela fez um barraco, que eu não reconhece minha mãe, porque ela sempre falava pouco, muito reservada, muito reservada, muito distinta e de repente ela brigou mesmo...” (Augusta, 50anos) “[...] já mi nhá mãe sempre foi uma pessoa muito séria e hoje, por exemplo: ela nunca foi de xingar, para você ter uma idéia: cu, merda, ela nunca falou isso, e hoje ela, de vez em quando fala, não era o linguajar dela, ela sempre criticou isso”. (Carlos, 43anos) Doença cruel, que traz o mal para a vida do idoso e grande vilã da discórdia familiar, é outra imagem que aparece. O cuidador refere que antes do surgimento da doença, a estrutura familiar era sólida, com papeis muito bem delineados que seguiam o percurso natural da vida, em que os pais eram os eternos condutores que sustentavam a base familiar e com o aparecimento da doença as pessoas passaram a vivenciar momentos de discórdias entre si: 173 “[...] Essa doença é muito cruel, a pessoa fica totalmente dependente dos outros, não sabe o que está fazendo...” ( Izolda, 75anos) “tudo ia tão bem conosco [família] antes dessa doença [...] Todo mundo era muito unido, cada um como suas coisas, ninguém brigava [pausa] agora depois dessa doença cruel é uma confusão danada. “( Alma, 53anos) Quando focalizada da perspectiva dos cuidados que requer, a referência é a de doença de família, pois seus membros precisam assumir o cuidado do indivíduo acometido sem medir esforços. Cada familiar deve ter uma responsabilidade no processo do cuidado do doente, a união entre os membros da família possivelmente traz um ambiente promotor da harmonia e do equilíbrio que é imprescindível para a melhora do portador: “Essa doença como uma doença de família, quem acaba cuidando é a família...” ( Flora, 65anos) Nessa perspectiva ainda, Alzheimer também aparece como uma doença da escuridão, em que o cuidador não consegue enxergar uma luz que lhe transmita esperança para a solução dos problemas vivenciados pelo idoso em função da doença. As incertezas do hoje e do amanhã para quem cuida são intensificadas, na visão do cuidador, a cada dia. Embora o cuidador busque constantemente conhecer e entender a patologia, algumas de suas perguntas ficam sem respostas, assim este se sente encurralado diante da escuridão que rodeia esta doença e consequentemente o idoso sob cuidado: “A demência de Alzhaimer é como se fosse um quarto escuro que agente tenta acender a luz e não consegue. Ë uma doença muito obscura.... Agente procura uma luz no fundo do túnel e não consegue encontrar...” ( Augusta, 50anos) “É como se de repente ele estivesse andando em um campo escuro, e ele não conhecesse ninguém [...]” (Francisco, 51anos) “Não sei para onde esta doença vai levar minha mãe [pausa] por mais que eu procure saber, não consigo enxergar o que vai acontecer...”( Carlos, 43anos) 174 6.5 - Imagem do idoso com a doença de Alzheimer Para compreender a forma como aparece o idoso demenciado no imaginário do cuidador são de extrema importância as mudanças ocorridas após o surgimento da doença, assim como seu significado na história de vida do cuidador. A pena, a desproteção e o sofrimento aparecem nos depoimentos dos cuidadores. A imagem que surge em uma das entrevistas é de que o idoso sob cuidado é digno de piedade, como por exemplo na entrevista da dona Roberta que relata que o marido durante toda sua vida foi um homem muito comunicativo e hoje se encontra na condição de dependência dos cuidados do outro, já que sempre exerceu suas funções com total independência; é digno de pena, segundo a cuidadora por, além de tudo, ter sido um péssimo marido e pai distante, sem ter sido um bom exemplo para os filhos. Atualmente se encontra na situação lamentável de sobreviver com a ajuda daqueles de quem julgava nunca precisar, sua mulher e seus próprios filhos: “Hoje tenho piedade dele, não posso deixá-lo porque a minha criação foi ate que a morte os separe, então eu cuido dele no que eu posso [...] ele foi um marido muito ruim pra mi. Minhas filhas não o vê como exemplo de pai, nunca foi ao colégio delas, tudo era feito pó mim. Eu era o pai e a mãe ao mesmo tempo[pausa] hoje ele se encontra nessa situação lamentável de precisar das pessoas, que ele dizia, na sua ignorância, que nunca iria precisar de mim e de minhas filhas, ta vendo aí? .”( Roberta, 83anos) Outra imagem do idoso demenciado é o de uma pessoa desprotegida frente ao que era antes do estabelecimento da doença. Uma pessoa considerada antes rígida, autoritária, que impunha respeito pela sua simples presença, por exemplo, hoje é vista como uma idosa fraca diante dos outros e anulada pela família (filhos, noras e netos). No imaginário de um cuidador, a mãe demenciada é retratada como tendo perdido a força e o brilho diante da vida: 175 “[...] eu protejo minha mãe porque hoje ela e’uma pessoa que perdeu sua autoridade, sua rigidez, seu respeito diante dos outros [pausa] tem irmãos, cunhadas e sobrinhos que não dão importância pra ela, parece até que ela nem existe[...] agora a mamãe está sem aquela força e o brilho que tinha antes dessa doença...”( Carlos, 43anos) Mais uma imagem que aparece no discurso das cuidadoras a respeito do idoso é o de uma pessoa eternamente sofrida, como a da mãe que foi alvo de agressividade do marido, através das constantes traições e hoje apesar de estar livre do sofrimento do casamento pela morte do cônjuge, ainda se encontra numa situação de sofrimento pelo próprio estabelecimento e evolução da demência de Alzheimer, bem como a não participação dos filhos no cuidado e a indiferença dos netos. No imaginário das cuidadoras, a mãe nasceu para sofrer e esse sofrimento já faz parte de toda sua história de vida desde que se casou, quando adolescente: “A mamãe se casou muito novinha, tinha parece que 14 anos, sofreu muito no casamento, meu pai sempre foi um marido infiel [pausa] ela sofria muito com as traições dele. Sempre foi assim, todo dia ela chorava, quando papai chegava da rua com cheiro de mulher, sabe?[..] hoje que ele não está mais entre nós,agora aparece essa doença na mamãe, acho que o destino dela é o sofrimento, nunca vi uma coisa dessa [pausa]”( Jéssica, 46anos) “Sinto que a mamãe nasceu designada para sofre, meu pai foi um homem muito mulherengo desde que casou, ela tinha... nem sei, acho que antes dos 15 [pausa] ela sofreu muito com ele, depois que o papai morreu, achei que ela fosse ficar melhor [pausa] mas essa doença veio e pegou ela. A coitada fica em cima daquela cama sofrendo, e o pior sem a presença dos de todos os filhos e netos, isso não é horrível?”( Alma, 53anos) 176 177 7 - O CUIDADO NO MOMENTO ATUAL 7.1 - O cotidiano do cuidado: tarefas O cotidiano dos cuidadores é descrito como repleto de execução de tarefas, durante todo o dia e noite, em função da sua condição de dependência de cuidados dos idosos portadores de Demência de Alzheimer, que se intensifica a cada dia. Dentre as atividades básicas que os cuidadores mais relataram executar no dia-a-dia do processo do cuidado se encontram o banho, a alimentação, a transferência, o vestir, o uso do banheiro e as trocas de fraldas dos idosos que possuem incontinência fecal e/ou urinária, conhecidas como Atividades da Vida Diária. É importante ressaltar também o julgamento que os cuidadores fazem das tarefas no cotidiano do cuidado. O banho é a tarefa de maior dificuldade para o cuidador em função da resistência por parte do idoso sob cuidado, podendo chegar até à agressão física, como exemplificado nas falas a seguir: “[...] a hora do banho é terrível, eu digo que é a hora do show das 5[...], ela não quer tomar banho [...]”( Jéssica, 46anos) “Ela não gosta de tomar banho, então faz de tudo para não tomar, ela até se esconde, tenho que ficar adulando, sabe?” (Jorge, 36anos) “A mamãe não gosta do horário do banho, é uma resistência danada, tenho que conversar bastante com ela [...] todo dia é isto, essa dificuldade para o banho[...]”( Graça, 57anos) “[...] há! A hora do banho é muito ruim, sabe? Ela resiste muito, ela não gosta de tomar banho, as vezes ela me bate, me empurra, me dar beliscões terríveis [choro] é muito difícil mesmo[...]”(Fernanda, 32anos) 178 O ato de banhar o idoso é também uma tarefa que causa constrangimento para o cuidador que se encontra na condição de filho de pais que o criaram com a valorização do pudor, em que filhos não compartilhavam da intimidade dos pais, principalmente durante o banho. As falas do Carlos e da Fernanda demonstram esta dificuldade vivenciada por eles: “[...] eu não me sinto bem ter que dar banho na mamãe, sabe? Para mim isto é constrangedor, ter que lavar as partes dela [...] eu não fui criado vendo meus pais nú, invadindo a intimidade deles [...] nós não fomos criados andando pela casa de calcinha, de cueca e nem de toalha, sabe? [...] e hoje tenho que vê minha mãe sem roupa, isso é muito ruim mesmo [...]”( Carlos, 43anos) “É muito chato ter que dar banho na minha mãe, tendo que vê ela nua, logo ela que sempre teve um pudor danado, ela nunca deixava agente entrar no quarto quando estava trocando de roupa [...]”(Fernanda, 32anos) A alimentação é uma outra atividade básica que o cuidador precisa auxiliar, supervisionar ou executar no processo do cuidado ao idoso. No relato do cuidador, este é o momento que precisa de muita atenção e paciência em virtude de em alguns casos o idoso querer comer tudo por várias vezes, muito rapidamente, com risco possível de engasgo ou em outra situação o idoso recusar a comer quando o cuidador demonstra pressa durante a administração do alimento ou quando acha que o alimento está envenenado: “O papai quer comer tudo, e quando alguém pergunta se ele comeu, ele diz que não e que estar com fome. Se deixar ele quer comer o tempo todo numa rapidez só, sabe? Eu fico com muito medo, no outro dia ele chegou a engasgar, se não fosse eu, nem sei o que poderia ter acontecido [...] tem que ficar o tempo todo supervisionando na hora da comida[...] a carne tem que ser bem cortadinha, sabe?[...]” (Margareth, 60anos) “A mamãe é assim, sabe? Se der a comida para ela com pressa, ela não come. Tem que ter muita paciência, esperar ela mastigar tudo direitinho[...]” (Fernanda, 32anos) “[...] ele [marido] as vezes diz que eu coloquei veneno na comida dele, e aí ele joga tudo fora, e fica sem comer o dia todo, tem que ter muita paciência para que ele coma [...]” (Izolda, 75anos) 179 A dificuldade de mobilidade ou a imobilidade do idoso sob cuidado faz com que o cuidador tenha que realizar transferência da cama para a cadeira e vice-versa, bem como ter que transportar o idoso até o banheiro ou para outros cômodos da casa. O cuidador relata que nem sempre conta com a ajuda de uma outra pessoa para a realização de tal atividade, ocasionando assim uma sobrecarga de peso e consequentemente um cansaço excessivo no final de cada dia. Como é exemplificado nas falas da Alma, da Cíntia e da Débora: “[...] quando tenho que colocar a mamãe na cadeira, é o maior sufoco, ela não consegue me ajudar, fico muito cansada, sabe?[...]” (Alma, 53anos) “A vovó não anda mais, tem que pegar ela e levar para o banheiro, nem sempre têm gente em casa para me ajudar, então tenho que fazer isto sozinha, termino pegando peso, ela é pesada[...] é uma dificuldade transportar ela [...]”( Cíntia, 26anos) “[...] me sinto muito cansada no final do dia, o papai não anda, então sou eu quem tem que levar ele para qualquer lugar [...] não posso deixar ele na cama o dia todo, essa parte que é complicado.” (Débora, 55anos) O vestir é uma tarefa que também é realizada com dificuldade no relato do cuidador, principalmente quando o idoso sob cuidado se encontra acamado e não consegue ajudar para facilitar a execução de tal atividade. Assim, o cuidador precisa desenvolver bastante habilidade para conseguir sozinho colocar ou tirar a roupa do idoso, como relatam a Alma e a Cíntia: “[...] vestir a mamãe é uma luta, tenho que ter muita habilidade para virar ela de um lado para o outro, ela não ajuda [...]” (Alma, 53anos) “[...] pôr e tirar a roupa da vovó é muito complicado, é um coloca para lá, um coloca pra cá, puxa daqui puxa dali, fica difícil para uma pessoa sozinha, se ela ajudasse, seria melhor, mas [pausa]” (Cíntia, 26anos) A incontinência urinária dos idosos sob cuidados requer o uso de fraldas geriátricas, principalmente durante a noite, assim, os cuidadores relatam que acordam várias vezes para 180 fazer a troca. Como demonstram as falas do Carlos, Jorge, Jéssica, Margareth, Valdete e Eliane: “[...] tenho que trocar a frauda da mamãe por diversas vezes a noite, não posso deixar ela molhada a noite toda [...]”(Carlos, 46anos) “A vovó dorme comigo no quarto, levanto a noite para trocar a frauda dela [...]” (Jorge, 36anos) “Não consigo dormir a noite toda, levanto para trocar a frauda dela por várias vezes [...]” ( Jéssica, 46anos) “[...] o papai quando estar molhado rasga toda a frauda, então tenho que trocar sempre que ele molha [...]” (Margareth, 60anos) “A mamãe faz bastante xixi, principalmente a noite, e aí tenho que trocar a frauda, a quantidade é muito grande [...]”(Valdete, 58anos) “[...] ela [cunhada] não sente quando a urina sai, então tem que ficar de frauda todo tempo, é um gasto grande de frauda [...] tem que ficar sempre trocando [...]” (Eliane, 66anos) O Carlos e o Jorge relatam que dormem no mesmo quarto das idosas sob cuidados em função da necessidade de três ou quatro trocas por noite, pois assim que as idosas ficam molhadas eles são solicitados para a realização da tarefa: “[...] tive que colocar a mamãe para dormir no mesmo quarto que eu para facilitar, levanto o tempo todo a noite, ela me grita quando fica molhada [...]”(Carlos, 43anos) “Depois que a vovó passou a usar frauda, coloquei ela para dormir no meu quarto [...] ela não gosta de ficar molhada, então me chama[...]”(Jorge, 36anos) Estas interrupções de sono durante a noite é uma realidade constante na vida desses cuidadores que mostram se sentir cansados e sobrecarregados, a relação de proximidade para com a mãe e a avó, consecutivamente é tão forte que as idosas as solicitam para realização de tal tarefa. 181 7.2 - Repercussões na vida do cuidador As renúncias aparecem como uma repercussão significativa do cuidado em sua vida atual. O cuidador tem a clara percepção do que deixou e deixa de fazer na sua vida particular, profissional e social em função do cuidado ao idoso. Para alguns cuidadores, a responsabilidade pelo cuidado os impede de casar e construir a sua própria família, como é o caso do Sr. Francisco que está noivo. Já para outros, põe em risco o casamento pela perda da privacidade do casal pelo fato do idoso sob cuidado dormir no mesmo quarto e em um dos casos no meio da cama, proporcionando a perda do contato físico noturno entre marido e mulher: “Ela [mãe] dormi entre eu e meu marido...” (Graça, 57anos ) “a mamãe dorme comigo e meu marido, no nosso quarto...” (Valdete, 58anos) A mudança de planos em relação ao seguimento profissional faz parte também do quadro de renúncia do Sr. Francisco em função do cuidado do pai, bem como o deixar seu emprego como coordenador e gerente de marketing em uma Organização não Governamental: “Eu renunciei alguns planos meus que eu tinha. Até mesmo político! [...]ia lá pro Mauazinho, que é um projeto Sementinha do meu primo, que hoje ele tem ajuda de uma Organização Não Governamental e eu passei dezoito meses lá ajudando no programa Vivendo e Aprendendo, eu era coodenador e era gerente de marketing pra divulgação desses projetos e hoje eu tive de renuncia...”(Francisco, 51anos) A limitação profissional se faz presente, no caso de Alma, pelo fato de ter que trabalhar em casa para não se afastar da mãe, adaptou seu laboratório em um dos compartimentos do seu domicílio. Tendo que trabalhar mediante rotina do cuidado, limitando- 182 se a aceitar encomendas somente pela parte da tarde, horário quando a idosa está mais tranqüila: “Eu trabalho num... geralmente assim, quando eu marco, é pela parte da tarde, pra eu trabalhar sabe. Mas quando eu vejo que a situação ta muito pesada eu desmarco, porque tudo eu faço com hora marcada né, eu faço meus trabalhinhos com hora marcada porque em ao sei, de repente a mamãe muda completamente, aí eu não posso. Então, eu sinceramente, eu gostaria até de trabalhar fora porque eu fico fazendo meu trabalhinho ali no meu laboratoriozinho, eu to ali mas o que ta acontecendo aqui vem um e me fala, aí eu já fico agoniada. Então eu gostaria de trabalhar fora, fazer um trabalhinho fora, num horário sei lá, não sei quantas horas, ficar fora e depois chegar em casa entendeu?! [...] coloquei meu laboratório lá num compartimento dentro da minha casa mesmo...”( Alma, 53anos) “Eu tenho o curso de técnica em prótese dentária, eu gostaria de fazer odontologia, eu tenho curso de técnica de higiene dental né, eu já trabalhei em clínica fazendo só técnica, eu passei no concurso! No concurso da SUSAM. Eu passei e não pude me, como é que se diz?Assumir porque essa situação [...] eu to lá com o Diário Oficial, com o meu nome lá, e eu não pude assumir entendeu?!” (Alma, 53anos) Houve inclusive um caso em que a cuidadora escolheu seguir uma profissão, de nível técnico, relacionada à área da saúde para buscar conhecimentos acerca de como cuidar da sua mãe, fato este que possibilitou, por alguns anos, o atraso no andamento da faculdade de outra área que ela estava cursando: “Fiz o curso de técnica de enfermagem para cuidar da minha mãe, agente tem que saber sobre essa doença e como cuidar, né?..”( Fernanda, 32anos) A privação social em função do cuidado é uma realidade presente na vida dos cuidadores deste estudo. Deixar de sair com os amigos, de participar de reuniões familiares, de viajar faz parte do cotidiano destas pessoas, que se enclausuram nas tarefas e sentimentos que permeiam o cuidar. O lúdico não consegue ganhar espaço para amenizar os efeitos desagradáveis sobre o cuidador no dia-a-dia do cuidado: 183 “Eu iria viajar e minhas irmãs que cuidam dele comigo resolveram viajar também, abri mão da minha viagem para que elas fossem, me sinto muito sobrecarregada, das três sou eu que tenho mais responsabilidade com o papai...”(Margareth, 60anos) “As vezes não saiu porque não posso levá-la, quando vou a um aniversario que levo ela meus irmãos reclamam comigo porque a levei,pois ela dá muito trabalho...”(Jéssica, 46anos) “[...] Eu teria que fazer como fiz muitas renúncias na minha vida. Porque eu gosto de jogar minha bola tá entendendo? Renuncie...”(Francisco, 51anos) “[...] eu gostaria de estar fazendo mais algumas coisas, ter um horário que eu, mais eu não to. Quando eu vou ai, nas promoções das verduras, porque a minha mãe come tudo batido, eu to todo dia ali no shopping, mas é rapidinho, correndo feito maluca. Não dá nem pra passear, ir lá sentar no shopping, dá ima lanchada, tal, não...”(Alma, 53anos) “Eu achei que quando meu marido se aposentasse, seria uma coisa muito boa pra nossa vida, que a gente pudesse passear bastante, sem preocupações...” ( Flora, 65anos) “Eu abdico de muita coisa por estar cuidando dela, eu e meu marido não podemos sair juntos, viajar juntos, ou vai um ou o outro...” (Eliane, 66anos) O “viver para cuidar” é uma realidade demonstrada nas entrelinhas dos depoimentos do cuidador, em que a sua vida passou a ser a vida do idoso sob cuidado. A doação pelo cuidado, na visão do cuidador, impede o atendimento das suas necessidades psicossociais, tornando-o, em alguns momentos, pessoas inseguras por se sentirem anuladas : “[...] Só ali! A minha vida é só aquilo, só cuidando da mamãe [pausa]”(Graça, 57anos) “Eu vivo para ela [mãe], me anulo em meus pensamentos, em meus sonhos por causa do cuidado dela...” ( Alma, 53anos) O depoimento de Alma parece mostrar um sentimento vivenciado, frente ao cuidado, de velada insatisfação diante da situação por não poder concretizar seus sonhos. Alma, ao enfatizar a expressão “por causa do cuidado dela” parece atribuir à mãe culpa pelos momentos 184 vivenciados. Culpa esta proveniente de uma história de sofrimento e passividade durante a convivência matrimonial. Uma outra repercussão significativa do cuidado que se configura nas falas do cuidadores diz respeito aos sentimentos vivenciados em cada momento de seu dia-a-dia. Sentimentos que se alternam e se pareiam frente às situações vivenciadas. A raiva é um sentimento experienciado por Izolda no dia-a-dia do cuidado em virtude da não aceitação da doença no cônjuge, doença esta que impõe um cuidado que a mantém prisioneira, ocasionando abdicações da sua própria vida em função do idoso doente. Esta raiva da situação pela qual a idosa se encontra ao cuidar do cônjuge gera momentos de impaciência no manejo do cuidado, conforme trecho da entrevista: “No dia a dia, o meu filho me pede muito para ter paciência com o Zé [marido], mas já estou com a minha esgotada, todo dia é a mesma coisa. Tem horas que me dá raiva dessa situação, dessa doença, de tudo [ pausa] quando estamos sozinhos tenho que ficar o tempo todo atrás dele com medo dele fazer uma bobagem [...]sobe minha pressão, sofro de labirintite e quando me enraivo ela ataca, principalmente quando não durmo direito, quando ele não deixa eu dormir tranqüila, sempre estou olhando ele, se ele não levantou, porque tem vezes que ele não acerta ir ao banheiro e quando olho ele está fazendo xixi no quarto[...]. Penso que nunca limpei xixi dos meus filhos assim, e agora tenho que está limpando dele. Ë difícil a situação. As vezes estou assistindo TV e ele quer desligar de qualquer jeito, mexe em minhas coisas, troca o telefone de lugar o tempo todo...... é muito trabalho, muito trabalho, muito trabalho mesmo. Deixei de viver para viver a vida dele, e que vida...”( Izolda, 75anos) A impaciência é um sentimento que aparece na quase totalidade dos entrevistados. O cuidador se sente impotente diante da doença no idoso quando vivencia situações não facilmente conduzidas nas tarefas do cuidado, como por exemplo, no relato de Dona Izolda, seu marido joga a comida no lixo dizendo que ela quer envenená-lo. Os momentos de impaciência causam tristeza no cuidador pelo arrependimento de não ter tido a capacidade de suportar os comportamentos inadequados do idoso sob cuidado: 185 “[...] Quando me pedem para ter paciência falo que é porque não convivem com ele todo dia e o dia todo[...] ele conversa coisa com coisa, diz que ta vendo coisas e eu não agüento e perco mesmo a paciência, isso me deixa triste...”( Izolda, 75anos) “[...] Ela esta começando a ficar agressiva na hora de tomar banho , machuca agente tem horas que peco ajuda a Deus, pois às vezes perco a paciência e isso me entristece...” ( Jéssica, 46anos) “[...]A palavra que foi mencionada no grupo umas 200 milhões de vezes foi paciência, paciência, paciência, mas agente sabe que mesmo tendo toda paciência do mundo, você não pode esquecer que tem sua vida, seus problemas, você tem suas dificuldades , seu trabalho e essa paciência , esse trabalho de paciência não é muito fácil, é fácil falar, mas quando você está no dia-a-dia você vê que não é fácil, isso acontece na própria família, entre os membros da própria família que chegam para você, seu irmão.... você não pode falar... pára de gritar... você está gritando, você está reclamando... mas vá passar uma semana, falo com meu irmão venha passar uma semana aqui, venha trocar fralda a noite, venha levantar 5 ou 6 vezes, mamãe toma medicamento a noite, ela quer ir ao banheiro, venha dar banho nela, fazer com que ela coma a comida, então é muito fácil dizer assim: você tem que ter paciência! É essa palavra que é a chave mágica da solução dos problemas do cuidador? Difícil é colocar em prática na tua qualidade do dia-a-dia com o familiar com Alzheimer.”( Carlos, 43anos) “[...] Não é mole mesmo... As vezes até respondo maucriação pra ele, muitas vezes ser acusada daquilo que eu não fiz, aí eu perco a paciência mesmo [..] Mas não é fácil não... ele inventa coisas que não é verdade, ele inventa que eu to com algum homem e fica com raiva de mim. As vezes tem alguma roupa no varal e ele olha e diz que aquela roupa não é dele, e fica me perguntando o tempo todo de quem é aquela roupa, e passa o dia dizendo que é do meu amante....”(Almerinda, 78anos) “[...] de tanto me dedicar a ele, as vezes percebo que estou sendo impaciente com ele, ele repete varias vezes a mesma coisa, vai tomar banho joga só uma água no corpo, veste a mesma roupa.[...] ele não dorme a noite, ele fica andando na casa, com isso você também não dorme, então fica muito difícil..”( Margareth, 60anos) “[...] nem todo o tempo vc tá com paciência, eu tenho meus problemas, com filhos, com marido, aí as vezes fica difícil de segurar, faço de tudo para não perder a paciência, mas tem vezes que não dá, principalmente quando chego em casa morta de cansada[...] eu trabalho de segunda a sexta e tenho o fim de semana para descansar, quando eu tô descansando aí ela grita “moça, moça vem cá, vem cá “entendeu? É muito complicado...”( Cíntia, 26anos) 186 “[...] sabe o que é você dar banho em sua mãe e ela lhe encher de tapa na cara? Aja paciência, e as vezes eu perco a minha e grito com ela...”( Fernanda, 32anos) Nos discursos da dona Izolda e da Jéssica, percebe-se que há uma expressão velada de culpa em virtude da perda de paciência com o marido e a mãe, respectivamente, traduzindo-se em uma profunda tristeza. O medo é uma constância na vida de alguns cuidadores. Cada demonstração de dependência de cuidados pelo idoso doente traz para o cuidador o imenso desejo de não ficar nesta mesma situação, o medo de um dia ser acometido por qualquer doença que o faça perder sua capacidade funcional; que o torne eterno dependente dos cuidados dos outros: “Eu tenho medo de ficar como ele [pai]; tenho medo dessa doença.” (Margareth, 60anos) “[...] tenho muito medo de um dia esta doença me pegar, não quero ter que ficar assim, dependendo dos cuidados dos outros, sem poder fazer aquilo que eu quero [...] Deus me livre! “ ( Ângela, 42anos) “[...] ter que precisa de alguém para levar ao banheiro, para tomar banho, para vestir a roupa, para poder comer [pausa] isso é muito triste, eu não quero ficar assim, tenho muito medo...”( Alma, 53anos) “Tenho medo de ter também essa doença, porque a irmã dela [mãe] também esta com Alzheimer...” ( Carlos, 43anos) O sentimento de medo é experienciado também por uma das idosas que cuida do cônjuge na fase inicial da doença, medo este da perda total de memória do marido, fazendo-o esquecer do casamento e da mulher que tanto o ama. Em função do medo, a cuidadora se mantém todo o tempo ao lado do seu marido para que a sua presença seja marcante a todo o momento: “Eu tenho muito medo de que ele esqueça se esqueça de mim, não quero que isso aconteça, vai ser muito triste pra mim ter que suportar[...] ele não pode esquecer a mulher que lhe ama tanto, por 187 isso fico o tempo todo com ele para que não me esqueça[pausa] ele anda grudado o tempo todo em mim...”( Rosângela, 64anos) Por outro lado, dois cuidadores vivenciam o sentimento de felicidade por poder ter forças e condições de cuidar da sua mãe e do seu pai que se encontram doentes. A satisfação de poder retribuir aos pais o cuidado dispensado por toda a vida impulsiona esses filhos a investirem a todo custo no bem-estar daqueles que tanto amam e admiram: “[...] sou feliz em poder cuidar do meu pai, sou feliz, amo meu pai, amo minha mãe e amo a vida.” ( Francisco, 51ano) “[..] me sinto feliz em poder cuidar da minha mãe, apesar de tudo que estou passando, ela é a pessoa que sempre cuidou de mim e agora é minha vez de cuidar dela, graças a Deus, ela melhorou bastante com os meus cuidados...” ( Valdete, 58anos) A solidão é um sentimento vivenciado pelas esposas que cuidam do marido. O companheirismo, com o surgimento da doença, foi perdido em virtude do marido não lembrar, em alguns momentos, que são casados e nem as reconhecem como mulheres. Assim, as idosas sentem que perderam para o Alzheimer o companheirismo constante do seu esposo, cumplicidade mútua que perdurou por vários anos e que atualmente se sentem sozinhas, sem poder compartilhar com o idoso os sentimentos vivenciados no dia-a-dia: “Antes ele me acompanhava em tudo, na igreja... agora não posso mais levá-lo, ele se levanta e fica andando e conversando, acabo me aborrecendo, então deixo ele em casa [...] Nem aniversário posso mais levá-lo, nem na casa de ninguém, eu fico muito triste com essa situação, me sinto só...” ( Izolda, 75anos) “Ele [marido] sempre foi meu companheiro, mas agora eu me sinto só [pausa] eu não posso mais dividir tudo com ele. [...] sito muita falta da cumplicidade que tínhamos um com o outro, nós sempre contávamos tudo, sem medo...”( Rosângela, 64anos) “Queria muito ter meu companheiro de volta [pausa] agora ele [marido] fala coisa com coisa, as vezes se esquece de mim, fico muito sozinha”( Almerinda, 78anos) 188 Um outro tipo de solidão mencionado pelos cuidadores que não recebem ajuda da família no cuidado do idoso foi a solidão da atividade, ou melhor o estar só no desempenho e na responsabilidade do cotidiano do cuidar, conforme as falas a segui: “[...] eu sempre estou só, sou eu para tudo, ninguém me ajuda em nada [...]” (Margareth, 60anos) “Eles [irmãos] não me ajudam em nada, eu estou o tempo todo sozinha no dia-a-dia com o papai...” (Alma, 53anos) “Só eu que assumo sempre tudo com ela [avó]...” (Jorge, 36anos) Um outro sentimento relatado pelas cuidadoras, principalmente pelas esposas dos idosos sob cuidados, é o de vergonha, proporcionando assim, o afastamento do convívio social. É situação particularmente constrangedora para a cuidadora ver seu marido não usar adequadamente o banheiro para as suas necessidades fisiológicas, abordar pessoas desconhecidas na rua, ter crises de ciúmes sem motivos e não lembrar da cuidadora como sua mulher. Conforme demonstrado nas falas da dona Izolda e dona Almerinda: “ [...] evito de sair com ele [marido], não vou mais a igreja [...] ele não tem mais noção das coisas, não usa direito o banheiro, tira a calça em qualquer lugar e faz xixi, eu morro de vergonha [...] fica no portão de casa chamando as pessoas que conhece, sabe?[...] me dar muita vergonha quando ele fala na frente das pessoas que não sou sua mulher” ( Izolda, 75anos) “[...] fico com muita vergonha dele [marido], do nada ele faz crise de ciúmes, fica desconfiando de mim, diz que tenho um amante, prefiro não sair [...]”( Almerinda, 78anos) A compaixão é um sentimento que aparece nos relatos dos cuidadores. Sofrer pelo sofrimento do idoso, na visão do cuidador, é uma realidade vivenciada no dia-a-dia frente ao cuidado. “[...] sofro muito quando vejo ela [mãe] sofrendo em cima daquela cama, naquela situação...” (Alma, 53anos) 189 “Todo dia fico pensando no quanto que ela [mãe] sofre por viveciar uma situação desta...” (Carlos, 43anos) Compartilhar o sofrimento parece ser uma grande demonstração de preocupação e amor de filho, no intuito de buscar amenizar tal situação vivenciada pela idosa. Os cuidadores investem no cuidado protegido e abnegado. 7.3 - Rede familiar: fonte de apoio e relações Nas entrevistas realizadas um tema que sempre apareceu, e de forma proeminente, diz respeito à funcionalidade da rede familiar no sentido de fonte de apoio ao cuidador no dia-adia do cuidado, permitindo-no compreender a dinâmica da relação entre seus membros, que aparecem configurando a forma como esse cuidado é oferecido e como o cuidador se sente na sua tarefa. Apenas dois cuidadores contam com a ajuda de irmãos nas tarefas do cuidado e nestes casos em que cuidam da mãe, os irmãos residem na mesma casa com o cuidador. A divisão de tarefas é estabelecida quando o cuidador precisa se ausentar para trabalhar e estudar. Mas é o cuidador que coordena as atividades exercidas em favor do idoso, planejando e supervisionando todo o processo do cuidado: “(...) divido com eles [irmãos] o cuidado com minha mãe, eles ficam com ela quando vou trabalhar [...] minha irmã põe ela para dormir quando estou na faculdade, que é a noite...”( Fernanda, 32anos) “A Margareth [irmã] me ajuda com a mamãe [...] ela dar banho, eu dou banho, ela troca, eu troco [pausa] mas sou eu quem assume quase tudo, sou eu quem administro...”( Carlos, 43anos) Na visão do cuidador, a divisão da tarefa do cuidado por si só não basta para que se sinta totalmente apoiado. Ele sente falta da divisão da responsabilidade sobre o cuidado do 190 idoso, deseja que seus irmãos se sintam importantes agentes da construção de um cuidado adequadamente gerido, ou seja, com divisões igualitárias por todos com um sistema de planejamento, implantação e avaliação, bem definidos e compartilhados. O fazer só por fazer é algo que traz incômodo para o cuidador, pelo fato dos irmãos envolvidos no processo do cuidado, não executarem com dedicação. É o fazer sem implicação, sem doação, como é exemplificado nas falas a seguir: “A minha irmã quer fazer as coisas na pressa com ela. Ela ta apressada ela tem que sair, porque assim bem em casa é assim. Eu fico pela parte da manhã, minha irmã fica pela parte da tarde, ela é quem faz a minha mãe dormir, né [...] aí quer dar comida rápido, então isso eu vejo que não é uma coisa boa por mais que ela, não sei esteja que ela tem razão da situação, como eu digo pra minha irmã tem que se por no lugar dela:,` será que você gostaria que fizesse isso com você, pegar você pelo braço e sair puxando, ou então que desse a comida no caminho, no carro, você comendo ainda? você tem que se pôr no lugar dela’ ...”( Fernanda, 32anos) “Bom meu irmão mais velho, ele não trabalha ele fica em casa, aí ele ajuda bastante a cuidar dela, ele só não tem assim aquele noção de cuidado, ele não tem a noção do perigo, ele não tem essa noção. Então ela já caiu com ele umas quatro vezes, cinco vezes, né. Então a minha preocupação que eu falo com ele é isso, vc tem que pensar antes de tu fazeres qualquer coisa. Quando vc estiver com ela pensa se isso é perigoso pra ela ou não, né...” (Fernanda, 32anos) Além disso, os cuidadores que cuidam da mãe, como por exemplo a Alma, a Gabriela, o Carlos e a Jéssica, sentem a necessidade de compartilhar com seus irmãos a responsabilidade pelo cuidado de sua mãe, bem como a necessidade de serem acolhidos pela família no sentido de ser olhado, ouvido, tocado e principalmente compreendido em seus sentimentos, querendo se sentir também cuidados: “[...] compartilha [pausa] Compartilhar com eles né, porque tudo o que eu vejo, eu tenho que fazer sozinha. As vezes eu gostaria de conversar com eles. Às vezes nós já chegamos a marcar reuniões, uns faltam, nem todos vão sabe, eles não despertam muito interesse. A minha irmã, ela tava viajando agora, ela até chegou, ela disse: “Olha, eu vou fazer uma reunião com meus irmãos. Eu tenho que 191 conversar sobre a mamãe.” Mas aí só fica nisso sabe, ela não faz[...] Então é isso aí, eu sinto que ta muito ruim, é falta de compartilhar com meus irmãos. ”( Alma, 53anos) “Elas [irmãs] deveriam dividir o cuidado da mamãe comigo, eu preciso disso...” ( Gabriela, 48anos) “ [ ...] eu acho que era necessário, eles [irmãos] absorverem o cuidado com a mamãe como eu e a minha irmã temos [...] eles não absorvem que a responsabilidade também é deles [...] eles não me escutam, não me ouvem, não querem saber [...] estou também precisando ser cuidado...”( Carlos, 43anos) “Tento conversar com meus irmãos e eles não querem me escutar, nem olham para mim, não percebem que eu preciso de ajuda com a mamãe...” (Jéssica, 46anos) As dificuldades em conseguir apoio são entendidas na visão dos cuidadores como uma negação da doença no idoso por alguns dos irmãos, fazendo que os mesmos não percebam que o idoso possua a necessidade de cuidados. A aproximação proporcionaria, na visão do cuidador, uma percepção palpável de uma realidade que poderia trazer para os irmãos sofrimento pela desconstrução da imagem dos pais como de eternos protetores e cuidadores dos filhos, isso provavelmente causaria uma enorme decepção. Muitas vezes, o não enxergar corresponde ao não sentir como diz o grande ditado popular “o que os olhos não veem o coração não padece”: “Mas eles acham que é brincadeira a doença. E eu falei para eles lerem e procurar orientação no médico. Pois eu não vou adular ninguém, cada um tem que ter o interesse para poder ajudar [...] a moçada não quer saber. Todo mundo sabe, tirei copia na internete, mas até hoje ninguém procurou a gente para ajudar com ela. Mas todo mundo só sabe ligar e fingir que nada ta acontecendo com ela [...] acho que eles acham que ela continua sendo a mesma mãezona de sempre...” (Jorge, 36anos ) “Então não foi fácil pro pessoal, quando eu dizia que minha mãe não tava bem pra minha irmã no Japão ela não entendia porque minha mãe quando conversava com ela no telefone ela respondia normal, meu irmão de São Paulo a mesma coisa, eu chorava e dizia minha mão não ta bem ela ta mal, ta mal, mas quando conversava com ela no telefone ela conversava normal, respondia normal, mas ela ta bem, 192 ai eu é que parecia que tava meio doida, né,[...] acho que para eles era melhor achar que eu tava meio doida do que ter que ver que a mamãe está doente... assim eles acham que a mamãe não precisa de cuidados, é exagero meu [...]” (Fernanda, 32anos) “[...] ela veio aqui em casa mostrei o estado da mamãe e ela disse que não era nada que quando a pessoa tem que morrer morre e pronto..” (Valdete, 58anos) Assim, na visão dos cuidadores, é mais cômodo para os irmãos tanto deixarem que eles se sintam responsáveis pelo cuidado do idoso, e assumirem não haver chance de reversão do processo de involução das capacidades funcionais e cognitivas, o que dispensaria maiores investimentos: numa situação que já se encontraria definida pela doença: “[...] eles não querem enxergar a doença na vovó para não ter que cuidar [...] eles não querem cuidar...” ( Jorge, 36anos) “elas [irmãs] chegam lá em casa e vêem a mamãe na cama e nem estão aí [...] não perguntam o que ela ta precisando, agora tudo é comigo...” ( Valdete, 58anos) Augusta, uma das cuidadoras do estudo, relata não ter o apoio da irmã no cuidado da mãe. Essa irmã considera que a mãe não é merecedora de tal aproximação, já que no passado foi uma pessoa “durona”, fria, que não admitia toda ou qualquer manifestação de carinho para com as filhas, estabelecendo uma relação distante e quase sempre autoritária, hierárquica, de mãe para filhas, sem a presença do diálogo, principalmente nas situações em que as filhas julgavam que mais precisavam. Como por exemplo na infância e adolescência, que segundo a cuidadora são as fases de maiores transformações do ciclo da vida, em que a representação das atitudes e comportamentos dos pais influenciam, de alguma forma, na construção da identidade do indivíduo, através das suas relações: “O relacionamento antes da patologia com a mamãe sempre foi difícil nunca podíamos chegar perto, eu ainda tentava mas a minha irmã nunca tentou [...] nunca experimentou abraçá-la ou beijá-la e eu nem sabia que a minha irmã tinha mágoa dela, e ai ela ignorou que minha 193 irmã estava na pré-adolescência e como era muito discreta,muito reservada, não queria ir para festa,e a minha irmã diz:”Eu também tinha o direito de ter festa de 15 anos e nunca tive a mamãe, nunca perguntou se eu queria ter,imagine uma pessoa que conversava muito pouco, para dar conselhos era muito objetiva, prática [...] a gente precisava adular ela, quando eu e minha irmã queríamos alguma coisa quem falava era eu, tomava bronca, ouvia muito dela, então eu não tinha muitas lembranças do relacionamento com a mamãe, nem eu e nem minha irmã [...] hoje minha irmã não aceita de jeito nenhum cuidar dela, não me ajuda muito, ela tem muito ressentimentos da mamãe, ela diz que a mamãe não merece ser cuidada....”(Augusta, 50anos). O marido aparece como uma fonte de apoio muito valorizada pelas cuidadoras casadas entrevistadas, principalmente por compreenderem a necessidade da disponibilizacão de atenção e constante supervisão requerida no cotidiano do cuidado. O compartilhamento dos seus sentimentos com os maridos é expresso nas falas das cuidadoras como uma divisão das angústias e outros sentimentos que lhes trazem sofrimento no contexto do cuidado, parecendo se sentirem acolhidas no sentido de serem ouvidas por estes em seu cotidiano do cuidado, dando-lhes possivelmente uma sensação de poder ter com quem contar. “Ele [marido] divide comigo minhas angustias no cuidado com a mamãe [...] sinto não estar só[...] .”( Gabriela, 48anos) “Eu divido com ele [marido] todo o sofrimento que passo com a mamãe...”( Augusta, 50anos) “O meu esposo me apóia muito, ele entende que tenho que cuidar da vovó. E isso me ajuda bastante...” ( Cíntia, 26anos) No entanto, a compreensão do marido no cuidado atribuído á sogra pela esposa não se configura na aceitação incondicional do mesmo perante todas as condições que contextualizam o processo de cuidado, como por exemplo, ter que dividir o quarto durante a noite com a idosa além da sua mulher, como ocorre na vida da Graça e da Valdete. A insatisfação do marido por não poder ter plena intimidade com sua mulher, expressa numa cobrança não direta e sutil como por exemplo: “você me abandonou”, parece passar 194 despercebida pela cuidadora, por não haver uma cobrança enérgica. Assim, o que parece ter maior importância para estas cuidadoras é o apoio no compartilhamento dos sentimentos e a compreensão acerca do cuidado. As cuidadoras possivelmente demonstrem não valorizar tanto o cumprimento de seu papel enquanto esposa perante o casamento, isso parece ficar em segundo plano diante da relação de proteção que têm para com suas mães. “...meu marido é muito compreensivo, ele sabe que a mamãe precisa dorme no nosso quarto [...] as vezes ele fala assimpara mim sabe? “você me abandonou né?, não ficamos mais sozinhos”[...] depois ele para de reclamar e me dar razão neste fata...”( Graça, 57anos) “ele [marido] fala que agora eu só sou da mamãe, não sou mais dele [pausa]... ele fica um pouco triste, mas ele aceita tudo numa boa, ele sabe que eu preciso estar perto dela, ele entende bem isto[...] ( Valdete, 58anos) O marido da Graça presta um auxílio pontual e localizado no cuidado da idosa, esse apoio foi se estabelecendo aos poucos e muitas vezes, por alguns anos, por perceber na prática do cotidiano o quanto que a idosa demenciada precisava de cuidados contínuos e para que a mulher não ficasse tão sobrecarregada, o esposo passou a ajudar no sentido de amenizar o trabalho da esposa. A ajuda do marido na divisão igualitária de tarefas parece não necessitar tanto de concretização quanto a compreensão diante da contextualização do cuidado, pois isto sim a deixa numa situação de um certo conforto: “Meu marido me ajuda muito com a mamãe, ele viu que ela precisava de cuidado [...] ele me ajuda para que eu não fique muito sobrecarregada[...] aele me ajuda nisso ou naquilo e isso é muito bom[...] Graças a Deus... para mim oq eu mais importa é que ele me ajuda e me compreende em tudo que faço[...]”( Graça, 57anos) Por outro lado, a mesma cuidadora percebe que não é todo marido que consegue se aproximar da sogra após o estabelecimento da doença na mesma e aceitar todo o cuidado que lhe é atribuído pela mulher dentro da sua casa por 24 horas. Assim, a cuidadora atribui esta 195 demonstração de solidariedade do seu marido ao amor do casal fortalecido pelo elo matrimonial. Para ela este amor superou as mágoas das relações difíceis no passado, possibilitando uma aproximação de carinho para com a sogra, bem como de um apoio possivelmente incalculável no dia-a-dia do cuidado: “Percebo que o meu marido tem um grande respeito com minha mãe. Ele conseguiu superar tudo, porque a mamãe foi muito rígida com ele. E hoje, Graças a Deus, ele é a pessoa que mais me ajuda com a mamãe.[...] Hoje em dia ela adora meu marido. No início ele achava que eu fazia tudo sozinha, e ele não gostava, mas ele foi vendo minha luta, foi vendo de que forma ela era tratada, e agora ele me ajuda muito [...] ( Graça, 57anos) Não é todo marido que aceita uma sogra que foi extremamente rígida com ele. O nosso amor superou tudo e supera até hoje [...] Graças a Deus recebo um apoio imensodo meu marido [...]”(Graça, 57anos) Outro membro da rede familiar que aparece nas entrevistas das cuidadoras são os filhos, que participam do cuidado tanto de avós, quanto de seu próprio pai. Os filhos, na visão das cuidadoras, seguem a relação de cuidado estabelecida pelos pais para com os avós, sentindo-se também responsáveis pelo processo. Esses filhos são descritos como criados em um ambiente de harmonia entre os pais, respeito para com o próximo e principalmente da valorização dos mais velhos, sob uma educação embasada na importância da família na vida do indivíduo e no respeito dos filhos pelos pais. Dessa forma, segundo as cuidadoras, esses filhos buscam seguir as atitudes e comportamentos dos pais em quase tudo que fazem, principalmente relacionados ao seio familiar, com naturalidade. Assim, esses netos teriam uma relação de atenção, respeito e zelo para com seus avós demenciados: “Meus filhos adoram avó, tem um maior cuidado com ela, meu marido também, sempre falam pra eu não reclamar com ela.Meus filhos foram criados para respeitar os avós e tratá-lo com amor, Graças a Deus...”(Valdete, 58anos) “Olha! A relação com os netos, netos mais que se aproxima mesmo é esse meu filho, eu filho que vê como é que eu sou né, o que a gente 196 semeia a gente colhe. Então, eu digo sempre isso, essa mesma minha irmã que mora na parte de cima, ontem ela chegou comigo e tava apavorada porque a filha dela tava tratando mal ela, tava quase pra da nela. Ela é mais nova do que eu, muito mais nova, e eu disse pra ela: Minha irmã, presta atenção! Veja o que que você esta colhendo, o que você ta plantando, veja o que você está plantando. Cuidado![pausa]... “( Alma, 53anos) “Meus filhos dão toda atenção para a mamãe, eles seguem o cuidado que tenho, porque foram criados vendo o respeito que sempre tive com minha mãe, assim eles reproduzem isto [...]” (Graça, 57anos). “os filhos seguem o exemplo dos pais, graças a Deus, eles respeitam a mamãe porque foram criados para isto, me dão apoio no que preciso, assim são meus netos que também dão toda a atenção para a mamãe, eles conversam com ela, brinca [...] A relação com os netos, netos mais que se aproxima mesmo é esse meu filho, eu filho que vê como é que eu sou né, o que a gente semeia a gente colhe...”(Alma, 53anos) No caso de cuidadoras do cônjuge, o apoio dos filhos, com quem sentem dividir as angústias e dificuldades do dia-a-dia no processo do cuidado, faz com que se sintam acolhidas pela sua família frente à problemática vivenciada pela doença do cônjuge . Assim, a sensação de poder contar com os filhos fortalece as entrevistadas, deixando-as mais aptas a superar os percalços que envolvem o cotidiano do cuidado: “[...] os nossos filhos também foram buscar saber tudo sobre esta doença do esquecimento. Toda vez que eu vou pro médico com ele, quando eu chego em casa é um liga, liga danado, todos perguntando como foi, o que o médico disse, e eu tenho que contar tudo. Graças a Deus todos se preocupam muito com ele. Os filhos dão muita atenção pra gente [...] todos se interessam muito e isso me dar força para enfrentar tudo...” (Almerinda, 78anos) “Deus o livre, se eu não tivesse filho[...] E graças a Deus eles são ótimos, todos eles, não estou exagerando. Todos eles são muito bons. Desses que moram aqui, a minha filha, que geralmente as filhas são mais coisa que os filhos né, só tem um homem, mas ele é ótimo também. Ele vive comigo, ele está trabalhando, aí ele telefona toda noite “como é que tá o papai, como é que a senhora tá?” e ela telefona três vezes por dia, aí ele diz “Já é a Jocélia de novo? O que que ela quer?”, e eu digo “Nada, só quer saber como a gente tá”, aí ele “Ah sim! Porque ela só vive te ligando!”ele diz. Eles me dão muita força para superar esse problema.”(Rosângela, 64anos) 197 “Graça ao meu filho, que me ajuda bastante a cuidar do pai, é que eu estou agüentando todo esse sufoco, ele me ouve quando estou chateada, me pede muita paciência, ele me manda passear um pouco para espairecer a cabeça...” (Izolda, 75anos) A necessidade de ser reconhecida naquilo que faz diante do cuidado é expressa no depoimento da Sra. Eliane, almejando que filhos e marido tenham a percepção do seu trabalho e o valorizem perante os gestos de respeito e zelo para com a cunhada demenciada: “[...] quero que eles [filhos e marido] reconheçam todo meu trabalho um dia pelo respeito que to tendo com ela...”( Eliane, 66anos) A relação familiar frente ao cuidado do idoso com a doença de Alzheimer é influenciada pela forma como o cuidador e os outros membros da família percebem a doença, o idoso demenciado e processo do cuidado. A forma como essas percepções são demonstradas através de atitudes e comportamentos parece determinar o tipo de relacionamento entre os irmãos, cônjuge, cunhados e sobrinhos dos cuidadores deste estudo. Enquanto a compreensão familiar se configura em um apoio ao cuidador, a falta de compreensão por parte de irmãos é geradora de conflitos. Frente a isto o cuidador sente-se sozinho no processo do cuidado, pois irmãos não compartilham com ele sentimentos que o afligem em seu cotidiano, e a cobrança por parte do cuidador não é muito bem aceita. Assim, as conversas se transformam em calorosos desentendimentos, como é dito no ditado popular “bate boca”, como acontecem na família do Carlos, Fernanda e Graça: “Os outros irmãos não absorveram isso, agente briga muito, discute muito isso, eles não absorveram que a responsabilidade também é deles, é tipo assim, a gente vem brigando e pedindo vem aos sábados aqui, venha domingo pegar a mamãe para dá uma volta [...] eu digo pra eles que deveriam parar para me entender, pois estou me sentindo sobrecarregado [...] mas eles não querem saber, aí nós brigamos mesmo[...]” ( Carlos, 43anos) “Meu irmão não quer saber de nada, não ta nem aí para a mamãe, muito menos para mim, tento conversar com ele e nada [...] me sinto 198 muito sobrecarregada, quando tento conversar ele começa desconversar sabe? Aí eu fico muito irritada e agente acaba brigando [...]” ( Fernanda, 32anos) “Percebo que eles não aceitam muito bem quando cobro, porque eu cobro mesmo, ele precisam me ouvir, quero ajuda com a mamãe [...] muitas vezes a gente acaba discutindo, aí eu grito, eu choro. Quero que eles me ajudem mesmo, sabe?[...]” ( Graça, 57anos) Outro grande causador de conflito é a não doação dos irmãos no cuidado para com a mãe. Conforme relata a Fernanda, seus irmãos executam as tarefas do cuidado sem pensar antes no que é necessário para a sua execução, deixando sua mãe exposta a riscos de acidente, como já aconteceram sucessivas quedas durante o banho com o irmão. Estes acontecimentos acabam deixando a cuidadora irritada e inconformada com a falta de planejamento dos irmãos frente ao cuidado da mãe, então as cobranças por parte da cuidadora se configuram em momentos de discussões com gritos e ânimos descontrolados. Na visão da cuidadora, os irmãos a consideram durona: “[...] eles fazem alguma coisa que na minha visão também não sei se porque eu to querendo proteger demais, na minha visão eu acho que é errado. Tem atitude que eles tomam que eu acho que é errado aí eu falo, eles se chateiam, então fica um clima chato, né?[...]assim o conflito em casa hoje em dia é isso nessa questão do cuidado com ela, né que ainda é meio complicado[...] no outro dia meu irmão não pegou todo o material que precisava no banho e ele deixou ela no banheiro sozinha e aí ela caiu, e não foi a primeira vez, então eu fico muito chateada, eu já disse pra ele que tem que pensar primeiro, tem que ver o risco, então eu fico extremamente irritada e acaba sendo uma gritaria lá em casa, eu grito mesmo[...] sei que meus irmãos me acham durona, sabe?[...]” ( Fernanda, 32anos) Na família da Graça, as brigas com as cunhadas acontecem em função de um tratamento indiferente para com a mãe advindo das mesmas, na visão da cuidadora. A Graça sente uma grande necessidade de se impor diante da sua família na tentativa de fazer com que todos lidem com a idosa da mesma forma que ela lida e esta imposição se configura em conflitos com as cunhadas e consequentemente com os irmãos . Conflitos estes, para a 199 cuidadora, extremamente necessários para que sua família perceba o quanto sua mãe precisa ser respeitada e bem zelada, principalmente pelas cunhadas que, na visão da cuidadora, querem se aproveitar da doença da sogra para descontar problemas de relacionamentos sogranoras no passado: “Depois que a mamãe ficou doente sabe? Minhas cunhadas passou a tratar ela muito mal, deixava ela no canto e eu não admito isto [...] sei que as minhas cunhadas querem descontar hoje na mamãe as brigas que elas tinham quando casaram com meus irmãos, mas eu não admito isto, aí é que vem as brigas, porque eu imponho respeito, eu imponho que elas respeitem a mamãe[...] muitas vezes a gente briga e briga mesmo, eu falo tudo com sinceridade e sem medir palavras e muitas vezes até meus irmão entram na briga também[...] sei qua as pessoas sinceras são antipatizadas [...]” ( Graça, 57anos) Na família da Ângela, os conflitos acontecem entre seu marido e irmão, o primeiro cobra que seu irmão se sinta também responsável pelo cuidado da mãe, querendo que sua cunhada divida com a sua mulher as tarefas do cuidado. Assim, os desentendimentos na família são frequentes e as tentativas de conversas se transformam em brigas em que ninguém consegue se entender: “...meu cunhado não quer assumir também o cuidado com minha sogra, meu marido fica muito chateado, ele vê que só eu estou cuidando e a mulher do irmão dele fica numa boa, fica agastada sem fazer tudo que eu faço com a minha sogra [...] aí meu marido e meu cunhado acabam brigando, mas vejo que não adianta muito não[...]” ( Ângela, 42anos) Na família do Carlos, os desentendimentos com os irmãos acontecem em função destes não se sentirem também responsáveis pelo cuidado da mãe, mantendo-se distantes dela todo o tempo. Um outro motivo causador de desentendimento, segundo o cuidador, é o conformismo sem atitudes por parte de uma das irmãs frente à condição de dependência da mãe. Estes acontecimentos perece deixar o cuidador bastante chateado pela falta de atitude dos irmãos frente à necessidade de cuidado da mãe, e a demonstração dessa chateação se 200 configura em conflitos e consequentemente em desunião familiar. Na visão do cuidador, os irmãos o veem como um grosso impaciente: “[...] eu falo pro meus irmãos que é muito fácil só ligar e perguntar pela mamãe, sem ter que vim aqui, eles querem se manter distantes para não ter que assumir o cuidado [...] eu fico muito chateado com essa situação, aí começa a briga porque eles só querem ficar distantes para não se sentirem responsáveis[...]” ( Carlos, 43anos) “Minha outra irmã acha que tudo na mamãe é assim mesmo, que a tendência é piorar e não faz nada para melhorar a situação da mamãe, sabe?[...] eu fico muito chateado com esse conformismo dessa minha irmã, agente acaba brigando porque eu não acho isso certo [...] eles me acham um grosso e impaciente[...]”(Carlos, 43anos) Já na família da Valdete, os conflitos entre irmãs se configuram em agressividade verbal e física o que terminou sendo registrado em distrito policial. Segundo a cuidadora, os conflitos acontecem em virtude dos irmãos não concordarem que a mesma seja a responsável pelo cuidado da mãe. Assim, na visão da Valdete, os irmãos não fazem nenhum esforço para que essas brigas sejam amenizadas e nem muito menos estagnadas. As tentativas de conversas da cuidadora não possuem êxito: “Tenho dua irmãs que não concordam que eu cuide da mamãe, então elas fazem de tudo para tirar a mamãe daqui, sabe? Elas me xingam, no outro dia nós fomos parar na polícia porque elas duas vieram para cima de mim para me bater, agente se embolou no chão [...] meus irmãos só sabem brigar, eles não querem conversa, principalmente essas duas, eles só gritam, aí é só briga[...]” ( Valdete, 58anos) A Alma, a Margareth e o Jorge relatam ter utilizado várias estratégias para conversar com suas famílias para que se aproximassem dos idosos sob cuidados, sem contudo ter obtido êxito em virtude de irmãos, sobrinhos, tios e primos estabelecerem uma relação de indiferença para com os idosos e consequentemente de distanciamento com os cuidadores: 201 “[...] foram várias as tentativas para conversar com meus irmãos para que eles me ajudassem no cuidado com a mamãe, marquei reunião e nada, eles nem apareceram, eles se mantêm afastados para não cuidar, sabe? Fico muito chateada com eles[...]”( Alma, 53anos) “Meus irmãos e meus sobrinhos não querem se aproximar de mim porque sabe que eu cobro que eles ajudem a cuidar do papai, já fiz de tudo para tentar convencê-los a me ajudar, mas nada deu certo, muitas vezes me deixaram falando sozinha[...] nem visitar o papai, eles não vêem[...]”( Margareth, 60anos) “Meus primos e meus tios nem ligam para a vovó, eles não ajudam em nada, já fiz de tudo, tentei conversar, mas eles fazem de tudo para estarem afastados [...]” ( Jorge, 36anos) A relação familiar com o idoso demenciado aparece nos relatos dos cuidadores, em um dado momento, como uma relação de indiferença, distanciamento e agressividade e em outro como uma relação de proximidade, atenção, carinho e proteção. Na visão do cuidador, a relação de netos e noras com o idoso demenciado é de indiferença, sendo que para esses membros da família o idoso parece não existir. As pessoas não conversam e nem se aproximam, como é exemplificado nas falas a seguir: “[...] quando a mamãe está com eles, ela fica lá no canto sozinha, sabe? [...] É como se fosse um cachorro que passa a ficar no canto, sabe como é?[...]” ( Graça, 57anos) “[...] Minhas noras e os filhos nem ligam para a mamãe, é como se nem existisse, sabe?[...]” ( Graça, 57anos) Os irmãos do Celso possuem um relacionamento distante com a mãe, segundo o cuidador, passam vários dias sem visitar a idosa, apenas telefonando para obter informações, não reservam um tempo para se aproximar da mãe que, conforme Celso, sente a falta de todos juntos, principalmente no horário das refeições. Para o cuidador, a mãe sofre com a constante ausência dos filhos: “[...] fico vendo meus irmãos, só fazem ligar e perguntar se a mamãe está bem e pronto, são incapazes de reservar um tempo para poder ficar um pouco com ela [...]” (Carlos, 43anos) 202 “[...] no outro dia estava tomando café com minha mãe e ela disse assim:”puxa vida, eu tive nove filhos e agora estou sozinha”, então eu disse para ela que eu estava ali e ela disse para mim: “não estou falando de você, mas sim dos outros”. Então como que eu vou dizer que ela não sofre?”( Carlos, 43anos) A Fernanda relata que seu irmão mais velho mora no mesmo bairro, onde mora com sua mãe, no entanto, este se mantém distante da idosa, nem sequer liga para saber notícias, como também a cunhada e netos. A cuidadora relata que quando passa de carro em frente a sua casa e vê a mãe na varanda, o irmão promete que irá lhe fazer uma visita e não faz. Segundo a cuidadora, o irmão só aparece dia de Natal e aniversário da mãe com presentes na mão, sem contudo, procurar saber do que a idosa precisa e nem mesmo se disponibilizar a atender e nem ajudar no processo do cuidado. Na visão da Fernanda, o irmão acha que presentes caros suprem sua ausência e as necessidades da mãe: “[...] Agora só um filho dela não é assim uma pessoa presente na vida dela, ele mora na outra rua e não vai vê a minha mãe [...] só vai em festa de natal e aniversário, chega com um presente bonito na mão e acha que tá tudo bem, nem se quer pergunta se ela precisa de alguma coisa, sabe? [choro]”( Fernanda, 32anos) Na família de Jéssica, o distanciamento de irmãos e sobrinhos em relação à idosa, acontece em épocas de festas e festejos familiares, quando as pessoas acham que, como a idosa não entende nada do que está acontecendo, a sua presença nos eventos de encontro familiar é dispensável. Fato que , segundo a cuidadora, a deixa indignada: “[...] quando a família se reúne na casa de um ou de outro, falo que vou levar a mamãe e eles me dizem que ela não tem que ir porque não entende nada, então o que vai fazer lá? Fico muito indignada quando chega estas épocas de festa de família, sabe? [...]” ( Jéssica, 46anos) A irmã de Augusta tem uma relação de agressividade com a mãe, em virtude de mágoas guardadas do passado, como já foi mencionado anteriormente. Assim, os maus-tratos 203 da irmã para com a idosa são frequentes, na visão da cuidadora a irmã sente a necessidade de extravasar toda sua raiva na mãe doente, como se quisesse dar o troco de uma relação de conflito anos atrás: “[...] essa minha irmã é muito agressiva com a mamãe, ela quer descontar nela os problemas que tiveram no passado [...] ela sente uma necessidade de maltratar a mamãe[...]”(Augusta, 50anos) Já na família da Izolda e Francisco, todos tratam o idoso sob cuidado com muito respeito. Filho, netos e sobrinhos do idoso têm uma relação de proximidade, em que todos interagem através de conversas, brincadeiras, toques e demonstração de carinho. Na visão dos cuidadores, que compartilham o cuidado do mesmo idoso, a boa relação familiar com o mesmo é bastante importante para o bem-estar do doente e uma grande ajuda para o processo do cuidado. “Todo tratam ele muito bem, respeitam, graças a Deus todos estão muito junto de nós, isso é muito bom, ele se sente bem melhor, quando eles vão lá. Eles brincam, conversam [...]” ( Izolda, 75anos) “Graças a Deus, o papai é muito respeitado por todos da família, todo gostam muito dele, conversam bastante, dão muito carinho [...] tenho uma sobrinha que se preocupa muito com o papai, ela gosta de ficar tocando nele e ele gosta muito, percebo que ele se sente muito bem quando recebe atenção de todos [...]” (Francisco, 51anos) A Gabriela relata que seu filho possui uma relação bastante próxima com sua mãe. A atenção que o neto tem é de fundamental importância para que a avó se sinta querida, na visão da cuidadora. Essa relação de proximidade entre neto-avó, fez com que este se transformasse em uma referência para a idosa, mantendo-a calma e colaborativa no dia-a-dia do processo do cuidado: “[...] meu filho gosta muito de dar atenção para minha mãe, ele é a referencia dela, quando ele conversa com ela, ela fica bastante calma e aceita tudo que agente faz nela [...] a primeira coisa que ele faz 204 quando chega é logo perguntar por ela, e ela responde logo dando risada, e fica toda contente [...]” ( Gabriela, 48anos) Almerinda e Rosângela relatam que seus filhos são extremamente atenciosos com os idosos sob cuidado. A proximidade dos filhos proporciona para os maridos momentos de alegria, que na visão das cuidadoras amenizam os problemas que fazem parte da doença: “Meus filhos dão bastante atenção para ele, se preocupam, conversam com ele; aí ele fica todo alegre, quando eles estão lá [...]”( Rosangela, 64anos) “[...] Graças a Deus, os filhos são bastante preocupados com ele, quando estão com ele é só alegria, isso faz com que diminua mais os problemas dessa doença, né! [...]” ( Almerinda, 78anos) Na família do Celso, a pessoa que dá bastante atenção para a idosa sob cuidado é uma neta que possui problema neurológico e mora também com a idosa. Segundo o cuidador, a sobrinha mantém uma relação de proteção com a avó, tratando-a como filha, estimulando-a a continuar fazendo algumas atividades do dia-a-dia, como se alimentar, pentear o cabelo, lavar as mãos, falar ao telefone, conversar, dentre outras. Na visão do cuidador, essa relação é extremamente positiva para o cuidado da idosa, pois a mantém sempre ativa: “[...] essa minha sobrinha tem uma relação de mãe para filha com a minha mãe, ela quer proteger a mamãe a todo custo [...] ela é quem manda a mamãe comer, pentear o cabelo, lavar as mãos antes das refeições [...] até o outro dia a mamãe não falava mais no telefone, hoje já fala porque ela estimulou a mamãe a falar, a conversar[..] isso é muito bom para a mamãe, ela ficou mais ativa, sabe? [...]”(Carlos, 43anos) 7.4 - Recursos financeiros Os recursos financeiros aparecem em duas entrevistas como um fator de certa influência no cuidado do idoso, em que o dinheiro da idosa parece ser o principal causador de 205 conflito familiar, entre irmãos. Já a insuficiência de recurso financeiro traz dificuldades na execução do processo do cuidado. A situação que emerge da entrevista da cuidadora Valdete é o não apoio dos irmãos no cuidado da mãe, por estes valorizarem em primeiro lugar o recurso financeiro que a idosa possui, sem contudo perceber a mãe, que requer cuidados específicos, bem como a aproximação e o carinho familiar, principalmente de filhos e netos. O desejo pelo dinheiro neste caso, segundo a cuidadora, causa desavenças familiares que já foram registradas em departamento policial e decisão judicial pela curatela da idosa. Brigas entre irmãos se tornaram frequentes nesta família, as agressões geram um clima pesado e desconfortável para essas pessoas que não conseguem se entender através do diálogo: “[...] elas só se interessam pelo dinheiro da mamãe e mais nada [...] Hoje a briga é porque querem reforma um casa que a mamãe não usa mais, e melhor deixa o dinheiro guardado para as necessidades dela, o medico, um táxi [...]para elas tirarem a mamãe daqui elas precisavam de uma autorização policial, porque eu tenho a curatela dada pela juíza [..] no outro dia nós caimo na porrada, ela só quer fazer o que quer, não escuta ninguém....”( Valdete, 58anos ) Já para a Alma, os poucos recursos financeiros terminam ocasionando dificuldades no cuidado da mãe, por não disponibilizar de dinheiro suficiente para adquirir recursos materiais e serviços que atendam as necessidades da idosa com Alzheimer: “É uma grande preocupação pra mim por que quando eu to correndo atrás de fralda, sabe, e às vezes eu não to com aquela importância que eu gostaria de comprar, então isso aí, minha cabeça vai, ás vezes eu digo: Meu Deus me livra. Porque não é fácil...” ( Alma, 53anos). Assim, a doença do idoso acarreta aumento das despesas e é um elemento que pode afetar a dinâmica familiar e o cuidado. É importante ressaltar que no restante das entrevistas não existiu uma focalização relacionada aos recursos financeiros, provavelmente pelo fato desses cuidadores possuírem 206 uma condição econômica familiar relativamente confortável, o que possivelmente não acarrete influncias significativas frente a alguma dificuldade no dia-a-dia do cuidado. 7.5 - Serviços de saúde A existência de um serviço de promoção da saúde da pessoa idosa aparece nas entrevistas como uma rede social de apoio ao cuidador, principalmente quando o serviço possui trabalhos de grupo com os familiares de idosos portadores de Demência de Alzheimer, no entanto alguns cuidadores, deste estudo, relatam que sentem falta de um serviço voltado para o atendimento do idoso portador de Demência de Alzheimer com uma equipe de profissionais que trabalhassem as necessidades individuais de cada idoso em condição de fragilidade. A exemplo disso, as falas da Margareth e da Fernanda demonstram o desejo grande de ter a oportunidade dos seus pais serem assistidos em um serviço com uma estrutura adequada às peculiaridades do portador de Alzheimer para favorecer retardo na evolução da sintomatologia da doença, bem como segurança ao cuidador familiar: “eu queria muito que aqui na cidade tivesse um serviço que atendesse meu pai no que ele precisa [pausa], queria que aqui tivesse um trabalho com profissionais capacitados no idoso com Alzheimer, essa doença que é tão complexa, exige um serviço preparado para trabalhar com o idoso [...]”( Margareth, 60anos) “[...]Então se tivesse um local em que realmente tivesse postos especializados em pessoas com Alzheimer seria algo mais fácil com pessoas especializadas, professores especializados também, porque muitos deles não sabem como lidar com a situação[...]” ( Fernanda, 32anos) 207 7.6 - Recursos de superação de dificuldades no processo de cuidado Os cuidadores vivenciam várias dificuldades frente ao processo do cuidado do seu familiar idoso que se encontra numa situação de dependência em virtude da DA. O enfrentamento focalizado no sentimento do amor, bem como o mergulhar no trabalho e no estudo; e as orações se configuram em recursos utilizados pelos familiares no cotidiano do cuidado. Os cuidadores relatam que o amor pela mãe, pelo cônjuge, pela irmã ou pela avó lhe dá forças para enfrentar a sobrecarga de trabalho, a agressividade da mãe, o ciúme do marido, a teimosia da irmã ou a agitação da avó que permeiam o processo do cuidado em seu cotidiano. Como são demonstrados nas falas: “... eu me sinto muito sobrecarregado com tudo... ela [mãe] me toma todo meu tempo...sempre sou eu, sempre sou eu [pausa] o que me faz agüentar isso, é o amor que eu sinto pela mamãe...” (Carlos, 43anos) “... ela [mãe] me bate, me arranha... é sempre na hora do banho que isto acontece e aí eu fico com muita raiva, mas lembro que ela é minha mãe, e que eu amo muito ela [pausa] isso me alivia ...” (Fernanda, 32anos) “Agora ele tem um ciúme horroroso de mim, tem dias que eu não agüento, é muito difícil [pausa], mas quando penso que ele é o amor da minha vida, aí eu melhoro...” (Almerinda, 78anos) “... nossa como ela [irmã] é teimosa, tem dia que ela está demais, é essa dificuldade... eu fico que não me agüento de raiva [pausa], mas paro e penso o quanto eu sinto amor por ela...” (Flora, 65anos) “... tem hora que ela [avó] estar muito inquieta, agitada, eu não consigo descansar nem um pouco, isso ,e deixa arrasada e furiosa [pausa]. Então me vem no pensamento o amor que sinto por ela, que é grande...” (Cíntia, 26anos) O estudo e o trabalho se constituem estratégias utilizadas pelas cuidadoras Margareth, Fernanda, Augusta e Alma para superar as dificuldades, e conforme as cuidadoras são 208 atividades que recarregam as forças em seu dia-a-dia, porque lhes trazem prazer ao fazer aquilo de que gostam: “... agora estou estudando... isso esta me ajudando a enfrentar melhor as coisas com ele [pai]...”(Margareth, 60anos) “... o que me ajuda também é o meu estudo e o meu trabalho porque eu gosto de estudar e trabalhar... daí quando eu chego em casa estou mais leve, porque agora consigo fazer isto [pausa] Graças a Deus meus irmãos me ajudam com a mamãe...” (Fernanda, 32anos) “Graças a Deus, que tenho meu trabalho e gosto muito do que faço [pausa], se não eu já iria mais aguentar porque é muito desgaste, né?... a mamãe cansa muito...” (Augusta, 50anos) “... me sinto bem com o meu trabalho, gosto de fazer o que faço... procuro trabalhar nos horários que ela [mãe] já estar mais quietinha...” (Alma, 53anos) A realização de orações é uma outra estratégia utilizada pela Rosângela, que a ajuda a suportar as alterações de comportamento que o seu marido vivencia em função da doença. As orações fazem parte do cotidiano dessa idosa que cuida do marido, segundo a mesma, esse momento de conversa com Deus proporciona-lhe a renovação da paz, que se encontra abalada diante do processo do cuidado: “... são as minhas orações que me ajudam a suportar essas mudanças no meu marido... Graças a Deus, que neste momento de conversar com o pai é que eu tenho novamente minha paz [pausa] todos os dias eu oro ao senhor...” (Rosangela, 64anos) A religiosidade aparece como um apoio para o cuidador, no sentido de buscar em Deus forças para conseguir superar os problemas vivenciados ao longo do cuidado, através da sensação de estar retribuindo aos pais por terem lhe dado à vida; o sacrifício de buscar a todo custo superar as dificuldades do dia-a-dia seria a demonstração de gratidão eterna e a mãe e o pai aparecem como representações “sagradas”: 209 “Mãe é coisa sagrada, só tem uma, se agente dá as coitas para nossa mãe estamos cometendo o maior pecado do mundo, foi ela que nos gerou. É uma divina santa, Ave Maria! ...” ( Carlos, 43anos) “[...] porque eu tenho certeza absoluta que eu to sendo abençoada, apesar de eu ta um pouco estressada mas, eu estou sendo abençoada porque a palavra de Deus diz: “Honra teu pai e tua mãe”. Então eu estou honrando a minha mãe, fazendo tudo o que eu posso eu to fazendo...”(Alma, 53anos) “Sempre eu vi nele um exemplo de vida, uma lição de vida, porque ele sempre foi meu mestre, depois de Jesus. Deus me fortalece no cuidado do meu pai, todo dia eu agradeço [...]” ( Francisco, 51anos) “Você tem que ter conhecimento do amor de Deus, ter o verdadeiro conhecimento, então isso pra gente é uma experiência de vida e que nós estamos sabendo superar com o amor de Deus... (Francisco, 51anos) A religiosidade esteve presente, por exemplo, na entrevista da dona Eliane; ela cuida de uma cunhada, que teria tido anteriormente várias atitudes que a prejudicaram. Na cristianização, segundo dona Eliane, ela encontrou a capacidade do perdão e o alívio do seu coração para o cuidado: “faço um trabalho de cristianização e isso me ensinou a ser paciente, comecei a vê-la de uma outra forma e a dedicar toda a minha atenção, meus cuidados para ela. Ela cometeu muitos erros anteriormente, principalmente comigo, mas hoje o perdão faz parte da minha vida, estou com o coração mais leve, agora sim eu consigo cuidar...” (Eliane, 66anos) A cuidadora acima é católica praticante, frequentando todos os finais de semana a igreja, fato este que contribui bastante para a aceitação do cuidado com a cunhada. A crença em um ser superior, a fé e a espiritualidade foram percebidas pelos cuidadores como estratégias muito eficazes no enfrentamento da sobrecarga decorrente do processo de cuidar, conforme as falas: “... só aquele pai pode me dar forças para agüentar tudo que estou agüentando...” (Almerinda, 78anos) 210 “... tem uma força superior que me ajuda a superar os encargos do dia-a-dia com a mamãe” (Carlos, 43anos) “A fé em Deus me ajuda a ter muita garra para ajudar meu papai, ele precisa muito de mim... mas não é fácil, não...” ( Francisco, 51anos) Observa-se que a religiosidade e a espiritualidade atuam como mediadores na percepção de ônus porque a fé e os preceitos religiosos proporcionam a capacidade de superar sentimentos negativos. A fé em Deus aparece também no sentido de barganha, em que o depósito de todo o seu pensamento na força divina irá proporcionar a estes cuidadores o alívio do sofrimento, através da esperança de que um dia tudo irá acabar, a sua crença é o suficiente para o reconhecimento por parte do poder divino. 211 Fatores geradores de crise na família * Relação estabelecida de indiferença, distanciamento e de agressividade dos familiares para com o idoso * Não apoio de familiares * Cobranças do cuidador para que os irmãos cuidem da forma como ele cuida. * Disputa pelos recursos financeiros do idoso sob cuidado Acentuação Repercussões na vida do cuidador * Sobrecarga Privações ( particular, social, profissional) Raiva, Impaciência, medo, solidão * Doação Felicidade, compaixão Recursos de Superação Amor Ocupação Religiosidade e Espiritualidade Figura 4: esquema da situação familiar, repercussões e recursos na vida do cuidador no cuidado 212 213 8 - DISCUSSÃO: O CUIDADOR, O IDOSO E O CUIDADO 8.1 - O cuidador e o idoso sob cuidado O conhecimento da situação econômica na qual os cuidadores deste estudo estão inseridos é importante para se compreender a contextualização familiar de cuidado ao idoso com a doença de Alzheimer. A renda familiar da maioria dos cuidadores deste estudo está acima de 6 salários mínimos, configurando uma condição financeira relativamente confortável, permitindo que alguns contem com a ajuda de empregadas domésticas. Os cuidadores deste estudo acumulam as funções de cuidador com as atividades profissionais, e de membros da família, como mãe, marido, irmãos e filhos porque desejam e necessitam sentir-se ativos profissionalmente, apesar da sobrecarga que sofrem pelo acúmulo de funções. A maioria dos cuidadores desta pesquisa é proveniente da zona urbana, sendo pessoas que desde cedo tiveram acesso mais fácil às escolas, principalmente aqueles que tiveram uma educação rígida por parte dos pais, que cobravam os estudos dos filhos na fase da infância e adolescência, preparando-os para um futuro de estabelecimento profissional e independência financeira. Assim, o nível de escolaridade dos entrevistados é alto, a maioria com nível médio e superior completos, situação que pode favorecer o cuidado prestado aos idosos, pelo acesso às informações. O estudo realizado por Arruda, Alvarez e Gonçalves (2008) também obteve achados semelhantes. Segundo Bini et al (2006), o grau de instrução interfere significativamente no processo de cuidar de idosos, principalmente nos casos de portadores de demência, os quais necessitam de cuidados especiais. Os cuidadores procedentes da zona rural relataram em suas histórias de vida uma valorização da família, pois foram criados com contato e proximidade muito grande com seus 214 irmãos e pais. Os irmãos mais velhos cuidavam dos mais novos e ajudavam os pais desde cedo no gerenciamento da casa e da família, responsabilidade esta que compõe a sua história de vida até os dias atuais. A migração para a cidade aconteceu devido à busca de estudo para os filhos, que na sua maioria hoje ocupa a posição de cuidador, e também em busca de uma nova opção de sustento, predominando o comércio, para a família. Associadas ao processo migratório, houve uma redução do tamanho da família e a criação de novas situações no seu interior, com a intensificação da presença da mulher na chefia dos núcleos familiares (MARTIN; CORDONI JÚNIOR; BASTOS, 2005). Assim, a mulher assume importante papel na sobrevivência e manutenção do núcleo familiar. O se tornar cuidador de um familiar idoso, na maioria das vezes, obedece às normas sociais de gênero, parentesco, idade, coabitação e disposição de tempo para o cuidado. Conforme Silveira, Caldas e Carneiro (2006), a construção de um cuidador familiar é embasada também nos relacionamentos influenciados pela história familiar e individual de seus componentes. Nesta pesquisa houve o predomínio das mulheres como cuidadoras, corroborando com a literatura internacional e nacional (ALVAREZ, 2001; ARRUDA; ALVAREZ; GONÇALVES, 2008; BAUM; PAGE, 1991; CALDAS, 2000; GUBERMAN et al., 1992; HINTON; LEVKOFF, 1999; KRAMER; KIPNIS, 1995; LUZARDO; GORINI; SILVA, 2006; ROSE et al., 1998; SANTOS; PELZER; RODRIGUES, 2007; PAVARINI et al., 2008; SOMMERHALDER, 2001). O que se pode pensar, é que as mulheres são preparadas desde cedo para assumirem o papel de cuidadoras do marido, dos filhos, dos netos, dos pais e dos doentes. Para as mulheres, o ato de cuidar é algo natural, quase que incorporado às demais funções relacionadas às atividades familiares e domésticas aprendidas naturalmente no convívio com mulheres de sua família ou de seu grupo sociocultural (KNIHS; FRANCO, 215 2005; SANTOS; DALGALARRONDO, 2001). A autodesignação para cuidar é um comportamento feminino prevalente em nossa cultura (GONÇALVES et al, 2006). Assim, para a mulher, o cuidar se constitui em mais um dos papéis assumidos na esfera doméstica, muitas vezes sendo passado de geração em geração, como um ritual (BRAZ, 2008). É digno de nota que os homens, ainda que em pequena quantidade nesta pesquisa, assumem também o papel de cuidadores de seus familiares idosos com a doença de Alzheimer, na condição de filhos (2) e neto (1). Perece que para o homem a responsabilidade pelo cuidado de seu familiar idoso se configura como uma experiência nova e com muitas dificuldades, apesar de um deles já ter tido uma experiência anterior com seu avô na adolescência. Na nossa cultura, o homem não é preparado para a tarefa do cuidar por ser uma responsabilidade eminentemente feminina, como foi visto. Com relação às faixas etárias, sete cuidadores, correspondendo a 37 %, possuem idade igual ou superior a 60 anos, configurando-se uma situação em que um idoso assumiu o papel de cuidador de outro idoso. Todas as cuidadoras desta faixa etária são mulheres e em sua maioria esposas. Pesquisa realizada por Oliveira e Reis (2004) com um grupo de cuidadores de idosos na cidade de Manaus apontou também um significado quantitativo de cuidadores familiares composto por idoso cuidando de outro idoso, em que o cônjuge menos lesado assume os cuidados do outro, acometido por doença incapacitante. Assim, o cuidador que se encontra na mesma faixa etária dos idosos sob cuidados tem a probabilidade de se tornar um indivíduo potencialmente fragilizado em decorrência da sobrecarga física e psicológica inerente ao cuidado do idoso com Demência de Alzheimer (GARCIA et al, 2005). As condições físicas e de saúde dos idosos que assumem o cuidado de idosos dependentes, participantes da pesquisa de Braz (2008), denotam que estes se encontram doentes ou potencialmente doentes. A presença de doenças como a hipertensão, cardiopatia e diabetes foram comuns entre estes cuidadores. 216 Conforme afirmou Salgado (2002) em seu estudo, a longevidade implica na existência de mais de uma geração de idosos em uma mesma família, e no futuro essas gerações serão compostas, principalmente, de mulheres velhas que, possivelmente, estejam cuidando de suas velhas mães. No estudo realizado por Arruda, Alvarez e Gonçalves (2008), apontou-se que a situação do cuidador idoso assumir a responsabilidade de um membro idoso e dependente é uma questão que merece atenção, devido ao adoecimento do próprio cuidador. A tarefa de cuidar do idoso dependente é desgastante e constitui fator de risco à saúde do próprio cuidador. Principalmente quando o cuidador é uma pessoa também idosa, pois além da responsabilidade pelo cuidado nas 24 horas diárias, ela enfrenta\ o seu próprio envelhecimento associado, na maioria das vezes, ao comprometimento físico e consequente diminuição da capacidade funcional. Segundo Diogo, Ceolim e Cintra (2005) estas questões desencadeiam situações de estresse e problemas de saúde nas cuidadoras idosas, bem como interferem no relacionamento conjugal das cuidadoras esposas, que convivem com o isolamento, a solidão e a sobrecarga de funções. Para Karsch (2006), cuidar de um idoso, em situação de dependência, diuturnamente e sem pausa, não é “tarefa para uma mulher sozinha, geralmente com mais de 50 anos, sem apoio nem serviços que possam atender às suas necessidades e sem uma política de proteção para o desempenho desse papel”(p. 863). Ao observar o grau de parentesco, é possível verificar que a maioria dos cuidadores é constituída por filhas, conforme os achados na literatura (ALVAREZ, 2001; SANTOS, 2003; SOMMERHALDER, 2001; SOMMERHALDER; NÉRI, 2002). As esposas aparecem em segundo lugar, assumindo a função de cuidadoras dos seus cônjuges. Neste estudo destaca-se a proximidade afetiva na relação entre pais e filhos e a relação conjugal. Conforme Karsch (2003), para as cuidadoras esposas, a responsabilidade do cuidado do marido está embutida no seu papel de mulher casada, a partir do compromisso assumido no momento do matrimônio. 217 Em seguida encontramos os netos criados pelos avós desde crianças, mantendo, desde então com estes uma relação de filiação. Filhos e netos veem-se com uma série de novas incumbências e responsabilidades que implicam sobreposição de papeis. Conforme o estudo de Cattani e Girardon-Perlini (2004), o neto do idoso sente-se como filho e assim, imbui-se também da obrigação filial. Em relação aos idosos sob cuidados deste estudo, sua grande maioria é composta pelo sexo feminino, corroborando com alguns estudos que apontam maior prevalência de demência entre as mulheres (LUZARDO; GORINI ; SILVA, 2006; BECIL, 2008), enquanto outros estudos apontam a prevalência entre os homens (GODOY et al, 1999; SILVA; DAMASCENO, 1999; CANINEU, 2001). A variedade de natureza dos estudos e da utilização da sua amostragem podem ser justificativas para tais diferenças de resultados. A faixa etária dos idosos com a doença de Alzheimer encontrada nesta pesquisa, teve maior concentração acima dos 75 anos de idade, doentes há pelo menos 8 meses, como mostra a literatura sobre a prevalência da doença com o avanço dos anos (VERAS, et al, 2007). O grau de escolaridade desses idosos é relativamente baixo, a maioria deles é semianalfabeta ou no máximo terminou o nível fundamental. Na literatura internacional e nacional verifica-se que existe uma correlação entre idade e escolaridade, uma vez que quanto maior a idade e menor o grau de escolaridade maior é a prevalência de desenvolvimento das síndromes demenciais (CANINEU, 2001; HAYFLICK, 1997; HERRERA; CARAMELLI; NITRINI, 1999; SAVONITTI, 2000; SILVA, 2001; WILSON et al, 2000). A grande maioria das idosas sob cuidados é viúva. Berquó (2004) sinaliza, em decorrência do resultado de um estudo, que os homens idosos buscam mais a união conjugal, seja ela a primeira, a segunda ou mais, do que as mulheres, que após a morte de seu cônjuge tendem a permanecer viúvas. 218 A maioria dos idosos deste estudo reside em domicílio multigeracional. Em virtude da necessidade de cuidados, muitos destes passaram a residir na casa dos filhos, que têm seus próprios filhos, corroborando o estudo de Santos (2003) e Sommerhalder (2001). 8.2 - O cuidado: história, repercussões, dificuldades e recursos de superação A construção do cuidado do idoso com a doença de Alzheimer é um processo de múltiplas faces e varia de acordo com a vivência sociocultural e as experiências pessoais que se refletem no contexto familiar (SANTOS, 2003). Assim, os acontecimentos pregressos na vida dos cuidadores deste estudo aparecem configurando o delineamento do cuidado atual do familiar idoso com a doença de Alzheimer. A rigidez dos pais na educação dos cuidadores deste estudo foi uma marca registrada nas histórias pregressas das suas vidas. Subentende-se que a cobrança dos pais fez destes filhos adultos compromissados e responsáveis para consigo mesmos e para com a sua família, principalmente no cumprimento do dever social para com seus pais. Para Caldas (2004, p. 41), “a maioria das sociedades valoriza a interação entre gerações como uma das bases da construção da cultura”. Silveira, Caldas e Carneiro (2006) mostram em seu estudo que nas interações entre as gerações os padrões se repetem, passando a fazer parte da história e do modo de vida de cada um de seus componentes. O autoritarismo e rigidez dos pais ao longo do processo educacional foram fatores determinantes para que os filhos participantes desta pesquisa assumissem com responsabilidade o cuidado dos mesmos em seu cotidiano. Esses cuidadores sabem que a doença que acometeu seu ente querido não tem cura e que no entanto a doação pelo cuidado destes idosos é de suma importância para o seu bemestar. Neste momento, para os cuidadores, o que importa é poder cuidar da melhor forma possível, em que o priorizado não é a cura, mas o cuidado como necessidade humana 219 essencial. Nesta perspectiva, merecem destaque nesse campo os estudos de Leininger (1985), que em um de seus principais pressupostos diz que: “não pode haver cura sem cuidado, mas pode haver cuidado mesmo sem ser para a cura” (p.265). Assim, os filhos investem em várias estratégias para retardar a evolução da doença de Alzheimer em seus pais, mostrando que a disciplina e a perseverança apreendidas ao longo do seu processo educacional fazem parte do seu cotidiano frente ao cuidar/cuidado. A maioria (70%) dos cuidadores relatou que tinha boas lembranças da convivência passada com o idoso, já outros tinham lembranças ruins porque os idosos foram pessoas de relacionamento difícil, intolerantes e autoritárias. A história de relacionamento entre o idoso e o cuidador foi descrita como um elemento de grande importância frente ao bem-estar subjetivo no dia-a-dia do cuidado. Idosos que estabeleceram bons relacionamentos, proporcionaram sentimentos positivos aos cuidadores, já os que tiveram relações conflitantes tendiam a proporcionar sentimentos negativos. O estudo realizado por Peter-Davis, Moss e Pruchno (1999) mostra a importância das histórias de relações afetivas e do tipo de relacionamento entre cuidador e idoso para os sentimentos que se estabelecem no processo do cuidado. Goldani (2004) acrescenta que, na medida em que pais e filhos buscam o bem comum, não há dúvida de que os laços de obrigação, lealdade e confiança se fortalecem. No processo do cuidar, os cuidadores experienciaram sentimentos positivos se contrapondo a sentimentos negativos. Este resultado confirma-se com as informações que o estudo de Kramer (1997) traz, em que o cuidar não é uma experiência homogênia, os cuidadores podem experimentar sentimentos positivos e negativos concomitantes. Segundo Silveira, Caldas e Carneiro (2006), cuidar de um idoso familiar com demência suscita sentimentos diversos e opostos em um curto espaço de tempo, como amor e raiva, carinho, tristeza, irritação, desânimo, pena, revolta, insegurança, medo entre outros. 220 No momento do diagnóstico, a sensação de alívio, choque e inconformismo aparecem configurando essa diversidade de sentimentos e reações vivenciadas pelos cuidadores desta pesquisa desde então. O alívio se configura diante do desfecho de um caminho percorrido de várias incertezas, em que o idoso foi avaliado por diversos profissionais ao longo de meses, sem contudo obter respostas concretas diante do que o idoso tinha e quando finalmente o diagnóstico se efetiva há uma rápida sensação de leveza, que é imediatamente substituída por uma sensação de choque mediante o prognóstico da doença. As perspectivas diante da evolução da doença geram uma situação de inconformismo vivenciada pelo cuidador. Coelho e Diniz (2005) identificaram também em seu estudo que familiares dos idosos reagem de maneiras diversas diante do diagnóstico de demência. Lawton et al (1992) testaram uma hipótese de canal paralelo em um grupo de cuidadores, na qual os aspectos positivos e negativos relacionados ao processo do cuidar de idosos poderiam coexistir independentemente e/ou simultaneamente. Assim, conforme Néri e Carvalho (2002), no cuidar misturam-se motivações e afetos fazendo emergir conflitos e ambivalências, não sendo uma situação linear vivenciada sempre da mesma forma. Os sentimentos frente ao processo do cuidado aparecem, neste estudo, relacionados ao senso de realização, a sentimentos de felicidade, amor, satisfação, retribuição, a dar exemplo de solidariedade aos filhos e, de força, senso de responsabilidade social pela satisfação em cumprir o seu papel enquanto filho, responsabilidade pelo cuidado, bem como o sentimento de cumprir o dever de cristã. A literatura traz diversos sentimentos positivos frente à tarefa do cuidado, como o de gratidão, de prazer, de alegria, melhora no senso de realização, o de dar continuidade à tradição familiar, sentir-se bem com a qualidade do cuidado oferecido (BRAITHWAITE, 1996; KRAMER, 1997; SOMMERHALDER; NÉRI, 2002; STEPHENS; 221 FRANKS; TOWNSEND, 1994). Noonam e Tennstedt (1997) demonstram que o significado positivo na tarefa de cuidar aumenta o bem-estar psicológico do cuidador. Nesta pesquisa, a maioria dos filhos que cuidam dos pais referem estar retribuindo o cuidado recebido por estes, ao longo da sua vida, fato que lhes traz sentimento de satisfação por tal oportunidade. A família compreende que prestar cuidado ao idoso é sua obrigação, uma vez que em momentos anteriores da vida o idoso estava na posição de cuidador. Assim, agora ocorre a inversão de papeis entre gerações como uma forma de retribuir a dedicação de tempo e cuidado. Em seu estudo Alvarez (2001) também observa que as famílias que cuidam de seu familiar idoso identificam isso como o cumprimento do dever moral. Conforme Sommerhalder (2001), para os cuidadores, o senso de reciprocidade e a possibilidade de retribuição estavam relacionados ao senso de crescimento pessoal e ao senso de autorealização, trazendo-lhes o aumento do significado da vida, prazer e satisfação própria. Néri e Carvalho (2002) apontaram pesquisas nas quais os cuidadores afirmaram que a atividade de cuidar traz para eles o senso de utilidade, significação existencial, pessoal e de reciprocidade sendo, portanto, vista como algo positivo. A obrigação moral de cuidar, o sentimento de solidariedade, o amor e a motivação para retribuir experiências gratificantes de cuidado se fazem presentes na situação de cuidado deste estudo, corroborando com os achados apontados no estudo de (PERRACINI; NERI, 2001). Pesquisa realizada por Albert (1991) apontou que os cuidadores que veem o cuidar como dever de reciprocidade tendem a identificar seus familiares idosos como doentes e em declínio biológico. Dessa forma, o cuidado para os cuidadores é visto como uma forma de retorno do cuidado recebido pelos pais ao longo da sua vida, constituindo-se em um fator determinante para o comprometimento do cuidado, no presente ou em um futuro próximo (MAZZA; LEFÈVRE, 2005). 222 A obrigação de cuidar do idoso doente em função do cumprimento do papel social enquanto filho (a),neto (a) e esposa pode ser um dos fatores estressantes que o cuidador vivencia no processo de cuidado. Uma vez que no estudo de Meira, Gonçalves e Xavier (2007), o estresse significa pressão, em que o cumprimento do dever social exerce uma pressão no cuidador frente à perspectiva de cuidado do familiar idoso. Pode-se dizer que os cuidadores deste estudo vivenciam situações de estresse pela pressão do estado de constante vigília, atenção e preocupação para com o idoso, gerando momentos difícíceis em suas vidas. Para Teixeira (1998), a situação de estresse ocasionada pelo cuidar, que pode ter uma variabilidade de intensidade no mesmo cuidador ao longo do tempo, também pode produzir prazer e conforto quando o mesmo se envolve em suas tarefas e consegue perceber resultados positivos, independentemente da exigência dos esforços físicos e psíquicos do dia-a-dia do cuidado. Neste estudo os resultados positivos aparecem ligados à oportunidade de retribuir o cuidado que receberam, já mencionado anteriormente, como acontece com os filhos e netos dos idosos doentes. Vieira (2004) enfatiza que, mesmo que o ato de cuidar se torne prazeroso, a situação gera ansiedade e angústia, pois coloca em segundo plano os interesses e necessidades de quem cuida, o que compromete a qualidade do cuidado oferecido. Os efeitos negativos relacionados à tarefa do cuidar estavam associados a ressentimento, tristeza, impaciência, cansaço, pesar pela condição do idoso, sobrecarga por acúmulo de funções, falta de privacidade e problemas familiares gerados pelas dificuldades de aceitação em relação à doença do idoso. Esses resultados corroboram com os estudos da literatura nacional e internacional (SILVA, 1995; ARANDA; KNIGHT, 1997; MENDES, 1998; CLYBURN et al, 2000; SOMMERHALDER; NÉRI, 2002; KASCH, 2004). Yates, Tennstedt e Chang (1999) definem a sobrecarga como sentimentos do cuidador em relação ao nível de energia despendida, à satisfação com a qualidade do cuidado e à 223 suficiência do tempo de que dispõe para as tarefas e para si. A sobrecarga de tarefas impostas ao cuidador deste estudo gera impossibilidade do mesmo participar de relações sociais, contribuindo com a pesquisa realizada por Nardi e Oliveira (2008) com cuidadores familiares de idosos dependentes no município de Jandaia do Sul no estado do Paraná. Os efeitos negativos da sobrecarga a que os cuidadores deste estudo estão expostos não podem ser ignorados, mas também não se pode negar que a experiência do cuidado também traz crescimento pessoal para filhos, netos e cunhada. Perracini e Néri (2006) trazem que o julgamento que os cuidadores trazem das tarefas de cuidar é afetado por fatores pessoais, pelo grau de parentesco com o idoso e sua personalidade, bem como pelos valores e crenças do cuidador. A sobrecarga devido à função de cuidador único e no tempo prolongado de cuidados, a imposição da função de cuidador na família, o acúmulo de fatores estressantes e o comportamento adverso do idoso sob cuidado, no estudo de Meira, Gonçalves e Xavier (2007), são os fatores potenciais de violência familiar. Entre as idosas cuidadoras de seus maridos, pôde-se perceber que as alterações provocadas pelo processo demencial são interpretadas e sentidas como “perdas”. Em seus relatos, era possível identificar “uma procura por aquela pessoa que não estava mais ali”; como fala Leibing (1999), é como se a pessoa tivesse perdido a sua verdadeira essência. Para essas cuidadoras, com um longo período de tempo de convívio, é muito difícil enfrentar o fato de que o seu companheiro está se perdendo cada vez mais, sem perspectiva de retorno. Santos (2003) encontrou resultados muito parecidos em pesquisa realizada com os cuidadores e familiares de indivíduos com demência. A autora enfatiza que, à medida que o cuidador recorda a maneira como o idoso era, traduz isso em uma forma de elaborar as perdas. Assim, há uma dificuldade dos cuidadores deste estudo em aceitar o familiar doente em virtude de os primeiros sinais e sintomas da doença serem cognitivos e que, conforme 224 Resende et al (2008), o que se costuma visualizar é um corpo, muitas vezes, com uma aparência saudável. Assim, o dia-a-dia com o idoso doente proporciona várias sensações ao cuidador, carregadas de tensão e dilemas. A perda da paciência se faz presente no cotidiano do cuidado pelo cuidador, em virtude das limitações, da repetição de erros e agressividade do idoso doente. Nestas situações, pôde-se constatar que foi comum os cuidadores, deste estudo, referirem ficar com raiva ou até vontade de agredir o idoso doente, mas logo em seguida estes cuidadores foram tomados por um forte sentimento de culpa em virtude de perceber que não deveriam ter perdido a paciência com seu ente tão querido. Estes sentimentos que permeiam o cuidador no dia-a-dia do cuidado também foram encontrados na pesquisa de (SANTOS, 2003). A frustração foi uma constante nos discursos das idosas, que exercem o papel de cuidadora de seu marido, uma vez que a doença do parceiro fez com que os projetos de vida, almejados por ambos para a velhice, se tornassem irrealizáveis. Dessa forma, essas idosas perceberam que perderam o companheiro com o qual compartilhavam suas vidas, o que proporcionou sentimentos de solidão e perda em seu dia-a-dia. O medo foi um sentimento bastante expresso pelas cuidadoras filhas e esposas dos idosos com DA. O medo de ficar doente também, da dependência total do idoso e da evolução da doença se fizeram presentes nos discursos das cuidadoras. Segundo Santana (2003), a situação de cuidar do idoso com demência pode provocar o sentimento de compaixão, o medo da morte e da dependência por parte do cuidador, o que torna a situação do mesmo mais delicada frente ao cotidiano do cuidado. A progressiva dependência do idoso sob cuidado causa tensão e sofrimento ao cuidador deste estudo, a sensação de impotência diante da situação do idoso é uma realidade vivenciada no dia-a-dia do processo do cuidar, o que vem fortalecer o estudo realizado pelos autores Sá et al (2006), que objetivou identificar as necessidades dos cuidadores de idosos 225 com demência na cidade de Niterói no estado do Rio de Janeiro. A não aceitação da evolução da doença traz também aos cuidadores, deste estudo, uma sensação de desânimo, Resende et al (2008) corroboram quando trazem, em sua pesquisa, que a evolução da doença, sem perspectiva de melhora, é uma das mais significativas dificuldades vivenciadas pelas cuidadoras familiares de idosos com Alzheimer. A compaixão é um sentimento que aparece também neste estudo, em que o cuidador sofre pelo sofrimento do idoso doente. Resende et al (2008) em seu estudo também identificam que dentre os sentimentos envolvidos no processo de cuidar, aquele que mais aflige as cuidadoras é o de ver o sofrimento e a tristeza do idoso sob cuidado. Como foi dito, a solidão foi uma marca registrada no momento atual de cuidado expressa nos depoimentos das esposas cuidadoras de seus maridos, principalmente daquelas que vivenciaram um casamento repleto de companheirismo e amor. Essas idosas se sentem sozinhas diante da situação imposta pela Doença de Alzheimer em seu marido. Sentimento este que também foi encontrado no estudo de Braz (2008) com cuidadores senescentes de idosos dependentes. Para Liger (1994), a solidão é o sentimento de ser cortado dos outros. As cuidadoras idosas deste estudo se sentem cortadas da vida dos seus companheiros, em função da instalação da perda da memória ou a iminência desta inerente à Doença de Alzheimer. Barreto (1992, p.32), consegue explicar melhor a vivência de solidão dessas cuidadoras quando diz que: [...] o sentimento de solidão geralmente ocorre quando se procura companhia de alguém e não se acha, quando as palavras não encontram um ouvido para escutá-las e se deterioram, quando a dor, a saudade, a mágoa tornam-se muito pesadas por falta de um ombro amigo, e a alegria não se atualiza em um rir junto [...]. Assim pode-se dizer que a solidão é um estado emocional marcado pela carência de relacionamentos afetivos importantes e calorosos (VARGAS, 1997). Relacionamentos estes 226 construídos ao longo da história matrimonial das cuidadoras idosas que cuidam de seus maridos deste estudo, e que em função da doença foram interrompidos pela alteração da memória. No que diz respeito às dificuldades vivenciadas pelos cuidadores deste estudo, estavam relacionadas a de lidar com distúrbios cognitivos, com comportamentos alterados, com as dificuldades de interação social, bem como com as dificuldades de comunicação dos portadores. Cuidar do idoso com demência em casa apresenta vários desafios relacionados ao declínio progressivo na cognição e no comportamento de interação social (NERI; CARVALHO, 2002). O convívio diário com os esquecimentos do marido é uma das maiores dificuldades relatadas pelas idosas cuidadoras desta pesquisa. Estas não aceitam a perda da memória em relação ao seu casamento. Na pesquisa realizada por Sommerhalder (2001), as informantes também julgaram como atividades mais difíceis as que estavam mais relacionadas a lidar com os distúrbios cognitivos. As maiores dificuldades relatadas pelos cuidadores desta pesquisa estão relacionadas também ao excesso de responsabilidade, à falta de tempo para o lazer, à família e aos amigos; bem como à falta de apoio de familiares. As pesquisas de Kramer (1997), Peter-Davis, Moss e Puchno (1999) detectam que a falta de tempo e a privação social são fatores que afetam a vida particular dos cuidadores, que deixam de cuidar de si para cuidar somente do idoso. Assim, segundo Vieira (2004), o cuidador se frustra por não conseguir colocar em prática seus próprios projetos de vida em detrimento do cuidado que deve ser dado ao idoso, podendo acabar em agressividade ou indiferença com o mesmo. A dificuldade também relatada pelos cuidadores, desta vez do sexo masculino, no diaa-dia do cuidado, foi a de lidar com a invasão de pudor da idosa sob cuidado durante o banho. Enquanto, aquelas relatadas pelas cuidadoras do sexo feminino foram relacionadas à sobrecarga de peso na transferência e locomoção do idoso. Perracini (1994) apontou que as 227 tarefas mais difíceis relatadas por cuidadores familiares eram as que se relacionavam à prestação de cuidados pessoais, que o cuidador geralmente realizava sozinho. Os estudos de Perracini e Néri (2006), Alvarez (2001) e Santos (2003) também apontaram tais achados. No entanto, este estudo se contrapõe ao estudo internacional realizado por Argimon et al (2004), que concluíram que em cuidadores do sexo masculino a estrutura emocional é muito menos afetada, de modo significativo e que nestes cuidadores apenas a capacidade física se encontra significativamente prejudicada. Em estudos realizados por Souza, Wegner e Gorini (2007) e Westphal et al (2005) mostram que a sobrecarga pode levar a distúrbios emocionais, como depressão e estresse e a problemas físicos, alterando a qualidade de vida de quem cuida. Os cuidadores deste estudo mostraram que, o processo de cuidar do idoso acometido pela DA envolve principalmente os cuidados relacionados à supervisão, uma vez que esse idoso não consegue mais identificar situações de risco e perigo. Isso implica que o cuidador necessita dispensar atenção constante ao idoso, o que faz com que ele acompanhe todas as dificuldades e perdas de habilidades que o portador de DA vai apresentando. Isso gera ao cuidador um desgaste físico e emocional, principalmente devido ao fato de perceber seu familiar em condição de dependência provocada pela demência. Perracini e Néri (2006) entendem que o acompanhamento e a supervisão rotineira demandam envolvimento pessoal do cuidador e dedicação em tempo integral, tornando o processo de cuidar desgastante. Segundo Santos (2003), parece que o mais estressante para o cuidador é a supervisão em tempo integral que o portador requer. O estresse e a sobrecarga do cuidador familiar são os principais motivos de institucionalização dos idosos e não o avanço da doença (NERI, 1993; MEDEIROS, 1998). A dedicação de toda a energia do cuidador ao familiar doente gera estresse que pode atingir 228 níveis excessivos. Assim, os cuidadores acabam se tornando vítimas da doença, conforme mostram em estudos (MEDEIROS, 1998; KARSH, 2003). A condição de dependência do idoso que recebe o cuidado, a restrição do tempo para si próprio em função do cuidado e a sobrecarga de trabalho são alguns dos fatores que podem ser estressantes para o cuidador (CUPERTINO; ALDWIN; OLIVEIRA, 2006; MEIRA; GONÇALVES; XAVIER, 2007). Apesar de estudos identificarem o impacto negativo do estresse do cuidador, existe também a possibilidade de que cuidadores percebam benefícios ao cuidar de seus familiares idosos, protegendo-se assim dos efeitos negativos do estresse na saúde (NERI; SOMMERHALDER, 2001). A religiosidade é uma proteção contra o estresse de que os cuidadores deste estudo lançam mão, principalmente entre os mais velhos. Cupertino, Aldwin e Oliveira (2006), Sommerhalder (2001) e Sommerhalder e Néri (2002) apontaram em seus estudos que a religiosidade é um fator mediador no processo de cuidar, enquanto fonte de significação para a vida, de obtenção de recursos sociais e enfrentamento do estresse. Dessa forma, os dados deste estudo foram controversos aos estudos de Ljungquist e Sundstrom (1996) e Strawbridage et al (1997), que sugerem que a religiosidade tem um maior efeito protetor na relação de estresse e saúde para indivíduos de baixo extrato socioeconômico. De um modo geral, o grupo de cuidadores deste estudo possui um nível socioeconômico relativamente confortável. Conforme mencionado, à medida que a demência evolui, o idoso se torna cada vez mais dependente de cuidados e, com isso, cada vez mais o cuidador passa a fazer pelo portador. Assim, o processo de cuidar torna-se mais complexo e as atividades práticas do cuidado passam a consumir quase todo o tempo do cuidador. Neste estudo verificou-se que, o tempo dispensado ao cuidado está relacionado com a rede de suporte que o cuidado pode contar. Aqueles que possuem apoio de familiares como maridos, filhos e irmãos ou até 229 mesmo de ajuda de uma empregada doméstica têm condições de conciliar a responsabilidade de cuidador com outras funções, principalmente a profissional. Esses achados corroboram com a pesquisa de Perracini e Néri (2001), em que apontaram o equilíbrio no uso do tempo para o desenvolvimento dos cuidados prestados diretamente relacionado à rede de apoio com o qual os cuidadores podiam contar. Pôde-se perceber que, os cuidadores deste estudo que conseguem implementar outras atividades de interesse pessoal, parece possuírem uma melhor qualidade de vida. Resende et al (2008, p.27) dizem que: “Ter tempo para si evita perceber a tarefa de cuidar apenas como sobrecarga”. As cuidadoras que tinham um apoio de seus maridos frente ao cuidado se sentiam acolhidas em seus momentos de dificuldades. O compartilhamento de sentimentos, emoções e tomadas de decisões parece amenizarem a sobrecarga sentida pelas cuidadoras deste estudo, bem como ajudam na renovação de forças para continuar a empreitada do processo de cuidado. A família aparece como uma fonte de apoio instrumental e emocional, ajuda vinda dos maridos, filhos, alguns irmãos e netos; confirmando o estudo realizado por Resende et al (2008) com cuidadoras de idosos com Alzheimer. Resende (2006) afirma que, a literatura vem abordando a família como a principal fonte de apoio ao longo da vida; à medida que as pessoas vão transitando da vida adulta para a velhice fica cada vez mais clara a importância da rede próxima de relações sociais, atuando no apoio compensatório diante das dificuldades associadas ao envelhecimento. Os familiares que dão apoio aos cuidadores contribuem para o fortalecimento do uso de estratégias para o enfrentamento da situação de cuidado e doença do idoso (Néri, 2005). Esta pesquisa mostra que, as estruturas de suporte social provenientes da rede formalizada de saúde composta pelos serviços se mostram frágeis, revelando a inexistências 230 de serviços preparados para atender, com peculiaridade, o idoso com a Doença de Alzheimer, e consequentemente os familiares responsáveis pelos cuidados, na cidade de Manaus. Tais resultados possuem uma certa similaridade com a pesquisa de Nardi e Oliveira (2008) realizada no município de Jandaia do Sul no estado do Paraná. Santos (2003) fez uma revisão dos estudos brasileiros realizados com cuidadores familiares de idosos, não somente demenciados, e verificou que em todos eles os cuidadores familiares se ressentiam pela falta de uma rede de suporte mais efetiva nas áreas de saúde e social, e carecem de treinamentos e orientações específicas para a realização dos cuidados no âmbito domiciliar. A ausência de um serviço especializado na atenção à saúde do idoso com o diagnóstico de Demência de Alzheimer e que faça parte da rede social de apoio aos seus familiares se configura em uma dificuldade significativa para os cuidadores deste estudo, principalmente para aqueles que não têm condições de ter acesso aos serviços do setor privado, ainda que estes funcionem de uma forma focalizada na figura do médico geriatra ou neurologista. A maior falta sentida pelos cuidadores deste estudo é a existência de apoio de um serviço com atuação de equipe interdisciplinar com capacitação e habilidade em atuar com pessoas idosas com a doença e seus familiares. Esta é uma preocupação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), que preconiza a atenção integral e integrada ao idoso, com uma abordagem global, interdisciplinar e multidimensional, com o estabelecimento de dois eixos norteadores para a integralidade das ações: o enfrentamento de fragilidade dos idosos, família e sistema de saúde e a promoção da saúde e da integração social, em todos os níveis de atenção (BRASIL, 1999). Segundo a PNSPI, a atenção integrada e integralizada à saúde do idoso deverá ser estruturada nos moldes de uma linha de cuidado com o foco nos direitos, necessidades, preferências e habilidades do usuário; e deverá concretizar-se o estabelecimento de fluxos 231 bidirecionais de modo a aumentar e facilitar o acesso a todos os níveis de atenção e provimento de infra-estrutura física adequada, insumos e profissionais qualificados (BRASIL,1999). Este estudo mostra que a Política voltada para a pessoa idosa ainda não está efetivada de uma forma que atenda as necessidades dessa população satisfatoriamente no estado do Amazonas. Realidade exaltada por um grupo de familiares que representa a camada de um extrato social favorável, o que nos faz refletir sobre a realidade vivenciada pelos familiares que não têm condições socioeconômicas tão favoráveis. Conforme Resende et al (2008) o fato de ter uma boa condição financeira, por si só não determina que o cuidado seja realizado com qualidade, com segurança e apoio emocional. Neste estudo, uma boa parte dos cuidadores se sentem sozinhos no processo do cuidar, pois não recebem o apoio de seus familiares, principalmente de irmãos. Valasquez et al (1998) abordaram que assumir os cuidados de idosos se caracteriza como fruto de uma escolha ou de uma forma de delegação a uma única pessoa da família, a partir do que ela se entrega completamente e de forma definitiva a tal responsabilidade, ao mesmo tempo em que os demais ficam de fora. O familiar que se encarrega sozinho do cuidado, quando não se sente apoiado pelos demais familiares, manifesta frequentemente um desconforto e sentimento de solidão (ARRUDA; ALVAREZ; GONÇALVES, 2008). Os cuidadores, aqui estudados, sozinhos no processo do cuidado almejam contar com a ajuda e a solidariedade dos demais membros da família e quando essa ajuda não se concretiza dentro das expectativas do cuidador, este passa a sentir-se em desvantagem em relação aos demais familiares, percebendo dessa forma o cuidado como oneroso e sentindo-se tolhido em suas necessidades, mesmo que reconheça o quanto que é prazeroso e gratificante poder cuidar de seu ente querido. O estudo de Santos (2003) também verificou tais dados. Por 232 se sentirem prejudicados, estes cuidadores fazem cobranças de ajuda aos seus familiares, causando assim uma relação conflitante na interação com os irmãos, primos e cunhadas. Pôde-se perceber que em determinada família os conflitos entre seus membros eram tão intensos que as possibilidades de divisão do cuidado com os idosos não tinham condições de se concretizar pelas dificuldades de diálogo entre eles. Esta falta de apoio familiar, a relação estabelecida de indiferença, distanciamento e de agressividade dos familiares para com o idoso doente, bem como a disputa pelos recursos financeiros do idoso sob cuidado são fatores geradores de crise no contexto familiar dos cuidadores deste estudo após o surgimento da doença. Esta crise parece afetar diretamente a qualidade do cuidado ao idoso, uma vez que possivelmente desestabiliza a saúde do cuidador. Os achados sugerem que a doença causa um mal estar familiar, que se traduz em sofrimentos diversos, e a sua instalação requer uma reestruturação e uma modificação dos papéis de seu grupo familiar. Conforme Alvarez (2001), a D.A. pode gerar desagregação das relações pessoais e familiares, sendo assim considerada uma doença familiar e social. Assim, a D.A. é vista pelos cuidadores deste estudo como uma doença que precisa ser abraçada pela família em prol do cuidado ao idoso acometido, doença que tira as forças, como uma doença da escuridão e do esquecimento, como uma doença cruel que transforma comportamentos e personalidades,. Segundo Leifer (2003), as alterações da personalidade são frequentes nos indivíduos com doença de Alzheimer, na demonstração de emoções tendem a se tornar passivos ou agressivos e menos espontâneos. Os cuidadores da pesquisa relacionam o surgimento da doença em seus familiares a vivências de sofrimento ao longo da sua vida, ocasionada pela infidelidade do marido, morte de filhos e cônjuge, bem como a dificuldades financeiras. Uma outra causa que aparece neste estudo é a saída dos filhos de casa em função de casamento, traduzindo-se como uma perda da ocupação diária relacionada aos cuidados dos mesmos. Esses achados sugerem que estes 233 idosos foram expostos a fatores de riscos para o desenvolvimento de depressão ao longo das suas vidas. No imaginário dos cuidadores deste estudo, os idosos dependentes são vistos como pessoas dignas de pena, desprotegidas e sofridas, em função de se encontrarem tomadas pela doença que transformou suas vidas, tornado-as eternamente dependente dos cuidados de outros. A doença parece ter dado um rumo para estas pessoas bem diferentes daquele que a sua família e o próprio idoso previam. No estudo de Herskovits e Mitteness (1994) verificouse que à medida em que a doença progride, as perdas cognitivas aumentam e o indivíduo cada vez mais vai se tornando dependente. Tal fato proporciona a estigmatização da doença, principalmente porque os sintomas e invalidez se contrapõem à essência de valores culturais, tais como autonomia e produtividade. Já em outras famílias de cuidadores a relação para com seus familiares doentes se configura como proximidade, atenção, carinho e proteção, mostrando a valorização do respeito para com o idoso. Para estas famílias o fato do idoso estar doente não faz com que a sua essência enquanto ser significativo e importante no seio familiar se perca. Esta relação familiar parece proporcionar ao cuidador um incentivo de superação a cada dia das dificuldades inerentes ao processo do cuidado. Os recursos de enfrentamento das dificuldades vivenciadas no processo do cuidado, relatados pelos cuidadores, estavam relacionados ao amor, a cuidar com resignação e sobretudo com fé. A maioria dos cuidadores demonstrou que a religiosidade e a espiritualidade tinham um importante papel na aceitação e na ressignificação da tarefa de cuidar. Esses dados corroboram com os encontrados nos estudos (WONG, 1998; LAZARUS, 1999; FRANKL, 1999; SOMMERHALDER; NERI, 2002; RESENDE et al, 2008). A religião predominante entre os cuidadores é a católica. Muitos dos cuidadores deste estudo já tiveram desde criança a religiosidade do catolicismo presente em seus pais, na 234 frequência às missas nos finais de semana na companhia, principalmente, das suas mães. Parece que a crença a uma única religião durante toda a sua história contribui para a importância da religiosidade na vida desses cuidadores frente ao processo de cuidado. Como já foi visto, a religião atua como um recurso no enfrentamento de situações estressantes, podendo oferecer recursos para a compreensão e aceitação das dificuldades da vida (SOMMERHALDER; GOLSTEIN, 2006). 235 9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização deste estudo sobre a compreensão das diferentes dimensões da situação de cuidado familiar na perspectiva de cuidadores de idosos com a doença de Alzheimer, à luz das suas histórias de vida, nos permite refletir sobre os diversos resultados até aqui discutidos. Primeiro gostariamos de tecer algumas considerações em relação aos procedimentos adotados neste caminhar e posteriormente apontar alguns aspectos que poderão contribuir para serviços relacionados ao atendimento na área gerontólogica. A modalidade de entrevista adotada baseada na história de vida temática foi um instrumento satisfatório para a obtenção dos dados aqui almejados. As histórias dos participantes desse estudo possuem uma preciosidade de riquezas acerca da trajetória de cuidado familiar ao idoso com a doença de Alzheimer, trajetória essa compreendida nas diversas realidades vivenciadas por cada cuidador. O processo de ouvir cada história nos permitiu o estabelecimento de um processo interativo para com esses cuidadores, buscando compreender a diversidade de significados, crenças e valores que compõem as experiências vividas. As histórias possuem particularidades delineadas em cenários bem peculiares ao modo de ser do cuidador e de conviver com a sua família, sendo que cada história nos ajudou a ter um olhar da construção das relações ao longo dos anos. Focar atenção nas perspectivas desses cuidadores só foi possível mediante a escuta que nos permitiu mergulhar nas nuances das suas vivências. A construção deste estudo permitiu ainda a interação da interface da enfermagem e da psicologia. Nela, tivemos a oportunidade de realizar uma reflexão acerca do conhecimento pré-estabelecido advindo do tecnicismo padronizado que permeia no geral as áreas da biomedicina, que se reflete na pouca valorização da percepção das inúmeras possibilidades de existir do ser inserido em diversos contextos. Hoje esta aproximação permitiu perceber o 236 cuidador familiar como um ser dotado de uma multidimensionalidade de sentimentos, atitudes, comportamentos e reações que o constituem diante da situação de cuidado familiar do idoso com Alzheimer. A aplicação e a reflexão desse tipo de entrevista permitem ao pesquisador detectar o tipo de relacionamento estabelecido entre o cuidador e o doente. Isso ocorre porque se expõem as condições de parentesco e também o tipo de relacionamento anterior à doença. Vejamos: filho (a) cuidador com história de proximidade com a mãe (ou pai) e filho (a) cuidador de idoso com história anterior de frieza, distância e autoritarismo; esposa cuidadora de idoso com uma história de vida de cumplicidade e esposa cuidadora com história anterior de traição e distanciamento afetivo; nora cuidadora com relação passada de desafeto; e irmã responsável pelo cuidado de idosa, que antes da doença cuidou dela e sempre a apoiou. Tais dados levam à reflexão de que a contextualização de cada caso é resultante de uma trama anterior dessas vidas e seu desenvolvimento no tempo. A partir do conhecimento dessa realidade é que o profissional da saúde, principalmente o enfermeiro, pode particularizar o atendimento de acordo com cada situação. Um dado muito importante trazer neste momento, é que os cuidadores participantes deste estudo compõem um grupo bem peculiar, pelo nível socioeconômico e de escolaridade médio para alto. Isso nos remete a perceber que, mesmo se encontrando nesta situação relativamente confortável, são pessoas que vivenciam uma série de dificuldades e problemas na situação de cuidado de seu familiar idoso doente. Um exemplo disso, é que a própria suficiência de recursos financeiros em uma dada situação é geradora de conflitos entre os membros da família. Refletir sobre este dado nos faz pensar na sugestão de que os profissionais da saúde não tenham um pensamento pré-concebido das situações em que o cuidado familiar do idoso com doença de Alzheimer se encontra, sem ter o conhecimento aprofundado de cada realidade. 237 Conhecer as sensações vivenciadas pelos entrevistados, frente ao recebimento do diagnóstico da doença de Alzheimer em seu familiar, faz-nos compreender que esse é um momento que requer dos profissionais um olhar atento para as reações dos familiares frente a uma doença incurável e que mudará definitivamente sua dinâmica familiar. Os resultados mostram que sempre há uma mudança de papeis em relação à situação anterior de convivência e relacionamento entre cuidador e idoso e que a forma como se dará a configuração da nova condição de cuidado, será marcada pela história anterior das relações entre ambos. Em grande parte das vezes nesse momento configura-se uma inversão de papeis, em que os idosos acometidos pela doença passam progressivamente de cuidadores para seres que necessitam de cuidados dos outros, e que aquele que assumi tal responsabilidade não se sente plenamente preparado, já que foi uma situação imposta por circunstâncias, o que proporciona uma reação de inconformismo nestes familiares. Assim é importante que estes profissionais considerem que no momento em que os familiares recebem a notícia da doença, há um abalo emocional significativo. Toda e qualquer informação acerca da doença e do idoso precisa de ser retomada posteriormente e por várias vezes de uma forma sistematizada para que a família consiga processar lentamente cada conhecimento. Sabe-se que a doença de Alzheimer possui uma evolução progressiva que leva o indivíduo às incapacidades e consequentemente à condição de dependência. Assistir ao declínio funcional e cognitivo do familiar idoso traz para os cuidadores deste estudo um pesar por se sentirem impotentes diante das alterações inerentes ao processo demencial, mesmo com a realização de diversos investimentos para prevenir tal progressão. Este estado de sofrimento se configura em tristeza e desânimo, podendo levar o cuidador a um quadro de depressão. É imprescindível que os profissionais fiquem atentos ao aparecimento destes sintomas nos cuidadores familiares de idosos com demência para que possam realizar as intervenções 238 necessárias. A aplicação de instrumentos para avaliar depressão nos cuidadores de idosos podem ajudar no diagnóstico do nível de depressão. Uma outra questão importante de ressaltar é que estes cuidadores familiares precisam de um grande apoio emocional, mas não somente disto, eles demonstram sentir necessidade de informações acerca da doença, por isso investem na busca ativa pelas mesmas. Isto nos faz pensar na importância de maior valorização na utilização do Manual sobre a doença de Alzheimer pelos profissionais, buscando enfocar as perspectivas de progressão da mesma, bem como todas as informações necessárias para que os familiares entendam o que se passa com o idoso acometido pela doença. O fornecimento de informações corretas de uma maneira explicativa e sistematizada constitui uma contribuição para as formas de enfretamento a que estes familiares podem recorrer. Diante da inexistência de estudo que conseguisse fechar definitivamente as causas do surgimento da doença de Alzheimer em seus familiares, os entrevistados relacionam tal doença aos fatores causadores de sofrimento que os idosos vivenciaram em seu passado, principalmente ocasionados por perdas não plenamente superadas, deixando-os susceptíveis à doença. Por ter sido um dado que demonstrou ser bem significativo para estes cuidadores, sugere-se que sejam realizadas pesquisas que busquem relação entre vivências de perdas e a doença de Alzheimer. No imaginário dos cuidadores deste estudo, a doença de Alzheimer tem uma conotação de fraqueza, crueldade e incertezas, gerando um olhar do familiar doente como desprotegido, sofrido e que desperta pena. Estes dados nos remetem a pensar que a situação de proximidade para com a doença causa situações geradoras de dificuldades de enfretamento para os cuidadores. Assim, entende-se que a família do idoso doente não deve ser considerada somente como uma unidade de cuidado, mas também como uma unidade a ser cuidada. 239 No que se refere ao cotidiano do cuidado, os cuidadores familiares mostraram passar por várias situações com as quais ainda não sabem lidar. A condução solitária de tarefas relacionadas às Atividades da Vida Diária (AVDs) são as que mais geram sobrecarga aos entrevistados, associadas às suas privações particulares, sociais e profissionais. Investigar e compreender como esses cuidadores vivenciam estas experiências poderá ajudar os profissionais da saúde a planejar estratégias de orientação e apoio aos familiares, enfatizando a importância do fortalecimento das relações sociais e das formas de enfrentamento, diante das situações constrangedoras geradas pela criação maternal de valorização do auto cuidado ao longo das suas vidas. Os resultados também mostram que os cuidadores deste estudo vivenciam momentos de impaciência, gerados pela dificuldade de conduzir e gerenciar uma dada situação em tempo hábil no contexto do cuidado, que logo se transformam em sentimentos de culpa. Estes familiares comumente não têm condições de potencializar seus próprios mecanismos protetores de combate à exaustão. Estes cuidadores, ao se referirem constantemente à necessidade de “paciência”, expressam a dificuldade de manter o auto controle no processo do cuidado. A solicitação e a cobrança dos profissionais para serem pacientes em seu dia-a-dia causam uma reação de revolta. É preciso que estes profissionais percebam as necessidades de ajuda sinalizadas pelos cuidadores, sem contudo rotular um padrão de comportamento e reação que estes devam seguir. A pesquisa mostra que esse grupo de cuidadores se encontra em um contexto de cuidado vivenciando intensa pressão, que exige uma sobrecarga emocional pelas circunstâncias de responsabilidade assumida. É preciso que os profissionais, sobretudo enfermeiro no exercício das suas funções, busquem estabelecer uma relação de proximidade com os cuidadores familiares dos idosos com demência, sabendo ouvi-los e juntos pensarem 240 em alternativas de planejamento de cuidado, de acordo com as especificidades, deixando de lado as cobranças mediante orientações impositivas. É importante salientar que neste estudo, a situação de cuidado vivenciada pelos cuidadores é permeada por sentimentos que se contrapõem, em determinados momentos se configurando como desagradáveis e em outros momentos como agradáveis. Tal dualidade nos remete a perceber que aqui o cuidador é um ser que vivencia diversos tipos de reações, frente à situação de cuidado do seu ente querido e que nem sempre são totalmente ruins. Diante de inúmeras dificuldades inerentes ao dia-a-dia de execução das tarefas, há também sentimentos que lhes trazem satisfação e que precisam de ser considerados e valorizados em suas várias dimensões, apesar da situação de cuidado requerer um grande dispêndio de energia que muitas vezes se torna bastante cansativo. Sendo assim, percebe-se que é possível e relevante os profissionais da saúde identificarem esses aspectos favorecedores de prazer na relação de cuidado, buscando exaltá-los perante os outros. Dessa forma, a possibilidade de enfrentar da melhor forma os percalços deve ser considerada uma realidade eminentemente presente no cotidiano de cuidado. Nesta perspectiva, é preciso desconstruir o conceito de que a situação de cuidado do familiar idoso com a doença de Alzheimer só traz danos, sem chances de reversão. É necessário que o imutável daquilo que acreditamos ser, enquanto profissionais da saúde, se exclua das nossas atitudes para que possamos observar as perdas como favorecedores de renovação e reelaboração da forma de ver o mundo e os outros, para que diante de uma nova realidade, muitas vezes, não desejável, a valorização das estratégias de enfrentamento que o cuidador possui seja bem mais significativa. No que se refere à rede familiar como fonte de apoio e relações, os resultados nos mostram que os familiares deste estudo sentem uma grande necessidade de acolhimento pela sua família, no sentido de serem ouvidos e respeitados em seus pensamentos, comportamentos 241 e emoções para que se sintam fortalecidos diante das dificuldades que o cuidado lhes impõe. Conhecer a funcionalidade da rede familiar do cuidador nos ajuda a entender o contexto de cuidado em que o idoso doente está inserido, bem como identificar os fatores que proporcionam o surgimento de situações de estresse. A aplicação de escalas para avaliação do nível de estresse vivenciado pelos cuidadores familiares de idosos poderá ajudar os profissionais da saúde a planejarem estratégias mais viáveis de intervenção. Diante das várias dimensões acerca do cuidado, trazidas neste estudo, reconhecemos a importância da efetivação de uma rede de suporte social formalizada, com um atendimento em diversas instâncias para esses cuidadores familiares de idosos com a doença de Alzheimer, bem como a necessidade dos serviços de saúde estarem preparados para lidar não somente com o idoso, mas também com a sua família desde o momento do diagnóstico. Pensamos que é essencial a construção de intervenções terapêuticas sensíveis às características específicas de cada família. Terapêutica esta que precisa de ser conduzida por uma equipe interdisciplinar capacitada, composta: por enfermeiro, psicólogo, médico, assistente social, dentre outros, e que permita ao cuidador adaptar-se melhor à realidade do cuidado do seu familiar idoso em processo demencial, situação cada vez mais imprevisível, buscando agir adequadamente sobre ela e resolvendo os problemas que esta lhe coloca. Por acreditarmos serem essas algumas das possíveis leituras do material em questão, cuja riqueza e densidade jamais conseguiríamos esgotar, esperamos que novas reflexões se realizem no contexto brasileiro e mais iniciativas possam ser desenvolvidas através de investigações das diversas dimensões da família cuidando do idoso com Alzheimer. 242 243 REFERÊNCIAS ABREU, I. D.; FORLENZA, O. V.; BARROS, H. L. Demência de Alzheimer: correlação entre memória e autonomia. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 131136, 2005. ALBERT, S. M. Cognition of caregiving tasks: multidimensional scaling of the caregiver task domain. The gerontologist, v. 31, n. 6, 1991. ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: FGV, 1990. ALMBERG, B.; GRAFSTROM, M.; WENBLAD, B. Caring for a demented elderly person: burden and burnout among caregivining relatives. Journal of Advanced Nursing, Oxford, v. 25, n. , p. 109-116, 1997. ALVAREZ, A. M. Tendo que cuidar: a vivencia do idoso e de sua família no processo de cuidar e ser cuidado em contexto familiar. Florianópolis: UFSC, 2001. ALVES, Z. M. M. B.; SILVA, M. H. G. F. D. Análise qualitativa de dados de entrevista: uma proposta. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 2, n.1 , p. 10-14, fev./jul. 1992. ANDRÉ, M. O qualitativo e o quantitativo: oposição ou convergência? In: REUNIÃO ANUAL DE PSICOLOGIA, 18., 1988, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: SPRP, 1988. p. 18 ANDREOLI, T. E. et al. Cecil medicina interna básica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. ARANDA, M. P.; KNIGHT, B. The influence of ethnicity and culture on the caregiver stress and coping process: a sociocultural review and analysis. The Gerontologist, v. 37, n. 3, p. 514, 1997. ARGIMON, J. M. et al. Health-related quality of life in carers of patients with dementia. Family Practice, Cidade, v. 21, n. 4, p. 454-457, Aug. 2004. ARRUDA, M. C.; ALVAREZ, A. M.; GONÇALVES, L. H. T. O familiar cuidador de portador de doença de Alzheimer participante de um grupo de ajuda mútua. Ciência, Cuidado e Saúde, v. 7, n. 3, p. 339-345, jul./set. 2008. 244 AYÉNDZ, M. S. El apoyo social informal. In: ANZOLA PÉREZ, E. et al (Org.). La atención de las ancianos: un desafio para los años noventa. Washington, DC: Organización Panamericana de la Salud, 1994. p. 31-42 BARRETO, M. L. Admirável mundo velho: velhice, fantasia e realidade social. São Paulo: Ática, 1992. BARROSO, M. J. L. R. O desafio do envelhecimento no Nordeste. A Terceira Idade, v. 1, n. 1, p. 14-18, set. 1988. BAUM, M.; PAGE, M. Caregiving and multigenerational familias. The gerontologist, v. 31, n. 6, p. 762-769, 1991. BAZTAN, A. A. Etnografia: metodologia cualitativa en la investigacion sociocultural. Barcelona: Boixareu Universitária/Marcombo, 1995. BEAUVOIR, S. A. Old age: a realidade incômoda. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BECIL, D. C. R. Saúde do idoso: perfil dos portadores de demência de Alzheimer nos Centros de Atendimento Integral a Melhor Idade em Manaus. 2008, 77f. Monografia de Graduação, Ecola de Enfermagem da Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2008. BECKER, H. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1994. BERKMAN, L. F.; SYME, S. L. Social networks, host resistance, and mortality: a mini-year follow-up study of Alameda County residents. American Journal of Epidemiololy, Cidade, v. 109, n. 2, p. 101-106,,1999. BERQUÓ, E. Considerações sobre o envelhecimento da população no Brasil. In: NERI, A. L.; DEBERT, G. G. (Orgs). Velhice e sociedade. 2. ed. Campinas: Papirus, 2004. p. 11-40. BERTOLLUCCI, P. H. F. et al. Proposta de padronização do Mini-exame do Estado Mental (MEEM): estudo piloto cooperativo (FMUSP/ EPM). Arq. Neuropsiquiatria. V. 52, n. 225, p. 1-7, 1994. BIASOLI-ALVES, Z. M.; DIAS DA SILVA, M. H. G. F. Análise qualitativa de dados de entrevista: uma proposta. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 1, n. 2, p.61-69, 1992. 245 BIASOLI-ALVES, Z. M. M. Família- socialização- desenvolvimento. 1995. 132 f. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1995. BINI, R. et al. A intervenção fisioterapêutica aos cuidadores de paciente portadores da doença de Alzheimer. 2006. Disponível em: http://www.socialgest.pt/_dlds/apcuidadoresde doentesdealzheimer.pdf, Acesso em: 18 abr. 2009. BIRMAN, J. Futuro de todos nós: temporalidade, memória e terceira idade na psicanálise. In: VERAS, R. (Org). Terceira idade: um envelhecimento digno para o cidadão do futuro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/UnATI/UERJ, 1995.p. 29-48 BOEHS, A. E.; PATRICIO, R. M. O que é este “cuidar/cuidado”?- uma abordagem inicial. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 111-116, abr, 1990. BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano- Compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 2000. BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3a edição, São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BOTTINO, C. M. C.; LACKS, J.; BLAY, S. L. Demência e transtornos cognitivos em idosos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. BRAITHWAITE, V. Between stressors and multigeracional familiaes. The Gerontologist, v. 36, n. 1, p. 42-53, 1996. BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução n.196/96. Disponível em: < http://www.conselho.saude.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.395/99. Política Nacional de Saúde do Idoso. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1999. BRAZ, E. Entre o visível e o invisível: as representações sociais no cotidiano do senescente cuidador de idosos dependentes. 2008. 158f. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. BRIOSHI, L. R.; TRIGO, M. H. B. Relatos de vida em Ciências sociais: considerações metodológicas. Ciências e Cultura, v. 39, n. 7, p. 631-637, 1987. BROOKMAYER, R.; GRAY, S.; KAWAS, C. Projections of Alzheimer’s disease in the United States of delaying disease onset. American Journal of Public Health, Washington, DC, v. 88, n.1 ?, p.121-125, 1998. 246 BURGER, R. E. Quem cuida das pessoas idosas? In: BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p.673-685. CALDANA, R. H. L. Ser criança no início do século: alguns relatos e suas lições. São Carlos, 1998. 188 f. Tese Doutorado- Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. 1998. CALDAS, C. P. Envelhecimento com dependência: responsabilidades e demandas da família. Caderno de saúde pública, v. 19, n. 3, Rio de Janeiro, p. 733-781, 2003. CALDAS, C. P. O sentido do ser cuidador de uma pessoa idosa que vivencia um processo de demência. 2000. 141f. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Ana Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. CALDAS, C. P. Os idosos em processo de demência: o impacto na família. In: MINAYO, M. C. S.; COIMBRA, C. E. A. (Org). Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2002. p. 203-211 CALDAS, C. P. Cuidado familiar: a importância da família na atenção à saúde do idoso. In: SALDANHA, A. L.; CALDAS, C. P. Saúde do idoso: a arte de cuidar. São Paulo: Interciência, 2004. p. 41-47 CALDEIRA, A. P. S.; RIBEIRO, R. C. H. M. O enfrentamento do cuidador do idoso com Alzheimer. Arquivos de Ciências da Saúde, São José do Rio Preto, v. 11, n. 2, p.100-104, abr.-jun. 2004. CAMARGO, A. Os usos da história oral e da história de vida: trabalhando com elites políticas. Revista Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 27, n. 1, p.5-28, 1984. CANEVACCI, M. Dialética da família. Tradução Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1982. CANINEU, P. R. Prevalência de demências na população de pacientes idosos (> 60 anos) internados no Serviço da Saúde “Dr. Cândido Ferreira”da Prefeitura Municipal de Campinas. 2001. 112 f. Tese (Doutorado em Gerontologia) - Faculdade de Educação Estadual de Campinas, Campinas, 2001. CARAMELLI, P.; BARBOSA, M. T. Como diagnosticar as quatro causas mais freqüentes de demência? Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v.24 , n.1 , p. 7-10, 2002. CARLETTI, S. M.; REJANI, M. I. Atenção domiciliária ao paciente idoso. In: PAPALEO NETO, M. Gerontologia. São Paulo: Atheneu, p. 101-118, 1996. 247 CATTANI, R. B.; GIRARDON-PERLINI, N. M. O. Cuidar do idoso doente no domicílio na voz de cuidadores familiares. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 6, n. 2, 2004. Disponível em: http://www.fen.ufg.br, Acesso em: 28 mar. 2009. CLAVEIROLE, A.; MITCHELL, R.; WHITE, D. Family nursing network: Scothish innetiative to support family care. British Journal of Nursing, London, v.10, n. 17, p. ?-?, 2001. CLYBURN, L. D. et al. Predicting caregiver burden abd depression in Alzheimer’s disease. Journal of Gerontology: Social Sciences, v. 55, n. 1, p. 2-13, 2000. COELHO, V. L. D.; DINIZ, G. R. S. Da solidão à solidariedade: grupos de familiares de idoso com demência. In: FERES-CARNEIRO, T. Família e casal: efeitos da contemporaneidade. Rio de Janeiro: Editora da Pontifícia Universidade Católica, 2005. CORRÊA, A. C. O. Envelhecimento, depressão e doença de Alzheimer. Belo Horizonte: Health, 1996. COSTA, E. F. A.; PORTO, C. C.; SOARES, A. T. Envelhecimento populacional brasileiro e o aprendizado de geriatria e gerontologia. Revista da UFG, Goiania, v. 5, n. 2, p.705-715, dez. 2003. CREUTZBERG, M.; SANTOS, B. R. L. Família cuidadora de pessoa idosa: relação com instituições sociais e de saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasilia, v. 56, v. 6, p.651-654, 2003. CRUZ, V. T. et al. Sintomas iniciais de demência de Alzheimer: a percepção dos familiares. Acta Médica Portuguesa, v. 17, n. 1, p. 437-444, 2004. CUPERTINO, A. P. F. B.; ALDWIN, C. M. OLIVEIRA, B. H. D. Moderadores dos efeitos do estresse na saúde auto-percebida de cuidadores. Interação em Psicologia, Curitiba, v. 10, n. 1, p. 9-18, jan.-jun. 2006. DIAS JÚNIOR, C. S.; COSTA, C. S.; LACERDA, M. A. O envelhecimento da população brasileira: uma análise de conteúdo das páginas da REBEP. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, 2006. Disponível em: http://unati.uerj.br/. Acesso em : 10 março de 2008 DIOGO, M. J. D.; CEOLIM, M. F.; CINTRA, F. A. Orientações para idosas que cuidam de idosos no domicílio: relato de experiência. Revista de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 97-102, 2005. 248 DOURADO, M. C. Há menos de mim hoje do que havia ontem: demência e subjetividade. 2000. 121 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2000. DUARTE, C. M. R. Reflexos das políticas de saúde sobre as tendências da mortalidade infantil no Brasil: revisão da literatura sobre a última década. Caderno de saúde pública, v. 23, n. 7, Rio de Janeiro, p. 1511-1528, Jul, 2007. ENGELHARDT, E. et al. Idosos institucionalizados: rastreamento cognitivo. Revista Psiquiátrica Clínica, São Paulo, v. 25, n. 1, p.10-20, 1998. ELSEN, I. Marcos e para a prática de enfermagem com famílias. Florianópolis: UFSC, 1994. ELSEN, I. Cuidado familiar: uma proposta inicial de sistematização conceitual. In: ELSEN, I; MARCON, S.S.; SANTOS, M. R. O conviver em família e sua interface com a saúde e a doença, Maringa: eduem, 2002, p. 11-24. FERRE, S. H.; KLUGER, A. Assessing cognitive function in Alzheimer disease research. Alzheimer Disease Associated Disorders, Hagerstown, v. 11, supl.4 , p. 1-9, sep. 1997. FIRRIGNO, J. C. Uma visão histórica de família e velhice. A Terceira Idade, São Paulo, v. 4, n. 4, p. 36-42, jul. 1991. FORLENZA, O. V. Tratamento farmacológico da doença de Alzheimer. Revista Psiquiátrica Clínica, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 137-148, 2005. FORLENZA, O. V.; CARAMELLI, P. Neuropsiquiatria geriátrica. São Paulo: Atheneu, 2000. FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 10. ed. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 1999. (Coleção Logoterapia). FREITAS, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. GALLICCI NETO, J.; TAMELINI, M. G.; FORLENZA, O. V. Diagnóstico diferencial das demências. Revista de Psiquaitria Clínica, v. 32, n. 3, p. 119-130, 2005. GARCIA, M. A. A. et al. Idosos e cuidadores fragilizados? O Mundo da Saúde, v. 29, n. 4, p.645-652, 2005. 249 GARRIDO, R.; MENEZES, P. R. Brazil is aging: good and bad news from an epidemiological perspective. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 24, sepl 1, p. 3-6, 2002. GARRIDO, R.; MENEZES, P. R. Impacto em cuidadores de idosos com demência atendidos em um serviço psicogeriático. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 38, n. 6, p.20-29, 2004. GODOY, M. R. et al. Perfil epidemiológico das demências em uma população ambulatorial de um hospital geral. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 5-10, nov. 1999. Suplemento 1, GOLDANI, A. M. Relações intergeracionais e reconstrução do estado de bem-estar: por que se deve repensar essa relação para o Brasil? In: CAMARANO, A. A. (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: Ipea, 2004. p. 137-166. GOLDMAN, J. S. et al. When sporadic disease in not sporadic: the potential for genetic etiology. Archives of Neurology, v. 61, n. 2, p. 213-216, 2004. GOLDFARB, D. C. Auto-estima e dignidade. Comunicação com o cuidador. Revista Brasileira de Alzheimer, , v. 1, n. 0, p.3-3, 1996. GONÇALVES, L. H. T. ; ALVAREZ, A. M. ; SANTOS, S. M. A. Os cuidadores leigos de pessoas idosas. In: DUARTE, Y. A. O.; DIOGO, M. Y. D. E. Atendimento domiciliar: um enfoque gerontológico. São Paulo: Atheneu, p. 173-178, 2000. GONÇALVES, L. H. T. et al. O significado do envelhecimento e saúde para o idoso em seu contexto familiar e social- cultural. Revista Ciências da Saúde, Florianópolis, v. 7/8, n. 1/2, p. 71-85, 1989. GONÇALVES, L. H. T. et al. Perfil da família cuidadora de idosos doentes/fragilizados no contexto sociocultural de Florianópolis, Santa Catarina. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 15, n. 4, p. 570-577, out./dez. 2006. GONÇALVES, L. H. T.; SANTOS, L. L. C.; SILVA, Y. F. E. S. Ser ou estar saudável na velhice. Texto Contexto Enfermegam, v. 1, n. 2, p.100-113, 1992. GORDILHO, A. et al. Desafios a serem enfrentados no terceiro milênio pelo setor na atenção ao idoso. Rio de Janeiro: UnATI, 2000. GUBERMAN, N. et al. Women as family caregivers: why do they care? The Gerontologist, Cidade, v. 32, n. 5, p. 607-617, 1992. 250 GUTERMAN, J.; LEVOVITZ, E. C. Impacto da doença de Alzheimer na família: a visão do familiar às propostas de assistência psicológica. Informação Psiquiátrica, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 33-36, 1998. HAYFLICK, L. Como e por que envelhecemos. Rio de Janeiro: Campus, 1997. HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Parte I, Petrópolis, Vozes, 2001. HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. HERRERA, E. J.; CARAMELLI, P.; NITRINI, R. Estudo epidemiológico populacional de demências na cidade de Catanduvas Estado de São Paulo- Brasil. Arquivos de NeuroPsiquiatria, v. 57, n.1, p. 106-108, nov. 1999. Suplemento 1, HERSKOVITS, E.; MITTENESS, L. Transgression and sickness in old age. Journal of Aging Studies, Cidade, n. 8, p. 327-340, 1994. HILLMAN, J. A força do caráter. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. HINTON, W. L.; LEVKOFF, S. Constructing Alzheimer’s: narratives of lost identities, confusion and lonelines in old age. Culture, Medicine and Psychiatry, Cidade, v. 23, n. 4, p.453-475, Dec. 1999. IBGE, Censo 2007. Disponível em: <http://www1.ibge.gov.br/censo> Acesso em: 10 de Dezembro 2008. KALACHE, A. Future prospects for geriatric medicine in developing countries. In: TALLIS, R. C.; FILLIT, H. M.; BLOCKLEHURST, J. C. (Eds.). Blocklehurst´s textbook of geriatric medicine and gerontology. 5th ed. London: Churchill Livingstone, 1998. p. 1513-1520. KALACHE, A.; VERAS, R. P.; RAMOS, L. R. The ageing of the world's population: a new challenge. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 211-224, 1987. KARSCH, U. M. Idosos dependentes familiares e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública, Cidade, v. 19, n. 3, p. 861-866, maio-jun. 2003. KARSCH, U. M. Idosos dependentes: familiares e cuidadores. In: KARSCH, U. M. (Org.). Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. Rio de Janeiro: Guanabara, 2006. p. 67-74. KARSCH, U. M. Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. São Paulo: EDUC, 2004. 251 KEMP, N. M. et al. Diagnosing dementia in primary care: the accuracy of informant reports. Alzheimer Disease Associated Disorders, Hagerstown, v. 16, n. 1, p. 1007-1012, 2002. KERTMAN, O. F. Responsabilidade social e envelhecimento. A Terceira Idade, Cidade, v. 16, n.1 , p. 22-39, 2005. KNIHS, N. S.; FRANCO, S. C. A família vivenciando o cuidado do paciente neurocirúrgico: necessidades e expectativa frente a esse cuidado. Ciência, Cuidado e saúde, v. 4, n.2, Maio/Ago, p. 139-148, 2005. KRAMER, B. J.; KIPNIS, S. Eldercare and work-role conflit: toward and understanding of gender differences in caregiver burden. The Gerontologist, v. 35, n. 3, p.218-232, 1995. KRAMER, B. J. Gain in the caregiving experience: where are we? What next? The Gerontologist, v. 37, n. 2, p. 218-232, 1997. JORN, A. F. The epidemiology of Alzheimer disease and related disorders. London: Chapman and Hall, 1990. LANDES, A. M. et al. Apathy in Alzheimer’s disease. Journal of American Geriatric, v. 49, n. 12, p.1700-1707, 2001 LAZARUS, R. S. Hope: an emotion and a vital coping resource against despair. Social Research, New York, v. 66, n. 2, p. 653-678, jun. 1999. LAWTON, M. P. et al. The dynamics of caregiving for a demented Elder amonng black and White families. Journal of Gerontology: Social Sciences, v. 43, n. 1, p.179-186, 1992. LEIBING, A. A antropologia de uma doença orgânica: doença de Alzheimer e fatores culturais. Cadernos de IPUB, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 154-157, 1999. LEIFER, B. P. Early diagnosis of Alzheimer’s disease: clinical and economic benefits. Journal of Geriatrics Society, v. 51, n. 55, p.281-288, 2003. LEININGER, M. M. A relevant nursing theorie: transcultural care diversity and universality. In: I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, 1., 1985, Florianópolis. Anais… Florianópolis: Editora?, 1985. p.72-73. LEININGER, M. Culture care diversity and university: a theory of nursing. New York: National League for Nursing, 1991. 252 LEMOS, N. D.; GAZZOLA, J. M.; RAMOS, L. R. Cuidando do paciente com Alzheimer: o impacto da doença no cuidador. Saúde e Sociedade, São Paulo v. 15, n. 3, p. 135-145, 2006. LEVY, J. A.; MENDONÇA, L. I. Envelhecimento cerebral. Demencia. In: THOMAZ, E. C. F.; PAPALEO, M. N. Geriatria: fundamentos, clínicos e terapêutica. São Paulo: Atheneu, 2000. p. 167-178 LEVCOVITZ, E. C. Morte do corpo e morte do eu: a interdição da morte na doença de Alzheimer. 1999, 159f. Dissertação de Mestrado em Psicanálise, IPUB, Rio de Janeiro, 1999. LIGER, J. M. et al. Psicologia do envelhecimento: assistência aos idosos. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. LIJUNGQUIST, B.; SUNDSTROM, G. Health and social networks as predictors of survival in old age. Scandinavian Journal of Social Medicine, n. 24, p. 90-101, 1996. LIMA, P. M. R. A arte de envelhecer: um estudo sobre a história de vida e envelhecimento. 2008, 112f. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 2008. LOPES, A. Os desafios da gerontologia no Brasil. Campinas: Alínea, 2000. LOPES, M. A.; BOTTINO, C. M. C. Prevalência de demência em diversas regiões do mundo: análise dos estudos epidemiológicos de 1994 a 2000. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 60, n. 1, p. 61-69, 2002. LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. LUO, Y. Ginkgo biloba neuroprotection: therapeutic implications in Alzheimer’s disease. Journal Alzheimer’s Disease, v. 3, n. 4, p. 401-407, 2001. LUZARDO, A. R.; GORINI, M. I. P. C.; SILVA, A. P. S. Características de idosos com Demência de Alzheimer e seus cuidadores: uma série de casos em um serviço de neurogeriatria. Texto e Contexto: Enfermagem, Florianópolis, v. 15, n. 4, p.587-594, out.dez. 2006. LUZARDO, A. R.; WALDMAN, B. F. Atenção ao familiar cuidador do idoso com demência de Alzheimer. Revista Acta Scientiarum, v. 26, n. 1, p. 170-179, jan.-jun. 2004. 253 MACHADO, J. C. B. Demências reversíveis. In: FORLENZA, O. V.; CAMARELLI, P. Neuropsiquiatria geriátrica. São Paulo: Atheneu, 2000. MACHADO, J. C. B. Doença de Alzheimer. In: FREITAS, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 260-279 MAIA, L. C.; DURANTE, A. M. G.; RAMOS, L. R. Prevalence of mental disorders in an urban area in Brazil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 38, n. 5, p. 650-656, 2004. MALLOY-DINIZ, L. F.; CARVALHO, A. M. O exame neuropsicológico e suas contribuições à psiquiatria. Psiquiatria Biológica, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 66-77, 2001. MARTIN, G. B.; CORDONI JUNIOR, L.; BASTOS, Y. G. L. Aspectos demográficos do processo de envelhecimento populacional em cidade do sul do Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 14, n. 3, 2005. Disponível em: http://189.28.128.100/portal/arquivos/pdf/2artigo_apectos_demograficos. Acesso em: 1 out. 2009. MAZZA, M. M. P. R.; LEFÈVRE F. Cuidar em família: análise da representação social da relação do cuidador familiar com o idoso. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 01-10, 2005. MCKHANN, G. et al. Clinical diagnosis of Alzheimer’s disease: report of the NINCDSADRDA Work Group under the auspices of Department of Heath and Human Services Task Force on Alzheimer’s disease. Neurology, Cidade, v. 34, n. 7, p. 939-944, 1984. MEDEIROS, M. M. C. Impacto da doen;ca e qualidade de vida dos cuidadores primários de pacientes com artrite reumatoide: adaptação cultural e validação do Caregiver Burden Scale. 1998, 231j. Tese de doutorado, universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 1998. MEIHY, J. C. B. Definindo história oral e memória. Cadernos CERU, Brasília, DF, n. 5, p. 52-60, 1994. MEIHY, J. C. S. B. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996. MEIRA, E. C.; GONÇALVES, L. H. T.; XAVIER, J. O. Relatos orais de cuidadores de idosos doentes e fragilizados acerca dos fatores de risco para violência intrafamiliar. Ciência, Cuidado e Saúde, ,Maringá, v. 6, n. 2, p. 171-180, abr./jun. 2007. MELO, C. Divisão social do trabalho e enfermagem, São Paulo: Cortiz, 1986. 254 MENDES, P. B. M. T. Cuidadores: heróis anônimos do cotidiano: In: KARCH, U. M. (Org.). Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. São Paulo: EDUC, 1998. p. 71197. MENEZES, M. R. Da violência revelada à violência silenciada: um estudo etnográfico sobre a violência doméstica contra o idoso. 1999. 385 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1999. (total de folhas) MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementariedade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, 1983. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1994. MORAGAS, R. M. Gerontologia social: envelhecimento e qualidade de vida. São Paulo: Paulinas, 1997. NADLER-MOODIE, M.; WILSON, M. F. The latest in Alzheimer’s care. Office Nurse, Montvale, v. 8, n. 1, p. 10-14, 1998. NARDI, E. F. R.; OLIVEIRA, M. L. F. Conhecendo o apoio social ao cuidador familiar do idoso dependente. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 29, n. 1, p. 47-53, mar. 2008. NÉRI, A. L. Bem-estar e estresse em familiares que cuidam de idosos fragilizados e de alta dependência. In: NERI, A. L. (Org.). Qualidade de vida e idade madura. Campinas: Papirus, 1993. p. 139-151. NÉRI, A. L. Bem-estar e estresse em familiares que cuidam de idosos fragilizados e de alta dependência. In: NERI, A. L. (Org) Qualidade de vida e idade madura. 3. ed. São Paulo: Editora?, 2000. p. 237-285. NÉRI, A. L. Palavras chaves em gerontologia. Campinas: Alínea, 2005. NÉRI, A. L. et al. Biomedicalização da velhice na pesquisa, no atendimento aos idosos e na vida social. In: DIOGO, M. J.; NERI, A. L.; CACHIONI, M. Saúde e qualidade de vida na velhice. Campinas: Alínea, 2006. p. 113-124 NÉRI, A. L.; CARVALHO, V. A. M. O bem-estar do cuidador: aspectos psicossociais. In: FREITAS, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Kogan. 2002. p. 778-790 255 NÉRI, A. L.; SOMMERHALDER, C. As várias faces do cuidado e do bem-estar do cuidador. In: NERI, A. L. (Org). Cuidar de idosos no contexto familiar: questões psicológicas e sociais. Campinas: Átomo & Alínea, 2001. p. 199 NITRINI, R. Epidemiologia da doença de Alzheimer no Brasil. Revista Psiquiátrica Clinica, São Paulo, v. 26, n. 5, p.1-8, 2000. NICOLACI-DA-COSTA, A. M. O processo de modernização da sociedade e seus efeitos sobre a família contemporânea. In: REUNIÃO ANNUAL DE PSICOLOGIA DE RIBEIRÃO PRETO, 18., 1989, Ribeirão Preto. Anais… Ribeirão Preto: SBP , 1989. p.176 NOONAN, A. E.; TENNSTEDT, S.L. Meaning in caregiving and its contribution to caregiver well-being. The Gerontologist, v. 37, n. 6, p. 295-308, 1997. NOLAN, M. R.; DELLASEGA, C. Working with family careers: toward a partnership approach. Reviews in Clinical gerontology, Cambridge, v. 11, n. 1, p.319-325, 2001. NOUWEN, H. J.; GAFFNEY, W. J. Envelhecer: a plenitude da vida. São Paulo: Paulinas, 2000. OLIVEIRA, A. P. P. Ser idoso: concepção da solidão em convívio familiar. Dissertação de mestrado- Escola de Enefermagem, Universidade Feaderal da Bahia (UFBA), 2001 OLIVEIRA, A. P. P.; REIS, D. A. Atenção à Saúde do Idoso: atuação do cuidadores domiciliares. In: Anais do XIV Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, Salvador: SBGG, v. 1, n.1, p. 9-9, 2004. PAPALÉO NETTO, M. Gerontologia, a velhice e o envelhecimento em visão globalizada. São Paulo: Atheneu, 2005. PAVARINI, S. C. I. et al. Cuidando de idosos com demência: a vivencia de cuidadores familiares. Revista Eletrônica de Enfermagem, v 10, n. 3, 2008. Disponível em: < http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n3/pdf/v10n3a04.pdf>. Acesso em: 02/12/2008. PEGORARO, R. F. Familiares que cuidam de pertadores de sofrimento mental: história de dores, vida de trabalho. 2002. 162 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2002. PEGORARO, R. F. Receber e prover cuidados: a trajetória de uma mulher em sofrimento psiquiátrico. 2007, 272f. Tese de doutorado - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007. 256 PELZER, M. T.; FERNANDES, M. R. Apoiando a família que cuida de seu familiar idoso com demencia. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 6 n. 2, p. 399-444, maio/ago. 1997. PEREIRA, A. et al. Envelhecimento, estresse e sociedade: uma visão psiconeuroendocrinologica. Ciências e Cognição, v. 1, n. 1, p. 34-53, 2004. Disponível em:< http://www.cienciascognicao.org/> Acesso em : 10 Janeiro de 2009. PERRACINI, M. R. Análise multidimensional de tarefas desempenhadas por cuidadores familiares de idosos de alta dependência. 1994. 84 f. Dissertação (Mestrado em educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. PERRACINI, M. R.; NÉRI, A. L. Tarefas de cuidar: com a palavra, mulheres cuidadoras de idosos de alta dependência. In: NERI, A. L. (Org.). Cuidar de idosos no contexto da família: questões psicológicas e sociais. Campinas: Alínea, 2001. p. 165-201 PERRACINI, M. R.; NÉRI, A. L. Tarefas de cuidar: com a palavra, mulheres cuidadoras de idosos de alta dependência. In: NERI, A. L. (Org.). Cuidar de idosos no contexto da família: questões psicológicas e sociais. 2 ed., Campinas: Alínea, 2006. p. 165-201 PETER-DAVIS, N. D.; MOSS, M. S.; PRUCHNO, R.A. Children-in-law in caregiving families. The Gerontologist, v. 39, n. 1, p. 66-75, 1999. PINTO, J. L. G. et al. Características do apoio social oferecido a idosos de área rural assistida pelo PSF. Ciência & Saúde Coletiva, Cidade, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 753-764, 2006. POIRIER, J. et al. Histórias de vida, teoria e prática. Tradução João Quintela. Oeiras: Celta Editora, 1995. QUEIROZ, M. I. P. Relatos orais do “indizível ao dizível”. Ciências e Cultura, v. 39, n. 3, p. 272-286, 1987. QUEIROZ, M. I. P. Relatos orais do “indizível ao dizível”. In: Experiemntos com histórias de vida (Itália- Brasil). Enciclopédia Aberta de Ciências Sociais: São Paulo: Vértice, 1988. RAMALHO, M. UFRJ investiga estrutura que conduz disfunções do Mal de Alzheimer. Boletim da FAPERJ, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 30-35, maio 2006. RAMOS, R. L. Epidemiologia do envelhecimento. In: FREITAS, E. V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 2002. p. 58-71 257 REICH, W. T. Contemporary ethics of care. In: REICH, W. T. (Ed.). Bioethics encyclopedia. 2nd ed. New York: Mac Millan Library, 1995. CD-ROM. RESENDE, M. C. Ajustamento psicológico, perspectiva de envelhecimento pessoal e satisfação com a vida em adultos e idosos de alta dependência. 2006. 70f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. RESENDE, M. C. et al. Cuidar de idosos com Alzheimer: influências sociais, físicas e psicológicas envolvidas nesta tarefa. RBCEH, Passo Fundo, v. 5, n. 1, p.19-31, jan./jun. 2008. REY, G. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Thompson, 2002 ROBERTSON, A. The politic’s of Alzheimer’s disease: a care study in apocalyptic demography. In: MINKLER, M. et al. Critical perspectives on aging: the political and moral economy of growing old. New York: Baywood, 1991. p.273-292 ROCKWOOD, K. Size of the treatment effect on cognition of cholinesterase inhibition in Alzheimer’s disease. Journal of Neurology Neurosurgery Psychiatry, v. 75, n.1, p. 677685, 2004. ROMANELLI, G. Mudança e transição em famílias de camadas médias. Travessia, v. 9, n. 4, p. 224-230, jan./abr. 1991. ROSE, R. et al. Differences in the perceived well-being of wives and husband caring for persons with Alzheimer’s disease. The Gerontologist, v. 38, n. 2, p. 224-230, 1998. ROWLAND, L. P. Merritt, tratado de neurologia. 10. ed. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2002. ROCKWOOD, K. Size of the treatment effect on cognition of cholinesterase inhibitio in Alzheimer’s disease. Jneurd Neurosurg Pasychiatry, 2004. ROWLES, G. D. Qualitative gerontology. Themes and chanlleges. In: REINHARZ, S.; ROWLES, G. D. Qualitative gerontology. New York: Springer, 1988. p. 3-33 SÁ, S. P. et al. Oficinas terapêuticas para cuidadores de idosos com demência: atuação de enfermagem no programa interdisciplinar de geriatria e gerontologia da UFF. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p.231-236 , 2006. 258 SALGADO, C. D. S. Mulher idosa: a feminização da velhice. Estudo Interdisciplinar do Envelhecimento, Cidade, v. 4, n. 1, p. 7-19, 2002. SANTANA, R. F. Grupo de orientação em cuidados na demência: relato de experiência de uma enfermeira aluna do curso de psicogeriatria. Textos sobre Envelhecimento, v. 5, n. 9, p.1-5, 2003. SANTOS, S. M. A.; DALGALARRONDO, P. Familiarizando-se com o estranho e transpondo as barreiras culturais. Jornal Brasileiro de Neuropsiquiatria Geriátrica, v. 2, n. 2, p. 74-78, 2001. SANTOS, S. M. A. Idosos, família e cultura: um estudo sobre a construção do papel do cuidador. Campinas: Alínea, 2003. SANTOS, S. S. C.; PELZER, M. T.; RODRIGUES, M. C. T. Condições de enfrentamento dos familiares cuidadores de idosos portadores de doença de Alzheimer. RBCEH, Passo Fundo, v. 4, n. 2, p. 114-126, jul./dez. 2007. SAYEG, N. Demência de Alzheimer: tratamento não-farmacológico. [2005]. Disponível em: <http://www.alzheimermed.com.br/m3.asp?cod_pagina=1032> Acesso em: 20 out. 2007. SAVONITTI, B. H. R. A. Cuidando do idoso com demência. In: DUARTE, Y. A. O.; DIOGO, M. J. D’E. Atendimento domiciliar: um enfoque gerontológico. São Paulo: Atheneu, 2000. p. 421-438. SCHARFSREIN, E. A. Intervenção psicossocial. In: PY, L. et al. (Org.). Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: NAU, 2004. SCHENK, D. et al. Immunization with amyloid- beta attenuates Alzheimer – disease – like pathology in tue PDAPP. Nature, London, v. 400, n. 6740, p. 173-177, 1999. SCRUTTON, S. Ageing, healthy and in control: an alternative, approach to maintaining the health of older people. London: Chapman and Hall, 1992. SILVA, D. W. Estudo das características demográficas e clínicas da demência no ambulatório de Neurologia do Hospital de Clínicas da UNICAMP. 2001. 171f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. SILVA, D. W.; DAMASCENO, B. P. Estudo descritivo das características clínicas e demográficas dos casos de demência do hospital das clínicas da UNICAMP. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 57, supl. 1 , n. 4, p. 617-621 , 1999. 259 SILVA, E. B. N.; NÉRI, A. L. Questões geradas pala convivência com idosos: indicações para programas de suporte familiar. In: NERI, A. L. (Org.). Qualidade de vida e idade madura. 3. ed. São Paulo: Papirus, 2000. p. 205-216 SILVA, I. P. As relações de poder no cotidiano de mulheres cuidadoras. In: KARSCH, U. M. Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. São Paulo: Ed. EDUC, 1995. p.21-45 SILVA, I. P. As relações de poder no cotidiano de mulheres cuidadoras. In: KARSCH, U. M. Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. São Paulo: 2 ed. Ed. EDUC, 1998. p. 21-75 SILVA, T. M. G. Família e historiografia. Política: História e Sociedade, Vitória da Conquista, v. 2, n. 1, p.37-46, 2002. SILVEIRA, T. M.; CALDAS, C. P; CARNEIRO, T. F. Cuidando de idosos altamente dependentes na comunidade: um estudo sobre cuidadores familiares principais. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 8, p. 1629-1638, 2006. SILVERSTEIN, M; LITWAK, E. A Task-specific Typology of Intergenerational Family Structure in Later Life. The Gerontologist, v. 33, n. 2, p. 258-264, 1993. SIMÕES, R. Corporeidade e terceira idade. Piracicaba: Unimep, 1994. SMELTZER, S. C.; BARE, B. G. Tratado de enfermagem médico-cirúrgica. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2005. SMITH, M. A. C. Doença de Alzheimer. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v, 21, supl. 2, p. 03-07, out. 1999. SOMMERHALDER, C. Significados associados à tarefa de cuidar de idosos de alta dependência no contexto familiar. 2001. 86f. Dissertação (Mestrado em Gerontologia) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. SOMMERHALDER, C.; GOLDSTEIN, L. L. O papel da religiosidade e da espiritualidade na vida adulta e na velhice. In: FREITAS, E. V. et al. (Org.). Tratado de geriatria e gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 88-106 SOMMERHALDER, C.; NÉRI, A. L. Avaliação subjetiva da tarefa de cuidar: ônus e benefícios percebidos por cuidadoras familiares de idosos de alta dependência. In: NERI, A. L. (Org.). Cuidar de idosos no contexto da família: questões psicológicas e sociais. Campinas: Alínea, 2002. p. 93-134. 260 SOUZA, L. M.; WEGNER, W.; GORINI, M. I. P. C. Educação em saúde: uma estratégia de cuidado ao cuidador leigo. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 15, n. 2, p.337-343, 2007. SOUZA, R. F.; SKUBS, T.; BRÊTAS, A. C. P. Envelhecimento e família: uma nova perspectiva para o cuidado de enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 60, n. 3, p. 263-267, maio-jun. 2007. SPINDOLA, T.; SANTOS, R. S. Trabalhando com história de vida: percalços de uma pesquisadora. Revista da Escola de Enfermagem USP, São Paulo, v. 37, n. 2, p. 109-132, 2003. STARKSTEIN, S. E. et al. On the overlap between apathy and depression. Journal of Neurology Neurosurgery Psychiatry, v. 76, n. 8, p.1070-1074, 2005. STEPHENS, M. A.; FRANKS, M. M.; TOWNSEND, A.L. Stress and reward in women’s multiple roles: the case of women in the middle. Psychology and Aging, v. 9, n. 1, p. 258269, 1994. STEVENS, A.; LOWE, J. Patologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. STRAWBRIDGE, W. J. et al. Frequent attendance at religious services and mortality over the period of 28 years. American Journal of Public Health, v. 87, n.6 , p. 957-961, 1997. TEIXEIRA, M. H. Relação interpessoal: cuidador-idoso dependente/cuidador família. In: CALDAS, C. P. A saúde do idoso: a arte de cuidar. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. p. 139141 TEIXEIRA, R. E. A questão de Eros na filosofia do cuidador com o corpo. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v.15, n. 1, p.186-192, 2006. TOLEDO, E. H. R.; DIOGO, M. J. D'E. Elderly with hematological neoplasic disorders: actions and difficulties related to self-care at the beginning of the disease. Revista LatinoAmericana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 11, fac. 6, p.778-785, 2003. TOZO, S. M. P. S. O ciclo de vida familiar: um estudo transgeracional. 2002. ? f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia Ciencias e Letras, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2002. TRUZZI, A.; LAKS, J. Doença de Alzheimer esporádica de início precoce. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 32, n. 1, p.43-46, 2005. 261 VALASQUEZ, M. D. et al. As trajetórias da vida dos cuidadores principais. In: KARSCH, U. M. S. (Org.). Envelhecimento com dependência: revelando cuidadores. São Paulo: EDUC, 1998. p. 87-145 VALLA, V. V. Educação popular, saúde comunitária e apoio social numa conjuntura de globalização. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 286-287, 1999. VARGAS, H. S. A sociologia do envelhecimento. In: UNIVERSIDADE Do Estado DO RIO De JANEIRO. Universidade aberta da terceira idade. 2a Curso de Formação de Cuidadores de idosos dependentes. Rio de Janeiro: UERJ, 1997. p.6-12 VERAS, R. P. et al. Avaliação dos gastos com o cuidado do idoso com demência. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 34, n. 1, p. 5-12, 2007. VIEIRA, E. B. Manual de gerontologia: um guia prático para profissionais, cuidadores e familiares. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. VILELA, L. P.; CARAMELLI, P. A doença de Alzheimer na visão de familiares de pacientes. Revista de Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 52, n. 3, p. 148-152, maio/jun. 2006 WALDOW, V. R. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre: Sagra, 1998. WALDOW, V. R. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999. WESTPHAL, A. C. et al. Comparação da qualidade de vida e sobrecarga dos cuidadores de pacientes com epilepsia por esclerose mesial temporal e epilepsia mioclônica junenil. Brazilian Journal of Epilepsy and Clinical Neurophhysiology, v. 11, n. 2, p.71-76, 2005. WILSON, R. S. et al. Person-specific paths of cognitive decline in Alzheimer’s disease and their relation to age. Psychology and Aging, v. 15, n. 1, p. 18-28, 2000. WHITE, A. R.; HANK, S. H. Immunotherapy as a therapeutic treatment for neurodegenerative disorders. Journal of Neurochemistry, v. 87, n. 1, p. 801-808, 2003. WONG, P. T. P. Meaning-centered counseling. In: WONG, P. T. P.; FRY, P. S. (Orgs.). The human quest for meaning: a handbook of psychological research and clinical applications. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 1998. p. 179-191 262 YATES, M. E.; TENNSTEDT, S.; CHANG, B. H. Contributions and mediatorss of psychological well-being for informal caregivers. Journal of Gerontology: Psychological Sciences, v. 54, n. 1, p.12-22 , 1999. YUASO, D. Treinamento de cuidadores familiares de idosos de alta dependência em acompanhamento domiciliário. 2001. 198f. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 2001. ZASLAVSKY, C.; GUS, I. Idoso, doença cardíaca e comorbidades. Arq. Brasileiro de Cardiologia, v. 7, n. 6, São Paulo, p. 10-114, 2002. ZIMERMANN, G. Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre: Artmed, 2000. ZOBOLI, E. Ética do cuidado: uma reflexão sobre o cuidado da pessoa idosa na perspectiva do encontro interpessoal. Saúde Coletiva, v. 4, n. 17, Editora Bolina, São Paulo, p. 158-162, 2007. 263 APÊNDICES APENDICE A Termo de Consentimento Livre e esclarecido – CONVITE A convite da pesquisadora, concordo em participar da pesquisa sobre “Histórias de vida de cuidadores de idosos portadores de demencia de Alzheimer”. Minha contribuição se dará através da concessão de uma entrevista em que serão feitas perguntas quanto ao tema, com duração prevista de cerca de 1h às 2h, em local que eu achar mais conveniente. A participação não envolve custos, como também nenhuma compensação financeira ou de outro tipo pela participação. A pesquisa não envolve riscos ou danos à saúde previsíveis. A mim serão garantidos a confidencialidade e o anonimato, tendo também o direito de não responder algumas das perguntas ou de, a qualquer momento, interromper a entrevista, podendo inclusive determinar que as informações que já tenha dado não sejam utilizadas na pesquisa. A assinatura deste consentimento não inviabiliza nenhum dos meus direitos legais. Caso ainda haja dúvidas, posso tirá-las agora, ou em surgindo alguma dúvida no decorrer das entrevistas, o pesquisador se colocará ao meu dispor para esclarecê-las. A qualquer momento poderei contactar a pesquisadora, Ana Paula Pessoa de Oliveira, pelo telefone 3654-3302 (residencial) ou o celular 81166686. Após ter lido e recebido esclarecimentos da pesquisadora, concordo em participar da(s) entrevista(s), colaborando, desta forma, com a pesquisa “Histórias de vida de cuidadores de idosos portadores de demência de Azlheimer” Sei que assinando este consentimento não abro mão de meus direitos legais e que me ficarão garantidos a confidencialidade e o anonimato. Sendo o que se apresenta, contamos com a sua participação. Ana Paula Pessoa de Oliveira Pesquisadora Responsável CONSENTIMENTO A partir das informações recebidas, declaro estar disposto (a) a aceitar participar livremente desta pesquisa, assinando o presente termo. Manaus, _________________________________ Nome completo e legível do voluntário 264 APENDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA A1) DADOS de caracterização do cuidador 1- Sexo 2- Estado civil 3- Escolaridade 4- Naturalidade 5- Procedência 6- Profissão 7- Religião 8- Grau de Parentesco com o idoso portador de Alzheimer 9- Composição familiar ( n. de membros, idade, grau de escolaridade, profissão, renda) A2) DADOS de caracterização do idoso portador de Alzheimer 1- Sexo 2- Estado civil 3- Escolaridade 4- Profissão 5- Religião 6- Composição familiar ( n. de membros, idade, grau de escolaridade, profissão, renda) B) RELATO LIVRE DA HISTÓRIA DE VIDA C) TÓPICOS ESPECÍFICOS 1) Descrição do processo de diagnóstico e evolução do quadro demencial, dos primeiros sinais à situação atual. 2) Descrição referente à época ANTERIOR ao surgimento da demência de Alzheimer, à época do SURGIMENTO da doença e ao MOMENTO ATUAL quanto: - Cotidiano familiar - Tarefas de cada membro da família - Ao cotidiano de trabalho do cuidador - Ao cotidiano de trabalho das outras pessoas da família - As relações familiares - As relações dos membros da família com o idoso - As relações entre o cuidador e o idoso - As relações do cuidador e as outras pessoas da família - A concepção da doença 3) Dificuldades enfrentadas pela família no cuidado - Antes do surgimento da doença (se for o caso) - À época do surgimento da doença 265 - No momento atual 4) Dificuldades enfrentadas pelo cuidador no cuidado: - Antes do surgimento da doença (se for o caso) - À época do surgimento da doença - No momento atual 5) Descrição das alterações ocorridas na vida pessoal e familiar em função do adoecimento do idoso. 266 APENDICE C: TABELAS Tabela 1- Sexo dos 20 cuidadores Sexo Total Masculino 3 Feminino 17 Total 20 Tabela 2- Sexo dos 19 idosos com Doença de Alzheimer Sexo Total Masculino 6 Feminino 13 Total 19 Tabela 3- Faixa etária dos 20 cuidadores Idade N. Cuidadores 26-36 anos 3 42-58 anos 10 60-83 anos 7 TOTAL 20 Tabela 4- Faixa etária dos idosos com Alzheimer Idade N. Idosos 65-69 anos 3 71-79 anos 5 Acima de 80 anos 11 TOTAL 19 267 Tabela 5- Local em que os 20 cuidadores passaram a infância local homens mulheres Total Manaus 2 10 12 Zona rural - 1 1 Cidade do interior 1 4 5 Outro estado - 2 2 total 3 17 20 Tabela 6- Escolaridade do idoso portador de Alzheimer escolaridade homens mulheres Total Semi-analfabeto 4 4 8 Nível fundamental 5 1 6 Nível médio 1 4 5 9 19 total 10 Tabela 7- Escolaridade dos 20 cuidadores escolaridade homens mulheres total Nível fundamental 1 - 1 Nível médio - 9 9 Nível superior inc. 1 1 2 Nível superior 1 7 8 total 3 17 20 268 Tabela 8- Grau de parentesco com os idosos com Alzheimer Parentesco homens mulheres Total Conjuge - 4 4 Filho (a) 2 9 11 Neto (a) 1 1 2 Irmão (a) - 1 1 1 1 Nora Cunhado (a) 1 - 1 total 4 16 20 Tabela 9- Profissão dos idosos com Alzheimer Profissão homens mulheres Total Professor (a) 1 1 2 3 3 2 5 Serviços Gerais 1 1 Do lar 6 6 Costureira Comerciante 3 Ag. Enfermagem 1 - 1 Tratorista 1 - 1 total 06 13 19 Tabela 10- Estado Civil dos idosos com Alzheimer Estado civil homens mulheres Total Casado (a) 4 - 5 Viúvo (a) 2 12 13 Solteiro (a) - 1 1 total 6 13 19 269 Tabela 11- Estado civil dos cuidadores Estado civil homens mulheres Total Casado (a) - 13 13 Viúvo (a) 1 2 3 Solteiro (a) 2 1 3 Divorciado (a) - 1 1 Total 3 17 20