DA (I)LEGALIDADE DO LIMITE DAS DESPESAS COM INSTRUÇÃO
O presente artigo tem por escopo discorrer sobre os limites
legais impostos para a dedução de despesas com instrução. Até que ponto tais
limites não ofenderiam a norma constitucional, tendo em vista que prevê esta,
expressamente, que todos terão acesso à educação, entre outros ditames. Em
outras palavras, serão levantados alguns pontos para ver até onde esse
acréscimo de pagamento não é nocivo e inconstitucional, tendo em vista que a
educação é um direito social e primordial para o desenvolvimento de qualquer
nação.
Despesas com instrução – dedução: O § 1º do artigo 81, do Regulamento do
Imposto de Renda, e o artigo 8º, II, b, da Lei n. 9.250/95, rezam que o limite, para
dedução, é de R$ 1.700,00 (hum mil e setecentos reais), “multiplicado pelo
número de pessoas com quem foram efetivamente realizadas as despesas,
vedada a transferência do excesso individual para outra pessoa”. Atualmente, tal
limite é o de R$ 2.708,94 (dois mil, setecentos e oito reais e noventa e quatro
centavos), para o ano-calendário de 2009; e R$ 2.830,84 (dois mil, oitocentos e
trinta reais e oitenta e quatro centavos), desde o início do ano-calendário de 2010,
em virtude da alteração legislativa proporcionada pela Lei n. 11.482/2007, que
fixou novos limites para dedução da base de cálculo do imposto de renda na
declaração de ajuste.
Tal limite se refere aos gastos do próprio contribuinte, ou de
seus dependentes – havendo a necessidade de comprovação de dependente
quando for feita a declaração – vedada a transferência de excesso individual para
outra pessoa.
É importante frisarmos que, no conceito de despesas com
instrução, deve-se compreender, apenas, o pagamento de mensalidade e/ou
anuidade escolar. Assim sendo, não se enquadram, neste conceito, despesas com
uniformes, material escolar e didático, transporte, tampouco a aquisição de
materiais técnicos, enciclopédias, livros etc.
Além disso, o contribuinte pode deduzir as despesas de
instrução com filho ou mesmo enteado dependente, desde que tenha até 21 anos,
ou 24, se estiver cursando estabelecimento de nível superior ou escola técnica de
segundo grau. No caso de o dependente ter rendimentos próprios, estes devem
ser somados aos do responsável na declaração anual. Todavia, o filho que
manteve a matrícula da faculdade trancada não pode ser considerado dependente
na declaração. Quanto ao menor emancipado, porém, o mesmo pode ser
considerado dependente, podendo figurar na declaração dos pais, desde que se
enquadre nos requisitos que autorizem a dependência para os fins do IR. Todavia,
a princípio, o emancipado deve fazer sua declaração em separado.
Uma vez ocorrendo o divórcio ou a separação judicial
durante o ano-calendário, o contribuinte que não detiver a guarda dos filhos
poderá deduzir as despesas com instrução, efetuadas antes do divórcio, desde
que os filhos figurem como dependentes no ano-calendário relativo ao divórcio (ou
separação judicial), nos termos do § 4º, do artigo 38, da Instrução Normativa SRF
n. 15/2001 e da Lei n. 11.482/2007.
A título de elucidação, destacamos que, segundo o artigo 38
da já citada IN 15/2001, podem ser considerados dependentes: a) o cônjuge; b) o
companheiro(a), desde que haja vida em comum por mais de cinco anos ou
menor, se dessa união tenha resultado filho; c) o filho(a), enteado(a) até 21 anos,
ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
d) o menor pobre até 21 anos, que o contribuinte crie e eduque e do qual detenha
guarda judicial; e) o irmão, neto ou bisneto, sem arrimo dos pais, desde que o
contribuinte tenha a guarda judicial, ou mesmo de qualquer idade, quando for
incapacitado físico ou mentalmente, para o trabalho; f) os pais, avós ou bisavós
que não aufiram rendimentos, tributáveis ou não, até o limite da isenção mensal;
g) o absolutamente incapaz, de que o contribuinte seja curador ou tutor; h) os
irmãos, netos, bisnetos, filhos(as) e enteados(as), quando maiores e até os 24
anos de idade, se estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou
escola técnica de segundo grau.
A jurisprudência administrativa já decidiu que só podem ser
dependentes, para efeito de dedução nas declarações do imposto sobre a renda,
as pessoas expressamente enumeradas em dispositivo legal. Por outras palavras,
havendo a falta de previsão legal, não poderá a pessoa ser considerada
dependente de determinado contribuinte.
Podem ser deduzidas pelo alimentante, na determinação da
base de cálculo, aquelas despesas oriundas de cumprimento de sentença judicial,
sempre respeitando os limites anuais previstos na norma legal, nos termos dos
artigos 8º, § 3º, da Lei n. 9.250/95, e 81, § 3º, do RIR/99.
Quanto às remessas de recursos remetidos para o
dependente que estuda no exterior (em estabelecimentos de ensino regular),
poderão ser deduzidas as despesas de instrução na declaração do contribuinte,
desde que comprovadas com documentos hábeis, sempre observados os ditames
legais. Entretanto, é importante frisarmos que o valor do imposto de renda retido
sobre a remessa não pode ser considerado para fins de compensação na
declaração de rendimentos da pessoa que suporta o encargo, nem pode ser
computado como despesa com instrução. Também não são dedutíveis as viagens
e estadas para estudo, tendo em vista a falta de previsão legal.
Dos institutos que podem ser deduzidos: Poderão ser deduzidos, na
declaração de rendimentos, os pagamentos efetuados, de despesas com
instrução do contribuinte e seus dependentes, relativamente à educação infantil
(creche e educação pré-escolar), fundamental, médio, superior (compreendendo
os cursos de graduação e pós-graduação – mestrado, doutorado e
especialização), além da profissional, que compreende o ensino técnico e o
tecnológico, respeitados os limites legais, consoante o artigo 8º, II, b, da Lei n.
9.250/95, do caput do artigo 81 do Regulamento do Imposto de Renda e do artigo
39 da IN n. 15/2001.
Alguns conceitos ainda causam confusão atualmente, no que
tange a despesas que podem ou não ser deduzidas, visto que é impossível a
norma prever todas as hipóteses a que podemos nos deparar no cotidiano.
Exemplo disso é o que poderia se considerar educação
infantil? Para a Instrução Normativa n. 15/2001 (art. 41, § 1º) é a “primeira etapa
da educação básica, é aquela que precede o ensino fundamental obrigatório,
oferecida em creches ou entidades equivalentes e pré-escolas, compreendendo a
educação de menores na faixa etária de zero a seis anos de idade”.
Percebemos, pelo conceito normativo, que as creches
também são consideradas educação infantil, tendo direito, portanto, a ser
deduzido o investimento, sempre, é claro, respeitando os limites legais.
O citado artigo 41 define, em seus parágrafos, os diferentes
tipos de despesas que podem ser deduzidas, com instrução, que seja de ensino
fundamental (§ 2º); ensino médio (§ 3º); educação superior (§ 4º, I e II), que se
divide em níveis de graduação e pós-graduação; e educação profissional (§ 5º, I e
II), que compreende os níveis técnico e tecnológico.
Da mesma forma, podem ser deduzidas as despesas com a
educação do menor pobre, desde que o mesmo tenha até 21 (vinte e um) anos de
idade, e o contribuinte o crie, eduque-o e detenha a guarda judicial (respeitando os
pressupostos do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90). Se não
forem preenchidos todos esses requisitos, a educação do menor pobre será
indedutível.
A jurisprudência das Superintendências Regionais da
Receita Federal tem adotado alguns outros posicionamentos. A 7ª Região Fiscal,
por exemplo, entende que poderão ser consideradas como despesa médica para
fins de educação do IR as aulas de natação ou música, desde que as mesmas
sejam ministradas para deficientes físicos ou mentais, e desde que tal deficiência
seja atestada em laudo médico e o pagamento seja efetuado a entidades de
assistência a deficientes físicos ou mentais.
É Importante salientarmos que tais institutos são dedutíveis
apenas em caráter de exceção, até porque a decisão supracitada foi na esfera
administrativa. O artigo 40, III, da IN n. 15/2001, é de clareza meridiana ao dispor
que não se enquadram no conceito de despesas com instrução os pagamentos de
aulas de música, ginástica, natação, dança, tênis etc. A não dedução dessas
atividades se dá pela falta de previsão legal, e esse é o mesmo motivo que
caracteriza a não dedução para cursos preparatórios de concursos ou vestibulares
(art. 40, IV).
Percebemos que são diversas as maneiras que tem o
contribuinte para deduzir o imposto sobre a renda no que tange à sua instrução
ou, mesmo, à do seu dependente, englobando, inclusive, despesas com creches,
cursos de especialização, e aulas de natação ou música, desde que preenchidos
os pressupostos acima. É bem verdade que se trata de uma decisão
administrativa e carece de respaldo legal, mas é dessa forma que, muitas vezes,
as normas se modificam.
Em contrapartida, apesar das diversas hipóteses citadas que
são passíveis de dedução no que tange às despesas com instrução, o limite legal
sempre tem de ser respeitado, não importando as variadas atividades que,
porventura, o contribuinte ou seu dependente exerça, tornando, muitas vezes, o
dispositivo do artigo 81 do RIR/99 completamente inócuo.
Inconstitucionalidade do limite das despesas com instrução: Como dito
anteriormente, o limite para despesas com instrução é de R$ 2.708,94 (dois mil,
setecentos e oito reais e noventa e quatro centavos), para o ano-calendário de
2009, para o contribuinte ou seus dependentes. Por outras palavras, o que
exceder a esse valor é tributado.
Tal tributação, a nosso ver, fere frontalmente o princípio da
capacidade contributiva, além de ir contra os ditames constitucionais, em especial
do artigo 6º, alterado pela Emenda Constitucional n. 26/2000, e 205.
O princípio da capacidade contributiva está positivado no §
1º, do artigo 145, da CRFB/88, ao prescrever que “Sempre que possível, os
impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte”.
Para Eduardo Sabbag, o indigitado princípio é um nítido
corolário do princípio da isonomia e visa à consecução do ideal da justiça fiscal ou
justiça distributiva, apesar de não aparecer formalmente escrito no texto
constitucional.
A nosso juízo, a limitação do teto de dedução fere o princípio
da capacidade contributiva. Para entendermos melhor, imaginemos que duas
pessoas tenham a mesma renda, mas uma delas possui dependentes e possui
gastos com a educação, os quais, sem a menor dúvida, ultrapassarão o limite
legal. Tal contribuinte terá de arcar com o tributo que incidirá no excedente das
despesas com instrução. Dessa forma, duas pessoas que auferem a mesma
renda, terão diferentes encargos tributários, porém uma delas está sendo
“penalizada” por investir na sua educação (ou de seus dependentes), infringindo a
chamada justiça fiscal que tanto defende o jurista Eduardo Sabbag, no seu
comentário supracitado.
Essa limitação orçamentária infringe, ainda, os dispositivos
constitucionais. O artigo 6º da Constituição Federal reza que a educação é um
direito social do cidadão. Já o artigo 205 prevê que a educação é um direito de
todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao seu
preparo, para o exercício da cidadania, além de sua qualificação para o trabalho.
Tais dispositivos não estão positivados na Carta Maior
apenas para “enfeite”. Devem ser cumpridos e respeitados. Contudo, como é
cediço, vivemos num País que, apesar da carga tributária escorchante, não
oferece qualquer respaldo na educação. As escolas públicas são umas lástimas,
com seguidas greves, professores despreparados e que não capacitam ninguém
para o mercado de trabalho, por via de regra. Qualquer pessoa que tenha uma
renda razoável coloca seu filho numa escola particular. Qualquer creche, escola
ou universidade possui uma mensalidade de no mínimo R$ 400,00 (quatrocentos
reais), ou R$ 500,00 (quinhentos reais), isso numa irrisória prospecção. Partindo
de um caso hipotético em que determinada pessoa gaste R$ 500,00 mensais com
educação, terá investido R$ 6.000,00 (seis mil reais) num ano, ou seja, terá gasto
muito acima do limite legal, que, conforme o ressaltamos, foge da realidade.
Em consonância com nosso ponto de vista, colacionamos
ensinança do doutrinador Roque Antônio Carrazza, in verbis: “É certo que a
legislação autoriza deduções com educação, tratamento de saúde etc. Sobre
bases, porém, absolutamente irrealistas. Assim, por exemplo, os valores
dedutíveis com educação são extremamente baixos, muito distantes dos gastos
usuais numa escola particular de bom nível”.
Para completar, o citado jurista Roque Antônio Carrazza
defende, ainda, a inconstitucionalidade das leis, decretos, portarias, atos
administrativos etc., que estão em contraste com a Constituição Federal.
O limite legal para dedução restringe o acesso à educação. É
assaz nocivo para a população, além de desestimular (quando deveria ser
justamente o contrário) o acesso à educação e o desenvolvimento da população
nacional, o que resultaria num País, sem dúvida, mais justo e melhor para se
viver.
Salientamos que não há o intuito de serem feitos
comentários piegas ou em descompasso com a realidade, apenas nos parece que
a norma infraconstitucional fere, de modo brusco, o princípio da capacidade
contributiva e a Constituição Federal, pelos motivos já explicitados. O fato de
haver um limite para dedução com a educação, por si só, já é claramente
inconstitucional. No entanto, como se não bastasse, tal limite é absurdamente
baixo e não condiz com a realidade das mensalidades atualmente cobradas.
O Brasil está longe de ser um país com um sistema de
educação de qualidade. Se assim o fosse, talvez até seria compreensível o limite
de R$ 2.708,94, pois o Estado estaria dando um suporte ao ensino. Países
desenvolvidos, como a Finlândia, por exemplo, praticamente não possuem escola
particular (99% das escolas são públicas), visto que o sistema deles é muito
eficiente, o que não acontece no Brasil.
O contrário ocorre no Brasil, ou seja, as melhores escolas do
País são privadas e necessitam de um grande investimento por parte do
contribuinte. O fato é que o Estado possui uma grande carga tributária, mas não
dá uma contraprestação àqueles que a estão pagando. Como se não bastasse,
cobra do contribuinte um tributo sobre o ensino, ensino este que deveria ser
gratuito e de qualidade, com o Estado bancando todo o artefato, pois é para isso
que existem os tributos e é isso que a Constituição Federal prevê.
O próprio preâmbulo da CRFB/88 destaca, como valores
supremos, o exercício dos direitos sociais e individuais (liberdade, segurança, o
bem-estar etc.). O já citado artigo 6º destaca, como um dos direitos sociais a
educação, e, por isso, é considerada um valor supremo. Tais valores, porém, não
estão sendo respeitados, com o irrisório teto imposto, pela norma
infraconstitucional.
Salienta-se que o intuito do presente artigo é que possamos
observar o claro desrespeito à Constituição Federal, inclusive nos seus valores
supremos. O desrespeito demonstrado, in casu, é concernente ao limite de
dedução para as despesas com instrução.
Em 12 de fevereiro de 2010.
Otávio Augusto Salum Pereira
OAB/SC 26.491
Especialista em Direito Tributário
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