EDUCAÇÃO E N OVAS TECNOLOGIAS NAS SOCIEDADES CAPITALISTAS
Maria das Graças de Almeida Baptista1
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o papel da educação nas sociedades
capitalistas frente ao desenvolvimento tecnológico, a partir da reflexão sobre as novas
tecnologias e a propalada “crise de paradigmas”. O estudo tem como referencial teórico o
materialismo histórico e dialético em Marx e Gramsci por compreender que o mesmo se
caracteriza como a possibilidade de análise e transformação da realidade, e de seus
fenômenos, a partir das contradições inerentes a essa realidade; e toma como
pressuposto que o desenvolvimento
tecnológico insere-se no processo de
desenvolvimento da própria sociedade capitalista e somente a partir da compreensão desta,
aquele pode ser comprendido. Nesse sentido, as posições de Castells, Flecha, Tortajada,
Kumar, Takahashi, Pearce e Mushakoji tornam-se imprescindíveis para a compreensão dos
debates acerca do desenvolvimento tecnológico na atualidade e para o diálogo com o
materialismo.
Palavras-chave: educação, novas tecnologias, capitalismo, marxismo.
RESUME
Ce travail analyse le rôle de l'éducation dans les sociétés capitalistes face au
développement technologique, travers la réflexion sur les nouvelles technologies et la
prétendue «crise des paradigmes». L'auteur utilise comme démarche théorique, le
matérialisme historique dialectique de Marx et Gramsci. Il considère que ce modèle se
présente comme possibilité d’analyse e transformation de la réalité, et de ses
phénomènes, travers les contradictions inhérentes à cette réalité. L’auteur considère que le
développement technologique s'inscrit dans le cadre du processus de développement de la
société
capitaliste elle-même, et c’est seulement en partant de cette
compréhension, que l'on peut comprendre la propre société. En ce sens, les positions des
Castells, Flecha, Tortajada, Kumar, Takahashi, Pearce et Mushakoji sont devenues
indispensable pour comprendre les débats sur les progrès technologiques d'aujourd'hui et son
dialogue avec le matérialisme.
Mots-clés: éducation, nouvelles technologies, capitalisme, marxisme.
1
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar o papel da educação nas
sociedades capitalistas frente ao desenvolvimento tecnológico, a partir da reflexão sobre
as novas tecnologias e a propalada “crise de paradigmas”. No entanto, cabe destacar que
1
Professora Doutora do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal da Paraíba. [email protected].
2
não se pretende, com essa leitura, esgotar a discussão acerca do tema, mas suscitar algumas
contribuições para o estudo das novas tecnologias na sociedade atual.
O estudo tem como referencial teórico o materialismo histórico e dialético em Marx
e Gramsci por compreender que o mesmo se caracteriza como a possibilidade de análise e
transformação da realidade, e de seus fenômenos, a partir das contradições inerentes a essa
realidade; e toma como pressuposto que o desenvolvimento tecnológico insere-se no processo
de desenvolvimento da própria sociedade capitalista e somente a partir da compreensão desta,
aquele pode ser comprendido.
Nesse
caminho,
as
contribuições
de
Castells,
Flecha,
Tortajada,
Kumar,
Takahashi, Pearce e Mushakoji tornam-se imprescindíveis para a compreensão dos debates
acerca do desenvolvimento tecnológico na atualidade e para o diálogo com o materialismo.
2
Desenvolvimento tecnológico: novas tecnologias e “crise de paradigmas”
Escrever sobre as novas tecnologias nas sociedades capitalistas é partir de dois
pressupostos: primeiro, a tecnologia é um dos instrumentos de produção e, portanto, um dos
aspectos das forças produtivas2
(os outros aspectos são a experiência dos homens e os
hábitos de trabalho); segundo, sua evolução só pode ser analisada a partir do
desenvolvimento da própria produção, do próprio
processo produtivo, do próprio
desenvolvimento cultural humano. Dessa forma, uma nova tecnologia é mais um
instrumento criado pelo homem, mais uma ferramenta que constitui o mundo cultural
humano.
Não há como negar o ápice atingido pelo desenvolvimento tecnológico na fase atual
do capitalismo. No entanto, é necessário destacar dois momentos específicos, que se
encontram dialeticamente relacionados, considerando a natureza de sua utilização: a
tecnologia,
enquanto
desenvolvimento
desenvolvimento
econômico
capitalista
das
e
a
forças
produtivas,
tecnologia da
voltada
informação,
para
o
enquanto
informação e formação ideológicas, que visa a formação e a constituição de
consumidores de novo tipo.
2 Além das forças produtivas (ferramentas, incluindo a tecnologia, que muda os hábitos e a
experiência para utilizá-las), elemento determinante do desenvolvimento da produção, um
outro aspecto do o modo de produção dos bens materiais são as relações de produção (as
relações entre os homens no processo de produção).
3
A esse respeito, também cabe destacar que a difusão das novas tecnologias
continua a ser tão seletiva e restrita quanto o foram nas duas Revoluções Industriais
anteriores. No entanto, no contexto atual, o número de cidadãos atingidos por esse
processo, assim como a velocidade desse processo devem ser ampliados, considerando a
formação de novos consumidores (mais do que
trabalhadores capacitados) para uma
produção cada vez mais rápida (inclusive da própria tecnologia). O capitalismo não pode esperar
e o grau de restrição deve diminuir para a “saúde” do próprio sistema capitalista.
No atual sistema de produção capitalista, há uma linha cada vez mais tênue entre esses
dois momentos do uso das novas tecnologias (força produtiva e informação). Castells
(1999b), ao analisar o uso das novas tecnologias e seus três estágios (automação de tarefas,
experiências de uso e reconfiguração das aplicações), diferencia-os quanto ao modo
aprendizagem (usando ou fazendo),
de
destacando que, enquanto as elites aprendem
fazendo, “a maior parte das pessoas aprende usando e, assim, permanecem dentro dos limites
do pacote da tecnologia”.
Além desse aspecto, o autor enfatiza que “a inovação tecnológica não é uma
ocorrência isolada”, ela depende das “condições específicas de cada sociedade”. Como destaca
Marx, das condições objetivas de cada sociedade em um determinado momento histórico.
Nesse sentido, não se está falando do desenvolvimento da estrutura econômica que depende
diretamente do
desenvolvimento tecnológico, ou seja, das forças produtivas? Se há
condições objetivas, haverá desenvolvimento das forças produtivas, novos
usos,
novas
funções, novas idéias, novas relações de produção, levando ao desenvolvimento de novas
forças produtivas que só surgirão quando houver novas condições objetivas para o seu
desenvolvimento.
A literatura atual está repleta de análises acerca do momento porque passa a
sociedade capitalista, tendo como marco a década de 70. Nessas análises, com algumas
variações, duas grandes posturas em relação ao desenvolvimento tecnológico podem ser
vislumbradas: uma afirma que a sociedade atravessou os portais da modernidade, da
industrial, para a pós-modernidade, para a pós-industrial, tendo em vista a Revolução
Tecnológica, e que, ao invés de se falar de uma sociedade capitalista, dever-se-ia falar de uma
sociedade informacional ou de informação.
Outra, mesmo ao adotar uma postura de estranhamento frente à perspectiva
anterior, acredita que, apesar de estarmos ainda sob a égide do modernismo e apesar das
mudanças no processo de produção capitalista com o advento das novas tecnologias, a
4
humanidade estaria passando por um momento de crise no nível econômico, político e
social.
Nesse sentido, Castells (1999a, p. 24), tomando como ponto de partida o processo de
transformação tecnológica, a que denomina “revolucionária”, destaca que a opção
metodológica de tomar a revolução da tecnologia da informação como ponto inicial não
significa um “determinismo
tecnológico”, ou seja, não significa que “novas formas e
processos sociais surgem em conseqüência de transformação tecnológica. É claro que a
tecnologia não determina a sociedade”.
Kumar (1997, p. 29; 37) enfatiza que “a aceitação da importância crescente da
tecnologia da informação, e mesmo de uma revolução de informação, é uma coisa, mas a
aceitação da idéia de uma nova revolução industrial, de um novo tipo de sociedade, de uma
nova era, é outra completamente diferente”, uma vez que “o taylorismo continua a ser o
princípio dominante, a tecnologia da informação possui maior potencial de proletarizar
do que de profissionalizar o trabalhador”, e arremata: “a TI [tecnologia da informação], com
todas as tecnologias, foi escolhida e moldada de conformidade com certos e determinados
interesses sociais e políticos (KUMAR, 1997, p. 43-45).
Nesse sentido, torna-se mister destacar que a tecnologia, em qualquer momento
histórico, está inserida em um determinado determinado modo de produção, com sua infraestrutura, forças produtivas e relações de produção, e com sua superestrutura, idéias e
instituições, auxiliada também pela tecnologia.
Sobre esse aspecto, Castells (1999a, p. 25), destaca que o paradigma tecnológico,
organizado com base na tecnologia da informação, foi constituído principalmente nos EUA,
e que “seria tentador relacionar a formação desse paradigma tecnológico diretamente às
características de seu contexto social”, em especial, à crise econômica que sacudiu os EUA e
o mundo capitalista na década de 70. Entretanto, atribui esse surgimento “à cultura da
liberdade, inovação individual e iniciativa empreendedora”, negando as condições objetivas,
em especial, o grande investimento industrial e militar.
Segundo o autor, apesar dessa crise ter motivado “uma reestruturação drástica do
sistema capitalista em escala global”, ter induzido “um novo modelo de acumulação em
descontinuidade histórica com o capitalismo pós-Segunda Guerra Mundial” e ter sido uma
tentativa dos EUA de “assegurar a superioridade militar sobre os rivais soviéticos, em resposta
a seu desafio tecnológico na corrida espacial e nuclear”, ou seja, “embora haja uma
coincidência histórica, [...] a emergência de um novo sistema tecnológico na década de 70
deve ser atribuída à dinâmica autônoma da descoberta e difusão
5
tecnológica, inclusive aos efeitos sinérgicos entre todas as várias principais tecnologias
(CASTELLS, 1999b, p. 68).
Entretanto, sem querer desmerecer a importância do acaso no desenvolvimento
históricos da humanidade, acredita-se que ele não parece adequado à análise do
desenvolvimento tecnológico nos EUA, especialmente a partir dos anos 70, visto já existir
condições objetivas para tal desenvolvimento. Portanto, esse processo histórico já apontava a
sua trajetória.
O próprio autor, ao tratar da nova trajetória histórica introduzida pela tecnologia,
aponta que “alguns historiadores insistem que os conhecimentos científicos necessários à
primeira Revolução Industrial já estavam disponíveis cem anos antes, prontos para ser usados
sob condições sociais maduras” (CASTELLS, 1999b, p. 54), ou seja, a tecnologia que começou
a ser desenvolvida desde a década de 40 só pode ser efetivamente desenvolvida quando
ocorreramcondições
objetivas
que
possibilitaram
o seu
desenvolvimento: a crise capitalista dos anos 70 e a afirmação militar frente ao mundo.
Portanto, apesar de haver uma concordância com o autor quando aponta que as
condições objetivas não seriam por si só suficientes sem a engenhosidade humana, sem essa
característica especificamente humana de construir a todo instante a cultura material e
espiritual,
nas
sociedades
capitalistas,
essa
construção,
tem
sido
dialeticamente
acompanhado da exclusão de um número cada vez maior de pessoas, tanto em relação ao acesso
à evolução tecnológica, quanto à manutenção dos postos de trabalho.
O mundo nunca alcançou tamanho desenvolvimento em relação à qualidade de vida
para a espécie humana, no entanto, quando se fala em desenvolvimento humano, nunca
houve tamanha dívida social. Ao lado do desenvolvimento das forças produtivas tem ocorrido
uma exclusão cada vez maior dos trabalhadores graças à robotização e à informatização e,
portanto, ao esvaziamento do espaço de trabalho humano.
Flecha e Tortajada (2000, p. 23), por sua vez, apontam que “o desenvolvimento dessa
economia vem acompanhado por organizações mais democráticas em nível micro, e em nível
macro, pela forte exclusão do mercado e da produção de grandes setores da população”. A
princípio poderia parecer contraditória a relação democracia-exclusão, no entanto, esse modelo
de sociedade não foi gestado para diminuir a exclusão, visto que a, a liberdade e a solidariedade
têm sido, historicamente, destinadas a uma minoria.
Gramsci anunciava que uma classe é mais hegemônica quando ela permite às classes
adversárias se organizarem. A classe no poder tem criado mecanismos que
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permita à classe não hegemônica crer que ela pode ser incluída, desde que cumpra os
requisitos mínimos. Hoje, o domínio das novas tecnologias!
A respeito da relação homem-máquina, vale salientar que, historicamente, o
homem tem aprendido a se defender quando se sente ameaçado, o que caracteriza o
próprio processo de hominização através do qual a espécie humana tem sobrevivido tanto
biológica, quanto culturalmente. Assim como, historicamente, os homens têm oprimido
outros homens, através dos instrumentos e das idéias em voga em sua realidade
objetiva. Portanto, a robotização e a informatização é, hoje, apenas um desses instrumentos de
opressão de outros homens.
Nesse aspecto, encontra-se o grande diferencial que permite ao homem
denominar-se humano, ou seja, nesse processo de constituição da própria espécie, as
ferramentas e sua apropriação devem necessariamente estar a serviço da construção do
próprio homem e não de sua reprodução. A tecnologia torna-se, assim, mais uma
expressão humana, mais um bem material produzido culturalmente pelo homem e ao qual
todo homem deve ter acesso.
A partir do exposto, como pensar a propalada “crise” por que passam as
sociedades, incluindo a “crise de paradigmas”? Mushakoji (1999, p. 196; 198) destaca que a
crise global por que passam as sociedades “é a crise dos diferentes paradigmas que levaram o
processo de desenvolvimento global aos limites da sustentabilidade, ou talvez além deles”; e
que paradigmas alternativos poderiam ter mudado a “estrutura do sistema mundial”, negando
que a hegemonia é uma questão de poder.
Pearce (1996, p. 174-179), destaca que um “novo paradigma consiste em novas
maneiras de pensar sobre nós mesmo, nossa relação mútua e a sociedade em que
vivemos” e que o novo paradigma, a “revolução das comunicações”, permite que
questionemos o “nosso conceito sobre a comunicação”, mas que sendo novo, a “nossa
emancipação do velho paradigma é ainda insuficiente” e “tendemos a tomar alguma nova
idéia e injetá-la na antiga estrutura”. Um novo paradigma “não é um invento extraído do
nada, mas uma resposta às condições cambiantes do mundo contemporâneo que puseram em
primeiro plano a comunicação” (PEARCE, 1996, p. 181-182).
Portanto, ao analisar o surgimento do novo paradigma em sua relação com o velho,
e não desenvolver uma análise do desenvolvimento da comunicação na sociedade capitalista, o
autor termina por não considerar que a própria sociedade deve ser questionada. Dessa
forma, a chamada “revolução das comunicações” poderia ser entendida como um “novo
paradigma”? A esse respeito, Flecha e Tortajada (2000, p.
7
22) arrematam que “para alguns talvez em uma visão apocalíptica, cabe falar de crise, para
nós, de transformação”.
No entanto, falar de transformação implicaria aceitar que as mudanças advindas com o
desenvolvimento tecnológico estariam processando transformações no modo de produção
capitalista, ou seja, significaria negar que essas mudanças são necessárias à sobrevivência da
própria sociedade capitalista. A essas “crises” no modo de produção capitalista, Marx
denomina “oscilações” (MARX, 1978).
Entretanto, essas mudanças refletem na superestrutura modificando as idéias e as
instituições de forma a dar sustentação ao novo processo que se busca implantar.
Mudando-se as concepções modifica-se (desejadamente) o processo produtivo, mas nada
que ameace o modo de produção capitalista. Flecha e Tortajada (2000, p. 22) destacam que
“não se deve confundir uma mudança no processo de produção com um a mudança no modo
de produção. Nossa sociedade não é pós-capitalista, e sim capitalista, embora agora se consigam
os produtos graças à micro-eletrônica ou à biotecnologia”.
Portanto, se o que se está assistindo é tão somente uma mudança no processo de
produção, poder-se-ia falar em uma sociedade da informação (ou tecnológica)? Poder- se-ia
falar em revolução tecnológica, em oposição a uma revolução industrial? Se o capitalismo
está entrando em uma nova fase em que o processo de produção está se alterando, e com
ele a superestrutura de forma a dar sustentabilidade a esse novo processo, poder-se-ia falar
de uma “crise de paradigmas”?
Essa é uma questão que envolve toda uma concepção do mundo e, nesse sentido,
passa-se a questionar não a sociedade em si, mas a própria análise desenvolvida acerca dessa
sociedade e o papel dos sujeitos (históricos) que desenvolvem essas análises no seio dessa
sociedade, ou seja, qual o papel dos intelectuais, enquanto teóricos da superestrutura, na
estrutura social?
Nesse sentido, misturar ou separar paradigmas e base econômica é fazer
afirmativas como, um paradigma é uma questão de escolha! Ou que “o Estado moderno surgiu
de uma crise política, a Guerra Religiosa”, negando todas as transformações econômicas
do século XVI. Como afirma Gramsci, a aparente separação entre o econômico e o
político na ideologia, assim como na prática, é um efeito do modo de produção capitalista.
Assim, essa tentativa em afirmar uma “crise” encontra-se em intima relação com uma
visão liberal (neoliberal) que termina, em última instância, por atender às necessidades
do novo processo de produção capitalista. Afirmando-se uma crise, afirma-
8
se que as concepções, os valores, têm que mudar tendo em vista as novas necessidades do
capital, reafirmando, em última instância, a nova ordem mundial!
Seguindo essa linha de raciocínio, Mushakoji (1999, p. 203; 207) afirma que “novos
paradigmas têm que ser gerados por uma coligação anti-hegemônica que, se formada, talvez
forneça a base para uma nova ordem mundial que supere a atual crise global [e que] tal
coligação anti-hegemônica só pode ser formada se diversos grupos forem bem sucedidos em
compartilhar valores comuns apesar da diferença de suas posições epistêmicas”, a que ele
denomina “humanismo existencial”.
A esse respeito, parece haver duas tendências dominantes quando se enfrenta os
problemas atuais por que passa a humanidade: ou se cai em um total descrédito em relação
a mudanças ou nesse existencialismo humanista ou humanismo existencialista, negando as
relações de poder.
Por fim, Mushakoji (1999, p. 195) ao analisar a influência do processo de
ocidentalização nas sociedades não ocidentais, destaca que as regiões não ocidentais são ricas
em “paradigmas alternativos” devido a seu senso comum derivado de diversos cruzamentos
de diferentes comunidades epistêmicas.
Isso não significa que sua população tenha ficado imune à ocidentalização, mas que
seguiram consumindo tecnologias, conceitos de organização social e política e novos
valores e estilos de vida, na maioria das vezes sem ter consciência deles ou do fato. E isso
não pode ser relegado a segundo plano!
Nesse sentido, cabe perguntar: que papel é atribuído à educação no contexto
capitalista atual?
3
Desenvolvimento tecnológico e educação
Em cada momento histórico, a classe dominante define o tipo de sociedade, o tipo
de educação, de escola, de educadores, de homem e de ideologia, enfim, de trabalho,
de cultura que deseja difundir. Dessa forma, a superestrutura fornece o cimento
ideológico necessário à sua dominação3.
Portanto, o papel dominante que se atribuí à educação não poderia ser outro que não
o de reafirmar a importância de estarem todos preparados para a sociedade, para o
mercado, de estarem todos capacitados e prontos para saberem manipular, manusear e
3 Ver, por exemplo, A indústria cultural em A dialética do esclarecimento de Horkheimer e
Adorno.
9
consumir4. Nesse sentido, não faltam documentos que, partindo de uma análise teórica sobre
as novas tecnologias, apontem sua abrangência em todo mundo e seu impacto econômicosocial.
Flecha e Tortajada (2000, p. 21-22), dentre outros autores, analisam as
tendências que apontam “como será e como deveria ser a educação nos próximos anos”. Os
autores dividem essas tendências em duas partes: uma se refere às mudanças que estão sendo
produzidas atualmente, ou seja, as competências requeridas tendo em vista as mudanças
socioeconômicas e os desafios para a educação considerando as mudanças constantes em nível
sociocultural.
Na outra, os autores propõem a educação do novo milênio e analisam as
tendências que “possibilitarão uma educação igualitária” que transforme “dificuldades em
possibilidades”, que desenvolva o “conceito de aprendizagem dialógica” (superando as
“concepções
construtivistas”
e
objetivando
“a
igualdade,
a
solidariedade,
a
aprendizagem instrumental de conhecimentos e
habilidades e a transformação”) e a
“transformação
de aprendizagem”
de escolas
em comunidades
(destacando
a
importância da participação da comunidade “para superar os processos de exclusão”).
O Brasil, é claro, não poderia ficar fora dessa “onda”. O denominado Livro Verde é um
exemplo bastante elucidativo e merece ser analisado. Esse artigo ater-se-á aos capítulos 1 e
4 em que Takahashi (2000, p. 5), organizador de tal livro, apresenta A sociedade da informação e
a Educação na sociedade da informação, respectivamente.
No capítulo 1, o documento revela que o Brasil dispõe “dos elementos essenciais para a
condução de uma iniciativa nacional rumo à sociedade da informação. E [...] prestar
significativa contribuição para resgatar a sua dívida social [...] e manter uma posição de
competitividade econômica no cenário internacional”.
Takahashi (2000, p. 5-9) aponta as transformações que o país deve promover
visando uma “inserção favorável nessa onda” e as oportunidades e os riscos a que estão
sujeitos os países que caminham “rumo à sociedade da informação, competindo a cada um
encontrar sua rota e suas prioridades”.
Entretanto, dessa onda, “sociedade da informação”, não há como escapar. Ou seja,
essa não é uma sociedade constituída com o desenvolvimento e a expansão do
conhecimento, mas uma sociedade que ao mergulhar na onda das novas tecnologias,
4 Nas sociedades capitalistas, o desenvolvimento da robótica e da informática tem aprofundado
a exclusão, empurrando para o mercado informal um contingente cada vez maior de
empregados potenciais, aptos a consumir; e esse mercado consumidor é imprescindível para a
manutenção do próprio sistema capitalista.
10
delas deve se apropriar sob o risco de ficar à margem do desenvolvimento mundial, ou seja,
“à margem do desenvolvimento da nova economia [...]. Nesse contexto, é prioritário o
desenvolvimento e a implantação da Internet de nova geração no País”.
Cabe
também
destacar
que
o documento
é atravessado
por conceitos
mercadológicos (competitividade, produtividade, empreendedorismo etc.), indicando o
caminho que um país “em desenvolvimento” deverá seguir em tempos de globalização. No
item “Objetivo do Programa Sociedade da Informação” conclama os diferentes parceiros
para essa empreitada, setor privado (o mais interessado), governo e sociedade civil, destacando
a importância das universidades e demais entidades educacionais para o êxito do Programa,
definindo o calendário e os passos para o desenvolvimento do Programa, bem como a sua
estrutura organizacional.
Takahashi (2000, p. 8), de forma aparentemente compensatória, também enfatiza a
importância de valorizar e preservar os conteúdos e a identidade cultural: a “questão
estratégica nas políticas e programas de inserção na sociedade da informação é – além de cuidar
do uso adequado das tecnologias – aumentar a quantidade e a qualidade de conteúdos
nacionais que circulam nas redes eletrônicas e nas novas mídias”.
A educação surge, portanto e mais uma vez, como a grande salvadora da pátria.
Segundo Takahashi (2000, p. 6-7), é a educação que deve capacitar para que os
“consumidores estejam
conectados às redes digitais e capacitados para operá-las
adequadamente”. Essa capacitação não deve se restringir à formação para o trabalho, mas
para a constituição de novos consumidores. Nessa “onda”, alunos e educadores devem
adequar-se às novas tecnologias, devem adquirir “competência para transformar informação
em conhecimento”.
No capítulo 4 ressalta que “a educação é o elemento-chave na construção de uma
sociedade baseada na informação, no conhecimento e no aprendizado” (TAKAHASHI,
2000, p. 45), seguindo o lema aprender a aprender. O documento também apresenta os “novos
meios de aprendizagem”, com destaque para a “educação à distância” do ensino médio à pósgraduação (incluindo a aceleração de cursos) e em quaisquer áreas (saúde, transporte etc.).
Nesse
sentido,
coloca-se
nas
tecnologias
da
informação
o papel
de
democratização dos processos sociais e participação social. Ao mesmo tempo, o
documento aponta, que esse papel fica bastante comprometido visto que a “instalação de uma
infra-estrutura nas escolas e outras instituições de ensino no país” é bastante onerosa
11
e que “os países em desenvolvimento enfrentam vários problemas para fazer face a esse
desafio” (TAKAHASHI, 2000, p. 45-46).
O documento também revela que, em relação ao “desafio da formação
tecnológica [...] há argumentos no sentido de que, para países em desenvolvimento, a
capacidade de absorver novas tecnologias e de colocá-las em aplicação é tão ou mais
importante do que a capacidade de gerar essas tecnologias” (TAKAHASHI, 2000, p. 48); e
aponta tanto para a dependência dos países em desenvolvimento das tecnologias de países
desenvolvidos, quanto para a necessidade de capacitar para a atuação prática, para a reprodução
e não para a transformação, o que não poderia ser diferente nas sociedades capitalistas,
considerando que a educação tende a formar para o mercado de trabalho.
Flecha e Tortajada (2000, p. 24) afirmam que, em educação, a dualização, ou
polarização social, “é concretizada no fato de que a sociedade da informação prioriza o
domínio de certas habilidades” impostas pelos grupos privilegiados, e que as pessoas que não
dominam tais habilidades “correm o risco de ficar excluídas dos diferentes âmbitos da
sociedade informacional”.
Os autores, assim como enfatizado no Livro Verde, afirmam que a solução está em
que educadores e educadoras conheçam “a sociedade em que vivemos e as mudanças
geradas para potencializar não apenas as competências dos grupos privilegiados, mas
também as competências requeridas socialmente, porém a partir da consideração de todos os
saberes” (FLECHA e TORTAJADA, 2000, p. 25).
Entretanto, os autores, ao analisarem a educação em relação às competências, não
questionam o tipo de sociedade para a qual estas competências foram e estão sendo gestadas.
Assim como, ao afirmarem que a reforma deve ser feita de forma a “adaptar o ensino à
sociedade”, não questionam a adaptação em si, mas o desconhecimento sobre a teoria da
sociedade da informação existente.
A esse respeito pode ser bastante proveitoso o contato com documentos como o da V
CONFINTEA que trata, entre outros aspectos, da educação de jovens e adultos, mostrando
que as competências e as habilidades devem estar relacionadas às reais necessidades e às
possibilidades de um espaço de trabalho real e não de um espaço idealizado (visto que não
há perspectiva de trabalho para todos) e obsoleto (visto que a formação dos excluídos para o
mercado de trabalho é sempre obsoleta).
Entretanto, negar aos grupos excluídos o acesso ao conhecimento historicamente
acumulado é tirar desses grupos a possibilidade de acesso ao conhecimento apropriado pela
classe hegemônica e de análise crítica das idéias e dos valores presentes nesse
12
conhecimento, é delegar aos grupos excluídos uma educação de segunda ordem,
ampliando a exclusão! AZEVEDO (2009, p. 48), ao tratar da expansão da internet e do ensino
superior, parcial ou totalmente à distância, destaca: “se juntarmos estas duas pontas [...]
perceberemos uma coincidência de foco nas classes C, D e E que nos dá uma perspectiva clara
com relação ao futuro e com respeito aos desafios que este futuro nos coloca hoje”.
A esse respeito, abrem-se as seguintes questões: se os sujeitos que estão
chegando ao ensino superior ávidos desse tipo de educação pertencem às classes C, D, e E,
caberia à classe A e B, pelo menos na graduação, o acesso ao ensino presencial? A curto
prazo esse fato não nos levaria à ampliação da exclusão e da desigualdade social?
Flecha e Tortajada, (2000, p. 28; 31) defendem um modelo de educação que passe
da cultura da queixa para a cultura da transformação, e apontam que, na sociedade da
informação, a orientação comunicativa e dialógica é a única forma de superar a crise da escola
(visto que o equilíbrio do sistema escolar corre perigo devido à transformação de seu papel) e
de permitir a participação “mais ativa e de forma mais crítica e reflexiva na sociedade”
No entanto, cabe destacar que não é uma preocupação capitalista uma educação de
qualidade para todos (seja acadêmica, prática, dialógica, presencial ou à distância), nem uma
educação para o mercado que, conforme a teoria do capital humano, parta “da premissa de que
a qualificação formativa da mão-de-obra supunha um capital que podia ser reinvestido no
processo produtivo” (FLECHA e TORTAJADA, 2000, p. 33), visto que não há espaço no
mercado de trabalho para todos. Essa é uma preocupação legítima, imperiosa e necessária dos
educadores comprometidos com a transformação social!
4
Considerações finais
Os questionamentos atuais acerca da informação e da tecnologia têm se
restringido à sua aplicabilidade, ao seu uso e a uma crescente preocupação em relação ao
aumento da exclusão da maioria da população do acesso às novas tecnologias. Nesse sentido,
toma-se a sociedade como algo pronto, acabado, contra o qual não há saída, não há espaço para
a transformação. A luta pela transformação social cede espaço para a luta de todos (governo,
sindicatos, sociedade civil, ONGs) em incluir, nesta sociedade, um maior número de pessoas.
Nessa trajetória a educação e, mais especificamente a escola,
13
como se pode observar, é chamada a exercer esse papel de conformação e adaptação a essa
sociedade dada.
Nesse sentido, como falar, nas sociedades capitalistas, que o homem livre das
amarras da
automação estariam liberados para o desenvolvimento pleno de suas
capacidades, como diria Marx, passariam do reino da necessidade para o reino da
liberdade, quando até mesmo o lazer é arrebatado pela perspectiva ideológica que se quer
implantar? De outro modo, nas sociedades capitalistas é possível falar em espaços livres que
não tenham a mão invisível do capital? É possível falar em desenvolvimento pleno das
faculdades humanas quando até mesmo o ócio é organizado de modo a dar
sustentação ao modo de produção capitalista, como analisavam os teóricos da Escola de
Frankfurt já na primeira metade do século XX?
O novo e o velho modos de pensar em uma dada sociedade têm necessariamente que
estar relacionados a uma transformação na base material ou na sua estrutura
econômica. Portanto, ao partir do pressuposto que a sociedade ainda está vivendo o modo
de produção capitalista, não há porque acreditar que seria uma luta entre um novo e velho
paradigma, mas tão somente mais uma tentativa ideológica da elite dominante de fazer acreditar
em uma transformação profunda que necessite irremediavelmente de uma transformação de
paradigmas. Resta, a nós intelectuais, uma única pergunta, estamos mais uma vez nos
prestando a sermos agentes de ligação entre a infra e a superestrutura para a sua conservação?
Enfim, torna-se mister destacar que a questão nunca esteve e não está no
desenvolvimento tecnológico, no advento das novas tecnologias em si; a questão não está em
diabolizar
ou
divinizar
as
novas
tecnologias.
O
desenvolvimento
de
novas
ferramentas, como já destacado inicialmente, faz parte do desenvolvimento histórico de
apropriação e de produção da cultura material e espiritual humana. Assim como tem sido
histórica a sua posse e apropriação por poucos. Portanto, não é contra essa apropriação e
produção que deve estar voltada a atenção de todos, e em especial a dos educadores, mas
contra o seu uso histórico enquanto ferramenta de dominação e exclusão, tanto material
quanto espiritual.
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Referências
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