CIÊNCIA, OBSCURANTISMO E ÉTICA
Carmem Maria Craidy
Professora Titular FACED/UFRGS
Coordenadora do NUPEEEVS - Núcleo de Pesquisa e Extensão, Educação, Exclusão e
Violência Social
Tenho acompanhado, na imprensa, com interesse de quem trabalha com
adolescentes que cometeram atos infracionais, a polêmica sobre a pesquisa com
adolescentes internos na
FASE. Tenho ficado surpresa, e mesmo chocada, com
expressões
defensores da pesquisa tais como Mentes Criminosas,
usadas por
Adolescentes psicopatas e ou sociopatas. Estas expressões denotam posição préconceituosa e concepções superadas do ponto de vista teórico e mesmo legal pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Afirmar a priori que internos na FASE são psicopatas só pode ser feito por
alguém que está distante do problema. Trabalhando na área há mais de duas décadas e
coordenando um Programa que atendeu a mais de mil adolescentes que praticaram atos
infracionais, nos últimos 11 anos, afirmo com tranqüilidade que o índice de psicopatas é
pequeno entre eles. Cabe lembrar
ainda que, segundo a legislação em vigor, os
psicopatas deverão ser submetidas a tratamentos específicos e não ficarem
simplesmente privados de liberdade com outros adolescentes que cumprem medidas
sócioeducativas. Quem acompanha
a história da FASE, antes Febem, sabe que a
presença de um único adolescente portador de psicopatia, num internato, pode ser fator
de graves problemas e de violências internas. Caracterizar a todos como psicopatas e
medicá-los em massa aparece muitas vezes como forma fácil de contenção numa
postura que abre mão do desenvolvimento de trabalho educativo e da recuperação
possível para parte significativa destes adolescentes. Tanto o Estatuto, já citado, como o
SINASE –Sistema Nacional de Medidas Sócioeducativas- são claros ao definirem as
exigências do trabalho sócioeducativo. Por outro lado, considerar que “pessoas com
trajetórias de vida problemáticas, que cometeram algum delito grave e que vivem em
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confinamento rodeados de criminosos”, não seriam afetados por passar algumas horas
em aparelho de ressonância magnética é mais uma vez demonstrar desconhecimento
desta população. Já ouvi muitas vezes adolescentes dizerem: “Não adianta dona, eu sou
ruim da cabeça, já me fizeram até eletro” O fato de terem sido submetidos a exames de
eletro encefalograma acaba de convencê-los que portam mal irremediável e que,
portanto não têm como encontrar um caminho de volta. Não obstante inúmeros estudos
demonstram que a participação na vida do crime é na maioria das vezes motivada pela
busca de afirmação pessoal e de reconhecimento social e que poderá, portanto, ser
agravada com procedimentos que baixem a auto-etima e a confiança em si. Se é certo
que as pesquisas neurológicas têm uma contribuição a dar na compreensão do
comportamento violento, é certo também que não se deve absolutiza-las ignorando
estudos já desenvolvidos por especialistas de outras áreas como sociólogos, psicólogos,
antropólogos, educadores, etc. Não há maior obscurantismo do que aquele que
considera a pesquisa inquestionável. Além disto, a pesquisa com humanos está
subordinada a princípios éticos que vão além de um consentimento informado, como,
por exemplo, que a mesma não seja prejudicial às pessoas nas quais se aplica. Perguntase que condições de escolha para participar da pesquisa têm os privados de liberdade? E
mais, que conseqüências esta pesquisa pode ter para suas vidas?
Não
há
maior
obscurantismo
do
que
considerar
inquestionável
o que é feito em nome da ciência. Não há ciência definitiva nem verdade acabada. Esta
é a maior descoberta científica da contemporaneidade.
O último século avançou na consciência coletiva e na legislação quando
reconheceu que todas as pessoas, mesmo os criminosos, são sujeitos de direitos. Entre
estes direitos está o de não serem manipulados por experiências científicas que possam
prejudicá-los.
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Ciência, obscurantismo e ética