Universidade Norte do Paraná CURSO DE DIREITO JANAINA YARA DE SOUZA MARTINS GONÇALVES REVISÃO JUDICIAL: A aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing Londrina 2002 JANAINA YARA DE SOUZA MARTINS GONÇALVES REVISÃO JUDICIAL: A aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Norte do Paraná – UNOPAR – como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Curso Jurídico Prof. Orientador – Artur César de Souza Londrina 2002 COMISSÃO EXAMINADORA _______________________________________ _______________________________________ _______________________________________ Londrina, _____ de ___________ de 2002. DEDICATÓRIA Aos meus pais que me apoiaram e participaram de minha formação acadêmica, ajudando na realização de um sonho. Abstraíram as dificuldades desse longo caminho, propiciando os melhores anos de minha vida. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Orientador Artur César de Souza, apoiador em todas as etapas deste trabalho. A minha família, pela motivação e compreensão. Aos amigos da sala, pela ajuda mútua em relação a esta difícil caminhada. Aos professores do curso, pelo brilhante trabalho em nossas vidas acadêmicas. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS..................................................................................4 1.1 O CONTRATO COMO FONTE DE OBRIGAÇÃO............................................................................4 1.2 CONTRATO............................................................................................................................6 1.2.1 Conceito.............................................................................................................................6 1.2.2 Requisitos...........................................................................................................................8 1.3 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL..........................................................8 1.3.1 Princípio da Autonomia da Vontade..................................................................................9 1.3.2 Princípio do Consensualismo.............................................................................................9 1.3.3 Princípio da Obrigatoriedade da Convenção....................................................................10 1.3.4 Princípio da Relatividade dos Efeitos do Contrato..........................................................11 1.3.5 Princípio da Boa-Fé.........................................................................................................12 1.3.6 Princípio da Probidade.....................................................................................................14 1.3.7 Princípio da Função Social do Contrato..........................................................................16 2 O CONTRATO DE LEASING.............................................................................................17 2.1 HISTÓRICO...........................................................................................................................17 2.1.1 Terminologia....................................................................................................................18 2.2 DEFINIÇÃO...........................................................................................................................18 2.3 ELEMENTOS DO CONTRATO DE LEASING ...............................................................................20 2.4 ESPÉCIES..............................................................................................................................21 2.4.1 Leasing Financeiro...........................................................................................................21 2.4.2 Leasing Retorno...............................................................................................................22 2.4.3 Leasing Operacional........................................................................................................23 2.4.4 Outras Modalidades de Leasing.......................................................................................24 2.5 GENERALIDADES..................................................................................................................25 2.6 NATUREZA JURÍDICA............................................................................................................27 2.7 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE LEASING .................................................................................28 2.8 COMENTÁRIOS.....................................................................................................................28 3 PACTA SUNT SERVANDA....................................................................................................30 3.1 BREVE ABORDAGEM.............................................................................................................30 3.2 PREVISIBILIDADE DE UMA CRISE CAMBIAL...........................................................................32 3.3 O HOMEM-MÉDIO.................................................................................................................33 4 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO.............................................................35 4.1 UM NOVO CENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL.........................................................................35 4.2 O CONTRATO DE LEASING COM REAJUSTE VINCULADO À VARIAÇÃO CAMBIAL.....................37 4.2.1 A Validade das Cláusulas de Correção Cambial.............................................................38 4.3 A REVISÃO CONTRATUAL....................................................................................................39 4.3.1 Evolução Histórica da Cláusula Rebus Sic Stantibus .....................................................40 4.3.2 A Revisão do Contrato no Direito Romano.....................................................................40 4.3.3 O Direito Medieval e a Teoria da Imprevisão..................................................................41 4.3.4 A Idade Moderna: O Declínio e o Ressurgimento da Teoria da Imprevisão...................42 4.3.5 A Teoria da Imprevisão no Direito Contemporâneo........................................................43 4.4 TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILEIRO.................................................................43 4.4.1 A Teoria da Imprevisão no Direito Positivo Brasileiro...................................................45 4.5 REQUISITOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO ......................................................47 5 A POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA REVISÃO DOS CONTRATOS DE LEASING VINCULADOS À VARIAÇÃO CAMBIAL..........................................................49 5.1 A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS FRENTE AOS TRIBUNAIS.................................................................................................................................49 5.1.1 A Forma Contratual para Aplicação da Cláusula Rebus Sic Stantibus............................49 5.1.2 A Onerosidade Excessiva e a Imprevisibilidade..............................................................50 5.2 O CASO ESPECÍFICO DOS CONTRATOS DE LEASING COM CLÁUSULA DE REJUSTE VINCULADA À VARIAÇÃO CABIAL.....................................................................................................................50 5.2.1 A não Aplicação da Teoria da Imprevisão nos Contratos de Leasing pelos Tribunais...51 5.2.2 A Teoria da Imprevisão e a sua Aplicação pelos Tribunais nos Contratos de Arrendamento Mercantil ..........................................................................................................52 5.2.3 Os Tribunais Superiores e os seus Posicionamentos.......................................................56 CONCLUSÃO..........................................................................................................................57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................60 GONÇALVES, Janaina Yara de S. M. REVISÃO JUDICIAL: a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos de leasing. 2002. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Norte do Paraná, Londrina. RESUMO O direito, em uma de sua finalidades e dentro do ramo das obrigações busca a proteção das relações jurídicas advindas do vínculo contratual, afastando a insegurança jurídica quando acolhe o princípio da obrigatoriedade das convenções advindo da autonomia da vontade. Contudo, sendo o direito uma ciência social, deve acompanhar o dinamismo de sua sociedade, amoldando-se às necessidades coletivas. Desta evolução vemos o surgimento da teoria da imprevisão, mitigando a idéia absoluta da imutabilidade dos contratos. Exemplo disso é o que vem ocorrendo com os contratos de leasing com cláusulas de reajuste vinculado à variação cambial, após a crise econômica na década de 90 e vigente até os dias atuais. Busca-se apreciar a posição dos tribunais com relação à aceitação da teoria da imprevisão através da revisão judicial desta modalidade contratual. Palavras-chaves: revisão judicial, leasing, cláusula de reajuste, variação cambial GONÇALVES, Janaina Yara de S. M. JUDICIAL REVISION: the aplicattion of rebus sic stantibus clause on leasing contracts. 2002. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Norte do Paraná, Londrina. ABSTRACT The Law, in one of its purpose and in Contracts Law, seach to protect jural relations that are resulted from contractual relation taking away the jural insecurity when its welcome the pacta sunt servanda principle, that comes from the self independent will. However, being the Law a social Sciency it must attend the dinamism of its society adapting to its coletive needs. From this evolution we can see the arising of the rebus sic stantibus clause, mitigating the absolute idea of the contracts imutability. An exemple is what’s going on with leasing contracts with flutuation clause related with foreig exchange, after the economical crisis that stroke our country in the 90th. We are try to apreciate the Court’s position about the application of rebus sic stantibus clause through judicial revision of this kind of contract. Keywords: judicial revision, leasing, flutuation clause, foreign exchange. INTRODUÇÃO Os homens em sua natureza não vivem isoladamente, mas sim em sociedade e, por conviverem dentro de uma coletividade surgem os fenômenos jurídicos, ou seja, a cada instante estão cercados de relações uns com os outros, em constante contato social. Entre os vários tipos de relações, decorrentes da vida em sociedade, existem as relações jurídicas. Cabe ao direito o estudo das relações jurídicas que se estabelecem entre os homens – Ubi societas, ibi ius. O Direito subdivide-se em ramos, os quais possam regular especificamente cada tipo de relação surgida entre os homens. Em sendo do nosso interesse as relações contratuais, o ramo do direito que visa proteger tais relações é o Direito Obrigacional abrangendo o Direito dos Contratos, sendo que o vínculo contratual é a forma mais corriqueira de se formalizar relações jurídicas de maneira a proteger direitos e obrigações delas decorrentes. O Direito das Coisas regula as relações jurídicas que abrangem bens passíveis de aquisição pelo homem, no sentido de que bens é tudo o que satisfaz o homem e, tendo o contrato por objeto um bem, este ramo do direito também visa proteger tais relações jurídicas. Nosso Direito pátrio buscou de certa forma proteger as relações jurídicas pactuadas através do princípio da autonomia da vontade, que uma vez formalizada sob a forma de um contrato gera força obrigacional, entre as partes. Assim, a regra em nosso país é o pacta sunt servanda, princípio da força obrigatória, que somente reforça o princípio da autonomia da vontade, autonomia esta, segundo Daibert (1995) “apenas limitada pela supremacia da ordem pública”. Por outro lado, sendo o Direito uma ciência dinâmica, que se amolda às necessidades da coletividade, surge um outro princípio que também busca a proteção da relação jurídica advinda de um pacto. Se ocorrer algo superveniente ao contrato que altere substancialmente a igualdade entre as partes contratantes, existe a possibilidade de que o 2 contrato seja alterado com o escopo de nivelar novamente esta relação. É a teoria da imprevisão, ou seja, a rebus sic stantibus. A lei n.º 10.406, de 10.01.2002, instituiu o novo Código Civil, que passará a viger em 10.01.2003. Este recente diploma legal contém alterações significativas no tocante à teoria das relações contratuais, haja vista que o Brasil, em seu conteúdo normativo, ainda não tinha aceitado a Teoria da Imprevisão em seu ordenamento jurídico, tornando-a exceção à regra, que é a autonomia da vontade, o pacta sunt servanda. Tais mudanças acrescentam ao nosso ordenamento jurídico concepções necessárias para que a aplicação da lei se amolde ao novo cenário nacional, qual seja, uma economia instável, bem como ocorre na política, isto devido ao fenômeno da globalização. Recentemente, nosso país passou por uma crise econômica devido à desvalorização da moeda nacional. Em decorrência deste fato, houve inúmeras ações judiciais na tentativa de se mudar cláusulas contratuais dos contratos de leasing celebrados na época em que o real era uma moeda forte frente ao dólar americano. Isto porque obrigações contratuais a serem quitadas foram indexadas de acordo com a variação cambial da moeda americana, e com a forte desvalorização do real, tornou-se extremamente oneroso para a parte contratante quitar seu débito com a financiadora, parte contratada, deixando de existir a igualdade entre as partes. Tentaram, por via judicial, mudar a forma de correção monetária do valor do contrato de leasing, de tal sorte que não houvesse gravame para a parte contratante. Surge então, a necessidade de se reavaliar as cláusulas contratuais de forma que deixem as partes contratantes em pé de igualdade novamente. Porém, a maioria dos Tribunais nacionais entende que prevalece a autonomia da vontade. 3 Este trabalho faz um estudo dos direitos obrigacionais, avaliando a verdadeira posição com relação a estes dois institutos – pacta sunt servanda e rebus sic stantibus – dos nossos Tribunais através na análise de julgados sobre as ações envolvendo contratos de leasing indexados em dólar. Pretende-se mostrar, através de um estudo analítico da jurisprudência nacional, que no direito pátrio, mais precisamente no ramo do direito das obrigações, mesmo que se busque a paridade entre as partes envolvidas no negócio jurídico, neste preciso caso dos contratos comerciais, não se admite a aplicação da teoria da imprevisão. Por sua vez, a força obrigatória advinda de um contrato que vincula as partes ao que nele está pactuado é o que está protegido pelo direito positivado. Este estudo justifica-se pela necessidade imperiosa de esclarecer que, mesmo sendo a exceção no mundo jurídico, a teoria da imprevisão, em muitos casos, se corretamente aplicada, não traz nenhum gravame às partes envolvidas no pacto, ao contrário, visa restabelecer a paridade entre elas, protegendo assim a continuidade do pacto sem maiores litígios, sem ferir a autonomia da vontade, instituto este tão protegido por nossos juristas. Ao trazer conceitos relacionados ao ramo do direito obrigacional, este estudo nos dá a chance de avaliar melhor o que realmente está sendo aplicado para proteger a relação entre as partes ligadas por um contrato. O trabalho será desenvolvido por revisão bibliográfica das obras e textos listados na referência bibliográfica deste estudo. 4 1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 1.1 O CONTRATO COMO FONTE DE OBRIGAÇÃO A fonte precípua das obrigações é o fato jurídico 1 . No caso específico temse o fato jurídico strictu sensu como fonte principal das obrigações. Somente com a ocorrência de um fato qualificado como jurídico ter-se-ia uma obrigação, ou seja, apenas o fato, estribado no direito objetivo, cria a relação obrigacional, que atinge o indivíduo em sua liberdade, restringindo-a, para torná-lo vinculado ao poder de outra pessoa. Assim sendo, a fonte mediata do direito obrigacional é a vontade humana ou o fato humano, traduzidos pelos contratos, declarações unilaterais da vontade e atos ilícitos, e a fonte primária é a lei, porque só ela empresta eficácia ao fato humano ou a qualquer outra manifestação volitiva. Para Maria Helena Diniz, a obrigação propriamente dita é oriunda do fato humano e da lei, contudo, as que são fundadas exclusivamente na norma não são obrigações em sentido técnico, mas sim deveres fundados em lei. Conclui-se que as obrigações advindas de contratos são obrigações que tem por fonte a lei, uma vez que é a lei que disciplina as relações contratuais, pois sujeitas estão a um estatuto jurídico que reconhece e confere juridicidade aos contratos. 1 O fato jurídico, segundo Washington de Barros Monteiro (1979), em sua obra Curso de direito civil, v. 1, é um acontecimento em virtude do qual nasce, subsiste e se extingue a relação jurídica. O fato jurídico latu senso– que é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando assim, a criação da relação jurídica, abrange o fato jurídico em sentido estrito, ou seja, o acontecimento que independe da vontade humana, mas que produz efeitos no mundo jurídico e o ato jurídico, que é o evento que depende da vontade humana. Este, divide-se ainda em outras categorias, o ato jurídico stricto sensu seria aquele que surge como mero pressuposto do efeito jurídico, pré-ordenado pela lei, sem função ou natureza de autoregulamento, como nos ensina Mattia in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 9, e o negócio jurídico, que para Orlando Gomes (1999) é a norma preestabelecida pelas partes, que podem auto-regulamentar, nos limites legais, seus próprios interesses, como é o caso dos contratos. E por último o ato ilícito, o qual é praticado em desacordo com a norma, o que não vem ao caso. 5 Contudo, sendo a lei fonte primária das obrigações e considerando que a legislação vigente em um país é elaborada por homens, logo está sujeita a falhas. Assim, o próprio legislador ao elaborar a lei previu formas de se suprir eventuais lacunas. Tem-se então as seguintes situações a serem usadas de forma a se integrar a norma. A analogia, os costumes, os princípios gerais do direito e ainda, a equidade. O Decreto lei n.º 4.657, de 4.09.1942 – Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) regulamentou as hipóteses de integração da norma nos casos de lacunas. Primeiramente, a analogia como fonte complementar de integração da norma. Se um caso concreto não está previsto no ordenamento jurídico, pode-se ampliar a aplicação da lei a casos por ela não declarados, e que, por identidade de razão, devem submeter-se a ela. Os costumes são tidos como fonte supletiva do direito, ou seja, serão utilizados à medida que o sistema jurídico possuir falhas, deixando de regulamentar determinadas situações que possam vir a existir ou existem no ordenamento jurídico, sem contudo, serem normatizadas. Pode decorrer da prática reiterada de atos acreditando-se serem dotados de coercibilidade, por parte do povo, e até mesmo dos tribunais 2 . É autorizado pela Lei de Introdução ao Código Civil (LICC). Ainda, os princípios gerais de direito, também aplicados para suprir lacunas na ordem jurídica, devem ser utilizado após esgotarem os meios legais, bem como a aplicação dos costumes. Não se opõe ao ordenamento jurídico, vez que se baseiam na natureza do sistema jurídico, contendo uma solução lógica para um caso duvidoso que venha a existir. A equidade por sua vez: 2 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 9. ed. atual. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 455. 6 “está consagrada como elemento de adaptação da norma ao caso concreto. Apresenta-se a equidade como a capacidade que a norma tem de atenuar o seu rigor, adaptando-se ao caso sub judice. É, como vimos, o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que permite corrigir a inadequação da norma ao caso concreto. A equidade seria uma válvula de segurança que possibilita aliviar a tensão e a antinomia entre a norma e a realidade, a revolta dos fatos contra o código.”(DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 467) Os contratos, supridas eventuais falhas na lei, pela sua extensão e sendo a mais comum forma de se constituir vínculos jurídicos, são a principal fonte de obrigação. A lei n.º 10.406, de 10.01.2002, que entrará em vigor em 10.01.2003, trata do Novo Código Civil, revogando expressamente as disposições do Código Civil vigente, traz em seu Livro III, Título I, uma nova classificação para as obrigações, que passam de ato jurídico para negócio jurídico. Vê-se aqui um acerto do legislador, uma vez que, como já explicado, o ato jurídico é evento que depende da vontade humana mas é mero pressuposto para efeito jurídico, enquanto que o negócio jurídico, na lição já vista do mestre Orlando Gomes, é norma preestabelecida entre as partes. Assim, caracteriza melhor o contrato a denominação de negócio jurídico. 1.2 CONTRATO 1.2.1 Conceito Por ter a natureza jurídica de um ato jurídico, vejamos senão a definição dada pela lei no art. 81 do Código Civil – Lei n.º 3.071, de 1º.1.1916. : “Todo ato lícito, que tenha por fim imediato, adquirir, resguardar, transferir, modificar e extinguir direitos, se denomina ato jurídico”. 7 Doutrinariamente têm-se as seguintes concepções. Monteiro (1979) “é um acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito”. Aristóteles entendia que contrato era uma lei feita por particulares, tendo em vista determinado negócio. 3 Kelsen vê no contrato a criação de uma norma jurídica particular, assim corroborando com a idéia de Aristóteles. Na mesma linha de pensamento, Maria Helena Diniz (1995) tem por contrato o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. Conclui-se então, que contrato é uma convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas, expressando suas vontades 4 , para constituir, regular, modificar ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial, que pode ser traduzida por direitos disponíveis, direitos estes que podem ser convencionados ou pactuados por particulares sem a interferência do Estado, claro, desde que atenda as legalidades prevista no art. 82 do Código Civil, a serem analisadas a seguir. 3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 15. ed. rev. e atual, v. 5. São Paulo : Saraiva, 1980. p. 5. 4 As pessoas para expressarem suas vontades a ser colocadas em um contrato devem ser capazes para tal. O atual Código Civil em seu art. 5º , elenca as pessoas tidas como absolutamente incapazes para exercer atos da vida civil, ou seja, impedidas de expressarem suas vontades quanto a formulação de contratos, dentre os menores de 16 (dezesseis) anos; loucos de todos os gêneros; surdos-mudos que não possam exprimir sua vontade; ausentes declarados judicialmente. Esta classe de pessoas só poderá praticar atos da vida civil, ou manifestarem suas vontades através de um representante legal, não sendo desta forma, ou seja, qualquer ato por eles praticado será declarado nulo se não for feito através de um representante legal, por força do art. 145,I do Código Civil. O mesmo ocorre com as pessoas elencados no art. 6º do referido diploma legal, diferenciando que a incapacidade neste caso é relativa, devendo ser assistidas por um representante legal para a prática de atos em geral. Os atos que praticarem em discordância com a referida norma são passíveis de anulação. A declaração da vontade, para que tenha eficácia jurídica, dentro do contrato, deve seguir toda a formalidade descrita na norma, daí a necessidade da pessoa ser capaz para ver suas vontades impressas em um pacto sem que este se torne sem efeito, ou anulável. 8 1.2.2 Requisitos O art. 82 do Código Civil é claro: “a validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei”. Acrescentamos aqui, a formalidade, ou seja, forma e, a legitimidade. A obrigação contratual para ter validade e produzir seus efeitos exige elementos que a constituem. Segundo Orlando Gomes (1999, p. 5) a validade do contrato está ligada a elementos extrínsecos e intrínsecos, respectivamente pressupostos e requisitos. Possui requisitos subjetivos, objetivos e formais. Por requisitos subjetivos temos: a existência de duas ou mais pessoas; capacidade genérica para praticas os atos da vida civil; aptidão específica para contratar e; consentimento das partes contratantes. Os requisitos objetivos são: a licitude do objeto do contrato; possibilidade física ou jurídica do objeto do negócio jurídico; determinação do objeto do contrato e; economicidade de seu objeto. Requisitos formais são os atinentes à forma do contrato, que, segundo Beviláqua, é o conjunto de solenidades que se devem observar para que a declaração de vontade tenha eficácia jurídica. 1.3 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO CONTRATUAL Passa-se então, a analise dos princípios embasadores do direito contratual. 9 1.3.1 Princípio da Autonomia da Vontade Aqui tem-se o princípio no qual se funda a liberdade contratual dos homens. 5 Para Orlando Gomes, particulariza-se no Direito Contratual, na liberdade de contratar. 6 Consiste no poder de as partes estipularem livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando, além da liberdade de criação do contrato, a liberdade de contratar ou não contratar, de escolher o outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato, limitadas pelas normas de ordem pública, pelos bons costumes e pela revisão dos contratos. É um princípio clássico, inspirado no direito francês. 1.3.2 Princípio do Consensualismo O simples acordo entre duas ou mais partes contratantes basta para gerar o contrato válido, pois a maioria dos negócios jurídicos bilaterais é consensual, embora alguns, por serem solenes, tenham sua validade condicionada à observância de certas formalidades legais. Acredita-se que, com relação aos contratos reais, o princípio do consensualismo é mitigado, haja vista que para se tornarem perfeitos, além do simples acordo 5 6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 3. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 27. GOMES, Orlando, Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro : Forense. 1999. p. 22. 10 exigido, há a necessidade de entrega efetiva de alguma coisa, como no contrato de comodato, empréstimo entre outros. Este princípio traduz-se na idéia de que para a formação dos contrato basta a existência do elemento objetivo do contrato, qual seja, seu objeto dentro dos pressupostos legais, relegando ao segundo plano o acordo entre as partes, visto ser apenas um pressuposto fático (Leite, 2002). 1.3.3 Princípio da Obrigatoriedade da Convenção Aqui, tem-se um acordo de vontades, posto pelas partes constantes do vínculo obrigacional, o qual faz lei entre as partes – pacta sunt servanda. É essa obrigatoriedade que forma a base do direito contratual. 7 As estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra a parte que inadimpliu. O ato negocial, por ser uma norma jurídica, constituindo lei entre as partes, é inatingível, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso fortuito ou força maior, de tal sorte que não se poderá alterar seu conteúdo, nem mesmo judicialmente. Entretanto, tem-se admitido que a força vinculante dos contratos seja contida pelo magistrado em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação. (Lei n.º 8.078/90, arts. 6º, V, e 51). Com relação a esta mitigação do pacta sunt servanda, o Novo Código Civil – Lei n.º 10.406/02, trata em seu art. 480, in verbis: “Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”. 7 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo : Atlas, 2001. p. 339. 11 Assim, entende Orlando Gomes 8 que, celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos de validade, deve ser executado pelas partes como se as cláusulas fossem preceitos legais imperativos. A principal discussão acerca deste princípio é a impossibilidade de revisão das cláusulas contratuais estipuladas no negócio jurídico. Abarca-se aqui, o princípio da intangibilidade dos conteúdo dos contratos, ou seja a impossibilidade da revisão judicial. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas por via judicial, seja qual for o motivo invocado pelos contratantes, a exceção caracteriza-se quando há o vislumbramento de nulidade ou da resolução do contrato, nunca com o escopo de modificarse seu conteúdo. O pacta sunt servanda, no tocante à questão da força obrigatória dos contratos, vem perdendo a aplicação em seus termos absolutos. Situações contratuais, que por motivos supervenientes, tornaram-se insustentáveis, em virtude de acarretarem uma situação extremamente onerosa para uma das partes, vêm sofrendo revisões através do judiciário. Entretanto, um estudo aprofundado deste princípio será feito em capítulo próprio. 1.3.4 Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos O contrato, via de regra, ao ser formalizado é tido como lei, produz força obrigatória, o que, entretanto, vincula sua eficácia somente entre as partes contratantes. A avença apenas vincula as partes que nela intervieram, não aproveitando nem prejudicando terceiros. 8 GOMES, Orlando, Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro : Forense. 1999. p. 36. 12 Orlando Gomes apud Venosa 9 distingue efeitos internos dos contratos, ou seja, estes efeitos só atingem as partes vinculadas pelo negócio jurídico. Contudo, a regra de que é res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest (não prejudica terceiros os efeitos do contrato) também é mitigada de certa forma, haja visto nem toda pessoa, ou seja, terceiros exterior ao contrato, não possa vir a fazer parte desta relação jurídica. É o que ocorre com os sucessores das partes obrigadas, embora estes não são vistos como terceiros e sim substitutos. Existem obrigações que afetam terceiros, temos aqui os efeitos externos do contrato, caso é o das estipulações em favor de terceiros, que também não fazem parte da relação contratual, mas que de certa forma são contemplados com benefícios ou créditos criados pelo ajuste, reguladas pelo Código Civil em seus artigos 1.098 usque 1.100. Para Venosa 10 , o contrato é um bem tangível, que dele deita repercussões reflexas, mesmo que indiretamente, ainda assim, atingem terceiros 1.3.5 Princípio da Boa-Fé A legislação brasileira não contempla regra expressa sobre a interpretação de contratos à luz do princípio da boa-fé. Entretanto, felizmente, a doutrina e a jurisprudência entendem que se trata de um princípio geral do direito, devendo então prevalecer nas relação contratuais. 9 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil : teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo : Atlas, 2001. p 340. 10 Ibid. 13 Como bem nos ensina Theodoro Jr. 11 “o interprete portanto, em todo e qualquer contrato, deve se preocupar mais com o ‘espírito’ das convenções do que com a sua letra”. Na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na sua formação e execução. Pode ser traduzido como o dever das partes de agir corretamente ante a execução do negócio jurídico, seja antes, durante ou após o seu término, tendo em vista reflexos residuais que possam existir após a extinção do vínculo obrigacional. Tal princípio atine às questões de análise das condições em que o contrato foi realizado, nível sócio-cultural das partes e o contexto nacional quanto à historia e desenvolvimento econômico de onde o pacto foi realizado, buscando impor limites à autonomia da vontade, atenuando a desigualdade entre as partes. Assim: “A boa-fé – estado psicológico, julgado e medido segundo critérios ético-sociais e manifestações através de atos, atitudes ou comportamentos reveladores de uma crença positiva errônea, ou de uma situação de ignorância, ou de uma ausência de intenção malévola, segundo os casos e conforme as exigências legais – é ora protegida, ora reclamada pela lei, sempre por um fundamento de justiça: o Direito se aperfeiçoa à medida que leva em conta a boa-fé.” (ELISBÃO, Elsita Collor. Princípios informativos das obrigações contratuais civis. Porto Alegre : Livraria dos Advogados, 2000, p. 155.) 11 THEODORO JR., Humberto : O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro : Aide Editora, 1993. p. 35. 14 Pontes de Miranda apud Elisbão 12 entende que: “regras de boa-fé são regras de uso de tráfico gerais, porém de caráter cogente, que de certo modo ficam entre as regras jurídicas cogentes e o direito não cogente, para encherem o espaço deixado pelas regras jurídicas dispositivas e de certo modo servirem de regras interpretativas”. Ainda “Quando se diz que os usos podem servir ao juiz para se apreciar a boa-fé, porque são o resultado de exame repetido das diferentes situações das vida, apenas se fala de dois sentidos de uso, pois que é uso proceder de boa-fé.” 1.3.6 Princípio da Probidade No vernáculo, probidade significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Entende-se ser este princípio um ramo do princípio da boa-fé, que, da mesma maneira busca resguardar as relações jurídicas das más intenções que pode emanar de alguma das partes contratantes. A complexidade de certos negócios exige que os pactuantes comportem-se com probidade, de molde a extirpar disparidades inaceitáveis e, conseqüentemente, o enriquecimento ilícito. Atenta-se aqui à questão da licitude e honestidade, levando-se em consideração o brocardo latino nom omne quod licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto). A probidade nos contratos está expressamente prevista no novo Código Civil em 12 ELISBÃO, Elsita Collor. Princípios informativos das obrigações contratuais Civis Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2000. 15 seu art. 422, in fine: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” Aqui, há o entendimento de que uma das partes, desprovida de probidade utiliza-se de meios lícitos para atingir uma irregularidade, ou seja, intencionalmente a parte desvia os fins ali contratados para o seu locupletamento. A exemplo disso, o atual Código Civil retrata, em alguns dispositivos, a exigência da boa-fé, inclusive na orbe contratual, como é a venda pelo herdeiro do depositário, de boa-fé, da coisa depositada (artigo 1.272); a extinção ou revogação do mandato, se ignorada, de boa-fé (artigos 318 e 1.321); a alienação de um imóvel, de boa-fé, se indevidamente recebido (artigo 968); os contratos referentes a dívida de jogo ou aposta, que só geram obrigação natural, salvo quanto ao terceiro de boa-fé (artigo 1.477, § único); os contratos de seguro, em que as partes devem agir devem agir com boa-fé e veracidade (artigo 1.443). Os exemplos acima elencados buscam elucidar que de alguma forma, a parte, embora envolvida da boa-fé, buscou fins ilícitos para seus atos negociais, sendo assim, acarretando invalidade do negócio jurídico. Logo, ambos os princípios, o da boa-fé e o da probidade estão intimamente relacionados, uma vez que os contratantes não devem agir com o intuito e lesionar os interesses ali pactuados, para obtenção do enriquecimento ilícito, e prejuízo à outra parte, sob pena de viciarem o negócio jurídico. 16 1.3.7 Princípio da Função Social do Contrato O contrato, dentro de uma sociedade evoluída, projeta-se naturalmente, em decorrência da vontade e do consentimento humano. Isto porque, se o homem moderno não fosse protegido com relação à sua liberdade e o direito de propriedade, o contrato ficaria sem sua função prática, sendo certo que se apresenta como veículo da circulação de riqueza 13 . A função social do contrato é abraçada pela nova legislação civil em seu art. 421, in fine: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Temos então que tal princípio é tido como o primeiro a ser levado em consideração no momento da formação de um contrato. Seguido pelo princípio da probidade e da boa-fé, elencados no art. 422, da referida legislação. 13 THEODORO JR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro : Aide Editora, 1993, p. 13. 17 2 O CONTRATO DE LEASING 2.1 HISTÓRICO Em razão do dinamismo do Direito Comercial, os comerciantes procuram sempre inovar as formas de transação comercial de maneira a facilitá-las. Criando-se então novas figuras, respeitando-se as normas do Direito Comercial. Acredita-se que o leasing advém da antigüidade, traços deste tipo de contrato podem ser encontrados no Código de Hamurabi – Babilônia e no Egito. Alguns autores indicam a origem do leasing na iniciativa de P. Boothe Jr., um norte-americano, que para atender a um contrato de fornecimento às Forças Armadas dos Estados Unidos, resolveu alugar os equipamentos necessários, porque não lhe convinha adquiri-los. Em seguida resolveu aproveitar a própria experiência e, em 1952, fundou a United States Leasing Corporation, em São Francisco. Outra corrente nega que Booth Jr. seja o criador do arrendamento mercantil, fala-se que em 1877, também nos Estados Unidos, a empresa telefônica Bell Thelephone System foi a responsável por este tipo de operação e posteriormente a IBM ao alugar suas máquinas, entre outras, esta já em 1920. Outros consideram que o leasing foi inspirado em um ato político de direito internacional público, durante a 2ª Guerra Mundial. O exemplo americano foi acolhido e rapidamente se difundiu na Europa e na América Latina. Dos Estados Unidos o leasing se expandiu para outros continentes, chegando a países como Inglaterra (1960), França (1962), e no Brasil mais ativamente em 1964. 18 Com relação ao seu sistema legal, o leasing foi gradativamente regulado por normas. Nos Estados Unidos é regulado por leis esparsas e também alguns de seus aspectos encontram-se no Uniform Comercial Code. Na França foi regulado pela Lei n.º 66.455, de 02.07.1966, complementada e modificada pela Ordenança n.º 67.837, de 28.09.1967 e, por último o Decreto n.º 72.665, de 04.07.1972. Na Bélgica o leasing foi regulado pelo Decreto Real n.º 55, de 10.11.1967. Por fim, no Brasil o leasing foi regulamentado através da Lei n.º 6.099, de 12.09.1974, modificada pela Lei n.º 7.132, de 26.10.1983. 2.1.1 Terminologia A palavra leasing vem do inglês norte-americano to lease significando alugar, arrendar, ou seja, cessão onerosa. Na Inglaterra diz-se hire-purchase; na França utiliza-se crédit-bail mais comumente, ou ainda, location-financement, location de exploitation e location operationelle; na Itália locazione finanziaria. Nossa lei fala em arrendamento mercantil. Contudo, esta modalidade de contrato é conhecida mundialmente como leasing. 2.2 DEFINIÇÃO A Lei n.º 6.0999/74, com as modificações da Lei n.º 7.132/83, traz a definição legal de arrendamento mercantil em seu art. 1º, § 1º, in fine.: “Considera-se arrendamento mercantil, para efeitos desta lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.” 19 O contrato de leasing é tido como um contrato misto onde um financiador, pessoa jurídica, adquire e aluga a uma empresa bens de equipamento ou de uso profissional, móveis ou imóveis, a longo ou médio prazo, facultando-se ao locatário a aquisição dos mesmos pelo preço residual. Para Simanez 14 : “o lease é um contrato entre um arrendador e um arrendatário, para o arrendamento pelo arrendatário, de um ativo específico selecionado de um fabricante ou vendedor de tal ativo. O arrendador detém a propriedade legal do bem, e o arrendatário, o uso através do pagamento de contraprestações por um período de tempo determinado.” A lei n.º 6.099 de 12.9.1974 conceitua o instituto e dá as normas que devem regê-lo. A lei brasileira impõe determinados requisitos que devem constar do arrendamento mercantil, como o prazo contratual; valor de cada contraprestação por períodos determinados, não superiores a seis meses; opção de compra ou renovação de contrato – faculdade do arrendatário; preço para exercício da opção de compra ou critério para a sai fixação, quando for estipulada esta cláusula. De acordo com a lei, não são aplicáveis as regras a outros tipos de locação de bens, sendo este contrato restrito à pessoas jurídicas. Lembrando que com o advento da Lei n.º 7.132, de 26.10.1983, passou-se a admitir que a pessoa física fizesse parte desta operação. Portanto, o leasing ou, como denominado pela legislação brasileira, arrendamento mercantil é uma modalidade de contrato onde uma pessoa jurídica, o arrendante, arrenda, por certo tempo, um bem escolhido de terceiro, por uma pessoa física ou jurídica, o arrendatário, e ao término do contrato, o arrendatário possui três opções: devolver o bem arrendado, renovar o arrendamento mercantil, ou ainda, mediante o pagamento de um valor residual adquirir o bem em questão 15 . 14 15 SIMANEZ, Carlos Patrício. Leasing: análise e avaliação. Rio de Janeiro : Editora Atlas, p. 13. WALD, Arnoldo. Obrigações e contrato. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 469. 20 Assim, o leasing é uma modalidade de financiamento, onde a pessoa, física ou jurídica, não disponibilizando de erário suficiente para adquirir o bem, pode usufruir deste e, somente ao final tornar-se proprietário mediante pagamento de um valor residual sobre o preço do bem previamente acertado. 2.3 ELEMENTOS DO CONTRATO DE LEASING Primeiramente, para o aperfeiçoamento do arrendamento mercantil, existe a necessidade de três entes com capacidade para contratar, pode ser somente entre pessoas jurídicas ou na figura do arrendatário uma pessoa física. Geralmente, a empresa proprietária do bem, a empresa financiadora, que irá comprar o bem que foi indicado pelo arrendatário e a empresa ou pessoa física que contratou o leasing, indicando o bem, sobre o qual terá sua posse, podendo vir a adquiri-lo ao fim do contrato. O arrendatário, indicará o bem ou bens à empresa financiadora, sendo que esta deve seguir as especificações dadas pelo arrendatário, como tipo do bem, seu fornecedor e o preço, estipulando-se nessa fase, as regras gerais que vigerão no contrato. Após, a financiadora irá adquirir o bem junto à empresa indicada, celebrando contrato de compra e venda, onde o arrendatário não terá qualquer participação. Em seguida, a financiadora concede o uso do bem ao arrendatário, sendo que o tempo deste uso não pode ser inferior à dois anos, lembrando que o contrato de leasing é uma prestação de trato sucessivo a longo prazo. Se, na vigência do pacto, houver a devolução do bem pelo arrendatário, este deverá pagar integralmente as prestações devidas, se a empresa financiadora assim exigir. 21 Após o término do prazo de arrendamento, ao arrendatário será dado três opções. 1) se assim quiser, poderá adquirir o bem arrendado, por preço menor do que o da aquisição primitiva, tendo em vista o pagamento das prestação à título de aluguel; 2) devolvêlo ao arrendante; 3) por fim, prorrogar o contrato, sendo que o pagamento de renda será menor do que o primitivo, haja vista não estar o bem em estado de novo. 2.4 ESPÉCIES O leasing pode ser praticado através de diferentes modalidades, a qual ressaltamos ser a mais importante e corriqueira o leasing financeiro ou puro. 2.4.1 Leasing Financeiro É o arrendamento mercantil, aquele em que a empresa se dedica, exclusivamente e com habitualidade, a adquirir bens de terceiro para arrendá-los a pessoas, físicas ou jurídicas, que deles necessitem, perante retribuição preestabelecia. É um leasing simples, onde a empresa de arrendamento mercantil se limite a adquirir o bem e alugá-lo. Rizzardo (2000, p. 44), entende que esta modalidade de leasing tem como característica identificadora e mais saliente o financiamento que faz o locador. É realizado por fases, sendo que cada uma delas com característica próprias. Assim, temos: 1) A empresa arrendante não é proprietária dos bens a serem arrendados. O bem em questão é escolhido e indicado pelo arrendatário. A arrendante então adquire o bem indicado e em seguida arrenda a quem o indicou. 2) O contrato de arrendamento mercantil é 22 por tempo determinado, sendo que ao final de sua vigência o arrendatário tem a opção de compra do bem, opção esta irrevogável. O valor da compra é previamente fixado. As prestações pagas pelo arrendamento, geralmente levam em conta o valor do bem e o uso e gozo pelo arrendatário. O risco de obsolescência deve ser levado em conta no contrato de leasing. 3) O contrato deve ser cumprido, obrigatoriamente, até o fim. Temos então, uma operação de financiamento e de aluguel. Diferencia-se do financiamento convencional, sendo que no leasing há vantagens fiscais, uma vez que a contraprestação pode ser deduzida como despesa; bem como da locação, já que a contraprestação tem o condão não só de aluguel mas inclui amortização do bem, permite ao arrendador recuperar, num único contrato o valor investido no ativo por ele adquirido para arrendamento. Seu contrato é incancelável 16 . O risco no caso de obsolência não é assumido só pela financiadora, como ocorre na modalidade de Leasing Operacional, sendo que esse ônus recai na sua maior parte sobre o arrendatário. O valor residual configura uma operação que se assemelha a um empréstimo para a compra do bem. Com caráter eminentemente financeiro, a financeira está sujeita a intervenções. Aqui, o arrendatário é o responsável para manutenção do bem arrendado e tudo o mais o que a ele estiver relacionado. 2.4.2 Leasing Retorno Mais complexo que o arrendamento mercantil puro. É feito entre pessoas jurídicas. 16 Simanez, apresenta esta idéia, contudo em análise na doutrina acerca do assunto, autores como Rizzardo, Wald, Martins, não corroboram com esta idéia, apenas trazem a lição de que os contratos de arrendamento mercantil puro possuem prazo determinado de no mínimo dois anos de vigência para bens de vida útil igual ou inferior a cinco anos; ou de três anos, para bens de maior duração de acordo com o art. 8º da Resolução 2.309. 23 Se dá quando uma empresa, sendo proprietária de um bem o vende a outra pessoa jurídica, esta, por sua vez irá arrendar o bem adquirido à própria empresa que o vendeu, por isso a denominação de lease-back. Aqui não se vislumbra a figura do terceiro de quem se adquire o bem, que está presente na modalidade do leasing financeiro. Como no leasing financeiro, o leasing retorno dá, ao final do contrato o direito ao arrendatário de adquirir o bem, pelo seu valor residual. Neste caso a empresa arrendatária readquiriria o bem. A legislação brasileira é omissa com relação à essa modalidade de arrendamento mercantil. 2.4.3 Leasing Operacional É equiparado do Renting ou rental (locação de coisa) caracterizado por ser um contrato de locação de bens móveis. A empresa quase sempre, fabrica os bens e os loca, prestando assistência técnica. São contratos de locação, às vezes combinados com outro de prestação de serviços promovido pelos próprios fabricantes ou fornecedores (operating leasing). Sua diferenciação com relação ao leasing financeiro é que no leasing operacional o contrato pode ser rescindido a qualquer tempo pelo arrendatário desde que haja um aviso prévio 17 de 30 dias. 17 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro : Editora Forense, 2000. P. 456. 24 Possui também, ao final do contrato a opção de compra do bem locado pelo arrendatário, bem esse que pela natureza contratual, na sua maioria, são bens móveis. O ponto em que se pode diferenciar o Leasing Operacional do Renting é que neste a locação do bem se dá a curto prazo, enquanto que é característica do leasing a vigência do contrato a longo prazo Assim, é uma operação que envolve a locação de objetos móveis, na sua maioria, por períodos de curta duração, bem como as empresas que operam nesse sistema de arrendamento mercantil não se enquadram como instituições financeiras. Possui por características precípuas: que o aluguel pago não corresponde à quase totalidade da amortização e aos juros decorrentes da aquisição do equipamento pela empresa arrendadora; a empresa de arrendamento mercantil assume a responsabilidade pela manutenção do equipamento arrendado, objetivando o perfeito funcionamento do ativo arrendado; o arrendatário não fica obrigado a continuar a arrendar um equipamento que não mais lhe interessa; bem como o arrendador é responsável pelos riscos decorrentes do direito de propriedade sobre o ativo arrendado. 2.4.4 Outras modalidades de Leasing Existe ainda, a modalidade Leasing de Intermediação, onde a sociedade de leasing serve apenas como intermediadora, recebendo uma comissão; a financeira é chamada de agente de leasing (leasing broker). 18 Outra é o Leasing de Manutenção, modalidade em 18 WALD. Op. cit. p.470. O autor, na mesma obra, entende que o Renting, aqui inserido no contexto do Leasing Operacional, é uma forma de contrato análogo ao contrato de leasing. 25 que, além do leasing comum a financeira se obriga a prestar assistência técnica ou manutenção do material, entendemos neste caso, tratar-se do Leasing Operacional. Maria Helena Diniz (1995, p. 435) elenca ainda o Self-Leasing, que consiste na operação entre empresas coligadas, onde uma tem o papel de arrendante, se esta fornece ou fabrica bens que a outra, na posição de arrendatária, necessita para o seu funcionamento. A Lei 6.099/74 excluí esta modalidade de arrendamento mercantil. A autora traz ainda o Dummy corporation, que está relacionado ao trust, se dá numa sociedade entre investidores e arrendatários, onde aqueles, organizados em uma sociedade emitem debêntures para gerar capital e adquirir bens, que serão arrendados, recebendo então os aluguéis sobre tais bens. 2.5 GENERALIDADES A sociedade de leasing é uma entidade parafinanceira que não exerce atividade financeira típica, mas está submetida, para determinados fins, ao Banco Central do Brasil (BACEN). O arrendatário pode ser pessoa física ou jurídica, de direito privado ou de direito público. A lei n.º 6.099/74 só admitia pessoas jurídicas, com o advento da lei n.º 7.132 de 26.10.83, permitiu-se pessoas físicas. As operações de leasing são regulamentadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN) e o contrato possui as seguintes características: é consensual, pois é formado pela aceitação de sua proposta; bilateral, haja vista a geração de obrigações para ambos os contratantes; oneroso, porque existe obrigação patrimonial para as partes envolvidas no contrato; comutativo, existe aqui, uma contraprestação de cada uma das partes, mais ou menos equivalente; de trato sucessivo, pois não se esgota com a simples assinatura do 26 contrato, possuindo várias fases a serem cumpridas; por tempo determinado e; exige prova por escrito. Tem por objeto bens móveis ou imóveis 19 , materiais ou imateriais que atendam as finalidades da empresa. Embora possua, dentro de sua natureza, características de locação, o arrendamento mercantil diferencia-se daquele instituto. No leasing, findo o contrato, existe uma tríplice opção para o usuário: renovar a locação; adquirir o material; ou restituí-lo. Entre outras diferenças temos que, no leasing o risco da coisa é do arrendatário, na locação é do locador. Contudo, existem semelhanças entre esses contratos. Pagamento de aluguel na locação, pagamento de remuneração no arrendamento mercantil ; ações para a defesa do inquilino e para a defesa do arrendatário; inversão do ônus tributário na locação e no leasing. São cláusulas usuais constantes do contrato de leasing: isenção da responsabilidade da empresa de arrendamento mercantil pelo material, que é comprado por indicação do usuário; ação redibitória ou estimatória – o usuário fica sub-rogado no direito da empresa de leasing; utilização – com o cuidado de um bom pai de família; garantias – seguro e reparos por conta do usuário e inspeção pela sociedade arrendadora; proibição de ceder e deslocar os bens; pagamento do aluguel, quase sempre mensal; juros de mora; correção monetária. 19 Tem-se aqui categorias de leasing, o leasing mobiliário e o imobiliário. Sendo que o primeiro refere-se a bens móveis, que são de fabricação ou venda de empresa outra que não a arrendadora, a ser adquirido por ela para fornecer aos seus clientes. Já no segundo, o bem em questão será sempre um imóvel, onde o mais corriqueiro é a aquisição de terreno pela arrendante e o custeio da construção de acordo com as especificações do arrendatário, para então arrendar o imóvel. 27 2.6 NATUREZA JURÍDICA A natureza jurídica desta modalidade de contrato é questão controvertida entre seus estudiosos. É um negócio jurídico complexo 20 , visto porque associando diversos negócios, estes se formam por manifestação unitária da vontade, não se decompondo em outros contratos. Não se confunde com a locação, tendo em vista que este tipo de contrato, findo o prazo, salvo acordo ou leis especiais, a coisa deve ser devolvida, extinguindo-se o contrato. É tido como uma operação financeira, já que existe uma operação de financiamento em seu bojo, sendo a sua principal característica. A complexidade de sua natureza se dá exatamente pelas várias modalidades contratuais existente em uma operação de arrendamento mercantil. Além do financiamento, configura-se a locação, e a promessa unilateral de venda, em razão da opção de compra do bem ao final do contrato pelo arrendatário; o mandato, já que é o próprio arrendante que trata com o terceiro vendedor na escolha do bem. A controvérsia se dá exatamente na vontade de encaixar o contrato de leasing dentro de uma destas modalidades acima destacadas. O que se percebe na análise do contrato é a presença de características que predominam em cada um daqueles contratos. Daí pode-se concluir que o leasing é uma forma híbrida de contrato, o que dificulta a exata classificação de sua natureza jurídica. Um agravante a esta discussão é o fato de que a 20 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais – ed. rev. e aum. – Rio de Janeiro : Forense, 2000. p.459. 28 legislação que trata do arrendamento mercantil é voltada para aspectos tributários de sua aplicação. 2.7 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE LEASING Pode ser extinto, normalmente, pela expiração do prazo e devolução dos bens, isto porque é um contrato a ser exercido com prazo determinado. Por ser um contrato intuito personae, a substituição de uma das partes dá razão a sua extinção, lembrando sempre que a parte prejudicada será ressarcida pela outra de deu razão à substituição se esta causar prejuízos. Se exercido a opção de compra pelo usuário, acertada pelo preço residual, transformado neste caso, em contrato de compra e venda. Pelo inadimplemento e, por último, pelo distrato. 2.8 COMENTÁRIOS Com o fundamento na boa doutrina nacional, o leasing é apontado como fator de produtividade. Certos produtos, principalmente os de alta tecnologia, como os computadores, tornam-se obsoletos em pouco tempo, não convindo às empresas a sua aquisição, porque em pouco tempo já se consideram superados ou não atendem a expansão. Desenvolve-se a economia, abrindo-se nova forma de financiamento, novos negócios bancários, novas fontes de venda de equipamentos, seguros dos materiais, enfim melhorias gerais. 29 Para o usuário, o capital de giro é poupado. Para as empresas de leasing, há novos campos de trabalho. Para o governo há novas fontes tributárias21 . Assim, sua visão é no entender, mercantilista. Embora os apontamentos sejam em seu favor, o leasing teve sua utilização desvirtuada, isto porque, as pessoas físicas para fugirem de obrigações tributárias e fiscais, o utilizam para aquisição de bens ao invés de o fazem pelas vias ordinárias, como o contrato de compra e venda. Ademais, a avalanche desta modalidade de contrato ocorreu por ocasião da estabilização do real, assunto que será tratado em tópico específico. 21 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1995. p.474. 30 3 PACTA SUNT SERVANDA 3.1 BREVE ABORDAGEM Este é o princípio mais cultuado pela doutrina conservadora e legalista. Isto porque o nosso direito positivado, com exceção de diplomas legais recentes, abraçou esta diretriz. Assim, vejamos senão algumas definições acerca deste princípio: “O contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir a intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro : teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. v. 3. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 30). Para Washington de Barros Monteiro (1979, p. 9) é aquilo que as partes, de comum acordo, estipularam e aceitaram, deverá ser fielmente cumprido (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o devedor inadimplente. Ainda, Venosa (2001, p. 339) é claro ao dizer que o contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O acordo de vontade faz lei entre as partes. A insegurança jurídica é o sustentáculo para a vigência de tal princípio, e por esta razão, o direito contratual o tem por fundamento. 31 Isto tudo se deve ao fato de que, a obrigação contratual tem por requisito básico a manifestação da vontade livre de vícios, a qual foi expressa pelas partes formando um vínculo de direito, traduzido pelo contrato e, assim, uma vez pactuado deve ser cumprido. Ademais, o pacta sunt servanda também tem como sua base o princípio da autonomia da vontade dos contratantes, como já visto. Assim, é o entendido que as cláusulas contratuais devem ser cumpridas como regras indisponíveis, do mesma forma das regras postas pelo ordenamento jurídico. Contudo, temos que lembrar que o princípio da obrigatoriedade das convenções não é absoluto. Da mesma idéia compartilha Washington de Barros Monteiro ao dizer que exceção a este princípio existem o caso fortuito e a força maior. Deve-se atentar, entretanto, para outros aspectos limitadores desta teoria, quais sejam, os requisitos de validade contratual, de tal sorte que, uma vez burlados, viciam a obrigação contratual e esta deixa de ser absoluta e não obriga às partes a nenhuma cláusula dela constante. José Frederico Marques 22 é claro em sua idéia: “A limitação da liberdade contratual vai possibilitar, assim que novas obrigações, não oriundas da vontade declarada ou interna dos contratantes, sejam inseridas no contrato em virtude de lei ou ainda em virtude de uma interpretação construtiva dos juízes, demonstrando mais uma vez o papel predominante da lei em relação à vontade na nova concepção do contrato.” 22 NETO, Nelson Zunino. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Disponível em: <http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina/pactrebu.html>. Acesso em 15 set. 2001. 32 Os contratos quando realizados livre de vícios produzem regularmente seus efeitos bem como se descumpridos a parte inadimplente sofre sanções patrimoniais, respondendo por perdas e danos, salvo se ocorrer um desequilíbrio contratual oriundo de uma onerosidade excessiva causada por algum fato imprevisível. Esta é também uma das limitações ao princípio da pacta sunt servanda, ou seja, a imprevisibilidade capaz de alterar o equilíbrio da obrigação contratual. Assim, temos que considerar acerca da previsibilidade. 3.2 PREVISIBILIDADE DE UMA CRISE CAMBIAL No caso específico deste estudo, temos como fator determinante de descumprimento dos contratos de arrendamento mercantil a crise cambial, que na visão do homem médio, sobre o qual analisaremos a seguir, foi imprevisível à época da formação do vínculo jurídico obrigacional. Como se verá adiante, a crise financeira que assolou o Brasil no final do século XX e perdura até os dias de hoje foi causa fundamental para inúmeros pedidos de revisão judicial dos contratos de leasing com cláusula de reajuste na variação cambial, isto porque na época em que foram validados, a política cambial adotada aparentava uma estabilidade do cambio. Entretanto, era previsível que a política adotada seria insustentável, o que de fato aconteceu. A pergunta a ser feita é se na época este risco era previsível ou não. 33 Em opinião particular, entendeu-se que uma crise cambial é previsível qualquer que seja a situação econômica, política e social do país, principalmente quando se trata de um país sujeito aos efeitos da globalização. Logo, se faz necessário a análise do perfil do homem médio, sendo ele capaz deste tipo de previsibilidade. 3.3 O HOMEM-MÉDIO No direito temos parâmetros a serem seguidos, levando-se em consideração o perfil do homem-médio, ou seja, busca-se estabelecer normas de acordo com este perfil, atentando para o fato de que nenhum homem é igual ao outro. Vemos ressaltado este conceito na esfera do direito penal, onde espera-se uma conduta condizente com a de um perfil geral. Entretanto é dificultosa a tarefa de se estabelecer o perfil do homem-médio. O que se consideraria para tal? Principalmente neste caso, haja vista o conhecimento político e econômico que deveria ser analisado. Neste sentido temos a lição de Aguiar Jr apud Ribeiro 23 : “Para o homem comum, a previsibilidade de alteração no contexto macroeconômico deve ser condicionada à sua experiência anterior e à vivência do presente. Seria inescusável, a princípio, a alegação da volta da inflação ou de um bloqueio de cadernetas de poupança. Quanto a uma explosão do preço do dólar, somente as pessoas com conhecimento bem mais refinado podiam saber do risco à época da avenca, o que não é o caso dos devedores. Nos contratos acordados posteriormente não poderá ser alegado o desconhecimento de tal perigo, dada a experiência da crise. 23 RIBEIRO, Renato Ventura. Crise cambial e revisão judicial dos contratos de leasing indexados em moeda estrangeira: breve contribuição ao debate. Rio de Janeiro : Revista dos Tribunais, ago. 1999. v. 766. 34 A imprevisibilidade acompanha a idéia de probabilidade. É provável o acontecimento futuro que, diante de circunstâncias conhecidas, ocorra conforme o juízo decorrente da experiência.” Válido ressaltar que os contraentes de obrigação contratual de arrendamento mercantil não tinham consciência do que poderia acontecer, isto porque uma nação inteira foi levada a acreditar que as mudanças previstas no início dos anos 90 seriam mantidas a bem de todos. Em breve comentário, entende-se que, por outro lado, as instituições financeiras operadoras de arrendamento mercantil possuíam à época da nova política cambial conhecimento especializado com relação ao assunto, sendo elas então obrigadas ao conhecimento pleno dos riscos oferecidos na variação cambial. Assim, não estariam tais instituições agindo de má-fé com relação à outra parte contratante? Ponto pacífico é que elas não podem alegar desconhecimento da possibilidade de quebra da política cambial. 35 4 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO 4.1 UM NOVO CENÁRIO ECONÔMICO NACIONAL A desvalorização da moeda nacional no final da década de 90 causou surpresa ao cenário econômico nacional que viu sua política cambial fracassar, obrigando a todos uma adaptação a esta nova realidade, que perdura até o presente momento. Com a elevação do preço do dólar, obrigações contratuais ajustadas pela moeda estrangeira, em especial o contrato de leasing, tornaram-se extremamente onerosas com relação ao aumento excessivo das parcelas ajustadas pelo dólar, tendo em vista a falta de expectativa dos contraentes. Gustavo Franco 24 diz que o plano real, em política de combate à inflação do início dos anos 90, previa a redução da inflação inercial e após, o equilíbrio nas contas públicas. Criou-se então, com a Lei n.º 8.880, de 27 de maio de 1994, que dispõe sobre o programa de estabilização econômica e o sistema monetário nacional, institui a unidade real de valor – URV e dá outras providências, um padrão de valor monetário, a Unidade Real de Valor (URV), servindo como indicador de preços; que no futuro tornou-se a nova moeda nacional, o Real, emitido a partir de 1994. 24 RIBEIRO, Renato Ventura. Crise cambial e revisão judicial dos contratos de leasing indexados em moeda estrangeira: breve contribuição ao debate. Rio de Janeiro : Revista dos Tribunais, ago. 1999. v. 766. 36 Para o equilíbrio das contas públicas a eliminação do déficit público era imprescindível, o qual foi combatido com o aumento da carga tributária e a redução das despesas públicas. Contudo, a falta de previsão e a realização das reformas necessárias dentro do governo, ou seja, a reestruturação da política econômica para o controle da inflação, impediu o crescimento econômico do país. Adotou-se então, uma política cambial. Com a nova política cambial para conter a inflação, passou-se a manter a taxa de cambio inalterada, tendo-se a idéia de estabilidade de preços, fixando-se o cambio de forma a manter a moeda nacional valorizada em face das demais. A adoção deste plano de estabilização econômica criou uma armadilha, tendo em vista o sucesso inicial do Plano Real, instituído pela Lei n.º 9.069 25 , de 29 de julho de 1995, e contentamento da população com a estabilidade, esqueceu-se que a política cambial é algo extremamente vulnerável, haja vista para que tal política desse certo, é necessário a combinação de vários outros componentes que o governo relegou a segundo plano. Assim, no caso específico do contrato de arrendamento mercantil, ocorreu um vislumbramento pela possibilidade de correção do contrato por um índice mais baixo, qual seja à época o dólar. Previa-se uma pequena possibilidade do aumento da moeda estrangeira, acreditando-se ao fazerem perspectivas, que esta alcançaria o máximo de R$ 2,00 (dois reais). Clara é a situação de que com o sucesso do real, perdeu-se a capacidade de previsão com relação à política cambial, ou seja, houve um alcance errôneo desta política, oriundo do excesso de otimismo, bem como, uma falha na manutenção da mesma pelos motivos já expostos. 25 Esta lei dispõe sobre o plano real, o sistema monetário nacional, estabelece as regras de condições para a emissão do real e os critérios para conversão das obrigações para o real, e dá outras providências. 37 4.2 O CONTRATO DE LEASING COM REAJUSTE VINCULADO À VARIAÇÃO CAMBIAL A elevada taxa de juros interna, acrescida de impostos e encargos, encarecia o valor das operações de leasing. A facilidade de algumas instituições financeiras de captar recursos estrangeiros a juros menores levou à celebração de contratos de arrendamento mercantil vinculado à variação cambial. Os contratos de arrendamento mercantil com reajuste vinculados à variação cambial alicerçaram-se na letra do art. 6º, da Lei n.º 8.880/94, in fine: “Art. 6º. É nulo de pleno direito a contratação do reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base na captação de recursos provenientes do exterior.” Evidente que a moeda estrangeira serve apenas como medida de conta nesta espécie de contrato, devendo a obrigação reajustada por este parâmetro ser liquidada em reais, que é a moeda corrente no Brasil. Aspecto importante deste contrato de arrendamento mercantil é a captação de recursos a serem utilizados para tal financiamento, já que autorizado esta a utilização do reajuste vinculado à variação cambial se os recursos forem estrangeiros. Em atenção ao que dispõe o artigo de lei supra citado, vislumbra-se duas hipóteses, embora sejam ressalvas, são autorizadoras de fixação de cláusula de correção cambial, sendo as seguintes: se autorizada por lei federal, a instituição financeira pode fazer a captação de recursos no estrangeiro, ou ainda, se o contrato de arrendamento mercantil for celebrado entre pessoas domiciliadas no território nacional. 38 Logo, as instituições financeiras devem comprovar a origem dos recursos utilizados para as operações de leasing, e é neste ponto que o contratante – arrendatário, quando torna-se inadimplente em virtude da excessiva onerosidade das prestações em decorrência da alta imprevisível da moeda estrangeira, se apega para discutir a nulidade contratual, obrigando as financeiras a comprovarem a origem dos recursos utilizados para a prestação do arrendamento mercantil. 4.2.1 A Validade das Cláusulas de Correção Cambial A Lei n.º 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o conselho monetário nacional e dá outras providências, em seu art. 17, reza como sendo característica de uma instituição financeira a atividade de intermediação, utilizando-se de recursos próprios ou daqueles que possuem excedentes para empréstimo. No caso específico do arrendamento mercantil, o texto do art. 6º, da Lei n.º 8.880/94, já mencionado, excluiu a hipótese de celebrar-se um contrato de leasing com cláusulas de correção monetária praticadas com recursos próprios. Também como já dito, as instituições financeiras, para pretender exigir variação cambial, devem demonstrar a origem externa da totalidade dos recursos dirigidos às operações de leasing. Válido ressaltar que por desempenharem um papel de intermediação, ou seja, captam recursos daqueles que têm excedentes para emprestar aos que precisam de financiamento (Ribeiro, 1999), a partir do momento de captação de recursos estrangeiros, para empréstimo com variação cambial, não estariam sujeitas às oscilações cambiais, isto porque já 39 houve a operação financeira, não podendo assim, haver reajustes em algo que já foi consumado. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADin n.º 493 decidiu que o índice de captação não se confunde com aquele que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda, admitindo-se a revisão de cláusula de reajuste em contrato de arrendamento mercantil com esta cláusula de variação. 4.3 A REVISÃO CONTRATUAL A obrigatoriedade das convenções não é mais aceita no sentido absoluto, tendo em vista que a revisão contratual é considerada em casos excepcionais, quando estiverem presentes causas que autorizem tal situação. O referido instituto é hodiernamente recepcionado por leis substantivas como o Código de Defesa do Consumidos (CDC) e o Código Civil (CC). A aplicação da cláusula rebus sic stantibus está condicionada à impossibilidade de se prever a mudança do estado de fato das coisas, principalmente em obrigações de trato sucessivo ou dependência do futuro, como se dá nos casos do contrato de arrendamento mercantil, já que este tem por característica prazo determinado de no mínimo dois anos de duração, na maioria das vezes. 40 4.3.1 Evolução Histórica da Cláusula Rebus Sic Stantibus A teoria da imprevisão e a possibilidade de sua aplicação possui indícios de sua existência desde a Roma Antiga, por esse motivo se faz necessário um acompanhamento de sua evolução pelos tempos. 4.3.2 A Revisão do Contrato no Direito Romano Gaio, em suas Institutas, apresentou variadas espécies de obrigação, dentre as quais as advindas de um contrato e, já naquela época observamos a existência da possibilidade de revisão contratual. Em Roma não se utilizava a expressão rebus sic stantibus, mas teriam utilizado de princípios que cominaram na construção da teoria da imprevisão. Em alguns textos do Digesto e também do Codex justinianeu encontram-se vestígios de que haveria relaxamento do princípio da imutabilidade dos contratos. Exemplo claro de modificação contratual permitida àquela época é contido no Corpus Iuris Civilis, Codex 4, 65,3 onde permitia-se que o locador reavesse a coisa locada antes do prazo estabelecido no contrato, se houvesse necessidade de utilizá-la ou repará-la, garantindo ao proprietário o chamado ius poenitendi 26 . 26 Essa figura assegurava às partes de um contrato inominado que elas poderiam retirar a sua prestação que lhe cabia. Era-lhes permitido, portanto, arrepender-se do negócio cujas prestações já tivessem cumpridas, desde que o fizessem antes da outra parte adimplir. Esse instituto poderia servir, em inúmeras ocasiões, para que o contratante se defendesse da onerosidade excessiva, arrependendo-se do contrato. (MORAES, 2001, p. 45). 41 Outro exemplo é o texto do Codex 5, 2, 5, 4. que determinava a devolução do arras esponsalícias caso a esposa tenha tido um justo motivo de arrependimento posterior à entrega do arras (MORAES, 2001, p. 44). Assim, como visto no direito romano, a cláusula rebus sic stantibus não era aplicada no sentido hoje encontrado.somente em alteração no estado de fato das coisas e nem tanto na imprevisão ou na onerosidade excessiva. 4.3.3 O Direito Medieval e a Teoria da Imprevisão Em Bolonha, no final do século XI, temos os glosadores, influenciados pela escolástica. Nas glosas do Digesto romano formuladas por tais estudiosos possuíam importantes pensamentos acerca do assunto, dentre elas a Glosa ordinária, de Acúrsio (1185 – 1263?). “Nela há um fragmento importante sobre a teoria rebus sic stantibus, no comentário à passagem do D. 12, 4, 8, de autoria de Neratio (...) Essa passagem do Digesto afirma que o dote, entregue em virtude de esponsais, não pode ser restituído antes de as partes se divorciarem, pois o casamento delas ainda pode (potest) ocorrer, por permanecer entre elas uma afinidade. A glosa de Acúrsio, ao examinar a expressão potest, utilizada por Neratio, considera que ela não deve ser estendida ao período de tempo correspondente à vida de um dos nubentes, porque então o repúdio não possibilitaria a repetição, pois sempre haveria a possibilidade de as partes virem algum dia a se casar. Daí convém que esse potest seja estendido segundo o presente, de acordo como se têm as coisas – rebus sic habentibus - , isto é, enquanto um dos nubentes não tenha contraído outras núpcias”.(MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic stantibus. São Paulo : Saraiva, 2001, p. 48/49). 42 Com a ampliação das glosas estas foram aperfeiçoadas pelos pós-glosadores, que possuíam um pensamento mais contemporâneo, entretanto, a idéia de teoria da imprevisão continuaria a mesma, qual seja, a sujeição a uma nova situação de fato. Contudo, a cláusula rebus sic stantibus não tinha uma aplicabilidade útil e prática da mesma forma que na Roma Antiga. 4.3.4 A Idade Moderna: O Declínio e o Ressurgimento da Teoria da Imprevisão A cláusula rebus sic stantibus passa, no séculos XVIII e XIX, por seu declínio, situação que é modificada à partir do início do século XX, quando o mundo passa pelo liberalismo propagado por Napoleão na França, bem traduzido por Rousseau 27 , o espírito humano está em sua liberdade, sendo uma fase do pensamento humano, onde o sintoma da mentalidade de homens para os quais a própria sociedade deriva de uma contrato, pelo qual os indivíduos abdicavam de certos direitos naturais para encontrar maior segurança na vida organizada da sociedade em que outros direitos lhe eram reconhecidos, temos aqui a idéia do contrato social. Ademais, esta idéia de que a sociedade vive uma realidade contratual foi firmado pelo próprio código civil francês, o qual estabeleceu a força obrigatória das convenções. Com a mudança de cenário econômico e político, contribuiu para uma significativa modificação do sentido de liberdade humana, em face da crise no direito de propriedade, do surgimento da responsabilidade civil, entre outros. 27 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1995. 43 A liberdade de contratar via-se tolhida por limitações que eram impostas pelas legislações vigentes. Daí decorreram as transformações sociais, políticas, econômicas que obrigaram o legislador a alcançar o fim social do direito, combatendo abusos e excessos. Ë visto aqui, a mitigação conceitual da obrigatoriedade das convenções contratuais, uma vez que a cláusula rebus sic stantibus ganha novo fôlego, principalmente em decorrência das guerras ocorridas no início do século XX, já que certas normas contratuais tornaram-se extremamente onerosas em virtude destes acontecimentos. 4.3.5 A Teoria da Imprevisão no Direito Contemporâneo A cláusula rebus sic stantibus agora sob o nome de teoria da imprevisão, é a idéia propulsora da limitação da autonomia da vontade dentro das obrigações contratuais, com o escopo maior de assegurar a igualdade das partes dentro do contrato se ocorrer, por fato imprevisto, uma onerosidade excessiva para qualquer uma delas. Assim, depois dos acontecimentos pós-guerras, o cenário econômico, político e social mundial, em decorrência da globalização vem passando por inúmeras transformações, as quais, na sua grande maioria, possuem extensões imprevisíveis, daí a justificação da larga aplicação da revisão contratual no mundo contemporâneo. 4.4 TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILEIRO No Brasil, a teoria da imprevisão começa a ser tratada nas décadas de 20 e 30 do século XX, embora o Código Civil de 1916 não trata expressamente sobre o assunto. 44 Como todo bom debate, a referida cláusula tinha seus defensores bem como opositores. A principal argumentação da doutrina opositora era a insegurança jurídica, já que a obrigação contratual tem como função precípua a preservação da obrigatoriedade das convenções ali pactuadas. Se a teoria fosse aplicada, estaria atingindo o vínculo obrigacional em sua base, qual seja, “o próprio direito contratual em sua função social e econômica” (MOARES, 2001, p. 88). Magalhães 28 , em parecer publicado em 1920 entendia que somente a força maior ou caso fortuito poderiam dar causa de extinção contratual antes de seu cumprimento, uma vez que a imprevisibilidade faz parte da natureza de todos os contratos, que trazem ínsita em sua noção a possibilidade de mudanças posteriores. Fonseca, em 1932, em um ensaio publicou sua idéia de que a teoria da imprevisão não fora acolhida pelo direito brasileiro, sendo “admissível somente nos casos previsto em lei. 29 A doutrina opositora à teoria da imprevisão tem como sustentáculo o argumento de que se fosse aplicada, desvirtuaria a vontade das partes contida no contrato. Ademais, o consentimento das partes era tido somente na fase de formação do contrato e não durante a sua execução, logo, que a imprevisibilidade atingiu fato posterior ao consentimento válido, não podendo então alterar o rumo da execução contratual. Por outro lado, existe doutrinadores que acolheram a teoria da imprevisão ao analisarem disposições contidas no Código Civil de 1916. 28 29 MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic stantibus. São Paulo Saraiva, 2001. p. 89. MORAES. Ibid. 45 Para Lins (1923) no art. 85 do referido dispositivo, está expressamente contida a teoria da imprevisão. Sustenta sua idéia dizendo que ocorrendo qualquer alteração profunda nas condição normais do contrato, este deixa de existir, podendo as partes decidirem sobre o que é justo e razoável. Ë válido lembrar que com o decorrer do tempo Fonseca passa a corroborar com a aceitação da teoria da imprevisão. A doutrina brasileira contemporânea, como Wald, Rodrigues, Diniz, Pereira, entre outros, entende ser possível a aplicação da revisão contratual no ordenamento jurídico pátrio Venosa (2001) atenta para fatos importantes, os quais justificam a revisão dos contratos, ou seja, a aplicação da teoria da imprevisão está autorizada “quando surge circunstância superveniente ao contratado, imprevista e imprevisível, alterando-lhe totalmente o estado fático”. Nos dias atuais, a aplicação da revisão contratual é vista como um modo saudável de se pacificar situações que se tornaram insustentáveis, e ainda assim, manter o equilíbrio das partes envolvidas na obrigação contratual, sem que haja prejuízo traduzido em valor patrimonial. 4.4.1 A Teoria da Imprevisão no Direito Positivo Brasileiro O atual Código Civil não previu expressamente a possibilidade de revisão contratual, isto porque à época em que fora publicado a política nacional e o cenário 46 econômico inspiravam estabilidade, logo, é palpável que este documento legal não se importasse com a imprevisibilidade de possíveis fatos danosos à relações jurídicas vigentes. Assim são poucos os artigos que se referem à teoria em questão, v. g. art. 1.059, 1.190 e 1.250. Atendendo a mudanças nos anos 30, em decorrência de uma crise econômica, a legislação pátria viu-se forçada à atender às situações, logo, na exposição de motivos do Decreto n.º 19.573, de 7 de janeiro de 1931, que tratava da locação de imóveis por funcionário público ou militar, previu a cláusula rebus sic stantibus, permitindo a essas pessoas a rescindir o contrato de aluguel no caso de redução de vencimentos em virtude de modificações oriundas da revolução de 1930. Em 1933, o Decreto n.º 23.501, de 27 de janeiro de 1933 também limitou a autonomia da vontade. A Lei de Luvas – Decreto n.º 24.150, de 20 de abril de 1934 – que regulamentava a locação industrial e comercial, é referida como sendo outra norma importante com relação à teoria da imprevisão. Este último diploma legal vem consagrar a teoria da imprevisão. O direito pátrio com o advento do Código de Defesa do Consumidor, buscou a igualdade das partes dentro da relação obrigacional, trazendo para o ordenamento jurídico a revisão contratual, como dispõe o art. 6º, V, do referido diploma legal in verbis: “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: ... V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas,” 47 Tem-se aqui, o primeiro dispositivo pátrio de grande importância a reconhecer expressamente a teoria da imprevisão. Por último, o novo Código Civil, consagrando a referida cláusula em seus artigos 478, 479 e 480. Na opinião de Wald, analisando a legislação especial posterior ao Código Civil de 1916, vê-se claramente a aplicação da teoria da imprevisão do direito pátrio. 4.5 REQUISITOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO Para que haja a possibilidade de aplicação da revisão contratual é necessário o preenchimento de certos requisitos. Em análise doutrinária extrai-se o que segue. O contrato, primeiramente, deve ser de trato sucessivo, isto porque nos contratos de execução imediata não é possível a ocorrência de fatos que possam alterar o equilíbrio contratual entre as partes diante da relação obrigacional. Acerca deste requisito trata Moraes (2001, p. 34.): “primeiramente o contrato a ser revisado tem que ser de execução periódica, continuada ou diferida, isto é, não pode ter sido executado imediatamente após a sua celebração.” Outro requisito é a alteração radical da situação econômica no momento da execução do contrato,ou seja, fator superveniente que tenha provocado o desequilíbrio 48 contratual, acarretando uma onerosidade excessiva. Sendo certo que a possibilidade de antever acontecimentos futuros impediria uma revisão contratual. Isto ocorre em virtude de que o contrato em sua essência carrega alguma álea, visto que tudo está sujeito a variações. O terceiro requisito é a imprevisibilidade, como acontecimento extraordinário, incomum, que vem alterar o equilíbrio contratual almejado pelo direito. Vemos aqui, que a imprevisibilidade é algo passível de severa discussão, haja vista que a sociedade em si vive em constante modificação. É pacífico que tal fato tenha ocorrido após a celebração do contrato e antes de seu término. Por fim, é mister que o desequilíbrio contratual não tenha ocorrido por culpa da parte prejudicada. Em suma, temos os seguintes requisitos: - a obrigação deve ser de trato sucessivo; - onerosidade excessiva causada por alteração da situação econômica; - imprevisibilidade do fato superveniente; - o desequilíbrio contratual não pode ser causado pela parte prejudicada. Assim, a crise cambial que assolou o país no final dos anos 90 e levou à desvalorização da moeda nacional frente ao dólar, caracterizando então fato superveniente, fez com que os contrato de leasing com reajuste vinculado à variação cambial encaixe nos requisitos necessários para a revisão contratual. 49 5 A POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA REVISÃO DOS CONTRATOS DE LEASING VINCULADOS À VARIAÇÃO CAMBIAL 5.1 A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS FRENTE AOS TRIBUNAIS Quando se refere à aplicação da teoria da imprevisão,os tribunais, da mesma forma que os doutrinadores, buscam analisar os requisitos de forma genérica, analisando-os a partir da teoria geral dos contratos, de modo que presentes os quatro requisitos elencados no capítulo anterior é possível fazer-se a revisão contratual. Analisaremos então um a um desses requisitos, de forma genérica, conforme a ótica dos tribunais e por oportunidade com relação ao contrato de leasing, objeto específico de nosso estudo. 5.1.1 A Forma Contratual Para a Aplicação da Cláusula Rebus Sic Stantibus Da mesma forma que a doutrina, os tribunais entendem que para a aplicação da cláusula rebus sic stantibus se faz necessário que o contrato seja de trato continuado. Isto porque na própria definição da teoria da imprevisão é explicitada a necessidade dessa característica em uma obrigação contratual. 50 O Supremo Tribunal Federal 30 , nesse sentido decidiu que: “a teoria da imprevisão só encontra enquadramento e oportunidade nos contratos a longo prazo, cujas mutações são insuscetíveis de previsibilidade, acarretando para as partes contratantes danos que não podem ser previamente calculados e antevistos” Entretanto, existem certos tipos contratuais aos quais busca-se limitar a aplicação da teoria da imprevisão, v. g. o contrato de comodato e o de seguro. 5.1.2. A Onerosidade Excessiva e a Imprevisibilidade A imprevisibilidade do fato gerador da onerosidade excessiva que vem a causar o desequilíbrio contratual é o fator que mais pesa no julgamento dos magistrados na aplicação da teoria da imprevisão. 5.2 O CASO ESPECÍFICO DOS CONTRATOS DE LEASING COM CLÁUSULA DE REAJUSTE VINCULADA À VARIAÇÃO CAMBIAL A discussão gira em torno dos contratos de arrendamento mercantil indexados pelo dólar. Vejamos alguns julgados do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná (TA/PR), do 2º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo (2º TAC/SP), Do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF). 30 RT 433/281. 51 5.2.1 A não Aplicação da Teoria da Imprevisão nos Contratos de Leasing pelos Tribunais Em pesquisa jurisprudencial foram encontrados julgados que entenderam pela não aplicação da teoria da imprevisão nos casos do contrato de arrendamento mercantil com cláusula de reajuste fixadas na variação cambial. Nesse sentido temos: ARRENDAMENTO MERCANTIL – LEASING – REVISÃO CONTRATUAL – VARIAÇÃO CAMBIAL – TEORIA DA IMPREVISÃO – INAPLICABILIDADE. Todo negócio tem dose de incerteza acerca das respectivas vantagens ou desvantagens econômica e portanto, se a opção para a fruição do bem foi através de contrato de arrendamento mercantil atrelado ao dólar norte-americano é porque, naquele momento, pareceu ao recorrido oportuna a espécie ao invés de outras existentes no mercado e indexadas à moeda nacional, não se afigurando lícito agora, quando a ele não mais se mostra interessante a modalidade escolhida, buscar a respectiva alteração via judicial sob fundamentos que evidentemente não encontram respaldo na legislação ou na doutrina invocadas para formular a pretensão inaugural. ( 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. Ap. c/ Rev. 608.140-00/04 2ª Câm. Relator Juiz Vianna Cotrim, julgado em 4.6.2001) ARRENDAMENTO MERCANTIL – LEASING – REVISÃO CONTRATUAL – VARIAÇÃO CAMBIAL – SUBSTITUIÇÃO PELO INPC – ONEROSIDADE EXCESSIVA – INEXISTÊNCIA – DESCABIMENTO – TEORIA DA IMPREVISÃO – PROVA DA IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO PACTUADO – AUSÊNCIA – INAPLICABILIDADE. A hipossuficiência do consumidor deve ser analisada pelo julgador à luz da experiência em face do conjunto probatório existente nos autos. Assim, não reconhecida aquela, prevalece, quanto ao sistema de provas, as regras acolhidas pelo Código de Processo Civil. Não há que se falar em onerosidade excessiva, quando ausente nos autos qualquer prova a demonstrar o desequilíbrio na fórmula de comprimento das obrigações contratadas, que justifique a revisão de cláusula tida como onerosa. Ademais, além do embargado não haver se desincubido de comprovar no que consistiu a impossibilidade do cumprimento avençado, fato constitutivo de seu direito (Código de Processo Civil, art. 333, inciso I), também deixou de apresentar o instrumento do contrato objeto da ação, documento indispensável à sua propositura (Código de Processo Civil, artigo 283). ( 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. EI 594.953-01/7 - 1ª Câm. Relator Juiz Amorim Cantuária, julgado em 16.10.2001) Pela pequena amostra, percebe-se o desacerto da corrente jurisprudencial que não aplica a revisão contratual aos contratos de leasing. Argumentam que o contratante ao aperfeiçoar o negócio jurídico naquelas condições lhe pareceu uma situação cômoda com 52 relação às prestações contratuais, e no momento em que ocorre uma diferenciação na relação contratual, busca o judiciário para que lhe ampare sobre algo que ele mesmo escolheu. 5.2.2 A Teoria da Imprevisão e sua Aplicação pelos Tribunais nos Contratos de Arrendamento Mercantil Por outro lado a corrente majoritária jurisprudencial tende para a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, como o próprio 2º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, sob os argumentos a seguir expostos. O aumento do dólar norte-americano em janeiro de 1999 configura onerosidade excessiva que impõe a modificação da cláusula de correção das prestações para a adoção do INPC (Ap. c/ Rev. 599.356-00/5 – 9ª Câm. – Relator Juiz Eros Piceli. j. 16.05.2001), esta é a fundamentação mais corriqueira para a aplicação da revisão judicial, qual seja, a troca do índice de reajuste das prestações indexados pelo dólar pelo índice do INPC. Vemos ainda, a tendência de se aplicar o CDC nestes tipos de contrato, isto porque são reconhecidos como sendo bancários, o que permite a aplicação da revisão contratual. Nesse sentido temos: Ap. c/ Rev. 613.475-00/8 – 1ª Câm. – Rel. Juiz Linneu de Carvalho. j. 27.11.2001; Ap. c/ Rev. 599.312-00/2 – 10ª Câm. – Rel. Juiz. Gomes Varjão. j. 7.06.2001; Ap. c/ Rev. 536.207-00/8 – 4ª Câm. – Rel. Juiz. Celso Pimentel. j. 26.11.1998.; AgIn 569.237-00/2 – 4ª Câm. - Rel. Juiz Moura Ribeiro. j. 13.04.1999. No Tribunal de Alçada do Estado do Paraná foram verificados cinqüenta julgados, nos quais discutiu-se a possibilidade da revisão contratual e em pedido liminar de tutela antecipatória a permissão de troca do índice de reajuste do dólar para o INPC, vemos, 53 como posição dominante nesta corte, pela aplicação da teoria da imprevisão e conseqüente revisão judicial de tais cláusulas que tornaram-se extremamente onerosas. Vejamos senão alguns ementários: ARRENDAMENTO MERCANTIL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – VARIAÇÃO CAMBIAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – APLICABILIDADE – ONEROSIDADE EXCESSIVA – CAPTAÇÃO DE RECURSOS EM MOEDA ESTRANGEIRA NÃO COMPROVADA – CORRETA ADOÇÃO DO INPC COMO FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS CONTRATUAIS – RECURSO IMPROVIDO. 1. O leasing financeiro reúne requisitos da atividade bancária, devendo se submeter às regras do Código de Defesa do Consumidor. 2. O preceito consubstanciado no art. 6º, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor dispensa a prova do caráter imprescindível do fato superveniente, bastando a demonstração da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. 3. A captação de recursos em moeda estrangeira deve ser comprovada para “financiar”o contrato em questão. 4. Correta adoção do INPC como fator de correção monetária para as parcelas contratuais. ( Tribunal de Alçado do Estado do Paraná. Ap. 0179526-8 – 4ª Câm. Cível – Relator Juiz Costa Barros. DJ 12.04.2002). ARRENDAMENTO MERCANTIL – VARIAÇÃO CAMBIAL – AÇÃO REVISIONAL C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – TUTELA ANTECIPADA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – EXCESSIVA ONEROSIDADE – AGRAVO DESPROVIDO . 1. As normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos contratos bancários em geral, abrangendo igualmente as operações de leasing, porque as arrendantes também são instituições financeiras reguladas pelo Banco Central do Brasil e, portanto, caracterizadas como fornecedoras de produtos e prestadoras de serviços (art. 3º, caput e seus, do CDC), enquanto que os tomadores de crédito bancário ou usuários de quaisquer serviços prestados pelas instituições financeiras são consumidores, ainda que por equiparação, abrangidos pelo disposto no art. 29 do mesmo CDC. 2. Embora seja legalmente permitida a cláusula de atualização do valor das contraprestações do arrendamento mercantil pela variação cambial, desde que os recursos financeiros tenham sido captados no exterior, não se pode afastar a pretensão de revisão dessa cláusula contratual, em face da maxi-desvalorização do real decorrente da abrupta mudança da política cambial, tornando excessivamente onerosa a obrigação da arrrendatária. (Tribunal de Alçada do Estado do Paraná. AI 0135478-9. 3ª Câm. Cível. – Relator Juiz Domingos Ramina. DJ 18.06.1999). AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL - REAJUSTE DAS CONTRAPRESTAÇÕES ATRELADO A VARIAÇÃO CAMBIAL (DÓLAR NORTE-AMERICANO) – PRETENSÃO DO ARRENDATÁRIO DE QUE O REAJUSTE SEJA EFETUADO COM UTILIZAÇÃO DO INPC – TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA EM AÇÃO REVISIONAL DE COTNRATO – ONEROSIDADE EXCESSIVA DEMONSTRADA, EM RAZÃO DE FATOS SUPERVENIENTES – POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL – EFEITO SUSPENSIVO DO 54 AGRAVO DE INSTRUMENTO CASSADO – RECURSO IMPROVIDO. “O fumus boni iuris, segundo Humberto Theodoro Júnior, na obra Processo Cautelar, Ed. EUD, pág. 73: “é a provável existência de um direito a ser tutelado no processo principal, se trata de um juízo de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser acertado e o provável perigo em face do dano ao possível direito pedido no processo principal. Ensina Calamandrei que para a providência cautelar basta que a exigência do direito pareça verossímil, basta que, segundo um cálculo de probabilidades, se possa prever que a providência principal declara o direito em sentido favorável aquele que solicitara a medida cautelar. “o periculum in mora é aquele fundado no temor de que, enquanto aguarda-se a tutela definitiva, venham a faltar as circunstâncias de fato favoráveis a própria tutela. E isto pode ocorrer quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do processo principal. “demonstrada a presença desses requisitos, tem-se por acertada a decisão concessiva da tutela antecipada no processo cautelar. (Tribunal de Alçada do Estado do Paraná. AI 0134152-6. 1ª Câm. Cível. – Relator Juiz Mario Rau. DJ 06.08.1999). 31 O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a teor do assunto tem acatado a revisão judicial dos contratos de arrendamento mercantil em seus julgados, vejamos alguns: REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL – LEASING – VARIAÇÃO CAMBIAL – DÓLAR – ONEROSIDADE EXCESSIVA – APLICAÇÃO DO INPC COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – MULTA E JUROS – LIMITE. 1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de arrendamento mercantil de veículo. 2. A súbita alteração da política cambial do governo, que culminou na elevação do dólar, provocando onerosidade excessiva a um dos contraentes, possibilita a revisão do contrato de leasing que previa a correção das parcelar por aquela moeda, aplicando-se índice substitutivo. A Súmula 176 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID. 4. Os contratos avençados após a lei 9.298/96 devem fixar a multa em 2% (dois por cento). 5. É admissível a cobrança de juros acima de 12% ao ano, embora não possam ser capitalizados, porquanto o Superior Tribunal Federal já assentou que não se pode exigir essa limitação prevista no art. 192 da Constituição Federal. 6. Dado provimento ao recurso, Unânime. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ap. 19990110265567. 3ª Turma Cível. – Relatora Juíza Sandra de Santis. DJU 04.09.2002.) CIVIL – PROCESSO CIVIL – INTERESSE DE AGIR – LEASING – TEORIA DA IMPREVISÃO – VARIAÇÃO CAMBIAL – MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. 1. Havendo necessidade de amparo ao direito postulado e esta não afrontando o ordenamento jurídico existente o interesse de agir. 2. A brusca variação cambial em poucos dias, inviabilizando o cumprimento do contrato, torna presente a incidência da teoria da imprevisão nos contratos atrelados à moeda alienígena e autoriza a revisão do pacto. 3. A fixação dos honorários advocatícios deve obedecer ao disposto no art, 20, do Código de Processo Civil. Apelo parcialmente provido. 31 Embora acertada a decisão do Tribunal neste caso em conceder a revisão judicial em sede de medida cautelar, entendemos que o instrumento mais útil e, atendendo ao princípio da celeridade processual, seja a concessão de medida liminar em caráter de tutela antecipatória e não em processo cautelar. 55 Unânime. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ap. 2000011030777. 1ª Turma Cível. – Relator Juiz Valter Xavier. DJU 11.09.2002.) Assim entende o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no seguinte ementário. LEASING – ARRENDAMENTO MERCANTIL - AÇÃO REVISIONAL – VARIAÇÃO CAMBIAL. Alteração do índice de atualização monetária. Diante da abusividade, merece revisão a cláusula que determina o índice de correção monetária (dólar norte-americano) atualizando-se as parcelas devidas pelo IGP-M. Invalidade das cláusulas negociais abusivas à luz do Código de Defesa do Consumidor e do princípio da boa-fé objetiva. Reconhecida a abusividade das disposições negociais que estabeleceram as parcelas acessórias do débito, em violação ao regime do Código de Defesa do Consumidor e ao princípio da boa-fé objetiva, merecem revisão judicial. Reconhecimento de ofício. Tratando-se de nulidade de pleno direito, diante do que dispõe as normas do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se o reconhecimento pelo juiz, independentemente de alegação das partes, como preceitua o parágrafo único do artigo 146 do Código Civil, afastando-se, de ofício, a abusividade da cláusula. Precedentes do STJ. Juros remuneratórios. Reduzidos a 12% ao ano. Disposição de ofício. Capitalização. Vedado o anatocismo. Disposição de ofício. Comissão de permanência. Descabimento. Disposição de ofício. Mora. Pela cobrança de parcelas acessórias abusivas, descaracterizada a mora solvendi. Encargos moratótios. Descaracterizada a existência de mora solvendi, descabe a cobrança dos encargos dela decorrentes, como multa e juros moratórios. Quando houver mora, devem ser limitados os juros moratórios a 1% ao ano e a multa contratual a 2% sobre as prestações efetivamente inadimplidas, pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Disposições de ofício. Efeito restituitótio. Redefinidos os critérios de cálculo das parcelas acessórias, a restituição dos valores eventualmente pagos a maior e efeito decorrente da decisão. Compensação. Também pela aplicação do princípio da restituição integral, cabe, na hipótese, a compensação, a ser efeitvada entre as parcelas prestadas ineficazmente pelo consumidor e o eventual débito pendente em razão dos negócios jurídicos celebrados com o fornecedor. Consignação das parcelas devidas. Consignados os valores eficazmente devidos há que se reconhecer a legitimidade do pagamento com extinção quantum satis da obrigação. Apelo desprovido com disposições de ofício. (Tribunal de Justiça do Estado do rio Grande do Sul. Ap. 70004313953. 14ª Câm. Cível. Relator Juiz João Armando Bezerra Campos. DJ 29.05.2002). Ficou clara a posição correta dos Tribunais com relação à revisão judicial. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contratos de arrendamento mercantil é correta visto tratar-se também de relação de consumo entre as instituição financeira e o contraente, desta forma fica facilitada a continuidade da relação jurídica contratual 56 Por esta pequena amostra, percebemos a tendência de nossas cortes em acolher a teoria da imprevisão. Ademais, a busca pelo equilíbrio contratual e a manutenção da ordem jurídica são preceitos do direito obrigacional e, ainda, a positivação da aplicação da cláusula rebus sic stantibus após avaliados profundamente seus requisitos só tendem a proteger a boa-fé contratual. 5.2.3 Os Tribunais Superiores e os seus Posicionamentos Até o ano de 2001 nenhuma ação sobre revisão judicial dos contratos de leasing havia transitado em julgado 32 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Agravo de Instrumento e Recurso Especial tem mantido a decisão das cortes estaduais no sentido de aplicar a revisão judicial. “a modificação superveniente da base do negócio, com aplicação de índices diversos para a atualização da renda do devedor e para a elevação do preço contratado, inviabilizando a continuidade do pagamento, pode justificar a revisão ou a resolução judicial do contrato, sem ofensa ao art. 6º, da LICC” (Resp 73370/AM, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. DJU 12.01.1996). Com relação ao Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não existem decisões transitadas em julgado. 32 MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic stantibus. São Paulo : Saraiva, 2001. p.260. 57 CONCLUSÃO Ao decorrer deste estudo e através da análise da bibliografia listada, foi possível entender a evolução do direito contratual. De início, os princípios atinentes a esse ramo do direito eram rígidos e absolutos, principalmente no que tange à questão da manifestação da vontade nos contratos. Uma vez posta, seguia-se o princípio da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade das convenções. Isto porque o direito regula situações gerais e é impossível a previsão de tudo o que é passível de ser objeto de uma relação jurídica. O contrato, uma vez perfeito, traduz a vontade das partes, tornando-se norma entre elas, consagra-se aí o pacta sunt servanda. Entretanto, como tudo é passível de mudanças, bem como as relações jurídicas, o direito teve que se amoldar a essas novas situações e daí o surgimento de outros princípios, antes não positivados. No âmbito do direito contratual deve-se atentar para o simples fato que conforme ocorrem mudanças na sociedade, este deve acompanhá-las de maneira a proteger as novas situações jurídicas. Este estudo mostrou claramente um exemplo de transformação de uma situação jurídica em decorrência dessas novas situações, qual seja, a política econômica nacional como fator determinante do comportamento do homem na sociedade. 58 O cenário nacional favorecia em determinada época uma forma de relação jurídica, no nosso caso, o contrato de arrendamento mercantil vinculado à variação cambial. Uma reviravolta ocorreu de sorte que modificou completamente as relação jurídicas estabelecidas entre os que se obrigaram nesta modalidade de contrato. Ocorre então uma corrida pela revisão judicial de tais contratos, isto porque, as partes prejudicadas entendiam ser de direito a modificação dessas cláusulas uma vez que pretendiam cumprir a obrigação ajustada. No âmbito doutrinário é acirrada a discussão se é aplicável ou não a revisão contratual, uma vez que a obrigatoriedade das convenções sempre foi absoluta e positivada por nosso direito. A teoria da imprevisão chega para mitigar o referido princípio. Torna-se aplicável desde que cumpridos todos os seus quatro requisitos em sua essência, pois, em nosso entendimento, pode gerar uma certa insegurança jurídica se não aplicada com consciência. As decisões judiciais proferidas em nossas cortes são claras, e na sua maioria entenderem pela aplicabilidade da teoria da imprevisão no específico caso dos contratos de leasing com cláusula de reajuste indexadas pela variação cambial. É pacífico entre a boa jurisprudência o entendimento de que os contratos de arrendamento mercantil possuem natureza financeira e na sua grande maioria vemos uma instituição bancária no pólo arrendante, de tal sorte que são tidos como contratos bancários e sendo assim, estão sujeitos à aplicação do dispositivo expresso no Código de Defesa do Consumidor acerca da revisão judicial dos contratos, posição esta a mais correta. 59 Outro ponto considerado nos julgados é a presença da situação onerosa, ocasionada pela crise financeira. Compartilhando da opinião doutrinária, situação justa seria aquela em que houvesse uma repartição de riscos entre as partes, de forma que utilização de um índice de correção mediano, sem a instabilidade de uma moeda estrangeira, bem como a baixa rentabilidade de índices de cadernetas de poupança. A mantença do equilíbrio contratual gera estabilidade nas relação jurídicas, fazendo com que o país, como um sistema, mantenha a sua segurança jurídica em voga, da mesma forma a sua sociedade. 60 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AZEVEDO, Antônio Junqueira : O princípio da boa-fé nos contratos. In: Pró-Jurídico. [Internet] http://www.juridico.com.br/artigos/viewnews.cgi?newsid1016830261,15971, [Capturado 26.Abr.2002] BRASIL : Código brasileiro de defesa do consumidor : comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pelegrini Grinover ... [et al]. – 7 ed. – Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2001. BRASIL : Código civil comparado : obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – São Paulo : Saraiva, 2002. BRUNO, Vânia da Cunha : A teoria da imprevisão e o atual direito privado nacional – Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 1994. BUENO, Vânia da Cunha : A teoria da imprevisão e o atual direito privado nacional. 1994. CYSNE FILHO, Welton Coelho : Responsabilidade civil nos contratos de leasing : Revista Jurídica Consulex – Ano VI – n.º 123 – 28 de fevereiro de 2002. DI AGUSTINI, Carlos Alberto : Leasing – São Paulo : Atlas, 1995. DAIBERT, Jefferson : Dos contratos : parte especial das obrigações – Rio de Janeiro : Forense, 1995. DINIZ, Maria Helena : Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo : Saraiva, 1997. DINIZ, Maria Helena : Curso de direito civil brasileiro:teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. – São Paulo : Saraiva, 1995. v. 3. 61 DINIZ, Maria Helena : Curso de direito civil brasileiro:direito das coisas. – São Paulo : Saraiva, 1995. v. 4. FARIAS, Paulo José Leite : Inovações do novo código civil. In UniversoJurídico. [Internet] http://www.uj.com.br/publicacoes/doutr.../doutrina_showdoutrina.asp?tema=3&iddoutrina=5 6 [Capturado 26.Abr.2002] FIUZA, Ricardo : O direito das obrigações à luz do novo código civil. In Intelligentia Jurídica. [Internet] http://www.intelligentiajuridica.com.br/artigos/artigo2-oldmar2001.html [Capturado 26.Abr.2002] GAMA, Affonso Dionísio : Teoria e prática dos contratos por instrumento particular no direito brasileiro - Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1980. GOMES, Orlando : Contratos – Rio de Janeiro : Forense, 1999. GONÇALVES, Carlos Roberto : Sinopses jurídicas: direito das coisas, v. 3. São Paulo : Saraiva, 1999. LEITE, G. O contrato contemporâneo. In: Direito [Internet] http://www.direito.com.br/Doutrina.ASP?O=1&T=1477 [Capturado 26. Abr. 2002]. MARTINS, Fran : Contratos e obrigações comerciais – ed. rev. e aum. – Rio de Janeiro : Forense, 2000. MATEO JÚNIOR, Ramon : A função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo código civil. In : Jus Navigandi, n. 55. [Internet] http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2786 [Capturado 04. Abr.2002]. MONTEIRO, Washington de Barros : Curso de direito civil: direito das obrigações – 1ª parte, v. 4 – São Paulo : Saraiva, 1979. MONTEIRO, Washington de Barros : Curso de direito civil: direito das obrigações – 2ª parte, v. 5 – São Paulo : Saraiva, 1979-1980. 62 MORAES, Renato José de :Cláusula rebus sic stantibus : São Paulo : Saraiva, 2001. NETO, Nelson Zunino : Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus : uma breve abordagem. In Jus Navigandi. [Internet] http://www.jusnavigandi.com.br/doutrina/pactarebu.html [Capturado 15.Set.2001] REZENDE, Neide Aparecida de Fátima : O leasing financeiro no código de defesa do consumidor : São Paulo : Saraiva, 2001 RIBEIRO, Renato Ventura : Crise cambial e revisão judicial dos contratos de leasing indexados em moeda estrangeira:breve contribuição ao debate. Rio de Janeiro : Revista dos Tribunais, ago. 1999. v. 766 RIZZARDO, Arnaldo : Direito das obrigações – Rio de Janeiro : Forense, 2000. RIZZARDO, Arnaldo : Leasing : arrendamento mercantil no direito brasileiro :São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000. RODRIGUES, Silvio : Direito civil:dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. v.3 . São Paulo : Saraiva, 1977. SAAD, Eduardo Gabriel : Comentários ao código de defesa do consumidor : Lei n.º 8.078 de 11.09.90. – 2. ed., - São Paulo : LTr, 1997. SAMANEZ, Carlos Patrício : Leasing : análise e avaliação – São Paulo : Atlas, 1990. SIDOU, J. M. Othon : A cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro. Rio de Janeiro : Livraria Freita de Bastos, 1962. STIGLITZ, Rubén S. :Autonomía de la voluntad y revisión del contrato. Buenos Aires : Depalma, 1992. THEODORO JR., Humberto : O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro : Aide Editora, 1993. 63 VENOSA, Silvio de Salvo : Direito civil : teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos – São Paulo : Atlas, 2001. v. 2. VIEIRA, Iacyr de Agular : A autonomia da vontade no código civil brasileiro e no código de defesa do consumidor : Rio de Janeiro : Revista dos Tribunais, set. 2001. v. 791. WALD, Arnoldo : Obrigações e contratos – 12 ed., rev., ampl., e atual. de acordo com a CF de 1988 e CDC, com a colaboração do Prof. Simy Granz. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, (Curso de direito civil brasileiro, 2), 1995. 64 LISTA DE ABREVIATURAS 2º TAC/SP – Segundo Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo AI – Agravo de Instrumento Ap – Apelação BACEN – Banco Central do Brasil Câm. – Câmara CC – Código Civil CDC – Código de Defesa do Consumidor DJ – Diário da Justiça DJU – Diário da Justiça da União INPC – Índice Nacional de Preço ao Consumidor j. – Julgado LICC – Lei de Introdução ao Código Civil Rel. – Relator STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TA/PR – Tribunal de Alçada do Estado do Paraná TJDF – Tribunal de Justiça do Distrito Federal TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul URV – Unidade Real de Valor