UMA ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO PARA ABORDAR O SISTEMA DE NUMERAÇÃO Marisa da Silva Dias Depto de Educação Faculdade de Ciências UNESP — Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho São Paulo/Brasil Resumo.—O objetivo é apresentar e discutir o desenvolvimento de uma atividade orientadora de ensino em relação ao sistema numérico posicional. A atividade foi desenvolvida com estudantes do terceiro ano do curso de licenciatura em Matemática de uma universidade pública de São Paulo (Brasil). O propósito foi abordar os nexos conceituais do sistema numérico decimal por meio de uma situação que apresenta outro sistema numérico. A atividade foi desencadeada por uma situação-problema configurada por meio de uma carta, cujo interlocutor narra que em sua viagem encontrou uma comunidade (fictícia) que utiliza outro sistema numérico. A carta apresenta registros das quantidades de um a doze, os numerais, que não são conhecidos dos leitores, estudantes de licenciatura, e solicita a eles a explicação da lógica do sistema numérico dessa comunidade. A finalidade da atividade foi discutir, com os futuros professores, algumas dificuldades quanto ao nosso sistema numérico decimal que os estudantes dos anos iniciais do ensino escolar, para os quais irão lecionar, podem apresentar no processo de ensino-aprendizagem. Com isso, foi possível elencar os nexos conceituais, que vão além do pensamento empírico, da aparência, e que permitem o desenvolvimento do pensamento teórico, o qual reúne pensamento quantitativo, correspondência biunívoca, unidade, agrupamento (correspondência um-a-vários), base numérica, numeral e sistema posicional. A partir dessa atividade os estudantes puderam compreender e discutir problemas relacionados à escrita numérica, à cardinalidade, à ordem e às quatro operações aritméticas básicas que aparecem no sistema de ensino escolar em várias situações. E, o quanto esses problemas estão relacionados à organização didática e às mediações do professor. Introdução Este texto é um relato de experiência sobre uma atividade orientadora de ensino (Dias & Moura, 2008) realizada em um curso de licenciatura em Matemática de uma universidade pública de São Paulo (Brasil). O desenvolvimento de atividades envolvendo conceitos matemáticos com estudantes faz parte do projeto de pesquisa do grupo GEPAPe — Grupo de Ensino e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica, sediado na Universidade de São Paulo, São Paulo. Um dos propósitos desse projeto é a analise do potencial da atividade pedagógica para aprendizagem de conhecimento matemático pelos estudantes, sobretudo, àqueles que irão lecionar matemática no ensino básico. A atividade orientadora de ensino tem como objetivo a organização do ensino, que, neste trabalho, refere-se à uma proposta desenvolvida com estudantes, futuros professores, sobre o sistema numérico posicional. A finalidade da atividade foi discutir algumas dificuldades quanto ao nosso sistema numérico que os estudantes dos anos iniciais do ensino escolar, para os quais irão lecionar, podem apresentar no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, foi apresentado um problema desencadeador de aprendizagem por meio de uma carta nomeada carta Caitité, desenvolvida pelo coordenador do grupo GEPAPe, cuja adaptação fornecida aos estudantes está reproduzida abaixo. Iauip, fevereiro de 2010. Caros colegas, 1 Como vocês sabem, estou em Iauip, país maravilhoso, para conhecer os avanços dos seus acadêmicos em Matemática. Já participei do primeiro seminário. O nosso tema foi a descoberta de um sistema de numeração de uma comunidade chamada Caitité. Os renomados professores Ovatsug e Oiegres apresentaram as suas descobertas iniciais baseadas em escritas que parecem representar os bens de um rico senhor da- PROFMAT2011 ACTAS quela comunidade. Os professores disseram que foi possível perceber que as quantidades de um a doze podem ser representadas da seguinte forma: ©, +, N, ©I, ©©, ©+, ©N, +I, +©, ++, +N, NI. Descobriram também que o povo Caitité já tinha um símbolo para o zero: I. Os professores mostram uma inscrição que apresentava a figura de um jegue seguida dos símbolos +N©. Supomos que quem fez esta inscrição estava querendo comunicar o valor do jegue. No próximo seminário pretendemos descobrir a lógica do sistema de numeração dos Caitités. Acreditamos que isso poderá trazer grande contribuição para entender a cultura desse povo. Estou enviandolhes esse resumo do que já presenciei porque sei o quanto vocês ficarão desafiados para encontrar uma solução geral para o problema que estamos investigando. Peço-lhes que procurem descobrir qual o sistema de numeração dos Caitités, pois isso daria um grande prestígio à nossa academia. Se vocês conseguirem descobrir, escrevam, com os nossos numerais, quanto custa o jegue e escrevam também quanto seria 23 e 203 em escrita Caitité. Vocês podem mandar a resposta por e-mail, mas em março estarei com vocês para chegarmos a uma conclusão. Forte abraço, Marisa. Na atividade, os estudantes tinham que explicar, também por meio de uma carta, o sistema numérico da comunidade Caitité. O fato deles terem que escrever, por um lado, favoreceu o desenvolvimento da organização de idéias para tornar clara a comunicação e a explicação de conceitos matemáticos; procedimento necessário para a formação do professor. E, por outro lado, permitiu compreender os nexos conceituais que são inerentes ao nosso sistema numérico que muitas vezes não são colocados em evidência no processo de ensino-aprendizagem, visto que o sistema da comunidade Caitite também é posicional. Os estudantes se organizaram em 5 grupos, cada um recebeu uma cópia da carta. Com isso, eles leram, discutiram e responderam por escrito. As respostas foram entregues a professora que analisou cada resposta. O enfoque das respostas foi na busca da regularidade e não na estrutura numérica. Em outro momento, as repostas dos grupos foram expostas para a classe. E, com isso, pôde-se comparar a estrutura do sistema numérico da comunidade Caitité com o nosso, quanto aos nexos conceituais. Observou-se a necessidade da unidade, do zero como indicação de uma posição vazia no numeral, do próprio numeral escrito e de uma base. Quando os estudantes perceberam que o sistema Caitité possuía base quatro, seus conhecimentos sobre mudança de base facilitaram a compreensão, tanto do sistema, quanto das dificuldades que as crianças podem ter com a aprendizagem dos números e das operações no sistema numérico decimal. Esses nexos conceituais puderam complementar uma outra atividade orientadora de ensino vivenciada por esses mesmos estudantes que exploraram o conceito de contagem, com a correspondência biunívoca. As reflexões dos estudantes revelaram suas análises, sejam elas provenientes de observações realizadas no estágio curricular supervisionado, sejam de outras situações de ensino (pois alguns já lecionavam), em relação às dificuldades de estudantes dos anos iniciais de escolarização, com os números e suas operações. Puderam, com isso, perceber que algumas das dificuldades são subjacentes a falta de compreensão do sistema posicional. Considerações 2 Na base de todo o conhecimento humano, o homem leva em consideração não somente as propriedades externas dos objetos. A aprendizagem cujo enfoque se dá somente pela técnica e pelos aspectos superficiais do número desenvolve somente pensamento empírico (Davidov, 1988, Dias & Manzoni, 2011). São as conexões internas que permitem ao ser humano a transformação e a elaboração de objetos, produzindo o pensamento teórico (Davidov, 1988, Dias & Manzoni, 2011). Com o objetivo de elaborar maneiras para apropriação de conceitos matemáticos, como a atividade orientadora de ensino, considera-se necessária a reprodução, no pensamento, dos traços essenciais da atividade humana acumulada nesse objeto, os nexos conceituais. A atividade desenvolvida pelos estudantes orientou-se pela reprodução dos nexos conceitu- ais do nosso sistema de numeração a fim de permitir o desenvolvimento do pensamento teórico, formador de conceito. Referências bibliográficas Davidov, V. (1988). La enseñanza escolar y el desarrollo psiquico. Havana: Editorial Progresso. Dias, M. & Moura, M. O. (2008). Formação da imagem conceitual na atividade orientadora de ensino. In Anais II Congresso Internacional do CIDInE: novos contextos de formação, pesquisa e formação (pp. 1–14). Gaia: Portugal. Dias, M. & Manzoni, R. (2011). Pensamento empírico e teórico da matemática e da língua materna. In Anais do V Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo (pp. 1-17). Florianópolis: UFSC. 3 PROFMAT2011 ACTAS