Síndrome do Intestino Irritável e Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Prof. Dr. Ulysses Fagundes-Neto Diretor Médico do Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo IGASTROPED SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Prevalência Trata-se de um transtorno frequente com prevalência de 514% nas crianças em idade escolar e de 22-45% nos adolescentes e adultos, ao redor do mundo, identificado em clínicas de referência terciária, de acordo com os critérios de Roma III. O curso clínico da SII é altamente heterogêneo e pode ter 3 subtipos de apresentação, a saber: constipação, diarreia e misto. Antagonistas ao receptor 5-hydroxytryptamina (5-HT)3 Diarreia Agonistas ao receptor 5-HT3 diminuem espasmo do músculo liso Constipação SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Critérios de Roma III Transtorno funcional recorrente com a frequência de pelo menos 1 vez por semana, pelo menos nos últimos 2 meses anteriores ao diagnóstico, caracterizado pelos seguintes sintomas: 1- Desconforto abdominal ou dor abdominal associado com 2 ou mais dos seguintes sintomas por pelo menos 25% do tempo: Alívio com a evacuação Início associado com alteração na frequência das evacuações SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Critérios de Roma III 2- Ausência de processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico que possa justificar os sintomas. Além disso, a SII pode estar associada com manifestações extra-digestivas, tais como: fadiga, cefaleia, letargia, ansiedade, depressão, dor músculo-esquelética, formigamento e/ou adormecimento nas mãos e pés. Childhood Functional Gastrointestinal Disorders: Child/Adolescent Andre Rasquin et al. – Gastroenterology, 2006 SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Sintomas Subjacentes de Suporte Diagnóstico 1- Frequência das evacuações: aumentada (4 ou + por dia) ou diminuída (2 ou – por semana). 2- Formato anormal das fezes: endurecidas ou diarreicas. 3- Eliminação anormal das fezes: esforço, urgência, sensação de evacuação incompleta. 4- Eliminação de muco. 5- Flatulência: sensação subjetiva de inchaço abdominal. 6- Distensão abdominal: aumento da circunferência abdominal. The brain-gut axis: from basic understanding to treatment of IBS and related disorders Michael Camilleri & Carlo Di Lorenzo – JPGN, 2012 Bloating and abdominal distention: not so poorly understood anymore Magnus Simrén – Gastroenterology, 2009 SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Fisiopatologia O processo fisiopatológico da SII até o presente momento não está totalmente elucidado mas admite-se a coexistência de uma importante interação de fatores biológicos e psicossociais. Tem sido postulado que respostas imunológicas anormais aos componentes da dieta possam desencadear os sintomas da SII. Além disso, admite-se que a persistência de um baixo grau de inflamação possa favorecer o surgimento da SII. SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Fisiopatologia 1- Fatores Psicossociais: estresse, somatização visceral, ansiedade, depressão. 2- Alteração da Motilidade: trânsito colônico acelerado, colon espástico 3- Sensibilidade Alterada: hipersensibilidade visceral SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Fatores Coadjuvantes 1- Genética 2- Síndrome Pos-gastroenterite 3- Irritantes na luz intestinal: Má absorção de sais biliares 4- Alterações na microflora: bacteriano no intestino delgado Sobrecrescimento SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Fatores Coadjuvantes 5- Inflamação da mucosa: Alteração da barreira de permeabilidade colônica 6- Ativação imunológica local: Imunidade inata 7- Ação de transmissores e/ou transportadores: Serotonina 8- Produção excessiva de gás e dificuldade na sua eliminação: Fermentação (FODMAPS) 9- Hipersensibilidade retal Diet therapy for Irritable Bowel Syndrome: progress at last Magnus Simrén – Gastroenterology, 2014 SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL X SENSIBILIDADE AO GLÚTEN Uma complexa relação de sobreposição Vários sintomas gastrointestinais e extra-digestivos descritos em pacientes portadores da SII são também observados nos pacientes portadores da SGNC. Pacientes portadores da SII subtipo Diarreia que apresentam positividade para o complexo genético HLA-DQ 2/8 podem desenvolver sintomas digestivos após a ingestão de glúten. Ensaio clínico duplo-cego placebo controlado com provocação, utilizando alimentos contendo glúten, revelou que 30% dos pacientes portadores da SII apresentaram sensibilidade ao trigo. Estes pacientes também apresentaram títulos elevados dos anticorpos anti-gliadina G e A, em comparação com os pacientes que não apresentaram sensibilidade ao glúten. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca (SGNC) Ellis e Linaker, em 1978, publicaram na revista Lancet, o caso de uma paciente que apresentava queixa de diarreia e dor abdominal recorrente. A investigação laboratorial não revelou anormalidades à biópsia do intestino delgado, porém, apesar de não ter sido caracterizada Doença Celíaca, a paciente foi submetida a uma dieta isenta de glúten, a qual propiciou total desaparecimento dos sintomas. Esta foi a primeira descrição cientificamente reconhecida da SGNC. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Posteriormente, Cooper e cols., em 1980, na Suécia, descreveram a SGNC em um grupo de 8 mulheres adultas que sofriam de dor abdominal e diarreia crônica as quais eram geralmente incapacitantes e frequentemente noturnas. Estas queixas apresentavam alivio significativo com a utilização de dieta isenta de glúten, e cujos sintomas recidivavam com a reintrodução do glúten na dieta. Múltiplas biópsias de jejuno não revelaram alterações significativas compatíveis com aquelas descritas na Doença Celíaca (DC). Os autores concluíram que estas pacientes apresentavam diarreia sensível ao glúten, mas que não demonstravam quaisquer evidências de DC. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Esta entidade clínica permaneceu no esquecimento até que Sapone e cols., em 2010, redescobriram esta enfermidade, a qual se caracteriza pela presença de sintomas intestinais e extra intestinais relacionados com a ingestão de alimentos contendo glúten em indivíduos que não sofriam de DC ou Alergia ao Trigo (AT). A partir deste novo relato da SGNC, rapidamente um número cada vez maior de artigos tem sido publicados por inúmeros grupos independentes, confirmando que a SGNC deve ser definitivamente incluída no espectro dos transtornos relacionados ao glúten. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Pacientes Grupo 1- 13 Doença Celíaca em atividade Grupo 2- 11 SGNC, anti-EMA e anti-TTG negativos Grupo 3- 7 Controles: Dispepsia Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Pacientes: Critérios de Inclusão Sintomas Digestivos: diarreia crônica, dor abdominal, constipação, perda de peso, flatulência, esteatorreia. Sintomas Estra-digestivos: fraqueza, anemia, dores articulares, câimbras, osteoporose, formigamento e/ou adormecimento das pernas, descoloração dentária, glossite e tireoidite autoimune. a) Controle; b) Sensibilade ao glúten; c) Doença celíaca Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Conclusões Sapone e cols., demonstraram mínimas alterações da mucosa jejunal (Marsh 0-1) em pacientes com SGNC, enquanto que nos celíacos ocorreu atrofia vilositária subtotal e hiperplasia críptica. Vale ressaltar que até o presente momento não se tem conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese desta entidade e nem tampouco encontra-se disponível um marcador bioquímico que possibilite caracterizar seu diagnóstico laboratorial. O diagnóstico deste transtorno nutricional se estabelece por meio do teste de provocação que preferentemente deve ser realizado pela técnica duplo-cego, placebo-controlada. O tratamento preconizado é a eliminação do glúten da dieta do paciente. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca Definição de Londres (2012) Entidade clínica em que ocorre uma reação sintomática ao glúten sem as características de existência de um mecanismo fisiopatológico alérgico ou autoimune. Testes imuno-alérgicos negativos para trigo, bem como sorologia específica para Doença Celíaca (anti-Ema e/ ou anti TTG), histologia duodenal normal, com resolução dos sintomas utilizando dieta isenta de glúten. Recorrência dos sintomas com reintrodução do glúten na dieta. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca 2º Encontro de Experts - Munique (2012) Definição Entidade clínica na qual os sintomas são desencadeados pela ingestão de glúten, na ausência de anticorpos específicos para DC e da característica atrofia vilositária duodenal, com condição variável do complexo genético HLA e possível positividade do AGA IgG (56,4%) e baixa AGA IgA (7,7%). Enfatizar que ATTG e EMA têm sempre se revelados negativos na SGNC. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca A SGNC caracteriza-se por sintomas que usualmente aparecem logo após a ingestão de glúten, desaparecem com a retirada do glúten da dieta e reaparecem nas próximas horas ou poucos dias subsequentes, após um teste de provocação com glúten. Entretanto, os mais diversos aspectos da epidemiologia, fisiopatologia, espectro clínico e tratamento da SG ainda permanecem obscuros. Os esclarecimentos destes aspectos até o momento não elucidados deverão ser alcançados através de investigações clínicas e laboratoriais utilizando metodologia científica reconhecidamente válida, através de estudos multicêntricos e prospectivos envolvendo a SGNC. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca (SGNC) A manifestação clássica da SGNC é uma combinação de sintomas similares aos observados na Síndrome do Intestino Irritável (SII) incluindo dor abdominal, flatulência, alterações do hábito intestinal (diarreia ou constipação), e manifestações sistêmicas tais como, confusão mental, cefaleia, cansaço, dores musculares e nas articulações, dermatite, depressão e anemia. Quando os pacientes são atendidos em uma clínica especializada, muitos deles espontaneamente relatam uma relação causal entre a ingestão de alimentos contendo glúten e o agravamento dos sintomas. Nas crianças, a SGNC manifestase tipicamente por meio de sintomas gastrointestinais, tais como, dor abdominal e diarreia crônica; manifestações extra intestinais parecem ser menos frequentes nas crianças, e nestas últimas o sintoma mais comum tem sido cansaço. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca SGNC E SII: boa resposta com dieta isenta de glúten Vasquez-Roque e cols., em 2013, demonstraram que pacientes não celíacos portadores da SII com predominância da variante diarreia, podem desenvolver sintomas gastrointestinais após a ingestão de glúten. Estes pacientes ao receberem uma dieta contendo glúten apresentaram maior número de evacuações por dia, particularmente aqueles cujo genótipo era HLA-DQ2 e/ou DQ8. A dieta contendo glúten mostrou-se associada com um aumento da permeabilidade do intestino delgado e uma significativa diminuição na expressão da zonula ocludens 1 da mucosa colônica. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca SGNC E SII: boa resposta com dieta isenta de glúten Estes efeitos foram significativamente maiores nos pacientes HLA-DQ2 e DQ8 positivos. Por outro lado, pacientes que receberam dieta contendo glúten versus aqueles que receberam dieta isenta de glúten, não apresentaram alterações significativas sobre o trânsito gastrointestinal ou na morfologia do intestino delgado. Os autores concluíram que o glúten provoca ruptura da barreira de permeabilidade intestinal nos pacientes com SII com diarreia, particularmente naqueles HLADQ2 e DQ8 positivos. As alterações na barreira de permeabilidade intestinal permitiram oferecer explanações mecânicas a respeito das observações de que a retirada do glúten da dieta pode provocar alivio dos sintomas nos FODMAPS Fermentable oligosaccharides, monosaccharides, disaccharides and polyols Gibson e cols. Am J Gastroenterol 2012; 107: 657-66 Frutanos São as formas polimerizadas da Frutose e se dividem em dois grupos: oligossacarídeos (n <10) e polissacarídeos (n >10). As ligações Frutose – Frutose (Frutanos) não podem ser transformadas em moléculas unitárias de Frutose porque não existem hidrolases no intestino delgado capazes de quebrar as supra-referidas ligações. Inulina Frutanos A fotossíntese promove a assimilação do CO2 atmosférico pelas folhas resultando como produtos finais: sacarose no citosol e amido nos cloroplastos. A Sacarose é o principal composto utilizado para o transporte do Carbono fotoassimilado, para as partes não fotossintetizantes das plantas como raízes, órgãos de reservas e frutos. Algumas espécies de plantas armazenam parte do Carbono fixado pela fotossíntese como Frutanos. Os Frutanos são polímeros da Frutose sintetizados a partir da sacarose e ocorrem como o principal carboidrato de reserva. Frutanos Dentre as plantas superiores – Angiospermas (tubos e sementes) – 5 das suas 75 ordens contém Frutanos, isto é, cerca de 45.000 espécies armazenam Frutanos, e que correspondem a 15% de toda a flora Angiospérmica. Nas plantas superiores 5 grandes tipos de Frutanos podem ser observados, dependendo do tipo de ligação entre as unidades de frutose e da presença ou ausência de ramificações. Esses tipos são: inulina, levano, frutanos de ligações mistas, neosérie de inulina e neosérie de levanos. Frutanos Vegetais Alcachofra, aspargo, beterraba, couve de Bruxelas, brócolis, repolho, erva-doce, alho, alho poro, quiabo, cebola, ervilha, algas verdes Cereais Trigo, centeio e cevada Legumes Grão de bico, lentilha, feijão Frutas Melancia, melão, manga, maçã, pera, caju, figo e caqui Poliois Vegetais Couve-flor, cogumelo, ervilha e abacate Frutas Maçã, apricô, cereja, lichia, pera, nectarina, pêssego, ameixa, ameixa seca e melancia Adoçantes Sorbitol, Manitol e Xilitol Frutanos Não podem ser transportados para o interior dos enterócitos e, portanto, não são absorvidos pelo trato digestivo. Por esta razão, acarretam os seguintes efeitos: 1) Sobrecarga osmótica. 2) Aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta, H2, CO2 e metano pela microflora colônica. 3) Afetam a intestinal. motilidade, pois aceleram o trânsito 4) Pré-bióticos: favorecem o crescimento de bactérias específicas (Bífidobactérias). Fisiopatologia Quando a Frutose e o Frutano não são absorvidos, são fermentados pelas bactérias da microflora colônica, acarretando a produção de gases (Metano, Dióxido de Carbono e Hidrogênio) e ácidos graxos voláteis de cadeia curta (acético, butírico e propiônico). Fisiopatologia 1º) O Hidrogênio não é produzido ou metabolizado pelos seres humanos sadios em jejum e em repouso. 2º) A fermentação bacteriana é a única fonte de produção de Hidrogênio no ser humano. A microbiota do cólon, em especial as bactérias anaeróbias, é capaz de produzir Hidrogênio pela fermentação dos carboidratos não absorvidos. O Hidrogênio é excretado por meio de flatos e/ou por difusão, atravessa a mucosa intestinal, alcança a circulação sanguínea, chega aos pulmões aonde é eliminado durante a respiração . Portanto, a excreção pulmonar de Hidrogênio reflete sua produção no cólon, e sua concentração pode ser mensurada no ar expirado, em partes por milhão (ppm). 3º) Manifestações Clínicas Distensão abdominal Diarreia Borborigmos Dor abdominal crônica Flatulência Cólicas intestinais Dieta Isenta de Glúten Não apenas na Doença Celíaca Prescrição Médica Alergia ao Trigo Sensibilidade ao Glúten Doença Celíaca Autoimune 1% IgE mediada 0,1% Imunidade Inata 6% FODMAPS Fermentable oligosaccharides, monosaccharides, disaccharides and polyols Gibson e cols. Am J Gastroenterol 2012; 107: 657-66 SENSIBILIDADE AO GLÚTEN NÃO CELÍACO INTOLERÂNCIA AOS FRUTANOS E À FRUTOSE Atenção!!! É gostoso mas em excesso pode provocar flatulência e diarreia