A UNIÃO ESTÁVEL E SEUS EFEITOS JURÍDICOS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO Daniela Santos Hohlenwerger * INTRODUÇÃO A união estável, como instituto jurídico, surgiu no ordenamento pátrio e foi amplamente acolhido doutrinaria e jurisprudencialmente, em face das transformações sociais ocorridas nos grupamentos familiares nas últimas décadas. Uma das principais mudanças dizia respeito à dissociação do casamento como única forma de constituição da família legítima, e o surgimento das famílias extramatrimoniais como uma realidade cada vez mais constante na sociedade brasileira. Nesse contexto, era uma necessidade premente que o Estado oferecesse proteção jurídica à nova família, que estava sendo formada fora dos moldes tradicionais. Assim, sendo o escopo do direito matrimonial, o qual determina funções e finalidades nas relações entre cônjuges e seus descendentes, o direito buscou soluções legais a enquadrar e proteger os interesses familiares. Após a Constituição Federal de 1988, a família brasileira, que já vinha sofrendo grandes modificações, teve o reconhecimento da união estável como família legítima, o que conferiu oportunidade de muitas famílias constituídas à margem do direito, merecerem o mesmo respeito, que antes somente era admitido ao casamento. Assim, o art. 226, § 3° da Carta Magna, dispõe que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A união estável, então, em nosso direito, encontra-se regulada pela Lei 10.406/ 2002, atual Código Civil, nos arts. 1723 a 1727, e Leis 8.971/94 e 9.278/96, que, finalmente, vieram a regulamentar o artigo 226, § 3º da Constituição Federal de 1988. Sem a pretensão de esgotar o tema, tão interessante e presente na vida das pessoas, este artigo objetiva esclarecer acerca do instituto da união estável, suas peculiaridades e efeitos no mundo jurídico, facilitando assim a sua compreensão. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E CONCEITO A primeira regulamentação da norma constitucional (art. 226, § 3º) adveio com a Lei nº 8.971/94 que trouxe a definição de “companheiros” ao homem e mulher que mantivessem união comprovada, por mais de 05 (cinco) anos ou com prole, e fossem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. * Advogada e Pós Graduanda em Direito Processual Civil pelas Faculdades Jorge Amado Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.278/96 trazendo modificações ao conceito, dispondo que se considera entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, com o objetivo de constituição de família. O novo Código Civil inseriu o título referente à união estável no Livro de Família, em cinco artigos, tratando dos princípios básicos das retro citadas leis ordinárias. O que ocorreu foi uma equiparação do instituto da união estável ao casamento, pelo que se aplicam ao primeiro os princípios do segundo, assim como as normas atinentes aos alimentos devidos pelos cônjuges. Nos termos do quanto disposto no art. 1.723 do Código Civil, a união estável consiste no vínculo entre o homem e a mulher, configurado pela convivência pública, contínua e duradoura e estabelecido com o objetivo de constituir família. Atualmente, não importa o tempo de convivência entre os companheiros, mas sim os outros elementos constantes do conceito. Como conseqüência disso, as pessoas que são por lei impedidas de casar (os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil, os afins em linha reta, o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante, os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau, o adotado com o filho do adotante, as pessoas casadas, salvo se estiverem separadas judicialmente ou de fato e o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte) não tem o reconhecimento da união estável, ainda que de qualquer forma estabeleça uma convivência com alguém. Por outro lado, as causas suspensivas do casamento, que estão arroladas no art. 1.523 do Código Civil, não impedem o reconhecimento da união estável. Estão abrangidos pelas causas suspensivas o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até 10 (dez) meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Desta forma, depreende-se que a preocupação do legislador deu-se somente no tocante aos impedidos de casar, com a exceção do inciso VI do art. 1.521 do CC, os quais não podem ter reconhecido em nenhuma hipótese a união estável, mas não fez proibição quanto às causas suspensivas do casamento, deixando claro que não se tratava de impedimento ao reconhecimento do instituto. Cabe salientar, que o ordenamento jurídico traz em seu bojo a previsão de que “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”, reproduzindo o art. 1.724 a previsão do art. 2° da Lei n° 9.278/96, e ratificando a tendência do Direito de Família moderno que se baseia na afetividade entre seus membros e pelo que não podem os companheiros se descurar de observar. O dever de fidelidade recíproca está implícito nos de lealdade e respeito, não se fazendo necessário, à luz da Súmula 382 do STF, o dever de coabitação. “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório1, não é indispensável à caracterização do concubinato”. A legislação facilitou, ainda, a conversão da união estável em casamento, ao dispor que basta, para tanto, o pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. A despeito disso, é de se ter em mente que “a nova regulamentação da união estável destina-se aos companheiros com vida comum na data de início da vigência do novo Código Civil, não se aplicando as situações de convivência já cessada em definitivo antes dessa data. Impõe-se, ainda, aos casos de união iniciada anteriormente, mas prorrogada até o início da vigência do novo diploma ou mantida depois. As cessadas depois de 29 de dezembro de 1994 sujeitam-se às normas das leis n. 8.971/94 e 9.278/96, conforme a data da cessação, sendo que as terminadas anteriormente, em definitivo, não são alcançadas por nenhum dos referidos diplomas legais”.2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO INSTITUTO É do conceito da união estável que se extraem os elementos caracterizadores do instituto, senão vejamos. Para que ocorra a união estável, faz-se mister que o relacionamento envolva um homem e uma mulher, posto que a união entre pessoas do mesmo sexo é reconhecida como uma sociedade de fato, cujo conceito e efeitos jurídicos diferem do instituto em análise e que não será neste artigo tratado. O segundo elemento é a necessidade da convivência pública, contínua e duradoura, que pode ser comprovada por testemunhas, fotografias, hábitos do casal, entre outros. Por último, exige a lei que esta convivência pública, contínua e duradoura entre um homem e uma mulher seja estabelecida com o objetivo de constituição de família. Esta é a principal diferença entre a união estável de um namoro, por mais longo e notório que este seja. Importante ter-se em mente todos os requisitos exigidos pela lei para o reconhecimento da união estável, uma vez que há diferenças entre este e o casamento, embora sejam bem parecidos, como também há diferença entre a união estável e o concubinato. O concubinato, para esclarecer, difere da união estável porque aquele se estabelece entre o homem e a mulher que mantém relação não eventual, mas que são por lei impedidos de casar. Ou seja, refere-se o concubinato ao relacionamento envolvendo pessoas casadas, que infringem o dever de fidelidade. Logo, para que haja o reconhecimento legal e judicial da união estável, imprescindível a demonstração e a prova da existência desses elementos, pelo que serão conferidos ao caso todos os efeitos jurídicos dados à proteção do instituto. Entretanto, como a lei foi silente quanto ao procedimento, o entendimento é o de que o Oficial deverá exigir todas as providências que o Código Civil prevê para a habilitação ao casamento, sobretudo em relação a verificação da existência de impedimentos. 1 Como marido e mulher. 2 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito de família, volume 2 / 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2003, pg. 159/160. DISSOLUÇÃO E EFEITOS PATRIMONIAIS - ASPECTOS PROCESSUAIS DA DISSOLUÇÃO Extinguir-se-á a união estável, segundo a lei, pela morte de um dos conviventes ou pela rescisão, cuja dissolução deverá ser decretada judicialmente através da Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável, proposta perante uma das varas de família, que é a competente para tal, nos termos dos arts. 7° e 9° da Lei n° 9.278/96. Nesta ação, será discutida a divisão dos bens adquiridos na constância da relação, a título oneroso, e cuja administração compete a ambos os companheiros; serão também reguladas questões relativas aos filhos e à guarda, bem como a pensão alimentícia, que poderá ser fixada, inclusive, para qualquer dos companheiros. Cabe, ainda, esclarecer que, dissolvida a união estável pela morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, de acordo com o art. 7°, parágrafo único da retro citada lei. Acerca dessas questões, passaremos aos seguintes esclarecimentos. O art. 1.725 do Código Civil estabelece que “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Isto quer dizer que, se o casal que passa a conviver em união estável não estipula em contrato escrito de que forma dar-se-ão as relações patrimoniais, será adotado o regime de comunhão parcial de bens, ou seja, tudo o que for adquirido por qualquer dos companheiros na constância da união estável participará da meação (divisão) dos bens, ressalvados os bens adquiridos antes do estabelecimento da união estável. Logo, se um homem convive em união estável com uma mulher por 10 (dez) anos e, neste período de tempo adquire bens, móveis ou imóveis, a título oneroso, vindo a separarse posteriormente, deverá ter em mente que todos estes bens farão parte da divisão, de forma igualitária entre ambos. Entretanto, os bens adquiridos antes desta convivência não serão partilhados, ficando cada um com o que lhe pertencia. Com o fim da relação estável, havendo bens a serem divididos, deverão as partes propor, como já foi dito dantes, Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável, mencionando todos os fatos pertinentes à relação, como filhos decorrentes dela, os bens adquiridos, arrolando-os minuciosamente, inclusive com o valor de cada um, e a forma da divisão, propondo-se à prova do quanto alegado. Nesta ação, além da partilha dos bens, poderá ser fixada a pensão alimentícia aos filhos do casal, bem como a guarda destes, e também os alimentos à companheira ou companheiro, já que após a Constituição Federal de 1988 homens e mulheres são iguais em direitos e deveres perante a lei. CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, constata-se que o objetivo inicial da legislação em proteger a família, sem mais fazer distinções preconceituosas entre famílias legítimas e ilegítimas, foi alcançado e o instituto da união estável encontra-se disposto na Constituição Federal e regulado no Código Civil nos arts. 1.723 a 1.727, assim como as leis ordinárias mencionadas neste artigo.