UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
NÚCLEO DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES SOBRE A MULHER
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES
SOBRE MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO
MARIA TEREZINHA NUNES
CERCAS QUE SE LEVANTAM:
ANÁLISE DAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EM QUATRO ANOS DE APLICAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA
Salvador
2012
MARIA TEREZINHA NUNES
CERCAS QUE SE LEVANTAM:
ANÁLISE DAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EM QUATRO ANOS DE APLICAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e
Feminismo da Universidade Federal da Bahia como um
dos requisitos para obtenção do título de Mestra.
Orientadora: Prof. Dra. Maria Gabriela Hita
Salvador
2012
___________________________________________________________________
NUNES, Maria Terezinha.
N972 Cercas que se levantam: analise das decisões do Superior Tribunal de
Justiça em quatro anos de aplicação da lei Maria da Penha./ Maria Terezinha
Nunes. Salvador, 2012
209f. : Il
Orientador Prof. Dra. Maria Gabriela Hita
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, 2011.
1. Violência domestica contra a mulher. 2. Superior Tribunal de Justiça. 3. Lei
Maria da Penha. 4. Genero 5.Direitos Humanos I. Universidade Federal da Bahia. II.
Hita, Maria Gabriela III. Título
CDD.:305.4
___________________________________________________________________
MARIA TEREZINHA NUNES
CERCAS QUE SE LEVANTAM:
ANÁLISE DAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EM QUATRO ANOS DE APLICAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestra em Estudos
Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo do Programa de Pós-graduação do
PPGNEIM da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia –
UFBA.
Salvador, _____de__________de 2012
Banca Examinadora
_________________________________________
Maria Gabriela Hita
Pós-Doutorado em Ciências Sociais pela
The University of Manchester, OWENS, Inglaterra
___________________________________________
Jussara Reis Prá
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
Universidade Federal de Porto Alegre
____________________________________________
Silvia de Aquino
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia
Universidade Federal da Bahia
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram diretamente ou indiretamente para a realização deste mestrado, a
quem devo sinceros agradecimentos. Muitas delas, sem saber, ajudaram-me quando ouviam
falar, repetidamente, sobre o tema, comentar das dificuldades, das alegrias, do cansaço das
longas horas dedicadas a livros e artigos. Esse, o caso das minhas filhas, de meus pais, de
minhas irmãs e irmãos, em especial, minhas colegas do Mestrado, meus colegas de trabalho, a
quem agradeço de coração.
Especialmente, agradeço a minha filha Gabriela, Psicóloga de formação, e a minha irmã
Mere, pela disposição em ler meus textos e comentá-los à luz da interdisciplinaridade.
À colega e amiga Ivani - que escreveu uma dissertação linda sobre as recolhidas da Casa de
Misericórdia de Salvador-BA - pelas mensagens de força, vindas de Salvador, via e-mail. Nos
momentos mais difíceis e de cansaço, sempre aparecia a sua mensagem para me dar alento:
“E aí, como vai essa produção!?”
Agradeço a todas Professoras do PPGNEIM com as quais tive o prazer de conviver, ouvir e
aprender tão rico e importante conteúdo teórico que me ajudou não só na realização da
dissertação, mas contribuiu para a minha reflexão crítica na vida cotidiana, na família, no
trabalho. Em alguns casos, para uma postura mais ativa e questionadora, em outros, como o
da prática da advocacia na violência doméstica contra a mulher, a ter mais paciência, ouvir
mais que falar e respeitar as decisões das mulheres, mesmo que contrárias ao que julgo
juridicamente adequado.
Registro também o meu agradecimento pela gentileza e presteza recebidas dos (as) atendentes
do Setor de Jurisprudência e Setor de Arquivo do STJ, Secretaria de Arquivo do Senado e
Bibliotecas do Senado e Câmara dos Deputados.
Especialmente, agradeço à Professora Maria Gabriela Hita, minha orientadora, que não se
intimidou em trilhar comigo um caminho difícil e espinhoso da interdisciplinaridade entre o
campo do Direito e dos estudos de Gênero. Muito devo às discussões de textos,
compartilhadas nos grupos de pesquisa que me abriram o olhar para outras vertentes e
saberes, bem como ao diálogo franco e aberto, aos inúmeros comentários e leituras,
incansavelmente, feitos ao meu texto, para o aperfeiçoamento da dissertação.
Sou imensamente grata às Professoras Jussara Reis Prá e Silvia de Aquino que me honraram
ao aceitar o convite para integrar a minha banca de defesa da dissertação e ofereceram
contribuições valiosíssimas para o aperfeiçoamento do texto.
Agradeço à deferência especial recebida da Professora Ela Wiecko ao citar minha pesquisa
(análise do Grupo I), em Seminário sobre os cinco anos de vigência da Lei Maria da Penha e a
contribuição em relação ao título da dissertação.
Por isso se faz urgente
Conjugar gênero e direito
Pois um trabalho decente
Que surta algum efeito
Não se limita a julgar
Mas também a estudar
O cerne do preconceito
Homens que matam mulheres
Em relações de poder
Isto tem se dado em série
Mas é preciso entender
Que subjaz ao evento
Um histórico comportamento
Que vai construindo o ser
Que a Justiça também
Sirva para (se) educar
Chega deste nhém-nhém-nhém
Deste eterno blá-blá-blá
A Lei Maria da Penha
Existe pra que não tenha
Tanta morte a lamentar!!!
Salete Maria
NUNES, Maria Terezinha. CERCAS QUE SE LEVANTAM: análise das decisões do
Superior Tribunal de Justiça em quatro anos de aplicação da Lei Maria da Penha. 209 f. il.
2011. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de PósGraduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2012.
RESUMO
O presente estudo visa conhecer as práticas judiciárias nos casos de violência doméstica
contra a mulher em quatro anos de aplicação da Lei Maria da Penha, a partir das decisões
definitivas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no período compreendido entre 22/09/2006
e 22/09/2010. Para tanto, optou-se pela pesquisa do tipo exploratória. Em relação aos
procedimentos, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e documental para a coleta dos dados e
da técnica de análise prática documental na análise dos resultados obtidos. A seleção inicial
de decisões foi obtida no repositório de jurisprudência do STJ, mediante critério de pesquisa
construído com a finalidade de resgatar o maior número possível de decisões individuais e
coletivas, proferidas na esfera penal desse Tribunal, sobre violência doméstica contra a
mulher. Na busca pelas decisões definitivas, foram realizadas leituras das quais emergiram,
destacadamente, três temas nas discussões do STJ, redirecionando o olhar da pesquisa para
questionamentos mais específicos. O primeiro tema trouxe questões relativas ao órgão
julgador competente para os casos de violência doméstica; o segundo, às medidas protetivas e
o terceiro sobre o instituto da representação aos delitos de lesão corporal decorrente de
violência doméstica contra a mulher. As decisões foram agrupadas por tema e os dados
recolhidos por meio de preenchimento de um instrumento de pesquisa específico para cada
grupo de decisões. Sobre as características dos processos, utilizou-se a abordagem
quantitativa e sobre os argumentos extraídos das decisões, a abordagem qualitativa. Os
resultados, em termos quantitativos, revelaram que os delitos mais recorrentes na violência
doméstica contra a mulher (lesão corporal, ameaça, vias de fato), antes restritos ao âmbito dos
Juizados Especiais Criminais, passam a ser apreciados por uma instância superior, o STJ.
Revelaram, também, a existência de uma pluralidade de casos envolvendo relações
domésticas e familiares, com predominância de mulheres companheiras, namoradas, excompanheiras e ex-namoradas, mas, também, casos de violência envolvendo relações entre
cunhados, irmãos, nora, sinalizando positivamente para a LMP como um estímulo às
“denúncias”. Em termos qualitativos, revelou-se imensa resistência na aplicação da Lei Maria
da Penha aos delitos que antes eram considerados de menor potencial ofensivo e à
compreensão da violência doméstico-familiar como violação dos direitos humanos das
mulheres, nos diversos órgãos judiciários, inclusive no STJ. Embora, em alguns casos, a
resposta do STJ seja positiva para as mulheres em situação de violência, predominou a análise
restritiva e conservadora nas decisões, em especial naquelas envolvendo relacionamentos
findos ou atuais entre namorados e ex-namorados. Verificou-se a existência de entraves à
integral aplicação da Lei Maria da Penha e um alheamento, entre os operadores do direito,
quanto ao desafio proposto pela Lei, qual seja, a de tornar efetivo o atendimento no âmbito do
Judiciário, essencial à rede de apoio às mulheres em situação de violência.
Palavras-chave: Violência Doméstica contra a Mulher. Superior Tribunal de Justiça. Lei
Maria da Penha. Gênero. Direitos Humanos. Rede de Apoio.
Nunes, Maria Terezinha. FENCES PUT UP: analysis of the decisions of the Superior Court of
Justice in the four years of the enforcement of the Maria da Penha Act. 209 p. il. 2012.
Master’s dissertation. School of Philosophy and Human Sciences, Post-graduation Program of
Interdisciplinary Studies on Women, Gender and Feminism, Federal University of Bahia,
Salvador, 2011.
ABSTRACT
This study aims to achieve a better understanding of the forensic practices in the cases of
domestic violence against women throughout the four years of enforcement of the Maria da
Penha Act based on the final decisions of the Superior Court of Justice (STJ) as of September
22, 2006 through September 22, 2010. To this end, an option for the exploratory type of
research was made. Regarding the procedures, the choice made favored the bibliographic and
documentary research type for the collection of data and the document practical analysis
technique for the analysis of the results. The first selection of decisions come from the reports
of jurisprudence of the STJ through a research criterion devised to gather as many individual
and collective decisions as possible which were made within the realm of this court of justice
regarding violence against women. While searching for the final decisions of the court as for
violence against women, some readings prompted a special focus of attention to three specific
themes debated by the court and that gave the research a new path of direction to more
specific issues. The first theme brought about issues related to the court that has the
prerogative to judge domestic violence; the second one, issues related to measures of
protection and the third one, issues related to the institution of the representation of personal
injury offenses resulting from domestic violence against women. The decisions were grouped
by theme and the data collected by the completion of a survey sheet specifically devised for
each group of decisions. The quantitative approach was used for the characteristics of the
lawsuits and the quantitative approach was used for the arguments found in the decisions. The
results, in quantitative terms, showed that the most frequent offenses in domestic violence
against women (physical injury, threats) which were previously restricted to the scope of
Special Criminal Courts, started being taken care of by a higher court, the STJ. They also
revealed a number of cases involving domestic and family relationships with the
predominance of female partners, girlfriends, former partners, former girlfriends as well as
cases of violence involving relationships among brothers-in-law, brothers, daughters-in-law,
and that signaled positively for the Maria da Penha Act (LMP) to work as a go for reporting
wrongdoing. In qualitative terms it was shown that there is great resistance to the enforcement
of the Maria da Penha Act when it comes to offenses which were previously considered less
harmful and to the understanding of domestic-family violence as a violation of women’s
human rights in several judicial courts, including the Superior Court of Justice - STJ.
Although in some cases the answer given by the STJ was positive for women in situations of
violence, the restrictive and conservative analyses were predominant in the decisions,
especially in those regarding broken up relationships or on-going ones involving boy and
girlfriends and former boy and girlfriends. Hindrances were noticed regarding the total
enforcement of the Maria da Penha Act and an estrangement between the law enforcement
officers, and the challenge posed by the Act, namely, that of rendering service within the
judiciary more effective which is essential for the supporting network of women in situations
of violence.
Key words: Domestic violence against women. Superior Court of Justice. Maria da Penha
Act. Human rights. Supporting network.
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1
Estrutura Geral do Poder Judiciário na Esfera Criminal .......................
83
QUADRO 1
Natureza Penal dos Delitos de Violência Doméstica Contra a Mulher
Presentes nas Decisões dos Grupos I, II e III ........................................ 209
LISTAS DE TABELAS
Tabela 1
Tabela 2
Tabela 3
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
Tabela
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Tabela 17
Tabela 18
Tabela 19
Tabela 20
Tabela 21
Tabela 22
Tabela 23
Documentos por tipo de processo e tipo de decisão no período de
22/09/2006 a 22/09/2010..........................................................................
Seleção inicial e final de decisões do STJ, com o detalhamento das
decisões excluídas no período de 2006 a 2010.........................................
Composição dos grupos de decisões por tipo de processo e questão
central........................................................................................................
Número de decisões do Grupo I pelo ano de publicação..........................
Número de decisões do Grupo I pela unidade da federação.....................
Juízos de origem presentes nas decisões do Grupo I (suscitado)............
Juízos de origem presentes nas decisões do Grupo I (suscitante)...........
Número de decisões do Grupo I e as medidas protetivas.........................
Número de decisões do Grupo I pelo tipo de violência...........................
Número de decisões do Grupo I pela pessoa ofendida.............................
Tipos de decisão do Grupo I.....................................................................
Argumentos no Juízo Suscitado - o primeiro a se declarar incompetente
Argumentos no Juízo Suscitante - o segundo a se declarar incompetente
Argumentos do STJ na definição do órgão julgador................................
Número de decisões do Grupo II pelo tipo de medida protetiva..............
Número de decisões do Grupo II pela pessoa ofendida, tipo de
violência e órgão de julgamento do STJ..................................................
Tipos de decisão do Grupo II....................................................................
Argumentos utilizados na origem para justificar os pedidos de
revogação de medida protetiva de afastamento e de prisão no STJ..........
Argumentos do STJ nas decisões do Grupo II.........................................
Pessoa ofendida nas decisões do Grupo III..............................................
Características específicas dos processos quanto ao tipo de delito,
representação e retratação nas decisões do Grupo III ..............................
Argumentos dos impetrantes/recorrentes nas decisões do Grupo III.......
Argumentos dos Ministros (as) do STJ nas decisões do Grupo III..........
87
89
91
103
104
105
107
109
111
112
112
115
121
126
146
148
149
150
151
159
160
163
165
LISTA DE ABREVIATURAS
ADVOCACI
Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos
AGENDE
Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento
CC
Conflito de Competência
CCJ
Comissão de Constituição e Justiça
CEDAW
The Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination
against Women
CEJIL
Centro pela Justiça e o Direito Internacional
CEPIA
Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
CFEMEA
Centro Feminista de Estudos e Assessoria
CIM
Comissão Interamericana de Mulheres
CLADEM
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Mulher
CNJ
Conselho Nacional de Justiça
CP
Código Penal
CPP
Código de Processo Penal
HC
Habeas Corpus
JECrims
Juizados Especiais Criminais
LMP
Lei Maria da Penha
LCP
Lei das Contravenções Penais
Núcleo
NEIM de Estu Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher
OBSERVE
Observatório Lei Maria da Penha
OEA
Organização dos Estados Americanos
ONGs
Organizações Não-Governamentais
ONU
Organização das Nações Unidas
PLC
Projeto de Lei Complementar
REsp
Recurso Especial
RHC
Recurso Ordinário em Habeas Corpus
RISTJ
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
SPM
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
STJ
Superior Tribunal de Justiça
THEMIS
Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.............................................................................................
2
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO PLANO
NACIONAL
E
INTERNACIONAL
DE
DIREITOS
HUMANOS....................................................................................................
A
VIOLÊNCIA
CONTRA
A
MULHER
NA
PAUTA
FEMINISTA.................................................................................................
As Reformas Legais......................................................................................
Desvelando as Práticas de Atendimento.....................................................
Concepções Teóricas ....................................................................................
A VIOLÊNCIA DOMESTICA CONTRA A MULHER NO PLANO
INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS.........................................
Os Direitos Humanos Universais e os Direitos Humanos das Mulheres .
O Sistema de Proteção dos Direitos Humanos das Mulheres em
Âmbito Regional na Organização dos Estados Americanos (OEA).. ......
2.1
2.1.1
2.1.2
2.1.3
2.2
2.2.1
2.2.2
3
3.1
3.1.1
3.1.2
3.1.3
3.1.4
3.2
3.3
3.3.1
3.3.2
A LEI BRASILEIRA DE VIOLÊNCIA DOMESTICA CONTRA A
MULHER: CRIAÇÃO E APLICAÇÃO..............................
O MOVIMENTO DE MULHERES NA CRIAÇÃO DA LEI DE
VIOLÊNCIA DOMESTICA CONTRA A MULHER...................................
O Anteprojeto Elaborado pelo Consorcio de ONGs..................................
O Anteprojeto em Discussão no Grupo de Trabalho Interministerial
do Executivo...................................................................................................
A Reação do Consorcio de ONGs................................................................
O Projeto no Legislativo ..............................................................................
A LEI MARIA DA PENHA...........................................................................
O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A APLICAÇÃO DA LEI
MARIA DA PENHA......................................................................................
AComposição.................................................................................................
A Competência .............................................................................................
13
23
25
27
33
41
45
45
55
59
60
63
67
70
72
76
82
84
84
4
AS DECISÕES DO STJ EM QUATRO ANOS DE APLICAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA ............................................................................
5
ANÁLISE DAS DECISÕES DO STJ – GRUPO I.....................................
5.1
OS DADOS DO GRUPO I ............................................................................
5.1.1
Características dos Processos do Grupo I ..................................................
5.1.2
As Argumentações Prevalecentes nas Decisões do Grupo I .....................
5.1.3
Os Argumentos nos Juízos de Origem........................................................
5.1.3.1 Os Argumentos das Varas Criminais .........................................................
5.1.3.2 Os Argumentos dos JECrims.......................................................................
5.1.4
O que Diz o STJ ............................................................................................
5.1.4.1 Por uma Questão de Analogia .....................................................................
6
6.1
6.1.1
ANÁLISE DAS DECISÕES DO STJ: GRUPOS II E III.........................
OS DADOS DO GRUPO II ...........................................................................
Características dos Processos do Grupo II.................................................
86
100
101
103
113
114
115
121
125
142
145
145
146
6.1.2
6.2.3
Argumentos Utilizados para Justificar a Revogação da Medida
Protetiva........................................................................................................
O Que Diz o STJ sobre as Medidas Protetivas de Afastamento e da
Prisão Preventiva..........................................................................................
OS DADOS DO GRUPO III..........................................................................
Características dos Processos do Grupo III ..............................................
Os Argumentos dos Impetrantes/Recorrentes nas Decisões do Grupo
III....................................................................................................................
Os Argumentos do STJ nas decisões do Grupo III ...................................
7
CONCLUSÃO...............................................................................................
177
REFERÊNCIAS ...........................................................................................
185
APÊNDICES..................................................................................................
201
6.1.3
6.2
6.2.1
6.2.2
149
151
155
155
163
164
13
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa buscou conhecer as práticas judiciárias nos casos de violência doméstica
contra a mulher, a partir de análise das decisões definitivas do Superior Tribunal de Justiça,
nos primeiros quatro anos de vigência da Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher1, criada especificamente para esses casos.
A Lei Maria da Penha gerou grande polêmica no âmbito de sua aplicação no Judiciário,
desde o início de sua vigência, chamando minha atenção para as decisões que ora declaravam
a sua constitucionalidade, ora declaravam sua inconstitucionalidade, entre outras razões, pela
tutela específica conferida às mulheres em situação de violência. Entre essas decisões,
destacou-se a do Juiz de Sete Lagoas-MG que negou pedido de medidas protetivas a uma
mulher em situação de violência. Em entrevista concedida a um jornal de grande circulação, o
Juiz afirmava sua convicção nos fundamentos de sua decisão, denominando a Lei Maria da
Penha de “monstrengo tinhoso” (RODRIGUES, 2007).
O interesse pelo tema firmou-se a partir da experiência vivenciada em 2008, na
Universidade do Chile, no Curso de Especialização em Direitos Humanos das Mulheres, o
qual, conjugando Direitos Humanos das Mulheres e Noções Básicas do Feminismo, visava
instrumentalizar advogados (as) para atuar no campo do Direito das Mulheres. Nessa ocasião,
tive a oportunidade de conhecer um pouco da realidade da violência contra as mulheres em
diversos países latinoamericanos, contada por advogadas que tinham esse tema como objeto
de pesquisa. Foi possível observar que os países latinoamericanos, em sua maioria, não
obstante as diferenças culturais, utilizavam o recurso de uma lei especial como estratégia de
enfrentamento à violência que atinge as mulheres.
A decisão de fazer o Mestrado em estudos sobre a mulher adveio do interesse na
continuidade dos estudos feministas, iniciados na Especialização em Direitos Humanos das
Mulheres. A notícia da seleção do Mestrado do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a
Mulher (NEIM) da Universidade Federal da Bahia foi encaminhada pela Professora Alejandra
Pascoal, da Universidade de Brasília, com eu quem fazia uma matéria de Sociologia Jurídica e
que sabia do meu interesse pelo tema. Contou para a decisão em concorrer a uma das vagas
1
Adiante será chamada de forma mais resumida como “Lei de Violência Doméstica contra a Mulher“, Lei nº
11.340/2006, Lei Maria da Penha ou simplesmente LMP.
14
não só o fato de o NEIM constituir-se um dos principais pólos de pesquisa e estudos sobre a
mulher do País, mas também o fato de que passou a coordenar o OBSERVE – Observatório
Lei Maria da Penha, formado por Núcleos de Pesquisa e Organizações Não-Governamentais
de todo o País, com o objetivo de acompanhar a efetivação da Lei Maria da Penha.
Iniciei, então, um estudo exploratório que me permitisse compreender as posturas e
críticas erguidas contra esta Lei, as quais não se restringem à doutrina penal, mas também
perpassa as vozes de vários segmentos feministas. Um dos argumentos que atravessa a Lei
Maria da Penha diz respeito ao alegado “rigorismo penal”, pela proibição de aplicação da Lei
anterior, de nº 9.099/95, que privilegia o consenso, além da previsão de aumento de pena no
delito2 de lesão corporal decorrente de violência doméstica. Segundo Campos (2008), a Lei
Maria da Penha oferecendo, de modo mais articulado, medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência caracteriza-se pela forte intervenção social.
A Lei nº 9.099/95 passou a ser aplicada a todos os delitos com pena inferior a dois anos,
classificando-os, em razão do quantum da pena, de infração de menor potencial ofensivo.
Essa Lei, desde sua publicação, foi vista com reservas pelos movimentos sociais que lidavam
com a violência doméstica contra as mulheres, considerando que passou a incidir sobre a
maioria dos delitos praticados contra as mulheres no espaço doméstico-familiar (lesão
corporal, ameaça, injúria e vias de fato), colocando sob um mesmo “prisma” de julgamento,
todos os delitos classificados de “menor potencial ofensivo”, independentemente se as partes
envolvidas fossem marido e mulher, namorados, pai e filha, briga no trânsito ou entre
vizinhos (CAMPOS, 2004). Desse modo, a especificidade do tipo de violência que incide
sobre as mulheres, tendia a ser diluída e não levada suficientemente a sério, por várias
instâncias do poder público.
Note-se que à época da publicação da Lei nº 9.099/95, a Constituição Federal já
apontava para a necessidade de o Estado criar mecanismos especiais para coibir a violência
nas relações familiares, provendo assistência a cada um de seus integrantes (BRASIL, 1988,
Art. 226, § 8º), bem como já se encontravam incorporados ao ordenamento jurídico nacional,
a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW) que definiu a violência contra a mulher como uma forma de discriminação, que a
afeta de forma desproporcional e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
2
Nesta pesquisa, será usado, preferencialmente, o termo “delito(s)” para referir-se a “crime” e/ou
“contravenção”.
15
a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará). Esta Convenção define a violência
contra a mulher baseada no gênero, como uma forma de violação dos direitos humanos.
Todos esses documentos chamam a atenção para o caráter complexo e diferenciado desse tipo
de violência e estabelecem o dever de o Estado adotar medidas especiais para a sua
erradicação.
O Código Penal passou a incorporar modificações em seu texto com o intuito de chamar
a atenção para a prática delituosa que ocorre no espaço privado da família, como é exemplo a
previsão, em seu artigo 61, de que as circunstâncias relativas à prática delituosa contra
ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; contra criança, pessoa maior de sessenta anos,
enfermo ou mulher grávida; com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas de coabitação ou hospitalidade, sempre agravam o delito (BRASIL, Art.61,
2004a). A Lei Maria da Penha incluiu na legislação penal a circunstância agravante específica
para os casos de violência doméstica contra a mulher. Assim, pode-se dizer que as primeiras
alterações feitas no Código Penal tiveram por objetivo visibilizar a violência que ocorre no
espaço privado da família para, somente depois, com a Lei de Violência Doméstica contra a
Mulher, particularizar a proteção às mulheres, mais atingidas.
Contudo, anteriormente à Lei Maria da Penha, nem a previsão constitucional, as
agravantes do Código Penal, a legislação internacional de direitos humanos e outras
alterações legais3, modificaram a prática dos JECrims quando aplicavam a Lei nº 9.099/95 aos
casos de violência doméstica contra a mulher.
Pesquisas revelaram que os operadores do direito4 incorporaram de tal modo o conceito
de menor potencial ofensivo a todos os delitos sujeitos à Lei nº 9.099/95 que não houve
margem à aplicação das previsões outrora feitas no Código Penal, em especial em seu artigo
61, que alertava para as características diferenciadas de alguns delitos praticados contra as
mulheres, em razão da pessoa que os praticam e do lugar onde ocorrem. Ao contrário, no
âmbito de aplicação da Lei nº 9.099/95, surgiram institutos estranhos às previsões dessa Lei,
voltados para a resolução rápida dos conflitos (pagamento de cesta básica, prestação de
serviços comunitários, insistência na conciliação, entre outros), os quais resultaram em
3
Cabe destacar a definição de violência contra a mulher no campo da saúde (BRASIL, 2003) e no campo penal,
mediante a criação do tipo especial de lesão corporal qualificado pela violência doméstica pela Lei nº
10.886/2004, mediante acréscimo do § 9º ao art. 129 do Código Penal.
4
Nesta pesquisa, o termo “operadores do direito” será utilizado para referir-se aos Juízes e representantes do
Ministério Público que atuam nesses casos; no singular apenas a Juiz (a).
16
“banalização” da violência contra as mulheres e numa reprivatização do conflito no âmbito da
esfera privada (SAFFIOTI, 1999; CAMPOS, 2001, 2006; OLIVEIRA, 2006).
Conhecer a forma pela qual os casos de violência contra as mulheres são apreciados e
julgados na Justiça Penal5, tem-se constituído desafio para muitos estudos com foco na
interseção violência contra a mulher e justiça. Entre esses, destaca-se o estudo realizado por
Correa (1983) sobre homicídios de mulheres, nos anos de 1952 a 1972. Nesse estudo, a autora
mostrou que a atuação dos Juízes, Promotores e Advogados no Tribunal de Júri conduziam à
criação de uma “fábula”, em que as representações dos papéis sociais de vítima e réu, e a
suposta adequação ou inadequação a esses papéis, era determinante para a absolvição ou
condenação dos autores desses crimes.
Ardaillon e Debert (1987), analisando a lógica dos julgamentos e da atribuição das
sentenças em casos de estupro, espancamento e homicídio, também detectaram a utilização de
mecanismos que substituíam o princípio da igualdade por estereótipos sobre comportamentos
ditos “normais” na sociedade e família. De acordo com as autoras supracitadas, esses
mecanismos não seguiam um padrão regular, mas variavam em função do crime a ser julgado.
Nos casos de espancamento, por exemplo, apenas o perfil do acusado entra em julgamento: o
seu comportamento como pai, provedor do lar, preocupado com os filhos eram determinantes
para a sua absolvição; em casos de homicídios, identificaram-se duas lógicas argumentativas
que se contrapunham no julgamento: uma continuava ser a adequação social do
comportamento dos envolvidos e a outra, o direito individual à vida. Esta tese permitiu
deslocar a discussão dos papéis sociais de um e outro, a justificar o crime e trazer para o
debate o crime em si, ou seja, as mulheres passaram a ser visibilizadas como sujeitos de
direitos à vida, suplantando concepções estereotipadas do que vem a ser a mulher esposa,
mãe, filha, aceitas socialmente, e que minimizam a conduta, em julgamento, do autor do
delito. Entendem as autoras mencionadas que a tese do direito individual à vida que começa a
aparecer nos casos mais recentes por elas estudados (1986/1987) tem influência na
repercussão da questão feminista no País.
De fato, na década de oitenta, os estudos sobre a mulher no Brasil, já estavam em plena
expansão. Questionava-se sobre a violência contra a mulher, críticas à teoria dos papéis
sexuais eram tecidas, a sexualidade era abordada como problema sociológico; e os estudos
5
Para efeitos desta pesquisa, considera-se Justiça Penal os espaços mais procurados pelas mulheres em situação
de violência no âmbito do Poder Judiciário: os Juizados/Varas Criminais, bem como os Tribunais Superiores,
não tão acessados pelas mulheres em situação de violência, mas objeto de estudo desta pesquisa.
17
sobre a mulher institucionalizados nas universidades, com a criação de diversos núcleos de
estudos, entre esses o NEIM - Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, criado em
1983, no âmbito da Universidade Federal da Bahia (COSTA et al, 1985; PRÁ, 1996).
Pesquisa realizada, no período de 1995 a 1996, na Justiça do Rio de Janeiro, visando
conhecer as práticas judiciárias nos casos de violência contra mulher, constatou que “a defesa
da família é tão forte na retórica dos promotores que é levada em conta até mesmo quando se
trata de crime cometido fora do contexto familiar da vítima” (CARRARA et al, 2002, p. 87).
Relatam os autores dessa pesquisa que os casos passam por diversas filtragens (desistência,
arquivamento, absolvição) e poucos são aqueles que chegam à fase final e são realmente
condenados, identificando-se, entre os agentes da Justiça Penal, uma resistência em considerar
as práticas delituosas contra as mulheres como crimes, quando muito os consideram
“incidente doméstico”, “entrevero doméstico”, “querela doméstica”, “briga entre marido e
mulher” (CARRARA et al., 2002, p. 84).
A experiência dos Juizados Especiais Criminais aos casos de violência doméstica contra
a mulher revelou que permanecia essa compreensão nas práticas judiciárias (CAMPOS,
2001). Segundo Oliveira (2006, p. 24), no âmbito de aplicação da Lei nº 9.099/95, estava em
jogo a retirada do crime do âmbito penal, “o que significa estimular a não-representação da
vítima e a defesa da família, que deve cuidar de seus conflitos sozinha, segundo agentes do
Judiciário”.
Portanto, nota-se, com facilidade, que eram muitas as dificuldades dos operadores do
direito ao trabalhar com a legislação de cunho mais geral na percepção da violência contra a
mulher como fenômeno social complexo e multidisciplinar, até que um grupo de feministas,
operadoras do direito, constatando as inúmeras insuficiências da legislação penal para esses
casos, em especial, a Lei nº 9.099/95 pelos seus efeitos nefastos contra os interesses das
mulheres, tomou para si a tarefa de elaborar um anteprojeto de lei, cujas premissas incluíam o
afastamento da Lei nº 9.099/95, a adoção de medidas de assistência, prevenção e punição das
práticas de violência doméstica contra a mulher, tendo por fundamento as Convenções
CEDAW e Belém do Pará.
Contudo, não obstante as imensas resistências observadas nas práticas dos operadores
do direito ao lidar com os delitos que ocorrem no interior da família, a Lei Maria da Penha
protagonizou a ação desses agentes, mas agora, de modo diferente, como propulsores de
mudança de cultura e mentalidade na sociedade. Assim, cabe ao Juiz não só assegurar as
18
medidas protetivas previstas nessa Lei, com vistas a interromper a violência sofrida ou inibir
novas violências, mas também, promover a articulação com outros serviços de atendimento e
de assistência na área da saúde, do trabalho, e outros programas sociais, com vistas a garantir
a segurança da mulher ofendida.
Segundo Barsted (2008, p.10), é uma Lei que privilegia de forma ampla a proteção às
mulheres em situação de violência, “considerando suas múltiplas vulnerabilidades sociais, e
exorta os profissionais do direito, especialmente os magistrados, a atuarem como agentes
dinâmicos na redução dos efeitos perversos da violência doméstica e familiar”. Dessa forma,
tornou-se importante saber se a atuação dos operadores do direito, em especial dos
magistrados, está se voltando para assegurar a proteção das mulheres em contexto de
violência doméstica, em todas as instâncias judiciárias, conforme determina a Lei Maria da
Penha.
Pretende-se com a presente pesquisa, alcançar apenas alguns órgãos do Poder
Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça6 e aqueles que emergirem de suas decisões
definitivas. O STJ não trabalha diretamente com os fatos que geraram a violência, mas, a
partir de suas decisões, confirma ou rejeita a atuação de outros Juízes nas instâncias
inferiores, quando suas decisões são questionadas nesse Tribunal.
A escolha do STJ deveu-se ao fato de que esse órgão passou a protagonizar papel
importante na interpretação da Lei Maria da Penha, pela sua competência constitucional em
dirimir conflitos de interpretação entre duas Leis Federais, Lei nº 9.099/95 e a Lei nº
11.340/2006, pela força simbólica e extraordinário alcance de suas decisões para as demais
instâncias judiciárias. Na atualidade, por intermédio do sistema de informatização da Justiça
ou mesmo pela repercussão na imprensa, suas decisões chegam com rapidez aos mais
recônditos cantos do País. Assim, a cada decisão, seja individual (monocrática) ou coletiva
(acórdão), o STJ vem repassando seu reposicionamento às demais instâncias ou “moldando” a
interpretação desta nova Lei de enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, sendo,
portanto, relevante conhecer os argumentos utilizados nessas decisões e os reflexos para as
mulheres em situação de violência.
Confirmando a importância do STJ para a consolidação da Lei Maria da Penha no
cenário jurídico nacional, cabe destacar a reunião promovida pela equipe do OBSERVE,
realizada em 05 de agosto de 2008, com Ministros (as) do STJ, ocasião em que distribuiu
6
Adiante será chamado, de forma resumida, de STJ ou apenas Tribunal.
19
Memoriais “em defesa da Lei Maria da Penha junto ao Poder Judiciário (Nacional)”
(OBSERVE, 2009, p. 97).
A partir da Lei Maria da Penha, podem ser encontrados trabalhos retratando a dinâmica
dos recém-criados Juizados de Violência Doméstica e Familiar, entre os quais a ampla
pesquisa realizada pelo Observatório Lei Maria da Penha (OBSERVE, 2010). Todavia, o
Superior Tribunal de Justiça e outros Órgãos da Justiça Penal permanecem inexplorados no
que tange à pesquisa voltada para conhecer os argumentos emanados de suas decisões, em
casos de violência doméstica contra a mulher, no contexto de aplicação da Lei Maria da
Penha.
Assim, a presente pesquisa se insere nos estudos que analisam a violência doméstica
contra a mulher e o Sistema de Justiça, tendo por objetivo geral conhecer as práticas
judiciárias nos primeiros quatro anos de vigência da Lei Maria da Penha, a partir da análise
das decisões definitivas do STJ, nos casos de violência doméstica contra a mulher.
Como objetivo específico, buscou-se fazer emergir alguns dos entraves na aplicação da
Lei Maria da Penha; trazer e analisar as respostas do STJ a essas questões; avaliar os reflexos
para as mulheres em situação de violência; avaliar os reflexos para a rede de enfrentamento
desta violência.
Para responder a esses objetivos, levantei o número de decisões definitivas do Tribunal
acerca da violência doméstica contra a mulher, na esfera penal, publicadas no período
compreendido entre 22 de setembro de 2006 (data inicial de vigência da LMP) e 22 de
setembro de 2010 (data final da pesquisa); elaborei um guia de análise que se constituiu em
um instrumento de pesquisa, específico para a anotação das características dos processos e
dos argumentos constantes das decisões.
A pesquisa constituiu-se de um estudo exploratório, com maior ênfase na parte empírica
de análise dos dados. Utilizou-se a técnica de análise prática documental, a partir de uma
abordagem quantitativa, em relação às características dos processos sobre os quais se referem
as decisões do STJ, e outra qualitativa, acerca dos argumentos expendidos nessas decisões.
O contato com as pesquisas de Grosner (2008) e Silva (2010) foi essencial a este estudo,
em especial, porque as autoras utilizaram a técnica de análise prática documental sobre
documentos jurídicos. A primeira teve por objeto os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça
em Habeas Corpus e Recurso Ordinário em Habeas Corpus, no período de quinze anos,
visando identificar a interferência seletiva desse Tribunal no processo de criminalização
20
secundária. A segunda pesquisa utilizou uma base mista de documentos jurídicos, artigos e
peças processuais, com o objetivo de identificar as manifestações de gênero no debate sobre a
constitucionalidade da “Lei Maria da Penha”. Esta pesquisa se diferencia em relação a esses
dois trabalhos, uma vez que, adotando a perspectiva feminista e tendo como base documental
as decisões do STJ em todos os tipos de processos relativos à violência doméstica contra a
mulher, buscou conhecer as práticas judiciárias, sob a vigência da Lei Maria da Penha, e os
seus reflexos para as mulheres em situação de violência, ausentes na relação processual.
A coleta das decisões foi possível após definição de critérios específicos para a pesquisa
na base de jurisprudência do STJ, tendo sido obtidas, ao final, 166 decisões. Embora tenha
presenciado algumas sessões de julgamento no STJ, inclusive a sessão referente ao
julgamento do Recurso Repetitivo nº 1097042-DF, de grande repercussão para os casos de
violência doméstica contra a mulher na discussão acerca da natureza penal da ação penal nos
delitos de lesão corporal, prestigiou-se neste estudo apenas a análise documental. Cabe
acrescentar que o interesse deste estudo centrou–se no papel institucional do STJ, como órgão
essencial do Poder Judiciário na aplicação e efetivação da Lei Maria da Penha, bem como na
mudança de paradigma nas práticas judiciárias aos casos de violência doméstica contra a
mulher, com vistas a sua eliminação na sociedade brasileira ou a redução dos altos índices de
violência que acometem às mulheres no espaço doméstico-familiar. Por essa razão, não se
destacarão os julgadores desse Tribunal, pelo gênero, na análise das decisões.
Buscando as decisões finais, com análise de mérito, para a pesquisa, verificou-se que
sobressaíam três eixos centrais na aplicação da Lei Maria da Penha: o primeiro refere-se à
discussão acerca de qual o órgão julgador competente para os casos de violência doméstica
contra a mulher; o segundo acerca da adoção de medidas protetivas de urgência e o terceiro
discutindo o instituto da representação nos delitos de lesão corporal, decorrente de violência
doméstica contra a mulher. A identificação desses três eixos redirecionou o olhar da pesquisa
para questões mais específicas de aplicação dessa Lei, pois revelam o como os casos de
violência doméstica contra a mulher estão sendo apreciados e julgados no STJ e demais
instâncias judiciárias que emergiram de suas decisões.
Considerando que as fontes utilizadas nesta pesquisa foram de ordem documental,
sendo trabalhadas as decisões do Superior Tribunal de Justiça, em que as informações
referentes às partes envolvidas no processo são sucintas e não permitem elastecer a análise,
apenas o marcador de gênero será analisado. A categoria “gênero” tem sido utilizada em
pesquisas no campo jurídico, sob o marco teórico da criminologia crítica feminista, as quais
21
apontam para a sobrevitimização da mulher e ineficácia do Direito Penal para prevenir novas
violências (ANDRADE, 1998), em grande medida, devido a formas diferenciadas na
atribuição das sentenças e decisões em que a mulher é vítima ou ré, a partir de concepções
estereotipadas de papéis sociais da mulher e do homem na sociedade (CASTILHO, 2008).
No entanto, diversos estudos na área da Sociologia noticiam a variabilidade das
argumentações provenientes dos operadores do direito no Sistema de Justiça Penal, no âmbito
do Judiciário, a depender do delito submetido à análise desses agentes. A perspectiva de
gênero vem sendo absorvida pelos operadores do direito, embora de forma tímida,
considerando que o conceito de gênero ainda é bastante incipiente no campo jurídico (SILVA,
2008). No entanto, estudos apontaram para a possibilidade de desconstrução de um campo
considerado essencialmente tradicional (SILVA, 2010) que utiliza estereótipos e reforça a
discriminação de gênero, mas que pode se traduzir em uma arena politicamente relevante
(DEBERT e GREGORI, 2008) para a mudança de mentalidade, almejada pela Lei Maria da
Penha. Nesse sentido, defendi nesta pesquisa a utilização de um Direito Penal mínimo, como
possibilidade transformadora e de intervenção no social (CAMPOS, 2008), a partir de leis que
propugnam por medidas de assistência, prevenção e punição contra a violência doméstica que
atinge as mulheres, e sua efetiva aplicação no âmbito do Judiciário, com vistas a uma melhor
instrumentalização dos diversos órgãos judiciários, pelos quais passam os casos de violência
doméstica contra a mulher e, consequentemente, o engajamento dos operadores do direito, na
afirmação de um serviço de atendimento essencial à rede de enfrentamento da violência
doméstica contra a mulher.
Tendo em vista que analisei as decisões sobre violência doméstica contra a mulher, sob
a vigência de uma Lei que busca romper padrões discriminatórios na sociedade, entre eles,
mudar as práticas judiciárias de que a violência contra as mulheres (a maioria dos casos)
constitui-se em uma infração de menor potencial ofensivo para outra concepção de que essa
violência é uma violação dos direitos humanos das mulheres, foi adotado o conceito de
gênero de Scott (1988), com o objetivo de conhecer a influência dos elementos normativos e
relativos às instituições na construção social de “gênero” (SCOTT, 1988).
Assim, entendo “gênero” na acepção definida por Joan Scott (1988) como “elemento
constitutivo das relações sociais, fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos” e
gênero como uma forma primeira de significar as relações de poder. A autora explica que a
primeira parte subdivide-se em quatro subgrupos: os símbolos (culturalmente disponíveis que
evocam representações simbólicas (e com frequência contraditórias); os conceitos normativos
22
(põem em evidência as interpretações do sentido dos símbolos); as instituições e a
organização social (uso político desses símbolos); e a identidade subjetiva (a forma pela qual
os indivíduos constroem suas identidades). Segundo a autora, nenhum desses elementos pode
operar sem os outros, no entanto, não operam simultaneamente, o que remete à concepção de
relações de poder dispersas na sociedade “constituídos pelos discursos nos ‘campos de força’
sociais”.
A estrutura da dissertação contou com a Introdução pela qual se buscou apresentar a
justificativa e relevância do presente estudo, bem como fornecer, em linhas gerais, o tipo de
pesquisa, os questionamentos e pressupostos que nortearam a elaboração deste estudo. O
segundo capítulo foi destinado a uma revisão bibliográfica, de cunho exploratório, com o
intuito de apresentar a violência doméstica contra a mulher na legislação nacional e
internacional de direitos humanos; as diversas formas de enfrentamento, passando pelo SOS
Mulher, Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher e a experiência dos Juizados
Especiais Criminais, bem como apresentar as conceituações teóricas e significados da
violência contra a mulher desde a década de setenta quando passou a integrar a pauta dos
movimentos sociais até a atualidade. O terceiro capítulo teve por objetivo mostrar o processo
de criação da Lei Maria da Penha, desde sua concepção inicial no movimento de mulheres, as
discussões no Executivo, no Grupo de Trabalho Interministerial, os debates no Legislativo e
aprovação do texto final e encaminhamento para sanção. Neste mesmo capítulo segue-se uma
apresentação do Superior Tribunal de Justiça, sua localização na estrutura do Poder Judiciário,
composição e competência e o seu papel na rede de apoio às mulheres em situação de
violência. O quarto capítulo mostra o percurso metodológico adotado para coleta dos dados
no STJ, os critérios de pesquisa, as definições dos tipos de processos e sua relação com os
casos de violência doméstica contra a mulher; a composição dos dados em Grupos, a partir da
questão central identificada nas decisões. O quinto e sexto capítulos trazem a análise das
decisões de forma separada. Considerando que a maioria das decisões se concentrou no Grupo
I, a análise desse Grupo ocupou todo o capítulo cinco. O sexto capítulo destinou-se à análise
dos Grupos II e III, seguindo-se a conclusão final.
23
2. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO PLANO
NACIONAL E INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
O reconhecimento da violência contra as mulheres como fenômeno social complexo,
que demanda políticas públicas especiais para a sua eliminação, tem sido um processo de
gradual incorporação na sociedade brasileira, o qual, perpassando por diversas formas de
enfrentamento, constitui-se ainda em desafio a ser vencido pela Sociedade e Estado. Esse
fenômeno não se restringe ao Brasil, ao contrário, tem magnitude mundial, podendo ser
encontrado em diversos países, de diferentes culturas, sob as mais diversas formas, tornou-se
pauta prioritária, no plano internacional de direitos humanos (ONU, 1994).
Conforme Machado e Dias (2007) a incidência da violência contra as mulheres é menor
naqueles países em que é menor a desigualdade de direitos entre homens e mulheres. Sendo
assim, a busca por direitos, iniciada nos primórdios do feminismo sufragista, continua sendo
uma importante estratégia no campo do Direito, a favor das mulheres, e, em especial, aquelas
em situação de violência, não obstante as inúmeras críticas feministas e de outros segmentos
ao modelo liberal de distribuição de direitos.
Em sintonia com o movimento feminista internacional, também no Brasil, houve uma
busca por direitos e uma preocupação em promover reformas na legislação penal e civil, com
o intuito de remover normas discriminatórias contra as mulheres (BARSTED, 1994, 2008;
NEGRÃO, 2004; SCHRAIBER et al, 2005). Embora o Legislativo tenha sido uma arena
privilegiada pelas feministas (BARSTED, 2010), essa não foi a única opção no enfrentamento
da violência contra as mulheres.
Entre as ações realizadas, pode ser destacada a criação dos serviços de atendimento
denominados SOS Mulher e das Delegacias Especiais de Atendimento (DEAMs), considerada
uma das principais políticas públicas conquistada pelo movimento feminista e, recentemente,
a aprovação da Lei nº 11.340, de 2006, denominada “Lei Maria da Penha”; pensada e
politicamente articulada por um Consórcio de Organizações Não-Governamentais Feminista.
A Lei nº 11.340, de 2006, definiu a violência doméstica contra a mulher como qualquer
ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial, na unidade doméstica, familiar ou nas relações
24
afetivas, independentemente de orientação sexual, além de declarar que esse tipo de violência
constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
A definição legal, inspirada na Convenção Belém do Pará, resulta de um longo processo
histórico de desconstrução e desnaturalização dessas práticas como algo permitido e aceitável
na sociedade, no qual os movimentos de mulheres feministas, militantes e acadêmicas, no
plano nacional e internacional de direitos humanos, tiveram papel fundamental (GROSSI,
1993; JELIN (2000); AMARAL et al, 2001; NEGRÃO, 2006). Ressalte-se, entretanto, que a
militância e os estudos teóricos acerca da violência contra as mulheres no Brasil tomaram
caminho próprio e inovador.
Segundo Grossi (1993), a violência contra a mulher7, de início, era compreendida como
os homicídios praticados contra as mulheres pelos seus parceiros, posteriormente, a partir de
estudos produzidos nos atendimentos realizados nos SOS Mulher e nas Delegacias Especiais
de Atendimento, passa a significar violência doméstica ou familiar e nos anos noventa vem a
ser compreendida como violência de gênero e a incluir outros tipos, tais como o assédio,
sexual, o abuso sexual infantil e as violências étnicas, passando a ser tratada como questão de
saúde pública, a partir de estudos que apontavam para os reflexos da violência na saúde das
mulheres (GROSSI, 1994; 2006).
As mudanças de significados e percepções sobre a violência contra a mulher, à exceção
do conceito de violência de gênero que surgiu na academia (GREGORI, 2004), foram
identificadas a partir de estudos sobre a dinâmica da violência nos atendimentos realizados
nos SOS Mulher, Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres (DEAMs) e Juizados
Especiais Criminais. Nota-se, portanto, a importância das práticas judiciárias nesse processo e
sua influência na compreensão do que vem a ser a violência cometida contra a mulher, no
espaço público ou privado.
Pandjiarjian (2002) de há muito alerta para a responsabilidade que paira sobre o
Judiciário na implementação material do princípio da igualdade:
A atividade judiciária e seu poder coercitivo ampliam sua responsabilidade
social, pois a produção de texto no interior do procedimento judicial
confunde-se com o próprio Direito. Além disso, tal produção inspira e
7
Nesta pesquisa, o termo “violência contra a mulher” será usado para referir-se ao conceito inicialmente
cunhado pelas feministas, o qual abrange, de forma geral, todas as violências cometidas contra as mulheres, no
espaço público ou privado.
25
legitima práticas que se estendem a toda a sociedade, pois essas decisões que
têm peso de lei para o caso específico, passam a ser condicionante de outras
práticas sociais. Em outras palavras, as decisões, a jurisprudência ao
contrário do que pregam os manuais de Direito, não são mais umas das
fontes de Direito, mas sim, a principal fonte material.
A relevância de uma decisão judicial é o seu duplo grau de legitimação, seja
em relação ao dispositivo que irá utilizar, seja em relação à lei que cria junto
ao fato em análise. O judiciário, assim, ao “explicar” as leis, constrói
relações sociais.
Em que pesem os esforços em relação as medidas legislativas adotadas para
eliminar a discriminação e promover a igualdade entre homens e mulheres, a
permanência de legislações infraconstitucionais discriminatórias em relação
às mulheres está também condicionada em grande parte, às medidas judiciais
adotadas em relação ao tema. (2002, p. 7)
A Lei Maria da Penha busca imprimir um novo paradigma nas práticas judiciárias aos
casos de violência doméstica, instrumentalizando a atuação de seus agentes com inovações
procedimentais e despertando para uma nova concepção de atendimento, que integre a
articulação a outros serviços que compõem a rede de apoio às mulheres em situação de
violência.
No tópico seguinte será apresentada, sucintamente, a forma pela qual a violência contra
a mulher foi inserida na pauta feminista, as ações e experiências empreendidas nos campos
teórico e prático.
2.1 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA PAUTA FEMINISTA
Estudos revelam que as práticas de agressões físicas, humilhações, perseguições contra
as mulheres pelos seus parceiros íntimos remontam ao período da colonização brasileira (DEL
PRIORE, 1995), porém, passa a ser foco de atenção e ação das feministas, em meados da
década de setenta, a partir de um contexto político maior de reivindicações em prol da
abertura política do País (PITANGUY, 1993; COSTA, 2005). Em meio à luta geral de
resistência contra a ditadura como os movimentos contra Contra a Carestia, Custo de Vida,
Panelas Vazias, Movimentos das Donas de Casas as feministas encontraram espaço para
trazer à tona temas que colocavam em questão valores tradicionais da família (TAUBE,
2002). De início, temas como creches e trabalho doméstico entram na pauta de grupos
populares e associações de mães, posteriormente o movimento feminista brasileiro “assume
26
novas bandeiras”, até então “impensáveis” como “sexualidade, orgasmo feminino,
anticoncepção e violência doméstica” (COSTA, 2005).
A proclamação do ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher e um “clima de
relativa distensão política do regime permitiam às mulheres organizarem-se publicamente
pela primeira vez desde as mobilizações dos anos 1967-1968” (COSTA, 2005, p. 15, apud
COSTA;SARDENBERG, 1994a, p. 103). Essa “relativa” mobilidade possibilitou o
surgimento de grupos de estudos e de reflexão, de conscientização, à semelhança dos surgidos
no exterior8, de reflexão e ação e outros, em diversos pontos do país9.
A trajetória do feminismo no Brasil, em sua segunda fase ou o “novo feminismo”, foi
marcada por conflitos e tensões, em especial pela discussão da autonomia do movimento e a
melhor forma de garantir os direitos das mulheres, frente aos diversos interesses das
organizações partidárias, os quais algumas feministas eram vinculadas, bem como a uma
aproximação, ou não, com o Estado (COSTA, 2005). Todavia, o tema da violência contra a
mulher convergiu interesses e posicionamentos de vários segmentos feministas, tornando-se
um de seus principais eixos de luta (GROSSI, 1993).
O julgamento de Doca Street pelo assassinato de Ângela Diniz, em 1976, foi um marco
no feminismo brasileiro, contribuindo para a definição do tema da violência contra a mulher
como prioridade (GROSSI, 1993). Nessa ocasião, as feministas reivindicavam reformas na
legislação penal que “permitia” a criação doutrinária da tese da “legítima defesa da honra” e
que possibilitava aos autores desses delitos, em geral pessoas de convívio próximo, “livrar-se”
da responsabilização criminal pela prática desses crimes. As ações incluíam mobilizações,
8
9
Sobre a formação desses grupos no exterior, ver Phillips (1996).
Conforme Costa (2010, p. 178) esses grupos surgem mesmo antes da ação da ONU proclamando o ano de 1975
o Ano Internacional da Mulher “[…] nesse ano (1972) começaram a aparecer no Rio de Janeiro e São Paulo os
primeiros grupos de reflexão com um caráter muito privado. No Rio de Janeiro, havia o grupo ligado a Branca
Moreira Alves, constituído por profissionais liberais que posteriormente se constituiria no Grupo Ceres, e
outro constituído por estudantes de graduação e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica-PUC. Em
são Paulo existia um grupo criado por Maria Malta Campos constituído basicamente por intelectuais
(FIGUEIREDO, 2008, p. 57). Simultaneamente também é criado em são Paulo o grupo integrado pela crítica
literária Walnice Nogueira Galvão, juntamente com a socióloga Célia Sampaio, a antropóloga Betty Mindlin, a
historiadora Maria Odila Silva Dias. Posteriormente esses dois grupos se unem, outros grupos surgem também
em várias outras cidades do país. Geralmente eram mulheres articuladas a partir da experiência do feminismo
internacional de uma delas (este é o exemplo de Branca Moreira e Maria Malta Campos), que se uniam por
afinidades afetivas, políticas e intelectuais, mulheres profissionalizadas, em sua maioria com uma carreira
estabilizada. Eram grupos privados, porque as mulheres só ingressavam por convite ou indicação. A idéia de
“grupo privado” para caracterizar os grupos de reflexão reflete o clima de terror e perseguições que
caracterizava o regime militar naquele momento no Brasil. reunir mais de quatro pessoas em um lugar, mesmo
que privado, poderia ser caracterizado como um ato subversivo e, portanto, exposto às penalidades
“previstas”.”
27
campanhas e passeatas em que as feministas saiam às ruas e exigiam punição para esses
homicídios, sob o slogan “Quem ama não mata!”.
A análise dos discursos jurídicos que embasavam a absolvição dos homens que
matavam as esposas/companheiras alertaram as feministas para o quadro de violência física e
psicológica que ocorria no espaço doméstico e que só vinha a público em sua forma mais
trágica (AQUINO, 2000). Assim, nesse primeiro momento, questionava-se a tese da legítima
defesa da honra nas práticas judiciárias e alternativas eram buscadas no Legislativo, à margem
do Executivo Federal, para o atendimento às mulheres que sofriam violências.
2.1.1 As Reformas Legais
- A tese da legítima defesa da honra
A tese da legítima defesa da honra surgiu a partir de interpretações ao primeiro Código
Penal Republicano, de 1890, ao tratar da responsabilidade criminal que estabeleceu não serem
tidos como criminosos aqueles que estivessem em estado de completa privação de sentido e
de inteligência no ato de cometer o crime10. Essa previsão abriu portas para a doutrina e as
práticas judiciárias justificarem o ato de maridos/companheiros que matavam suas
esposas/companheiras, sob a alegação de adultério (LAVORENTI, 2009, p. 185). Segundo
Lamego (1993, p. 153) essa tese era bastante difundida na sociedade européia no século XIX
para encobrir os crimes hediondos cometidos por homens no espaço doméstico, crimes esses
“oriundos de questões puramente subjetivas, envolvendo sentimentos que variam de ciúme à
suspeita de traição e ascensão social e profissional do outro, justificados quando evocada a
honra masculina”.
No julgamento de Doca Street, o comportamento de Angela Diniz passou a ser
questionado. Era como “se o assassino tivesse livrado a sociedade brasileira de um indivíduo
10
Sobre a utilização da tese da legítima defesa da honra em julgamentos de homicídios contra as mulheres, ver
Correa (1981; 1983).
28
que punha risco à moral da ‘família brasileira” (GROSSI, 1993, p. 167). Nesse julgamento e
em outros que se sucederam, em que os maridos acusados de matar suas esposas eram
absolvidos ou eram condenados à pena mínima, se confirmaria a dificuldade de a lei penal
assegurar o direito individual à vida de forma equânime a homens e mulheres nas práticas
judiciárias.
Cabe registrar a histórica decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 1990, que afastou
a justificativa da “legítima defesa da honra” aos casos de mulheres assassinadas por seus
parceiros, colocando fim ao uso disseminado, em todo o território nacional, dessa tese
atentatória aos direitos da mulher a uma vida digna e sem violência (PITANGUY, 1993).
Conforme Barsted (2010), na década de setenta, as reformas legislativas eram ponto
chave para a retirada do mundo jurídico de normas discriminatórias, em especial na legislação
penal e civil, as quais legitimam práticas e padrões de comportamentos na sociedade
(NEGRÃO, 2004). Cabe mencionar que as feministas brasileiras ditas “liberais” iniciaram
esse processo na legislação civil, e bem o fizeram, considerando que na esfera penal não havia
previsão específica contra os delitos mais frequentes cometidos contra as mulheres na esfera
privada, de modo geral a legislação penal previa o delito de lesão corporal (Códigos
Criminais de 1890 e 1940), inclusive com agravantes quando cometidos contra o cônjuge,
mas na esfera civil a doutrina familiarista interpretava como possível determinadas práticas,
em função do poder marital autorizado por lei.
- As Reformas Legais na Família
Importante destacar a luta de diversas mulheres brasileiras para transformar a condição
jurídica das mulheres, no que tange aos direitos civis e políticos na primeira fase do
feminismo, denominada “liberal”11. Os temas relacionados aos direitos civis e políticos, como
11
Sobre o feminismo de cunho liberal, importante as considerações de Isabel Cristina Jaramillo (2000, p. 33),
que, tendo por fundamento os debates teóricos e políticos e as características do feminismo surgido nos
Estados Unidos da América, explica que “El feminismo liberal clásico tiene sus raíces en las reivindicaciones
de las mujeres dentro del marco de la revolución francesa y en las obras de Mary Wollstonecraft y John Stuart
Mill. Fue el principal apoyo teórico de los movimientos sufragistas de los siglos XIX y XX. Ubicándo-se en
general dentro del paradigma liberal de la época, lo que se exigía era incluir a las mujeres como titulares de los
derechos que disfrutaban los hombres. El argumento para excluir a las mujeres era el de su menor capacidad
29
o direito de liberdade (de ir e vir, de educar-se, trabalhar, administrar os próprios bens, e
outros), a igualdade jurídica no casamento e o direito ao voto eram priorizados.
Nas questões de família, destaca-se a iniciativa do Conselho Nacional de Mulheres do
Brasil (CNMB), organização não-governamental criada em 1947, por Jerônima Mesquisa,
para a defesa da condição feminina12. O texto preliminar do Estatuto da Mulher Casada surgiu
no âmbito do CNMB, elaborado em 1952 por Romy Martins Medeiros da Fonseca e Orminda
Ribeiro Bastos foi entregue para apreciação e votação no Legislativo. Posteriormente, outras
iniciativas foram agregadas a esse texto, inclusive de autoria do Deputado Nelson Carneiro,
convertendo-se, após longo período de debates legislativos, na Lei nº 4.121, de 1962,
denominada Estatuto da Mulher Casada (MARQUES; MELO, 2008).
Este Estatuto pôs fim ao estado civil de incapacidade da mulher casada13, mas manteve
a essência da família hierarquizada, alçando a mulher a posição de colaboradora do marido.
Em 1977, o Deputado Nelson Carneiro consegue aprovação ao seu Projeto de Lei do
Divórcio, inserindo no ordenamento jurídico interno a Lei nº 6.515, de 1977, que prevê a
possibilidade de rompimento do vínculo matrimonial, pelo divórcio. Essa Lei deu os
primeiros passos para a igualdade formal entre os cônjuges quando estabeleceu em seu artigo
20 que para a manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na
proporção de seus recursos.
No âmbito das feministas liberais, as reivindicações eram por igualdade na lei e, com
isso, pelo menos no âmbito formal, afastar o sistema de hierarquia e privilégios masculinos na
família, de origem patriarcal, o qual era legitimado pela legislação portuguesa adotada no
Brasil, e repassada ao primeiro Código Civil Brasileiro de 1916. Pela manifestação da
doutrina familiarista em dois momentos históricos distintos14, é possível perceber as
racional y por lo tanto su necesidade de protección. En contra de este argumento, el feminismo liberal clásico
senãla (ba) que las mujeres, como seres humanos, eran iguales en cuanto a sus capacidades humanas. Sólo
necessitaban que se les permitiera desarrollar estas capacidades teniendo acceso a la educación, el empleo
formal y la política. Había pues que eliminar las barreras formales (legales) que disminuían la capacidad civil
de las mujeres, su autonomía, y les impedian entrar en las áreas mencionadas. Este fue su objetivo político y a
pesar de la demora, podría decirse que se vio satisfecho”.
12
Cf. Costa (2010, p. 177) “O Conselho Nacional de Mulheres do Brasil (CNMB) é uma organização cultural,
não governamental, fundado em 1947 por D. Jerônima Mesquita, no Rio de Janeiro, tendo por finalidade
trabalhar em defesa da condição da mulher”. Foi a principal entidade civil a lutar ao longo da década de 1950
pela aprovação do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121), o que veio a ocorrer em 1962.”
13
Sobre a tramitação do Estatuto da Mulher Casada no Legislativo ver Marques e Melo ( 2008).
14
O primeiro momento refere-se ao texto original de Pereira, em 1869, e o segundo, refere-se ao texto original e
os comentários à luz do primeiro Código Civil Brasileiro de 1916.
30
resistências encontradas para a mudança da lei civil, no tocante ao direito de família e à
condição jurídica da mulher no casamento.
A interpretação da legislação civil, referente ao Direito de Família, feita por Pereira
(1918, p. 107), no Brasil Império, possibilita avaliar o status da mulher casada, conferido pela
lei naquela época, e a mensagem repassada pela doutrina (juristas) para as práticas judiciárias.
Em suas palavras:
Não poderia a sociedade conjugal subsistir regularmente se o poder de dirigir
a família e reger-lhe os bens não estivesse concentrado em um só dos
cônjuges. Sem esta creação surgiriam diariamente conflictos que, não
achando solução prompta, entreteriam no seio da família perpetua
perturbação.
Desta necessidade resultou a formação do poder marital, cuja denominação
provêm de ter sido elle exclusivamente conferido ao marido, como o mais
apto pelos predicados do seu sexo para exerce-lo.
O marido figura na scena juridica debaixo de tres caracteres: como chefe da
sociedade conjugal; como socio com direitos seus, e finalmente como
representante da mulher em tudo que diz respeito aos direitos e interesses
particulares della. (grifo nosso)
Nota-se a preocupação com a “harmonia” da família, resolvida com a instituição do
poder marital. Em decorrência do poder marital era concedido ao homem o direito “de exigir
obediência da mulher, a qual era obrigada a moldar suas acções pela vontade delle em tudo
que fôr honesto e justo” (PEREIRA, 1918, p. 107). Porém, não descuida o autor de esclarecer
que “o marido não tem o direito de castigar a mulher” e que as disposições legais constantes
das Ordenações Filipinas, atentatórias à dignidade humana e com a civilização moderna,
encontram-se derrogadas pelo Código Criminal (SOUZA, 1858, Art. 14, § 6º15).
Verifica-se, portanto, que o jurista atualiza suas análises às inovações do Código
Criminal de 1830, que afastou as Ordenações Filipinas que consideravam lícita a conduta do
marido em impor castigos à mulher, além do direito de lhe tirar a vida, encontrando-a em
adultério.
O primeiro Código Civil brasileiro, de 1916, manteve o sistema de organização familiar
hierárquica, centrado na pessoa do marido, a incapacidade da mulher para os atos da vida
15
Código Criminal 1830, artigo 14, § 6º: “Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus
filhos, os senhores a seus escravos, e os mestres a seus discípulos; ou desse castigo resultar, uma vez que a
qualidade
delle,
não
seja
contraria
às
Leis
em
vigor”.
Disponível
em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>.
31
civil, a previsão do marido como chefe da sociedade conjugal, incluindo-se entre suas
obrigações a representação legal dos integrantes da família, inclusive da mulher, a
administração dos bens, fixação do domicílio, entre outros.
Nesse poder-dever do marido como chefe da sociedade conjugal, instituído pela lei, e
em face das mudanças na legislação penal que retiraram o caráter de licitude a determinadas
práticas dos maridos contra as esposas, conferido pela legislação portuguesa, não se discute
mais, no âmbito da lei, se o homem tem o direito de praticar ofensas físicas e morais às
mulheres casadas, mas nas discussões doutrinárias é possível vislumbrar essa possibilidade,
na interpretação da conduta do homem, de até onde ele pode ir no exercício desse poder
disciplinar, ou seja, dos “excessos” praticados, em processo de separação legal. A
interpretação doutrinária do Código de 1916 delineia a forma pela qual deve ser perquirido
esse “excesso”:
A tentativa de morte é, sem dúvida, fundamento legitimo para a acção de
desquite. O conjuge que tenha contra a vida do outro, com o princípio de
execução perfeitamente caracterisado, não pode mais merecer desse outro a
confiança no amor que serve de base ao casamento.
- As sevícias são os ferimentos, as offensas physicas, emfim os máos tratos
que muitas vezes costituem injurias graves. São injúrias todas as palavras,
factos ou escriptos ultrajantes com que um dos conjuges attenta à honra ou à
consideração devida ao outro ou que manifestam contra elle sentimento de
odio, aversão ou desprezo.
Tanto a respeito de excessos como a respeito das injurias cabe ao juízo dos
Tribunaes decidir si os factos allegados merecem uma ou outra qualificação.
Devem antes de tudo ter em conta o interesse dos conjuges que exige de um
lado que não se os separe por questões leves e passageiras e de outro que não
se os force a prolongar uma communidade de vida insupportavel, e o
interesse da sociedade que exige ao mesmo tempo que se mantenha quanto
seja possível tal comunidade entre os conjuges e que se ponha termo às
discussões e escandalos domesticos. Tomarão em conta a idade, a posição
social e a educação dos conjuges, as circumstancias em que se commeterem
os factos allegados e as provocações que podem imputar-se ao conjuge que
pede o divorcio. Aqui não cabem regras; mas pode estabelecer-se que não
são motivos sufficientes para o divorcio os actos impacientes, as palavras
duras que podem attribuir-se a uma situação extranha do conjuge e que
sejam pouco communs em seu modo de proceder. (PEREIRA, 1918, p. 96)
(grifamos)
A responsabilização dessas práticas e seus “excessos” na esfera criminal só vai
encontrar guarida, de forma específica, muitos anos mais tarde na Lei Maria da Penha. Na
esfera civil dessa época, a pena era a conversão da conduta em motivo justificador da
separação do casal. No entanto, para se provar esse “excesso” conforme mostra a doutrina
32
acima transcrita alguns caminhos eram sugeridos: “aqui não cabem regras”, e as supostas
“provocações” das mulheres que resultaram no excesso devem ser analisadas pelos tribunais.
Sendo assim, serão os operadores do direito a dar conteúdo ao termo sevícia e injúria
grave, até onde o poder marital exacerbou em seu direito de exigir obediência e até onde tais
atos cabem no dever de subordinação e obediência da mulher para com o marido. Nesse
contexto o bem maior é a preservação da família e somente o que extrapolar ao legalmente
permitido será considerado como real justificativa para imputar “culpa” e decretar o fim do
casamento. Observa-se, portanto, que a lei deixando ao arbítrio de julgadores definir o que
seria a “sevícia ou injúria grave” nas relações interpessoais, na conjugalidade, abre portas
para a especulação a respeito do cumprimento dos papéis de um e outro no casamento.
As interpretações da doutrina, repassadas para as práticas judiciárias na aplicação da Lei
ao caso concreto, deixa entrever que não era em qualquer situação de violência que se
justificavam a separação do casal. Considerando a falta de previsão legal específica que
ofender a integridade física da mulher no âmbito familiar constitui crime16, o lícito ou ilícito,
surge no âmbito da interpretação do Direito de Família, das causas motivadoras da separação,
excluindo-se as ofensas que não caracterizam o alegado “excesso” e, que, portanto, seriam
consideradas lícitas.
Barsted (1994) alerta para a dificuldade de se remover as leis costumeiras e
discriminatórias na sociedade, as quais muitas vezes encontram mais força na aplicação
prática que as próprias leis formais. Pode-se perceber tal dificuldade tendo em vista que
mesmo após a Constituição Federal de 1988 estabelecer a igualdade entre homens e mulheres,
em direitos e obrigações, remanesce na sociedade práticas de violência na sociedade conjugal
vinculadas ao poder disciplinar.
Machado (2010), ao ouvir “agressores e agredidas” em relações conjugais violentas,
conclui que:
[...] os agressores buscam o sentido de seus atos violentos no contrato
conjugal que julgam ter feito. Consideram seus atos como “corretivos”.
Alegam que as mulheres não obedeceram ou não fizeram o que deviam ter
feito em função dos cuidados com os filhos, ou do fato de serem casadas ou
“amigadas”. (MACHADO, 2010, p. 59).
16
A presente análise não se descuida que havia previsão contra a integridade física, inclusive com agravante
quando praticado contra o cônjuge desde o Código Penal de 1890.
33
Segundo Avila (2001), no Brasil, o princípio constitucional da igualdade entre homens e
mulheres consignado na Constituição de 1988 foi um marco para a cidadania das mulheres,
pois implica outorgar as mulheres "lugar de maioridade" no sentido kantiano, implica o
reconhecimento da autonomia das mulheres. Até chegar a esse ponto, contudo, as mulheres
tiveram que politizar o privado (COSTA, 2005), trazer a público a intimidade da vida
conjugal e desvelar as relações de poder existentes na família. Diferentemente da construção
da autonomia dos "homens", na modernidade, os quais assentavam o seu lugar na sociedade
civil, a partir da preservação da família sob seu comando e autoridade, as mulheres tiveram
que desconstruir esse modelo como ideal de família17.
No entanto, mesmo considerando os avanços legislativos a hierarquização na família
persiste, conforme conclui Vaistman (1994). Segundo a autora, houve uma quebra do modelo
de família moderno, porém isso não implicou a construção de um novo modelo, pós-moderno,
não obstante a mudança nos papéis desempenhados pelos homens e mulheres na família,
mantém-se a hierarquização da família na pessoa do marido/companheiro.
Assim, cabe aqui considerar a força dos mecanismos de controle das mulheres na esfera
civil, que não mais pelas leis, mas pelas práticas judiciárias aos casos de violência doméstica
contra a mulher, constituem fator de manutenção dessa hierarquização, impondo limites à
atuação do Estado na esfera privada.
2.1.2 – Desvelando as práticas de atendimento
- A experiência dos SOS Mulher
Em meados da década de setenta, grupos de feministas se reuniam e discutiam entre si
como atuar e visibilizar a violência doméstica que acometia às mulheres em seus
relacionamentos conjugais, pois se acreditava que o assassinato “era o último ato de uma
17
Conforme Petit (1994, p. 55): “Na sociedade lockeana o pai compra a obediência dos filhos através do
controle da herança, mas, por outra parte, também sujeita a mulher, ao negar-lhe o acesso a propriedade. Sem
meios de prover a si mesma, a mulher não conta com autonomia necessária para ser independente da vontade
do marido, nem com poder algum na esfera familiar”.
34
escalada de violência conjugal que começava com o espancamento” (GROSSI, 1994). Esses
grupos, formados por feministas que retornavam ao país, a partir do movimento pela anistia
trazendo consigo as discussões teóricas dos movimentos feministas de âmbito internacional
(COSTA, 2005) rejeitavam a aproximação com o Estado. Assim surgiram diversas
instituições denominadas SOS-Mulher em São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras
cidades brasileiras, de natureza “não-governamental”, com a finalidade atender,
voluntariamente, as mulheres que sofriam violência, em geral seus conhecidos ou parceiros
íntimos.
Nessas instituições, buscava-se oferecer atendimento psicológico e jurídico, mas
também era objetivo, mediante “oficinas” de sensibilização, repassar às mulheres que
acorriam a esses espaços para contar as agressões sofridas, a natureza estrutural da dominação
masculina, em que a violência era sua expressão mais radical. O encaminhamento do caso
para atendimento jurídico não era priorizado e só ocorria em situações visivelmente graves
(GREGORI, 1993). Segundo Taube (2002) os SOS acolheram uma demanda há muito
represada, considerando o elevado número de mulheres que buscava apoio nesses espaços.
O pressuposto que vigorou em todos os SOS era de que a violência contra a mulher se
restringia “basicamente” à conjugal (GROSSI, 1994), em função da demanda majoritária de
mulheres, nas relações conjugais, (GREGORI, 2004). O suporte téorico que sustentava o
trabalho das feministas e constituía o ponto de partida de suas ações, era de que:
a situação de violência conjugal deixaria de existir quando as mulheres
pudessem ser atendidas enquanto vítimas da violência masculina e se
conscientizassem de sua situação de opressão na sociedade patriarcal.
(GROSSI, 1994, p. 476).(grifo nosso).
Segundo Gregori (2004, p. 250), “Violência contra a Mulher” foi uma expressão
elaborada a partir de uma compreensão particular acerca da opressão sofrida pelas mulheres
no Patriarcalismo18, sintonizada com as discussões feministas em cenário internacional”. A
18
Segundo Facio e Fries (1999, p. 44) o conceito de patriarcado é antigo e não se originou necessariamente das
teorias feministas. Informam as autoras que, embora o patriarcado tenha sido mencionado anteriormente por
Engels e Weber, ambos concordando que se trata de um sistema de poder, de domínio do homem sobre a
mulher, são as teorias feministas que atualizam o conceito, evidenciando o caráter político do patriarcado.
Após essa revisão [que ocorre na segunda fase do feminismo], as teóricas feministas desvendam outros
interesses e formas para a manutenção de uma estrutura de poder de dominação e subordinação, antes exercido
incondicionalmente no patriarcado antigo. Na reformulação do conceito de patriarcado como controle político
das mulheres, as feministas puseram em xeque tanto as fórmulas apresentadas pelo marxismo para superação
35
definição de Violência contra a Mulher foi criada em meio à experiência de atendimento às
mulheres nos SOS Mulher, a qual, mesmo com conotação universal e essencializante,
posteriormente revistos, inaugurou uma nova interpretação sobre os delitos cometidos nas
relações entre homens e mulheres “como resultante de uma estrutura de dominação”. Essa
interpretação, continua a autora, não estava presente “na retórica ou nas práticas jurídicas e
judiciárias no enfrentamento de crimes”, cometidos contra as mulheres (GREGORI, 2004, p.
250).
De modo geral, os SOS Mulher funcionaram durante o período de 1981 a 1983, tendo
sido de grande relevância para a visibilização da violência doméstica e sua compreensão
como fenômeno social complexo (GROSSI, 1994, GREGORI, 1993).
- As Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher
As delegacias especiais de atendimento às mulheres foram criadas por pressão do
movimento feminista (GROSSI, 1994). Segundo Machado (2010) trata-se de uma invenção
brasileira no combate à violência contra a mulher que, inicialmente implantada em São Paulo,
rapidamente se multiplicou para outros Estados. Em 2001, representavam 250 em todo o País
(AMARAL et al, 2001). Em 2008, passou a contar com um número de 418 delegacias
(OBSERVE, 2008).
As delegacias especiais de atendimento, na visão das feministas, teriam por finalidade
proporcionar um espaço diferenciado e acolhedor para as mulheres que noticiam as ofensas
cometidas por pessoas próximas a seu convívio, em geral, maridos/companheiros. A
implantação das delegacias especiais nos Estados tomou rumos diferenciados, tendo em
comum a reivindicação de sua instalação pelo movimento de mulheres. Na Delegacia de
Defesa da Mulher em São Paulo alguns cursos foram realizados no início de sua instalação
(SAFFIOTI, 1999), mas em outros, as feministas, não obstante conceber o projeto de
instalação da delegacia, foram alijadas desse processo (AQUINO, 2000).
dessa desigualdade quanto as teorias do contrato social formuladas por Jonh Locke de que a formação do
Estado colocava fim ao sistema patriarcal. Evidenciaram as feministas que não obstante a igualdade formal, na
prática, os espaços públicos continuavam a ser vedados às mulheres e a subordinação das mulheres, vigentes
nas tradições e costumes, passou a ser legitimada pela lei (PETIT, 1994).
36
Para as feministas era importante que o corpo funcional das delegacias fosse composto
por mulheres e que a concepção tradicional da violência contra a mulher que imperava nas
delegacias comuns, principalmente de que se tratava de problema privado, fosse afastado.
Assim seriam necessários cursos para introdução dos saberes feministas, adquiridos ao longo
das experiências dos SOS e resultantes de diversos estudos sobre o fenômeno. Uma das
principais expectativas feministas era de que os fatos relatados pelas mulheres nas delegacias
fossem interpretados como “crimes”, e os processos fossem levados adiante, entretanto,
inúmeros problemas foram constatados no funcionamento dessas delegacias, entre os quais,
os arquivamentos em massa dos inquéritos de violência doméstica (SAFFIOTI, 1999;
CAMPOS, 2001; RIFIOTIS, 2004; DEBERT e GREGORI, 2008).
Essa prática, ilegal, em se tratando do delito de lesão corporal, cuja ação penal, à época,
era de natureza pública incondicionada, atendia, em alguns casos, às expectativas de algumas
mulheres que não pretendiam a criminalização do ofensor, mas em outros casos, em que a
mulher afirmava a intenção de dar prosseguimento à “queixa” e em situações em que se
exigia maior intervenção, como o afastamento do ofensor do lar, essas mulheres não eram
atendidas (SCHRAIBER, 2005).
Constatou-se também desvio de finalidade, conforme relato abaixo:
[...] as delegacias enfrentaram problemas similares aos SOS na busca de
conscientização das mulheres, pois as queixas feitas pelas mulheres contra
seus maridos eram similares às feitas nos SOS. Nos estudos de caso feitos
junto aos SOS Mulher de São Paulo e Porto Alegre, a constatação das
pesquisadores foi similar: as mulheres que procuravam o SOS não queriam
mudar radicalmente suas vidas, separando-se dos agressores como
almejavam as feministas; buscavam apenas um respaldo protetor frente a
novas agressões. Mesmo enfrentando diariamente este dilema, o principal
trabalho da Delegacia de Mulheres junto às mulheres de classes populares
tem sido o de uma “escuta” dos problemas afetivo-conjugais, cumprindo um
papel talvez similar ao dos espaços psicanalíticos para as mulheres de classe
média. Muito já foi discutido sobre a inadequação deste papel “terapêutico”
ocupado pelos funcionários das Delegacias, uma vez que sua função
institucional seria a de punir os culpados [...] (GROSSI, 1994, p. 475).
Conforme mencionado anteriormente, em função da procura por esses espaços
constituir-se majoritariamente de mulheres em relacionamento conjugal formal ou informal, a
tendência verificada, tanto nas práticas dos SOS quanto nas delegacias especiais, foi de
compreender a violência contra a mulher como violência conjugal. Nas delegacias, as
37
mulheres que buscavam apoio fora dessa condição eram excluídas do atendimento. Essa
leitura restritiva levou à compreensão da violência como doméstica e familiar, como causa de
uma desestruturação da família. A concepção de que a violência contra a mulher era um
problema de ordem familiar era tão forte que levaram as agentes da Delegacia de São Paulo a
requerer junto ao Governo do Estado a ampliação para atendimento aos filhos e idosos
(GREGORI, 2004).
Conforme Rifiotis (2004, p. 88) “a prevalência de soluções locais articuladas em torno
da criação de mecanismos de curto prazo que privilegiam a leitura jurídica dos conflitos
interpessoais” se inscreve em um amplo processo denominado de “judiciarização”. Esse, por
sua vez, “traduz um duplo movimento: de um lado a ampliação do acesso ao sistema
judiciário, e, por outro, a desvalorização de outras formas de resolução do conflito”.
Explica Gregori (2004) que a “redução” da “violência contra a mulher” a problema
familiar invisibiliza o principal foco da violência detectado pelas feministas: a existência de
uma estrutura desigual de poder nas relações familiares e a violência como forma de sua
manutenção.
Posteriormente, nos anos 90, quando se introduz nos estudos brasileiros acerca da
violência contra a mulher o conceito de Gênero, em uma perspectiva relacional, percebe-se a
importância de deslocar a mulher do papel passivo de “vítima”, problematizando mais a fundo
as relações de gênero e o papel de homens e mulheres no conflito que resulta na violência.
- A Lei nº 9.099/95 e a experiência dos Juizados Especiais Criminais19
A Lei nº 9.099/95 foi concebida para regulamentar o artigo 98 da Constituição Federal
de 1988. Consta desse artigo a previsão de criação de Juizados Especiais Cíveis - para causas
de menor complexidade e Juizados Especiais Criminais (JECrims) - para apreciação e
julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, a partir dos procedimentos oral
e sumaríssimo, a conciliação, a transação penal, entre outros, o que revela a preocupação dos
Constituintes de 1988 com a morosidade judicial.
19
Sobre o funcionamento do Juizado Especial Criminal ver Oliveira (2006); Campos (2001; 2003).
38
Essa Lei gerou expectativas em alguns segmentos feministas que trabalhavam com a
violência doméstica contra a mulher, entre outras razões, porque a notícia da violência
registrada na delegacia chegaria com rapidez ao Poder Judiciário. Porém, as reações contra
essa lei começaram a aparecer logo nos primeiros meses de sua vigência (PASINATO, 2010)
ante à constatação de que os institutos criados pela Lei, tais como a conciliação, transação
penal, suspensão condicional e a exigência de representação da mulher, além de beneficiar
apenas o réu evitando os males de um processo penal (CAMPOS, 2001), resultavam em
“banalização da violência doméstica, arquivamento massivo dos processos e a insatisfação
das vítimas, todas mulheres”(CAMPOS, 2003, p.155).
Pela leitura da exposição de motivos do projeto que originou a Lei nº 9.099/95 (PLC nº
91, de 1990-parte criminal) percebe-se que os casos de violência doméstica contra a mulher
não eram desconhecidos de seus propositores e a oportunidade de uma nova lei parece ter sido
aproveitada para por fim à prática ilegal de arquivamento identificada nas delegacias de
atendimento às mulheres:
Com efeito, a idéia de que o Estado possa e deva perseguir penalmente, sem
exceção, toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese alguma, certa
dose de discricionariedade ou disponibilidade da ação penal pública mostrou
com toda evidência sua falácia e hipocrisia. Na prática, operam diversos
critérios de seleção informais e politicamente caóticos, inclusive entre os
órgãos da persecução penal e judiciais. Não se desconhece que, em
elevadíssima porcentagem de certos crimes de ação penal pública, a polícia
não instaura o inquérito e o MP e o juiz atuam de modo a que se atinja a
prescrição. Nem se ignora que a vítima – com que o Estado até agora pouco
se preocupou – está cada vez mais interessada na reparação dos danos e cada
vez menos na aplicação da sanção penal. É por essa razão que atuam os
mecanismos informais da sociedade, sendo não só conveniente como
necessário que a lei introduza critérios que permitam conduzir a seleção dos
casos de maneira racional e obedecendo a determinadas escolhas políticas20.
(grifo nosso)
Conforme consta da transcrição acima, o autor do projeto, propugna pela adoção de uma
política criminal que melhor atenda aos interesses das partes envolvidas em um conflito, já
que controles informais, que “operam na prática”, cuidam de fazer isso por elas. Embora não
haja referência direta aos casos de violência contra a mulher, é possível perceber sua inclusão
nesse contexto, pois, nessa ocasião, os estudos feministas já apontavam para o elevado
20
Cf. PLC 91, de 1990 (PL 1.480-B, de 1989/Câmara dos Deputados), Secretaria de Arquivo do Senado Federal.
39
número de arquivamentos nas delegacias (controles informais), mesmo sendo o crime de
lesão corporal - um dos mais presentes na violência doméstica contra a mulher - de ação penal
pública, ou seja, deveriam ter seguimento independentemente da vontade da ofendida
(SAFFIOTI, 1999). Coincidentemente, foi justamente esse delito o escolhido para ter sua
natureza penal alterada pela Lei nº 9.099/95, passando a prever a necessidade de
representação nos casos de lesão corporal leve e culposa (Artigo 88).
Consta no texto, anteriormente transcrito, que a pessoa ofendida poderia assumir
“formalmente” o controle da ação penal e ainda “conduzir a seleção” e “pleitear reparação dos
danos”. Assim, foi incluído na Lei nº 9.099/95 mais um instituto despenalizante, ou seja, não
se puniria o ofensor sem a “permissão” da ofendida, chancelando, assim, a “representação
informal” que, segundo Campos (2001), já existia nas práticas das delegacias.
- A representação
No âmbito jurídico, a representação é a “comunicação de um crime à autoridade
competente, solicitando providências para apurá-lo e punir o seu autor devendo ser feita pela
vítima ou pelo seu representante legal” (NUCCI, 2009, p.134). No caso de violência
doméstica contra a mulher, significa que a manifestação da ofendida é condição essencial para
que o poder público inicie o processo de investigação e punição da prática delituosa. As ações
penais que dependem de representação são denominadas de ação penal pública condicionada
à representação e essas são expressamente definidas no Código Penal, tendo em vista que a
regra geral é a ação penal pública incondicionada, ou seja, aquela em que o poder público
inicia logo a investigação ao receber a notícia da ocorrência de um delito, seja pela ofendida
ou qualquer outra pessoa.
- A Desistência
40
A desistência do processo pode ocorrer em todos os delitos que dependem de
representação até o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público21. Essa previsão legal
não provoca estranhamento quando o delito é um fato isolado entre pessoas desconhecidas.
Contudo, nos casos de violência doméstica, o ato das mulheres de desistir do processo contra
o ofensor tem rendido interpretações pejorativas e generalizantes acerca das mulheres em
situação de violência no imaginário popular de que “em briga de marido e mulher ninguém
mete a colher” e até entre os operadores do direito, tais como “mulher gosta de apanhar”
(SAFFIOTI, 1999).
Dada a complexidade do fenômeno, fatores como dependência econômica, emocional, o
medo22 (LARRAURI, 2008), a importância dada ao casamento e o cuidado dos filhos, culpa,
vergonha, a esperança de que o marido vai mudar o comportamento como prometeu, amor ao
parceiro, sentir-se incapaz de sobreviver sozinha, pensar que é banal a situação vivenciada e
que ninguém dará importância (SCHRAIBER, 2005), encarar a violência como “natural” nas
relações domésticas (HITA, 2003), renegociar o pacto conjugal (PASINATO, 2002;
BRANDÃO, 2006) por vezes impedem as mulheres de pensar em sua própria integridade
física e, assim, contigenciam a situação conflituosa e a violência desistindo do processo.
Muitas são, portanto, as razões que justificam a ambiguidade das mulheres que em um dia
apresentam a “queixa” e no outro solicitam sua retirada (SAFFIOTI, 1999). Ressalte-se,
entretanto, que todo esse contexto influencia não só o ato de desistência mas também a
“demora” em dar a “queixa”, sendo comum a busca de apoio após reiteradas ocorrências de
violência23.
Em geral, as mulheres recorrem às redes de amigos, familiares antes de se dirigirem aos
serviços de apoio institucionais de atendimento às mulheres em situação de violência
(RIFIOTIS, 2004; SCHRAIBER, 2005; OBSERVE, 2010), destacando-se entre esses
21
Essa regra consta do artigo 25 do Código de Processo Penal, porém, nos casos de violência doméstica contra a
mulher, o prazo para a desistência é um pouco maior, podendo ocorrer até o recebimento da denúncia pelo juiz
(artigo 16 da LMP).
22
Desde 2005 o DataSenado realiza, a cada dois anos, pesquisa em âmbito nacional, sobre a percepção das
mulheres a respeito da violência doméstica contra a mulher. Em 2009, mediante entrevistas apenas nas
capitais, o DataSenado revelou que uma das principais causas que impedem a “queixa” das mulheres é o
“medo do agressor”, tendo essa causa se sobressaído em relação à “vergonha”, “punição branda”, dependência
financeira”. Em 2011, a pesquisa abrangendo capitais e cidades do interior, continuou indicando o “medo do
agressor” como uma das principais causas que impedem a “queixa” da violência doméstica contra a mulher.
Disponível
em
<http://www.senado.gov.br/noticias/DataSenado/pdf/datasenado/DataSenado-PesquisaViolencia_Domestica_e_Familiar_contra_a_Mulher.pdf>. Acesso em 25 mar de 2011.
23
Sobre os meios encontrados pelas mulheres para “denunciar” ou formas de se “empoderar” e sair do ciclo
deviolência ver Santos, 2007; Angelim (2009); Pasinato (2010).
41
serviços, as Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres, as quais, desde sua criação,
em 1985, tem se constituído a porta de entrada das mulheres para visibilizar a violência
sofrida, notadamente a que ocorre no âmbito privado, da família.
O tema da representação é polêmico e divide as feministas (CAMPOS, 2001;
PASINATO, 2007). Embora alguns estudos revelem que a representação e sua desistência (o
movimento de dar a “queixa” e retirar a “queixa”), para algumas mulheres, tenha sido
importante para promover mudanças em seu relacionamento conjugal, por vezes, invertendo
as assimetrias de poder reveladas pela violência, esse instituto, na prática, revelou-se uma
armadilha para as mulheres em geral e a “concessão formal24” do “direito de representar”
como uma forma de “abertura” no processo criminal para que fossem ouvidas em seus
diversos interesses não se concretizou nas práticas judiciárias (SAFFIOTI, 1999; CAMPOS,
2001).
O advento da Lei nº 9.099/95 e a experiência dos JECrims não trouxe melhores
perspectivas. Segundo Campos (2001), nos JECrims vigorava a ênfase na conciliação, o
interesse em preservar a família, a insistência para que as mulheres renunciassem à
representação e a pouca sensibilidade para o problema. Na prática, desvirtuava-se um
instrumento que, teoricamente, traria benefícios para algumas mulheres em situação de
violência (SAFFIOTI, 1999). Conforme salienta Campos (2001):
na prática, o grande número de renúncias é originado pelo comportamento
do próprio magistrado. A preocupação dos juízes parece ser diminuir o
número de processos, que é bastante elevado. Pouco importa se a vítima sai
satisfeita com a solução dada ao caso. É por isso que nos juizados,
desistência, com renúncia do direito de representação, é a regra. (Campos,
2001) (grifo nosso)
2.1.3 - Concepções teóricas
Santos e Izumino (2005, p. 2) revendo, criticamente, as principais referências teóricas
das Ciências Sociais em vinte e cinco anos de estudos sobre violência contra as mulheres no
Brasil identificaram três correntes teóricas:
24
A partir da previsão no artigo 88 da Lei nº 9.099/95.
42
[...] a primeira, que denominamos de dominação masculina, define violência
contra as mulheres como expressão de dominação da mulher pelo homem,
resultando na anulação da autonomia da mulher, concebida tanto como
"vítima" quanto como "cúmplice" da dominação masculina; a segunda
corrente, que chamamos de dominação patriarcal, é influenciada pela
perspectiva feminista e marxista, compreendendo violência como expressão
do patriarcado, em que a mulher é vista como sujeito social autônomo,
porém historicamente vitimada pelo controle social masculino; a terceira
corrente, que nomeamos de relacional, relativiza as noções de dominação
masculina e vitimização feminina, concebendo violência como uma forma
de comunicação e um jogo do qual a mulher não é "vítima" senão
"cúmplice". (grifo nosso).
Na primeira corrente teórica, as pesquisadoras Santos e Izumino (2005, p. 3)
identificam, nos estudos realizados na década de oitenta, a utilização do conceito de violência
de Marilena Chauí, constante do artigo "Participando do Debate sobre Mulher e Violência", o
qual concebe a violência como resultado “de uma ideologia de dominação masculina que é
produzida e reproduzida tanto por homens como por mulheres”, compreendida como “uma
ação que transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de dominar,
explorar e oprimir”. Ressaltam as autoras que nessa concepção teórica as mulheres aparecem
“sem autonomia” vítimas ou cúmplices de um sistema de dominação masculina.
A segunda corrente teórica tem como expoente a socióloga Heleieth Saffioti, com vasta
produção teórica sobre a violência contra a mulher. Essa autora insere a violência contra a
mulher em um sistema de dominação, patriarcal e exploratório, assim, não seria resultado
apenas de interesses oriundos de uma ideologia machista, mas também de cunho econômico.
Saffioti rejeita a idéia da mulher como cúmplice da violência masculina, definindo-a como
"sujeito" dentro de uma relação desigual de poder com os homens (SANTOS e IZUMINO,
2005).
Posteriormente, Saffioti incorpora em sua análise o conceito de gênero, mas não
abandona os pressupostos da dominação patriarcal (SANTOS e IZUMINO, 2005). Para essa
autora, “cada feminista enfatiza um aspecto do gênero, havendo um campo ainda que
limitado, de acordo: o gênero é a construção social do masculino e do feminino”, o qual,
segundo Saffioti, abre possibilidades para o vetor da dominação-exploração. Admite que a
mulher possa estar no pólo ativo da violência, mas a primazia é do homem (2001, p. 82).
43
Com base nesses fundamentos, Saffioti (2001), buscando contribuir para a precisão
terminológica dos diversos conceitos da violência que atinge as mulheres, define os conceitos
de violência doméstica, familiar e de gênero, da seguinte forma:
a violência doméstica é mais abrangente, pois abarca os não parentes que
convivem no mesmo domicílio, mas traz também a importância da
abrangência do termo violência intrafamiliar que abarca os parentes mesmo
que morem longe.
[...]
Não há maiores dificuldades em se compreender a violência familiar, ou
seja, aquela que envolve membros de uma mesma família extensa ou
nuclear, levando-se em conta a consangüinidade e a afinidade.
Compreendida na violência de gênero, a violência familiar pode ocorrer no
interior do domicílio ou fora dele, embora seja mais freqüente o primeiro
caso. A violência intrafamiliar extrapola os limites do domicílio. Um avô,
cujo domicílio é separado do de seu neto, pode cometer violência, em nome
da sagrada família, contra este parente. A violência doméstica apresenta
pontos de sobreposição com a familiar, podendo também atingir pessoas
que, não pertencendo à família, vivem, parcial ou integralmente, no
domicílio do agressor, como é o caso de agregados e empregadas(os).
[...]
Violência de gênero é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como
mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função
patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias
sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da
sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio.
(grifo nosso).
A terceira corrente teórica identificada por Santos e Izumino (2005), denominada de
relacional, refuta os pressupostos teóricos anteriores e busca relativizar a questão da
dominação e vitimização. O principal trabalho representativo desta corrente teórica é de
Maria Filomena Gregori em Cenas de Queixas (1993). Conforme Santos e Izumino (2005), na
análise de Gregori as mulheres, em contexto de violência, “não são simplesmente
"dominadas" pelos homens ou meras "vítimas" da violência conjugal”, devendo ser
considerado o fato de que “os relacionamentos conjugais são de parceria e que a violência
pode ser também uma forma de comunicação, ainda que perversa, entre parceiros” (2005, p.
24).
Segundo Santos e Izumino (2005) essa pesquisa provoca impacto nos movimentos
feministas que lidam com a violência contra a mulher e também no campo teórico. As autoras
entendem que a relativização do “binômio dominação-vitimização” inaugura “um dos debates
44
mais importantes que acompanha os estudos feministas sobre violência contra as mulheres no
Brasil desde o início dos anos 90”. Informam as autoras que a nova concepção teórica
provoca reações contrárias no movimento de mulheres, mas aos poucos algumas organizações
vão incorporando novas formas de abordar o problema, inclusive alterando a expressão
“vítimas de violência” para “mulheres em situação de violência”, nos atendimentos.
Santos e Izumino concordam a respeito da importância dessa nova visão do fenômeno
da violência: “É necessário relativizar o modelo de dominação masculina e vitimização
feminina para que se investigue o contexto no qual ocorre a violência”. Entretanto, tecem
diversas críticas a este trabalho no sentido de que Gregori não incorpora em sua análise
“qualquer referência ao poder”, além de não examinar os contextos no qual a violência se
insere, bem como não “situa as cenas em seu contexto social mais amplo e não discute as
queixas no contexto institucional do atendimento que é prestado pelas feministas […]
desconsiderando-se a influência desses dois contextos possam exercer na produção das
queixas” (2005).
Santos e Izumino (2005) destacam as pesquisas realizadas por Brandão e Izumino,pelas
quais se busca compreender os significados do movimento empreendido pelas mulheres nas
“queixas” e “retirada da queixa”. Na pesquisa de Brandão (apud SANTOS e IZUMINO,
2005) verificou-se que “para as mulheres, a suspensão da queixa é um instrumento de
negociação com o parceiro, com vistas à manutenção, transformação ou dissolução da relação
conjugal”. Já na “ótica institucional, a suspensão da queixa reforça uma visão policial de que
violência contra as mulheres não é crime”. Izumino “propõe uma análise do papel das
mulheres na condução das queixas e dos processos penais”. Conclui que “há diferenças
significativas entre os depoimentos prestados pelas mulheres nas diferentes fases de muitos
processos e analisa a forma como essas diferenças influem nas decisões judiciais”.
Santos e Izumino (2005, p. 14) concluem pela insuficiência da noção de dominação
patriarcal “para dar conta das mudanças que vem ocorrendo nos diferentes papéis que as
mulheres em situação de violência têm assumido”. Defendem a abordagem de que a violência
contra as mulheres é uma relação de poder, dinâmica e relacional, ainda que de forma
desigual, mas “não de forma absoluta e estática” como faz crer a abordagem da dominação
patriarcal.
Em consonância com as análises de Santos e Izumino (2005), entende-se nesta pesquisa
que a perspectiva de Gênero, trabalhada em seu sentido relacional, possibilita lançar o olhar
45
para o contexto mais amplo da violência e uma melhor compreensão dos significados das
“queixas”, e, por conseguinte do fenômeno em toda a sua complexidade e extensão. Cabe
destacar que a presente pesquisa busca conhecer as práticas judiciárias aos casos de violência
doméstica contra a mulher no contexto de aplicação da Lei Maria da Penha, e assim seus
significados nesses espaços e os reflexos para as mulheres em situação de violência.
Sem dúvida, dar voz às mulheres e buscar garantias para que denunciem a violência
tem se constituído em pauta constante das lutas feministas contra o fenômeno social da
violência doméstica. E, nesse sentido, parece caminhar a LMP que institui medidas
preventivas, inova com a criação dos Juizados especiais de competência mista: familiar e
penal; dita procedimentos a serem observados nas Delegacias de Atendimento à Mulher; entre
outras medidas.
2.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NO PLANO INTERNACIONAL
DE DIREITOS HUMANOS
Nesse tópico, pretende-se mostrar, de forma sucinta, como o tema da violência contra as
mulheres, em especial a violência doméstica, passou a integrar a pauta dos direitos humanos
no plano internacional, e conhecer como as Convenções CEDAW e Belém do Pará,
documentos de direitos humanos que fundamentaram a Lei Maria da Penha, tratam essa
questão.
2.2.1 Os Direitos Humanos Universais e os Direitos Humanos das Mulheres
O sistema de proteção dos direitos humanos surgiu no âmbito do Direito Internacional,
cuja finalidade, em sua origem, restringia-se à proteção das relações entre os Estados. Nesse
marco jurídico, cabia aos Estados a proteção de seus jurisdicionados, não se concebendo a
46
intromissão de um País nas relações internas de outro, para esse propósito. O embrião do
sistema de proteção dos direitos humanos no plano internacional surge após a Primeira Guerra
Mundial com a criação da Liga das Nações, na medida em que conclama os Estados a garantir
os direitos sociais de seus cidadãos, em especial, os direitos trabalhistas. Dessa forma, o
Direito Internacional que tinha por objetivo a proteção dos interesses dos Estados, passa a
incorporar em seus Tratados e Convenções, os interesses dos cidadãos (PIOVESAN, 2009).
Após a Segunda Guerra Mundial e da constatação dos horrores que ela provocou
(PIOVESAN, 2009; QUINTANA, 2005), fica patente a incapacidade de os Estados
garantirem aos seus cidadãos o direito mais básico, inerente a todo ser humano: o direito à
vida. Nesse contexto histórico, surge a Organização das Nações Unidas (ONU) contendo, em
seu bojo, órgãos com o objetivo de restabelecer a fé nos princípios fundamentais do ser
humano, na igualdade entre homens e mulheres e na dignidade da pessoa humana (ONU,
1948). Conforme Quitana (2005), a dignidade e o valor da pessoa humana, a igualdade de
direitos entre homens e mulheres deixam de fazer parte apenas da soberania dos Estados e
passam a integrar a ordem pública internacional. Para essa autora, em matéria de direitos
humanos, os Tratados têm um objetivo comum que é a proteção desses direitos (QUINTANA,
2005).
O alcance dessa proteção se amplia, na medida em que o indivíduo passa a ser
compreendido, não só como objeto de proteção, mas, também, sujeito de direitos no plano
internacional de direitos humanos, onde se delineam os instrumentos processuais que
permitem aos indivíduos recorrer aos órgãos internacionais de direitos humanos contra atos
do Estado (PIOVESAN, 2009). A via postulatória no sistema de proteção internacional dos
direitos humanos foi utilizada por Maria da Penha Fernandes, em caso célebre de violência
doméstica no Brasil e de imensa repercussão no cenário nacional.
Os Tratados e Convenções são normas sobre determinado tema que os Estados-Partes
elaboram, subscrevem e ratificam, voluntariamente, cada um, obrigando-se a cumprir o que
foi acordado. Assim, somente tem caráter obrigatório para os Estados-Partes que o
subscrevem e ratificam. No âmbito brasileiro, as normas de incorporação dos Tratados e
Convenções estão delineadas na Constituição Federal. Elas regulam a atuação inicial do
Executivo na formulação de documentos internacionais de direitos humanos, bem como a
apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional, para que possam integrar o ordenamento
jurídico interno. Entretando, conforme alerta Barsted (1994), não se pode perder de vista os
limites das declarações formais, pois, para os Estados-Partes e, como o Brasil, tem sido
47
simples assinar Tratados e Convenções e elaborar leis afinadas com princípios democráticos,
“no entanto, há uma enorme distância entre direitos formalmente reconhecidos e práticas e
costumes que vigoram com força na sociedade e não encontram ações efetivas do Estado para
desestimulá-los ou reprimi-los” (BARSTED, 1994, p. 234).
Embora os primeiros documentos sejam a base da proteção internacional dos direitos
humanos e contenham normas para a promoção da igualdade entre homens e mulheres na
família, revelaram-se insuficientes para conferir proteção específica às mulheres,
notadamente, em situação de violência. Era necessário que os documentos de direitos
humanos fossem mais além do que prover os cidadãos de “garantias” contra o próprio Estado,
pois conforme Silvia Pimentel e Valéria Pandjiarjian (2000, p. 109): “quem espanca,
assassina, violenta, tortura as mulheres não é o Estado e sim, seus pais, maridos,
companheiros ou homens desconhecidos”. Dessa forma, há uma ampliação da
responsabilidade do Estado, não só em relação aos seus agentes que devem conhecer e
respeitar as normas internacionais de direitos humanos, mas, também, a obrigação da devida
vigilância, mediante políticas públicas, para que as violações desses direitos não ocorram
entre particulares.
- A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW)
Em resposta às reivindicações do movimento de mulheres, foi adotada em 1979, no
âmbito da ONU, a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher, mais conhecida pela sua sigla em inglês CEDAW.
Dois eventos impulsionaram essa Convenção: a declaração do ano de 1975, como o
Ano Internacional da Mulher e a realização da Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher,
quando o movimento de mulheres reivindicou, junto à ONU, a criação de uma norma
específica de proteção às mulheres (PIOVESAN, 2009). Após sua aprovação, diversos países
ratificaram essa Convenção (cerca de 185, até março de 2008); porém, inúmeras reservas
foram feitas a sua aplicação. A declaração de “reserva” pelo Estado-Parte significa a
comunicação, pelo País, de que a Convenção não será integralmente aplicada, mencionando
os dispositivos e as razões pelas quais são apostas tais reservas. Segundo José Augusto
48
Lindgren Alves, a quantidade de reservas feitas a essa Convenção quanto à eliminação da
discriminação no casamento e na família (Artigo 16); sobre a possibilidade de adoção de ação
afirmativa (Artigo 4º); sobre a eliminação de preconceitos e estereótipos (Artigo 5º), entre
outros, “transforma a adesão ao instrumento por parte de alguns países, num ato despiciendo,
senão um embuste” (apud PIOVESAN, 2009, p. 196). O Brasil, ao ratificar essa Convenção
em 1984, fez reservas à aplicação dos artigos 15, § 4º e 16, § 1º (a), (c), (g) e (h) 25 que tratam
da igualdade no casamento e o princípio da não-discriminação na família. Essas reservas
foram retiradas em 1994 (BRASIL, 2010).
Considerando que em 1984 vigorava no Brasil o Código Civil de 1916 e com ele,
diversas normas discriminatórias às mulheres, em especial, a parte referente ao casamento e
que um dos compromissos básicos dos Estados-Partes, quando ratificam uma Convenção ou
Tratado é modificar leis internas que se revelem discriminatórias, as reservas apostas pelo
Brasil não tinham outro significado senão deixar claro o desinteresse de, pelo menos na
oportunidade da ratificação da Convenção, alterar essas normas. Diante disso, depreende-se a
importância da positividade dos direitos humanos, no âmbito internacional (BARSTED, 1994;
ROMÃO, 2004; FÁLCON, 2002). No entanto, é apenas o primeiro passo para romper com
padrões culturais de desigualdade entre homens e mulheres, legitimados pela Lei.
Conforme Piovesan (2009, p.197) as reservas feitas pelos Estados-Partes no que se
refere à igualdade na família teve por fundamento argumentos religiosos, cultural ou mesmo
legal, sendo que alguns países, que assinaram a Convenção, acusaram o Comitê CEDAW de
praticar “imperialismo cultural e intolerância religiosa”. Para essa autora, isso mostra “o
quanto a implementação dos direitos humanos das mulheres está condicionada à dicotomia
entre os espaços público e privado”.
No âmbito do Brasil, o Movimento de Mulheres recorrendo à Convenção CEDAW,
como fundamento jurídico, alcançou diversas demandas na Constituinte de 1988, em especial,
25
Cf. Artigo 15: 1. Os Estados-Partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei. [...] 4. Os
Estados-Partes concederão ao homem e à mulher os mesmos direitos no que respeita à legislação relativa ao
direito das pessoas, à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio. Artigo 16. 1.
Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em
todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e, em particular, com base na igualdade
entre homens e mulheres, assegurarão: (a) o mesmo direito de contrair matrimônio; (c) os mesmos direitos e
responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos
os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial; (g) os mesmos direitos pessoais como
marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação; (h) os mesmos direitos a
ambos os cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens,
tanto a título gratuito quanto a título oneroso. (PIOVESAN, 2009, p. 447-448).
49
a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações e a previsão da obrigação de o
Estado coibir a violência nas relações familiares, mediante a criação de mecanismos de
assistência a cada um de seus membros.
Segundo Pimentel (2005), no contexto histórico de aprovação da Convenção CEDAW,
não houve espaço para tratar especificamente da violência doméstica. O movimento de
mulheres internacional criticou fortemente a aprovação desta Convenção pela omissão em seu
texto da questão da violência contra a mulher, mesmo assim as integrantes do movimento
feminista brasileiro passaram a incidir sobre os governos estaduais em busca de mecanismos
de combate à violência (NEGRÃO, 2006). Posteriormente, o Comitê CEDAW suprimiu essa
omissão, por intermédio da Recomendação nº 19/92 (item 6), pela qual definiu a violência
contra a mulher como uma forma de discriminação, ou seja, a violência dirigida contra ela,
pelo simples fato de ser mulher, e que a afeta de forma desproporcional. Nesse documento,
percebe-se a tendência do Comitê em relacionar a violência contra a mulher como fenômeno
social complexo e universal, bem como uma questão de saúde pública, que impõe obrigações
aos Estados-Partes para a sua eliminação26.
A partir da aproximação dos órgãos de fiscalização de direitos humanos da ONU com a
realidade da violência contra a mulher, revelada nas informações estatais e de organizações
não-governamentais dos diversos países, verificou-se que tal fenômeno ocorre em graus e
formas diferenciadas em cada Estado-Parte.
Em 1993, a Assembléia Geral da ONU adota a Declaração sobre a Eliminação da
Violência contra a Mulher, definindo essa violência como sendo “qualquer ato de violência,
baseado no gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou em
sofrimento para a mulher, inclusive as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da
liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou privada” (PIOVESAN, 2009, p. 200).
Esta declaração, demarcando a prioridade que o tema da violência contra a mulher passa
a ter no âmbito da ONU, desvela “a vida real” da família, como local passível de ocorrer tal
violência, rompendo com a tradicional dicotomia público e privado e enfatiza o dever de o
26
Conforme Recomendação Geral nº 19/1992: “23. La violencia en la familia es una de las formas más
insidiosas de violencia contra la mujer. Existe en todas las sociedades. En las relaciones familiares, se somete a
las mujeres de cualquier edad a violencia de todo tipo, como lesiones, violación, otras formas de violencia
sexual, violencia mental y violencia de otra índole, que se ven perpetuadas por las actitudes tradicionales. La
falta de independencia económica obliga a muchas mujeres a permanecer en situaciones violentas. La negación
de sus responsabilidades familiares por parte de los hombres puede ser una forma de violencia y coerción. Esta
violencia compromete la salud de la mujer y entorpece su capacidad de participar en la vida familiar y en la
vida pública en condiciones de igualdad”. (ONU, 1992).
50
Estado-Parte coibir tais práticas, não podendo recorrer aos costumes de seus países para
eximir-se de tal obrigação (PIOVESAN, 2009). Ressalta-se que essa declaração define a
violência contra a mulher como uma questão de gênero.
Informa Machado (1995, p. 416) que o conceito de gênero foi gerado a partir da
perspectiva de desconstrução de ideias, naturalizadas do que é ser homem e ser mulher, para a
concepção de que a construção das identidades resulta de um “processo social e cultural que
trabalha sobre as diferenças biológicas entre homens e mulheres”. Nessa acepção, foi aceito,
sem muita resistência, no âmbito da positivação dos direitos humanos das mulheres em nível
internacional. Contudo, alerta para o fato de que esse conceito, já reconhecido pelas
delegações da ONU, começou a sofrer sérios riscos de retrocesso quando o tema passou a ser
os direitos sexuais reprodutivos das mulheres.
De acordo com Machado (1995, p. 417), as reuniões preparatórias para a IV
Conferência da Mulher, em Beijing, mostraram com toda evidência, a imensa resistência de
alguns países em adotar o conceito de gênero. Porém, mais que isso, para a autora, essas
reuniões mostraram o potencial político desse conceito, pois cada país o interpretava como
melhor lhe convinha. De um lado, um grupo de países defendia, de forma intransigente, uma
leitura do conceito gênero, no sentido de ruptura total com a construção biológica, aceitando,
portanto, formas diferenciadas de construção de identidades, diferentes opções sexuais e
pluralidade de famílias. De outro, países que não aceitavam tal pluralidade, nem de
identidades e muito menos de organização familiar. Para esse segundo grupo, o gênero, nessa
acepção, coloca em risco a heteronormatividade, a ideia de “mulher”, levando ao desrespeito
a ideia de família.
Toda essa discussão traz à tona o debate sobre a universalidade dos direitos humanos
versus relativismo cultural. Esse debate questiona até onde os Estados-Partes se obrigam,
perante a comunidade internacional, a relativizar os padrões culturais intrínsecos a cada País,
em nome da universalidade dos direitos humanos. Sem adentrar nessa discussão, importa
registrar no presente trabalho, que esse debate avançou para o entendimento de que deve ser
respeitada a multiculturalidade; porém, há determinados temas, un núcleo duro de direitos - o
direito à vida, por exemplo, em que não se permite transigir (FALCON, 2002). A partir desta
compreensão, e considerando que a violência contra a mulher é um atentado à sua integridade
física e psicológica, é inquestionável que o direito das mulheres a não violência se insira no
núcleo de obrigações a que os Estados-Partes não podem se escusar de atuar para a
erradicação.
51
A Plataforma de Beijing, em 1995, não obstante as divergências, reafirmou a prioridade
do tema da violência contra a mulher, no plano internacional e o dever de o Estado adotar
medidas efetivas na sua prevenção e erradicação, bem como reafirmou a declaração da
violência contra a mulher como violação de direitos humanos, proclamada na Conferência de
Viena, em 1993. A seguir, serão apresentados os principais ganhos para as mulheres em
situação de violência, contemplados nesta Conferência.
- A Conferência de Viena, de 1993, e a declaração de que a violência contra a mulher
constitui uma das formas de violação de direitos humanos das mulheres
A Declaração de Viena, de 1993, e o Programa de Ação de Viena, chamam a atenção da
comunidade internacional para a questão dos direitos das mulheres, em especial, para o grave
problema da violência contra a mulher, em todo o mundo. Com esse intuito, declara:
18. Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e
constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. A
plena participação das mulheres, em condições de igualdade, na vida
política, civil, econômica, social e cultural nos níveis nacional, regional e
internacional e a erradicação de todas as formas de discriminação, com base
no sexo, são objetivos prioritários da comunidade internacional.
A violência e todas as formas de abuso e exploração sexual, incluindo o
preconceito cultural e o tráfico internacional de pessoas, são incompatíveis
com a dignidade e valor da pessoa humana e devem ser eliminadas [...]
(ONU, 1993, item 18). (grifo nosso)
Barsted (1994, p. 238), ressalta o ganho político da Declaração de Viena em nível
internacional, considerando que os documentos gerais de direitos humanos, embora
garantissem proteção aos seres humanos, em geral, não permitiam visualizar o impacto de
questões específicas que atingiam, em grande medida, apenas uma parte da humanidade - as
mulheres27, e, em nível interno, na medida em que “incorporar os direitos das mulheres no
27
Conforme Barsted (1994, p.237-238): “Quando, em 1948, as Nações Unidas elaboraram a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a categoria “humanos” deveria exprimir a espécie humana, o conjunto de
52
interior dos direitos humanos, significa alterar praticamente todas as normas, a partir de uma
perspectiva de gênero”.
Além da declaração de que a violência contra as mulheres constitui uma violação de
direitos humanos, devendo os Estados-Partes atuar positivamente para coibi-la, a Declaração
de Viena introduz a transversalidade de gênero (MEDINA, 2003)28 na aplicação das normas
de direitos humanos por parte dos órgãos responsáveis pelo seu cumprimento, conforme se
observa do trecho abaixo:
42. Os órgãos criados em virtude de tratados devem incluir a questão da
condição das mulheres e dos direitos humanos das mulheres em suas
deliberações e verificações, utilizando, para esse fim, dados discriminados
por sexo.
A Divisão para a Promoção da Condição da Mulher também deve tomar
medidas, em regime de cooperação com outros organismos das Nações
Unidas, particularmente com o Centro de Direitos Humanos, para garantir
que as atividades de direitos humanos das Nações Unidas abordem
regularmente os direitos humanos das mulheres, particularmente os abusos
motivados pela condição feminina. Deve-se estimular o treinamento de
funcionários das Nações Unidas especializados em direitos humanos e ajuda
humanitária para ajudá-los a reconhecer e fazer frente a abusos de direitos
humanos e desempenhar suas tarefas sem preconceitos sexuais. […] (grifo
nosso) (ONU, 1993, item 42).
A violência contra a mulher passa, então, de fato, a integrar a pauta de outros órgãos da
ONU, fiscalizadores do cumprimento das Convenções e Tratados de Direitos Humanos,
ultrapassando o âmbito exclusivo do Comitê CEDAW. Com essa intenção, a Comissão de
Direitos Humanos nomeou Radhika Coomaraswamy (Sri Lanka) como Relatora Especial de
uma Comissão Especial destinada a conhecer a violência contra a mulher no mundo, suas
homens e mulheres. No entanto, a interpretação que historicamente tem sido dada a essa categoria tende a não
incorporar as questões específicas da outra metade da humanidade: as mulheres. Dessa forma, dar uma
interpretação extensiva à categoria “humanos”, como a outras (cidadãos) tem sido uma questão prioritária para
o movimento feminista nacional e internacional”.
28
Conforme (MEDINA, 2003, p. 1) ECOSOC ha definido la transversalización de la perspectiva de género
(gender mainstreaming) en sus conclusiones acordadas 1977/2 de la siguiente manera: “Transversalizar la
perspectiva de género es el proceso de evaluar las implicancias para mujeres y hombres de cualquier acción
planificada, incluyendo legislación, politicas y programas, en todas las áreas y en todos los níveles. Es una
estrategia para hacer que las preocupaciones y experiencias de las mujeres así como también de los hombres
constituyan una dimensión integral del diseño, implementación, monitoreo y evaluación de politicas y
programas en todas las esferas politicas, económicas y sociales de modo que las mujeres y los hombres se
beneficien por igual y la desigualdad no sea perpetuada. El fin ultimo es alcanzar la igualdad de los géneros
(A/52/3)”.
53
causas e consequências. Esse trabalho foi realizado a partir de solicitação de Relatórios aos
Estados-Partes, a outros órgãos da ONU, que tratam dos direitos das mulheres, a organizações
não governamentais, com a inclusão de organização de mulheres e outros órgãos, criados em
virtude dos Tratados de Direitos Humanos.
Silvia Pimentel (2005) ressalta o trabalho da Relatora Radhika Coomaraswamy à frente
desse levantamento promovido pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, em que se
descortinou um quadro de graves violações aos direitos das mulheres em diversos países, e
levou a Comissão a ser mais incisiva em “cobrar” ações dos Estados, mediante a
implementação de políticas públicas para erradicar a violência que acomete às mulheres, entre
elas, uma lei específica sobre o tema.
Nesse trabalho, foram identificadas três esferas de violência contra a mulher (ONU,
1994; 1996):
a) la violencia en la familia (inclusive la violencia doméstica, las prácticas
tradicionales, el infanticídio, el incesto, etc);
b) la violencia en la comunidad (inclusive la violación, el acoso sexual, el
hostigamiento sexual y la violencia comercializada como el tráfico de
mujeres, la prostitución, la explotación laboral, la pornografia, las
trabajadoras migrantes, etc.);
c) la violencia del Estado (inclusive la violencia contra la mujer presa y
detenida y la violencia contra la mujer en situaciones de conflictos armados
y contra las refugiadas).(ONU, 1994; 1996).
Segundo a Relatora, as mulheres estão mais expostas à violência por sua sexualidade
feminina (estupro, mutilação genital); por sua relação com os homens (violência doméstica)
ou porque pertencem a um grupo social em que se usa a violência contra a mulher para
humilhar todo o grupo (violações durante conflito armado ou lutas étnicas) (ONU, 1994, item
48). Ainda, conforme a Relatora, o sistema de domínio masculino tem raízes históricas, varia
com o tempo, não é natural nem nasce do determinismo biológico” (ONU, 1994, item 49).
Com base nessas premissas, entende a Comissão de Direitos Humanos da ONU que:
[...] la opresión de la mujer es una cuestión de política y es necesario analizar
las instituciones del Estado y la sociedad, el condicionamiento y la
socialización de los individuos y el carácter de la explotación económica y
social. El uso de la fuerza contra la mujer es sólo uno de los aspectos de este
fenómeno, que la somete por la intimidación y el miedo. (ONU, 1994, item
50). (grifo nosso)
54
Pelo trabalho desenvolvido pela Comissão de Direitos Humanos, fica patente a
dimensão social, cultural e política da violência que atinge as mulheres, elevando-se à
condição de fenômeno social complexo que exige cada vez mais a presença do Estado em
diversas frentes para erradicá-la.
O Comitê CEDAW, analisando o Relatório enviado em 2002 pelo Brasil, por meio da
Secretaria de Políticas para as Mulheres vinculada ao Governo Federal, avalia que a situação
de violência doméstica contra as mulheres não está sendo suficientemente enfrentada e
recomenda, entre outras ações, a adoção de legislação específica para tratar do problema, bem
como formas de monitoramento para avaliação de sua efetividade (CONSÓRCIO DE ONGs,
2005). O Compromisso da Secretaria de Políticas para as Mulheres (2004) perante o Comitê
CEDAW, na questão da violência contra as mulheres, é reafirmado no ano seguinte quando
declara que:
[...] apoiará oficialmente a continuidade do trabalho de um grupo de
organizações não-governamentais feministas que está elaborando proposta
legislativa a ser encaminhada ao Congresso Nacional, voltada para prevenir
e coibir este tipo de violência e assegurar proteção às suas vítimas.
O Comitê CEDAW, por sua vez, no ano de 2007, nas observações finais ao sexto
informe periódico do Brasil, elogia a atitude do País em atender às recomendações
anteriormente feitas, no sentido de adoção de uma lei específica contra a violência doméstica,
a Lei Maria da Penha, porém mostra-se preocupado com o fato que a sociedade em geral,
ainda não reconheça esta forma de violência como uma violação de direitos humanos (ONU,
2007).
Preocupa ao Comitê que, somente raras vezes, tenham-se invocado as disposições da
Convenção em causas judiciais, o que revela desconhecimento da mesma nas práticas
judiciárias. Com a finalidade de promover essa inserção, o Comitê exorta que o Brasil cuide
para que essa Convenção e as normas internas conexas façam parte integral do ensino e
formação profissional de servidores públicos, ligados ao Judiciário, incluindo juízes,
advogados, promotores e defensores públicos, como também integrem Currículo das
Universidades, para construção de uma cultura judicial, com bases firmes no País, que
respalde a igualdade entre os gêneros e a não-discriminação (ONU, 2007, item 16).
55
Segundo Kato (2003, p. 16-17), cumpre aos operadores do direito o desafio de
“colaborar para que o Direito se converta em instrumento transformador na vida cotidiana de
mulheres, homens e crianças”. Para tanto, entende a autora que “certas dificuldades” devem
ser superadas, como a falta de formação acadêmica em Direitos Humanos; o acesso às fontes
do Direito Internacional de Direitos Humanos; e, para sua aplicação, “a necessidade de
compreensão de que o juiz é agente político de transformação social e que a tarefa de
aplicação da lei envolve uma postura crítica e conhecimento da realidade social”.
2.2.2 O Sistema de Proteção dos Direitos Humanos das Mulheres em âmbito Regional,
na Organização dos Estados Americanos (OEA)
Conforme já mencionado, as normas estabelecidas nas Convenções ou nos Tratados são
o ponto de partida para a universalização dos direitos humanos. Porém, são as normas
consuetudinárias, constantes da Doutrina e Jurisprudência, que vão orientar a aplicação dos
documentos internacionais de direitos humanos aos casos concretos (QUIROGA, 2005).
Nesse sentido, a autora cita como exemplo os casos Haiti (1995) e Raquel Martins Mejia
(1996), julgados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e que definiram a
violência sexual como violação dos direitos humanos.
No caso brasileiro, a submissão do caso Maria da Penha Fernandes à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos contra a morosidade do Sistema de Justiça em apurar e
condenar atos de violência doméstica (tentativa de homicídio), cometidos pelo seu ex-marido,
e a resposta da Comissão recomendando que o Estado adote medidas para que casos
semelhantes não se repitam, foi utilizado como um dos fundamentos para revisar a legislação
brasileira acerca da violência contra as mulheres29.
29
Maria da Penha Fernandes tornou-se símbolo de resistência na luta contra a violência doméstica no País, pois
não se conformou com o tratamento dado pela Justiça à tentativa de homicídio praticado pelo seu ex-marido
que a deixou paraplégica. O processo já quase prescrevendo pela morosidade da Justiça brasileira foi levado à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, por intermédio das Organizações Não
Governamentais CLADEM e CEJIL A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA recomendou
ao Estado brasileiro indenizar Maria da Penha e adotar medidas efetivas contra a violência doméstica no País.
Informações adicionais sobre o caso Maria da Penha podem ser obtidas: Histórico da Lei Maria da Penha,
Disponível em:< http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha; “AMICI CURIAE na Ação Declaratória de
56
Da mesma forma que o sistema global de proteção aos direitos humanos (ONU), o
sistema regional (OEA) declara que a família é o elemento fundamental da sociedade,
devendo, por isso, receber proteção da Sociedade e Estado. Assim, os primeiros documentos
no âmbito da OEA tiveram por objetivo a proteção da família, nada explicitando sobre a
violência contra as mulheres que ocorre em suas relações.
Anos mais tarde, surge, no âmbito da OEA, o primeiro normativo específico voltado
para erradicar a violência contra a mulher: a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção Belém do Pará). A elaboração desta
Convenção partiu das integrantes da Comissão Interamericana de Mulheres (CIM). Esta
Comissão, de caráter intergovernamental, integra a OEA como órgão especializado; compõese de representantes nomeadas pelos governos participantes da OEA e atua como órgão
técnico especializado de assessoramento nas questões referentes aos direitos das mulheres na
região.
A formação da CIM é antiga e remonta à época da constituição da OEA. Nessa ocasião,
um grupo de mulheres reuniu-se com o propósito de reivindicar o direito de voto e a
modificação da condição jurídica da mulher nos países panamericanos, convencidas de que,
no âmbito internacional, obteriam um aliado, frente às resistências de seus governos:
Las mujeres, que se estaban organizando ya a nivel nacional, habían
comprendido que la desigualdad basada en el género no sólo exitia en sus
países sino en todo el hemisfério. Confiaban que al tratar estos temas en el
ámbito internacional lograrían obtener mayor influencia frente a sus propios
gobiernos. Por el año 1920, la mujer activista pensaba que su mejor
“oportunidad para lograr reformas era a través de la adopción de
resoluciones que obligaran a los gobiernos a tratar el tema en el plano
nacional”. (OEA. Comisión Interamericana de Mujeres. La emancipación de la
mujer a través de la educación. In História de la Comisión Interamericana de
Mujeres. (Disponível em:<http://www.oas.org/cim/Spanish/HistoriaInd.htm>).
Essa Comissão teve participação destacada na iniciativa e elaboração de diversos
documentos internacionais, no âmbito da OEA, que tratam dos direitos das mulheres, entre os
quais, destaca-se a Convenção Sobre a Nacionalidade da Mulher, em 1933, “a primeira a
Insconstitucionalidade
ADC
19”>,
Disponível
em:<
http://www.cladem.org/index.php?option=com_content&view=article&id=458%3Aconstitucionalidad-de-laley-maria-da-penha&catid=96&Itemid=328>.
57
tratar do direito de igualdade entre homens e mulheres no âmbito internacional” 30, e mais
recentemente, em 1994, a Convenção Belém do Pará. Para as integrantes dessa Comissão:
La violencia contra la mujer, en todas sus formas, es una preocupación muy
seria de los movimientos contemporáneos feministas en las Américas. El
reconocimiento del problema, después de haber sido ignorado por tantos
años, se ha convertido en una prioridad para la CIM.
En 1990 la CIM convocó a la Consulta Interamericana sobre la Mujer y la
Violencia. Esta reunión extraordinaria para tratar específicamente el tema de
la violencia que afecta a la mujer, definió el problema de la siguiente
manera:
En su sentido más amplio, se entiende que la violencia comprende la
agresión física, sexual y sicológica contra la mujer. No respeta ningún
sector de la sociedad, y aunque el predominio de este problema puede
parecer un fenómeno reciente, o de mayor ocurrencia actual... este aumento
aparente de la violencia tiene su origen básicamente en el hecho de que el
tema de la violencia contra la mujer ya no está escondido ni es prohibido.
[...]
Una vez más, la CIM es el primer organismo internacional en impulsar a los
cuerpos políticos internacionales a que brinden atención especial a un tema
que no sólo es de gran importancia para la mujer sino también para el
bienestar de una sociedad democrática. (OEA. Comisión Interamericana de
Mujeres. In História de la Comisión Interamericana de Mujeres. Convención
Interamericana para Prevenir, Sancionar y Erradicar la Violencia contra la Mujer1994. Disponível em http://www.oas.org/es/cim/docs/BriefHistory[SP].pdf)
Pela primeira vez, insere-se em uma Convenção, de caráter obrigatório para os países
que a subscrevem e ratificam, que a violência contra a mulher é uma violação de direitos
humanos. A adoção da Convenção Belém do Pará marca a entrada da perspectiva de gênero
no sistema interamericano “una verdadera redefinición del derecho interamericano sobre
derechos humanos para aplicarlo con una orientación concreta de género” (OEA, 1998, p. 7).
Segundo a Comissão Interamericana, a adoção dessa Convenção refletiu um poderoso
consenso entre atores, estatais e não estatais: que a luta em oposição à violência contra a
mulher exige ações concretas e garantias efetivas.
A Lei Maria da Penha, inspirada na Convenção Belém do Pará, também transversaliza
gênero no Direito Interno, levando para as práticas dos Tribunais, a discussão desse “novo”
instrumental teórico, para o campo do Direito31. Cabe assinalar que a definição de violência
30
Cf.
História
de
la
Comisión
Interamericana
de
Mujeres
(CIM).
Disponível
em:<
http://www.oas.org/cim/Spanish/HistoriaInd.htm)>.
31
Cf. Decreto nº 1.973, de 1996, publicado no DOU de 02.08.1996, a Convenção Belém do Pará foi ratificada
pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.
58
de gênero na Convenção é muito mais abrangente que a definição trazida pela Lei Maria da
Penha, que se restringe àquelas ocorridas nas relações doméstico-familiares e afetivas:
Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher
qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como
na esfera privada.
Artigo 2
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e
psicológica:
a. ocorre no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação
interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua
residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso
sexual;
b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre
outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem
como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro
local; e
c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
Para as operadoras do direito, integrantes do Movimento de Mulheres que enunciaram
o debate sobre uma lei de violência doméstica no País, a Convenção CEDAW e a Convenção
Belém do Pará estabeleceram de forma clara a obrigação de o Estado adequar a legislação
vigente aos princípios dessas Convenções. De acordo com as integrantes desse grupo,
somente uma lei nova e específica para abarcar a complexidade dos delitos de violência
doméstica teria o condão de transformar a realidade da violência doméstica contra as
mulheres, algo que a Lei nº 9.099/95 não logrou alcançar em dez anos de vigência
(BARSTED, 2010).
Nota-se, portanto, a articulação do movimento de mulheres brasileiras com os avanços
normativos em âmbito internacional de direitos humanos, no tocante à violência contra a
mulher e, em especial, a violência doméstica.
59
3 A LEI BRASILEIRA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A
MULHER: CRIAÇÃO E APLICAÇÃO
Rompe-se com a lei 9.099/95 por considerar que a violência doméstica
contra as mulheres não é crime de menor potencial ofensivo
e expressa relações de poder.32
Neste capítulo será mostrado o percurso de elaboração da Lei de Violência Doméstica
contra a Mulher, denominada Lei Maria da Penha, desde as primeiras discussões pelo grupo
de operadoras do direito feministas, perpassando o Executivo e Legislativo até sua
publicação. O objetivo foi evidenciar a articulação do Movimento de Mulheres e os Poderes
constituídos para que uma Lei específica para esses casos se tornasse possível. A elaboração
deste capítulo teve por base fontes documentais, em especial, a leitura de artigos a respeito da
formação do Consórcio de ONGs e documentos constantes do projeto de lei que tramitou no
Legislativo, como exposição de motivos, relatórios, pareceres, avulsos, áudio das sessões
deliberativas das Comissões e Plenário, bem como áudios dos Seminários realizados na
Câmara dos Deputados, em 2003, intitulado “A Violência Doméstica” e, em 2005, intitulado
“Violência contra a Mulher: um ponto final”.
A segunda parte deste capítulo foi destinada a mostrar as principais convergências da
Lei Maria da Penha ao projeto inicial de elaboração da Lei e, ao final, foi apresentado o
Superior Tribunal de Justiça, cujas decisões, nos casos de violência doméstica contra a
mulher, nos primeiros quatro anos de vigência da Lei Maria da Penha, constituem o objeto
desta pesquisa.
32
Cf. Barsted (2003, p. 15).
60
3.1 O MOVIMENTO DE MULHERES NA CRIAÇÃO DA LEI DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
A rejeição à aplicação da Lei nº 9.099/95 aos casos de violência doméstica, pelo
movimento de mulheres, surgiu nos primeiros meses de sua vigência, ante à constatação de
que esta Lei não contribuía para a prevenção e erradicação da violência, pelo contrário,
agravava ainda mais o quadro de preconceito e discriminação contra as mulheres
(PASINATO, 2010, p. 19). Na avaliação dos movimentos que lidam com a violência
doméstica contra as mulheres, a Lei nº 9.099/95, criada para julgar os delitos de menor
potencial ofensivo, mas que não contou em sua elaboração com a participação feminista,
tornou-se a Lei de violência doméstica brasileira, considerando que aproximadamente oitenta
por cento dos casos apreciados nos Juizados Especiais Criminais (JECRims), tratavam de
casos de violência doméstica contra a mulher (BARSTED, 2001, p. 12).
Não obstante a avaliação precoce dos efeitos da aplicação da referida Lei aos casos de
violência doméstica, logo é confirmada pelos estudos acadêmicos acerca do funcionamento
dos Juizados Especiais Criminais (JECrims). Somente após seis anos de vigência da Lei nº
9.099/95, em 2001, um grupo de feministas operadoras do direito inicia a discussão a respeito
de uma nova lei, de caráter especial, a ser aplicada aos casos de violência doméstica contra as
mulheres.
O Grupo de estudos era formado por operadoras do direito, nessa fase, denominado de
Articulação de ONGs Feministas, e posteriormente, conhecido por Consórcio de ONGs.
Integravam este Grupo, as ONGs Cepia, Cfemea, Agende, Advocaci, Cladem/Ipê e Themis,
por meio de suas representantes advogadas feministas, Leila Linhares Barsted, Leilah Borges
da Costa, Elizabeth Garcez, Carmen Campos, Rubia Abs da Cruz, Silvia Pimentel, Juliana
Belloque, Valéria Pandjiarjian, Letícia Massula, Iáris Cortez, Myllena Matos, Rosana
Alcântara, Ester Kosoviski, Beatriz Galli; Rosana Alcântara. Este grupo contou com o apoio
das especialistas Rosane Reis Lavigne da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e
da Procuradora da República Ela Wiecko de Castilho, destacando-se as contribuições dos
advogados Salo de Carvalho, Alexandre Camara e Humberto Dalla, Adilson Barbosa e das
pesquisadoras Simone Diniz e Wania Pasinato (BARSTED; LAVIGNE, 2002; BARSTED,
2010).
61
As primeiras discussões realizadas pelo Grupo de Especialistas, para analisar o impacto
da Lei dos Juizados Especiais Criminais à violência contra as mulheres ocorreram na sede da
Organização Não-Governamental Cepia, ocasião em que o Grupo avaliou que “os melhores
esforços para aperfeiçoar a Lei nº 9.099/95 esbarram no marco ideológico dessa lei que não
incorporou a existência de relações de poder entre homens e mulheres, em especial no espaço
doméstico” (BARSTED, 2001, p. 12). Na avaliação do Grupo, a Lei nº 9.099/95 pressupõe
um delito eventual e, assim, tem seus méritos nesses casos, porém os delitos mais comumente
objeto de “denúncia” pelas mulheres, como lesão corporal e ameaça cometidos pelos seus
parceiros íntimos, não podem ter o mesmo tratamento, pois “longe de ser um fato isolado,
desenvolve-se durante anos e atinge as mulheres de forma contínua” (BARSTED, 2001, p.
12).
A partir da constatação de incompatibilidade dos procedimentos da Lei nº 9.099, de
1995, com os casos de violência doméstica, o grupo de advogadas feministas inicia o processo
de construção de uma nova legislação que incorpore a perspectiva de gênero, contenha
mecanismos de proteção e tenha por fundamento, a Convenção para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção Belém do Pará (BARSTED, 2001). O
objetivo era elaborar um anteprojeto e repassá-lo à Bancada Feminina no Congresso. No
entanto, conforme será mencionado, mais adiante, a aproximação com o Executivo também
foi uma opção adotada pelo Consórcio de ONGs.
Diversos encontros foram realizados pelo Consórcio de ONGs no ano de 2002, no Rio
de Janeiro e Brasília cuja metodologia de trabalho incluiu a análise dos efeitos da Lei nº
9.099/95 a partir das experiências de diversos grupos feministas com a prática da violência
contra as mulheres, análise de projetos em tramitação no Congresso Nacional33 e o estudo
comparado de leis especiais sobre violência doméstica, já existentes nos países
latinoamericanos (BARSTED e LAVIGNE, 2002)34, com o objetivo de “buscar uma resposta
legislativa adequada a tal problemática” (BARSTED, 2010). Esses estudos incluíram debates
com magistrados dos Juizados Especiais Criminais (JECrims) a partir da apresentação de uma
minuta de anteprojeto anteriormente elaborada pelo Consórcio. Conforme apontam Barsted e
Lavigne (2002, p. 27), esses debates foram importantes para detectar-se o grau de
sensibilidade dos operadores do direito na Justiça Criminal, em relação a uma nova lei de
33
34
Sobre algumas dessas propostas, ver Pimentel e Pierro (1993).
Quando o Brasil publicou a Lei de Violência Doméstica contra a Mulher dezessete outros países
latinoamericanos já haviam editado leis especiais contra esse tipo de violência.
62
proteção às mulheres e o consequente afastamento da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência
doméstica. A avaliação desses encontros pelo Consórcio foi positiva, “tendo contribuído de
forma valiosa para o avanço da discussão entre as operadoras feministas do direito que têm
debatido o aprimoramento do anteprojeto de lei da violência doméstica contra as mulheres”
(BARSTED e LAVIGNE, 2002, p. 27). Embora houvesse Juízes sensíveis a uma nova
legislação, havia também resistência por parte de alguns magistrados, em especial do Rio de
Janeiro, quanto ao afastamento da Lei dos Juizados Especiais Criminais (OBSERVE, 2009, p.
65).
Após dois anos de intensos estudos e debates, foi elaborada uma minuta de anteprojeto,
que, segundo suas propositoras, era apenas um início de debate que deveria se ampliar para o
movimento de mulheres, com parlamentares e membros da magistratura, entre outros atores
sociais (BARSTED e LAVIGNE, 2002). Essa minuta foi entregue à Bancada Feminina na
Câmara dos Deputados em novembro de 2003, durante o Seminário “A Violência
Doméstica”.
Por ocasião do Seminário, as palestrantes Leila Barsted e Silvia Pimentel, falando em
nome do Consórcio de ONGs, apresentaram alguns pontos da minuta do anteprojeto de lei
especial, formulado pelo Consórcio, entre os quais destacou-se o princípio que a violência
doméstica contra a mulher é uma violação de direitos humanos, não se constituindo, portanto,
em crime de menor potencial ofensivo. Não obstante o objetivo de retirar os delitos de
violência doméstica do rol dos delitos de menor potencial ofensivo, ressalta a palestrante
Silvia Pimentel (2003) que, de forma alguma, o Consórcio de ONGs defende a linha da
repressão penal, mas sim, a linha da efetiva proteção, que passa por medidas de ampla
assistência e prevenção às mulheres em situação de violência.
Ao apresentar o anteprojeto na Câmara dos Deputados e entregá-lo para a Bancada
Feminina, o Consórcio de ONGs deixa claro o interesse em que ela o adote como proposta
legislativa. Algumas Deputadas reconhecem a maior amplitude do projeto do Consórcio de
ONGs, mas mencionam a existência de outros projetos sobre o tema, já em tramitação na
Casa. Entre esses projetos, constava o PL nº 3, de 2003, de autoria da Deputada Iara Bernardi
(PT-SP), que veio a ser transformado na Lei nº 10.886, de 2004, criando o tipo especial de
lesão corporal qualificado pela violência doméstica, mediante acréscimo do § 9º ao art. 121,
do Código Penal.
63
3.1.1 O anteprojeto elaborado pelo Consórcio de ONGs
Constavam do anteprojeto, as seguintes propostas (CONSÓRCIO DE ONGs, 2005;
BARSTED, 2010):
- a criação de uma Política Nacional de combate à violência contra a mulher;
- a conceituação da violência contra a mulher com base na Convenção
Belém do Pará, incluindo a violência patrimonial e moral;
- medidas de proteção e prevenção às mulheres ofendidas;
- a criação de serviços públicos de atendimento multidisciplinar;
- a criação de um Juízo único com competência cível e criminal através de
Varas Especializadas, para julgar os casos de violência doméstica contra as
mulheres e outros relacionados;
- assistência jurídica gratuita para as mulheres;
- a não aplicação da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica contra
as mulheres.
O anteprojeto trouxe inovações para o ordenamento jurídico interno: previu
procedimentos cíveis e criminais; rompeu com a Lei nº 9.099/95, por entender que os delitos
de violência doméstica não são de menor potencial ofensivo, mas expressam relações de
poder; estabeleceu medidas protetivas de afastamento da ofendida, e estabeleceu diretrizes em
todos os níveis: Federal, Estadual e Municipal, para a criação de espaços institucionais que
garantam a segurança das mulheres em situação de violência (delegacias especiais, serviços
na área de saúde, serviços de atendimento jurídico e psicológico, casas abrigo, e outros), ou
seja, a ampliação dos serviços de atendimento que compõem a rede de proteção às mulheres
em situação de violência. Segundo Barsted (2003, p. 15), a proposta não prevê novos crimes
“e tampouco prevê pena para além das já previstas no Código Penal”.
Em relação a algumas das propostas citadas, serão tecidas, a seguir, breves
considerações.
- Quanto à fundamentação legal do anteprojeto
A Convenção Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995,
portanto, integrante do ordenamento jurídico interno, é o documento mais recorrente nas
64
argumentações do Consórcio de ONGs, para reivindicar alterações na legislação aplicável aos
casos de violência doméstica. O objetivo do Consórcio era “oferecer ao Congresso Nacional
uma proposta legislativa moderna, coerente com a Convenção Belém do Pará” (BARSTED,
2003, p. 15).
Esta Convenção foi elaborada, especificamente, para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher, sintetizando anos de lutas feministas no campo do Direito
Internacional de Direitos Humanos, em documento jurídico próprio acerca da violência, que
atinge as mulheres em escala mundial. Ao assinar e ratificar essa Convenção, o Estado
brasileiro não só obrigou-se a respeitar e cumprir suas cláusulas como, também, fazer com
que seus jurisdicionados cumpram-na.
Embora na Constituição Federal de 1988 (Artigo 226, § 8º) já constasse a obrigação de
o Estado coibir a violência nas relações familiares, atendendo à reivindicação do movimento
de mulheres (COSTA, 2005; PANDJIARJIAN, 2006; OBSERVE, 2009), essa previsão
constitucional não faz menção às relações de gênero e às assimetrias de poder existentes nas
relações familiares de forma explícita, como faz a Convenção Belém do Pará. Esta
Convenção possibilita levar “Gênero” para o Direito Interno quando traz, na literalidade de
seu texto, sem necessidade de maiores interpretações, que as mulheres são as mais atingidas
pela violência baseada no gênero, entendendo essa como manifestação das relações de poder
historicamente desiguais entre mulheres e homens. Assim, não obstante seja a Convenção
pouco conhecida e pouco aplicada pelos operadores do direito (BARSTED, 2002) ela seria o
principal documento a respaldar uma nova legislação sobre violência doméstica contra a
mulher no país.
Para
o
Consórcio,
era
necessário
uma
melhor
adequação
da
legislação
infraconstitucional, relativa à violência doméstica contra a mulher, para que, em sintonia com
os princípios gerais estabelecidos na Constituição Federal e documentos internacionais de
Direitos Humanos, pudesse remover obstáculos culturais à compreensão da violência contra a
mulher, como algo restrito às relações privadas.
Segundo Barsted (2003, p. 15):
Há, de fato, uma cultura nacional, apoiada em contexto histórico de exclusão
social, que naturaliza as discriminações de gênero e diminui sensivelmente o
alcance dos preceitos constitucionais de igualdade. Além disso, a produção
doutrinária do direito, mesmo a mais democrática, não tem igualmente
incorporado a perspectiva de gênero, desconhecendo o trabalho inovador de
65
juristas feministas.
Nesse sentido, apesar da existência de princípios e normas nacionais e
internacionais, como o § 8º do artigo 226 da Constituição Federal e do
Decreto Legislativo nº 107/95, complementado pelo Decreto nº 1.973/96,
que tornou lei interna a Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra as Mulheres – Convenção de Belém do Pará, de 1994, a
violência contra as mulheres, em especial aquela cometida por pessoas que
privam ou já privaram da intimidade das vítimas, tais como maridos e
companheiros, continua sendo absorvida e absolvida por nosso sistema
jurídico.
Apesar desta dificuldade, a Convenção Belém do Pará ao afirmar que a violência contra
as mulheres é uma violação dos direitos humanos das mulheres, inspira a definição dos
princípios básicos da proposta feminista (BARSTED, 2003, p. 15):
- a violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos;
- o direito à segurança e acesso à Justiça é parte integrante dos direitos
humanos;
- o Estado tem o dever de atuar de forma eficaz na prevenção,
combate e reparação dessa violência, assegurando os direitos humanos
das mulheres.
Uma nova lei, que cuide especificamente dos casos de violência doméstica contra a
mulher, com base nesses princípios, contribuiria para a mudança de práticas e costumes,
inclusive nas práticas judiciárias, contrárias à compreensão da violência doméstica contra a
mulher como fenômeno social complexo e uma violação dos direitos humanos das mulheres.
- A opção por uma lei restrita às relações doméstico-familiares
A violência doméstica contra mulheres, que ocorre no ambiente doméstico-familiar e,
em geral, cometida pelos seus parceiros íntimos, era uma das preocupações centrais do
Consórcio de ONGs. Segundo Barsted e Lavigne (2002, p. 26), esse tipo de violência “tem
sido uma das principais questões denunciadas pelo movimento feminista na luta contra a
impunidade e pela criação e defesa de mecanismos legais e institucionais para combater essa
violência e assistir e proteger as suas vítimas”.
As denúncias do movimento de mulheres contra a impunidade nos casos de violência
doméstica, em especial nas práticas judiciárias, sob a vigência da Lei nº 9.099/95 a esses
66
casos, foram os principais motivadores para a concentração de esforços no combate a esse
tipo específico de violência, no campo legislativo. Contudo, pode-se dizer que também fazem
uma opção jurídico-política, uma vez que o combate à violência nas relações familiares,
encontra fundamento legal específico, na Constituição Federal, no capítulo da Família
(BRASIL, 1988, Art. 226. § 8º).
Sabe-se que a violência contra a mulher pode se manifestar em outros espaços e ser
cometida por pessoas estranhas ao seu convívio, no ambiente do trabalho, por exemplo, o
assédio sexual ou moral. Contudo, no ambiente doméstico essa violência toma a forma mais
grave de discriminação contra a mulher (BARSTED, 2002).
- O afastamento da Lei nº 9.099/95 nos delitos de violência doméstica
O anteprojeto afasta a incidência da Lei nº 9.099/95, aos casos de violência contra a
mulher, retomando essa violência como delito de natureza grave, quando cometidos no
ambiente doméstico-familiar. Contudo, o Consórcio de ONGs, ao propor uma lei especial,
busca munir de garantias e proteção as mulheres em situação de violência e não apenas uma
revisão da legislação com objetivo repressor. Para o Consórcio, seria suficiente que, na esfera
penal, as disposições do Artigo 61 do Código Penal, que definem circunstâncias agravantes
para o delito de violência doméstica, fossem respeitadas e efetivamente aplicadas
(BARSTED, 2003). Entretanto, na experiência de alguns Juizados Especiais Criminais, nos
casos de violência doméstica decorrente de lesão corporal, ameaça, vias de fato, era como se
esse artigo não existisse, pois essas agravantes eram ignoradas, na aplicação prática da Lei nº
9.099/95.
A força da definição de menor potencial ofensivo, proposta pela Lei nº 9.099/95 aos
delitos com pena inferior a dois anos, suplantava qualquer tentativa de evidenciar a
complexidade e gravidade dos delitos de violência contra a mulher nas relações domésticofamiliares. Por essa razão, o anteprojeto da LMP rechaça, categoricamente, a aplicação da Lei
nº 9.099/95, imprimindo um novo paradigma de interpretação, ao inscrever o princípio da
violência doméstica como uma forma de violação dos direitos humanos das mulheres. O
67
objetivo é redirecionar o “olhar” dos agentes públicos - Juízes, Promotores, Defensores,
Delegados, Policiais - que se deparam com a realidade concreta dessa violência (pela notícia
crime, depoimentos das partes envolvidas, testemunhas), quando são instados a se manifestar
e dar resposta a esses casos.
3.1.2 O anteprojeto em discussão no Grupo de Trabalho Interministerial do Executivo
No início de 2004, o Consórcio de ONGs inicia uma articulação direta com o
Executivo, por intermédio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), para a
qual é repassada cópia do anteprojeto, recém-concluído. Depreende-se dessa articulação, o
objetivo estratégico em construir “redes” de apoio, mediante o engajamento do Executivo,
Legislativo e Judiciário, com vistas à aprovação e implementação da futura Lei.
A titular da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), a Ministra Nilcéa
Freire, cumprindo um “rito”, que, segundo informa, é próprio do Executivo na elaboração de
projetos de lei, propõe a formação de um Grupo de Trabalho com representantes de algumas
pastas ministeriais35. O Decreto nº 5.030, de 31 de março de 2004, que instituiu o Grupo de
Trabalho Interministerial, previu a possibilidade de “convidar representantes de outros órgãos,
entidades públicas ou de organizações da sociedade civil, para participar de suas reuniões e
discussões por ele organizadas”. Como convidadas, as representantes do Consórcio de ONGs
participaram do Grupo de Trabalho e, nessa condição, não lograram êxito em algumas das
propostas consignadas no anteprojeto inicial, a exemplo do afastamento da Lei nº 9.099/95
dos casos de violência doméstica contra a mulher e a criação do Juízo Único, específico para
a apreciação e julgamento desses casos. As dificuldades encontradas pelo Consórcio de ONGs
nos trabalhos do Grupo Interministerial serão detalhadas mais adiante.
35
O Grupo de Trabalho Interministerial era formado pelos representantes dos seguintes órgãos: Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, na condição de coordenadora; Casa Civil
da Presidência da República; Advocacia-Geral da União; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública/MJ, nomeados
pela Portaria nº 23/SEPM, de 12/04/2004, publicada D.O.U de 13/04/2004, Seção2, p. 2.
68
A SPM justifica a criação de uma nova lei para os casos de violência doméstica contra a
mulher, demonstrando a insuficiência dos normativos existentes, tanto na Justiça Penal
Comum quanto nos Juizados Especiais Criminais (JECrims). A recomendação da Comissão
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, por intermédio do Relatório nº
54, de 2001, para que se efetivem reformas que evitem a tolerância estatal e o tratamento
discriminatório com respeito à violência doméstica contra a mulher, em vista da morosidade
em apurar o crime de homicídio contra Maria da Penha Fernandes, não deixam dúvidas
quanto à insuficiência da Justiça Penal Comum e a legislação até então existente.
Em relação aos procedimentos especiais, criados pela Lei nº 9.099/95 e aplicados nos
Juizados Especiais Criminais, justamente com o propósito de reduzir a morosidade judicial,
alega a SPM que também apresentou gravíssimas distorções quando o caso concreto referia-se
a delitos praticados contra as mulheres como lesão corporal, ameaça e vias de fato, conforme
se observa nas seguintes argumentações, constantes da Exposição de Motivos nº 16/2004SPM (itens 33 a 39):
O Juizado Especial Criminal a partir de sua previsão constitucional no art.98,
foi criado para julgar as ações penais não superiores a dois anos, mediante
procedimento sumaríssimo e com possibilidade de transação penal.
Os números mostram que, hoje, 70% dos casos julgados nos Juizados
Especiais Criminais são de violência doméstica. A Lei 9.099/95, não tendo
sido criada com o objetivo de atender a estes casos, não apresenta solução
adequada uma vez que os mecanismos utilizados para averiguação e
julgamento dos casos são restritos.
A Justiça Comum e a legislação anterior também não apresentaram soluções
para as medidas punitivas nem para as preventivas ou de proteção integral às
mulheres. Examinando-se o modelo pelo qual a violência doméstica era
tratada pela Justiça Comum, a pesquisa de Carrara, Vianna e Enne realizada
no Rio de Janeiro de 1991/1995, “mostra que a Justiça condena apenas 6%
dos casos de lesão corporal contra as mulheres, enviados pelas Delegacias da
Mulher para a Central de Investigações, encarregada da distribuição às Varas
Criminais.”
O presente Projeto propõe inovações específicas para os Juizados Especiais
Criminais. As inovações gerais propostas, como a previsão dos
procedimentos dos Capítulos do Ministério Público, Assistência Judiciária,
Equipe de Atendimento Multidisciplinar e Medidas Cautelares, aplica-se em
todos os Juizados e Varas.
O atual procedimento inverte o ônus da prova, não escuta as vítimas, recria
estereótipos, não previne novas violências e não contribui para a
transformação das relações hierárquicas de gênero. Não possibilita
vislumbrar, portanto, nenhuma solução social para a vítima. A política
criminal produz uma sensação generalizada de injustiça, por parte das
vítimas, e de impunidade, por parte dos agressores.
Nos Juizados Especiais Criminais, o juiz, ao tomar conhecimento do fato
criminoso, designa audiência de conciliação para acordo e encerramento do
69
processo. Estas audiências geralmente são conduzidas por conciliadores,
estudantes de direito, que não detêm a experiência, teórica ou prática, na
aplicabilidade do Direito. Tal fato pode conduzir a avaliação dos episódios
de violência doméstica como eventos únicos, quando de fato são repetidos,
crônicos e acompanhados de contínuas ameaças.
A conciliação é um dos maiores problemas dos Juizados Especiais
Criminais, visto que a decisão terminativa do conflito, na maioria das vezes
é induzida pelo conciliador. A conciliação com renúncia de direito de
representação geralmente é a regra. (grifo nosso).
Constata-se, portanto, que nem a Justiça comum, a exemplo do caso Maria da Penha,
levado à instância internacional de Direitos Humanos pelas Organizações NãoGovernamentais Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
(CLADEM) e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), nem os procedimentos da
Lei nº 9.099/95, criada para oferecer presteza aos delitos de menor potencial ofensivo,
ofereciam uma resposta adequada às mulheres em situação de violência.
Embora conste da justificativa da SPM, argumentações de insuficiência do
procedimento adotado nos Juizados Especiais Criminais, semelhantes às defendidas pelo
Consórcio de ONGs, a opção do Grupo Interministerial foi de não abandonar o modelo
vigente, aceitando, inclusive, que os crimes de violência doméstica (lesão corporal, ameaça,
injúria, e os demais com pena inferior a 2 anos) continuem a ser processados e julgados nos
JECrims, aplicando-se subsidiariamente a Lei nº 9.099/95, enquanto não forem criados os
Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Interessante notar que o Projeto do Executivo contemplou grande parte do anteprojeto
feminista, inclusive as “medidas cautelares” que buscam resguardar a segurança das mulheres
em situação de violência. Contudo, mantêm institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95,
em “momentos” processuais distintos, mas que ao final, tem por objetivo encerrar o processo
criminal. Nos artigos 29 a 37 do Projeto, consta a criação de novo procedimento para os
Juizados Especiais Criminais, contudo, não define expressamente em qual “momento” serão
apreciadas as medidas cautelares e urgentes para resguardar a integridade física da ofendida.
Faltou, também, consignar no projeto a apreciação conjunta das medidas protetivas de
natureza cível e criminal, essenciais, segundo o Consórcio de ONGs, para resguardar a
segurança das mulheres em situação de violência. Na forma proposta pelo Executivo, os
pedidos de natureza cível, que integram o contexto da violência, por exemplo, pedido de
divórcio, separação de corpos, alimentos, visitas aos filhos, continuariam a ser apreciados em
locais distintos. Desta forma, o novo procedimento a ser adotado pelos JECrims, à
70
semelhança do procedimento da Lei nº 9.099/95, alcançaria apenas as medidas de natureza
penal.
O Projeto do Executivo se torna, então, um misto de inovações e adaptações da Lei nº
9.099/95. As inovações são oriundas das propostas iniciais, definidas no anteprojeto do
Consórcio de ONGs e as adaptações são aqui, entendidas como tentativas de aproveitamento
de alguns dos princípios que regem a Lei dos Juizados Especiais Criminais.
Não obstante incorporar grande parte das propostas feministas (BARSTED, 2010), não
manteve a proposta inicial do Consórcio quanto ao afastamento da Lei nº 9.099/95 e a criação
de um Juízo Único, ponto-chave do anteprojeto, para dar início a uma nova prática no Sistema
de Justiça, aos casos de violência doméstica contra a mulher.
Dessa forma, não se pode dizer que o projeto encaminhado ao Congresso Nacional foi
fruto de consenso entre o Consórcio de ONGs e o Grupo Interministerial do Executivo. Pelas
argumentações constantes da Exposição de Motivos e a redação final do projeto encaminhado
ao Congresso Nacional, é possível entrever o embate travado em sua elaboração, fato esse
confirmado pela fala da representante da CLADEM, anotada na epígrafe do próximo tópico.
Assim que o Grupo de Trabalho Interministerial deu por finalizado os seus trabalhos36,
a Ministra Nilcéa Freire resolveu encaminhar o Projeto ao Congresso Nacional, contrariando
as ponderações do Consórcio de ONGs de que a aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/95, nos
Juizados Especiais Criminais, importaria em risco para a maioria dos avanços consignados na
proposta.
3.1.3 A reação do Consórcio de ONGs
Nós participamos desse Grupo Interministerial montado pela Ministra e, em
determinado momento, passamos a viver uma tensão porque houve uma
dificuldade muito grande nesta parceria nossa, sociedade civil e feministas,
no que diz respeito a uma ruptura com a Lei 9.099 [...]37
36
Conforme consta do Decreto nº 5.167, de 2004, o prazo concedido ao Grupo Interministerial foi estendido até
30 de setembro de 2004.
37
Cf. Pimentel (2005).
71
O projeto resultante do trabalho do Grupo Interministerial e que foi encaminhado à
Câmara dos Deputados frustrou o Consórcio de Organizações Não-Governamentais
Feministas, uma vez que foi mantida a aplicação da Lei nº 9.099/95 e a estrutura dos Juizados
Especiais Criminais, sem definição precisa de quando seriam criados os novos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar.
Segundo Valéria Pandjiarjian (2006), uma das hipóteses prováveis para o insucesso do
Consórcio em aprovar todas as suas demandas, em especial, o afastamento da aplicação da
Lei nº 9.099/95, aos casos de violência doméstica, no âmbito do Executivo, seria:
a resistência e pressão política por parte dos próprios JECrims consultados,
que não queriam perder poder e ver sua competência esvaziada, na medida
em que a maioria dos delitos referentes a esta Lei que se apresentam aos
JECrims são justamente aqueles praticados contra as mulheres no âmbito das
relações domésticas e familiares. (PANDJIARJIAN, 2006, p. 122)
O Consórcio de ONGs solicitou à Ministra da SPM que não enviasse o projeto da forma
como estava para o Legislativo e, que se estendesse o prazo para discussão no âmbito do
Executivo. A Ministra entendeu que já haviam se esgotado as discussões, naquele âmbito, e
que era hora de enviar para outra instância o projeto e, se fosse o caso, ali continuar o debate
(PIMENTEL, 2005). O projeto foi então, encaminhado ao Congresso Nacional, não obstante
“a insistente manifestação das Organizações da sociedade civil contra a manutenção, pelo
projeto, da aplicação da Lei 9.099/95 para tratar estes casos” (PANDJIARJIAN, 2006, p.
122).
Em nota emitida pelo Consórcio de ONGs, divulgada na página virtual do Cfemea (uma
das ONGs participantes do Consórcio), fez-se a seguinte avaliação sobre a proposta
encaminhada pela SPM à Câmara dos Deputados:
O Consórcio reconhece o mérito da SPM em encaminhar ao Congresso
Nacional uma lei específica sobre violência doméstica contra as mulheres,
não só por ser uma recomendação do Comitê CEDAW quando da
apresentação do relatório do governo brasileiro a esse Comitê, em 2003, mas
por corresponder a uma demanda do movimento de mulheres. Consideramos
que o PL mencionado em muito incorporou as propostas do anteprojeto do
Consórcio, particularmente no que se refere aos princípios, aos conceitos e
às medidas protetivas previstos na Convenção de Belém do Pará, além de
outras inovações e medidas (cautelares) por nós sugeridas. Entretanto, em
que pese o esforço da SPM, entendemos que o PL não traduz as
preocupações relativas à necessidade de criação de um Juízo Único (cível e
72
criminal) para julgamento dos casos relacionados à violência doméstica e
familiar. Além disso, ao contrário do proposto pelo Consórcio, a SPM
manteve a competência da Lei 9.099/95. (CONSORCIO ONGs, 2005)
3.1.4 O Projeto no Legislativo
[...]Essa eu poderia dizer que é quase a vigésima versão do relatório
porque a cada audiência pública (nos Estados) eram trazidas novas demandas
e nós, de fato, incorporamos as contribuições da sociedade na feitura
desse relatório, fazendo várias modificações
ao projeto original do governo [...]38
A Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres entregou o Projeto do Executivo
ao Presidente da Câmara dos Deputados em 25 de novembro de 2004, no “Dia Internacional
da Não-Violência contra a Mulher”, data significativa para o Movimento de Mulheres que
trabalha com a violência doméstica. A Câmara dos Deputados constituiu-se em um dos
principais espaços de articulação política entre o Consórcio de ONGs e a Bancada Feminina,
com a finalidade de retomar as premissas básicas defendidas pelo Consórcio de ONGs. Essa
articulação pode ser evidenciada no texto abaixo:
O Projeto de Lei 4559/04 tramita na Câmara, na Comissão de Família e
Seguridade Social, tendo como relatora a Dep. Jandira Feghali (PCdoB/RJ).
Depois de apreciada na Seguridade, será analisada pelas Comissões de
Finanças e Tributação e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC).
Nesse sentido, em 14 de março, o Consórcio organizou uma reunião, no Rio
de Janeiro com a Deputada Jandira Feghali, que contou com a presença de
representantes do Consórcio, da Articulação de Mulheres Brasileiras, da
Articulação de Entidades de Mulheres Negras e de outras instituições
feministas. Neste encontro foram expostos a proposta do consórcio e o PL
4959/04. A deputada se comprometeu a realizar negociações junto ao
Legislativo e à SPM de forma a contemplar as propostas do Consórcio.
(CONSÓRCIO DE ONGS, 2005).
Encaminhado o projeto à Comissão de Seguridade Social e Família, foi designada
Relatora a Deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) em 15 de fevereiro de 2005. A Relatora se
38
Fala da Deputada Jandira Feghali (PC do B/RJ) na Reunião ordinária deliberativa da Comissão de Seguridade
Social e Família, realizada no Plenário 07, em 24.08.2005, para apresentação do Substitutivo ao Projeto
original do Governo, PL nº 4.559, de 2004, à deliberação da Comissão. Disponível em:<
http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/Resultado.asp?txtCodigo=00006454>. Acesso em 10 jun. 2010.
73
mostrou sensível às reivindicações do Consórcio de ONGs dando início a um amplo debate
sobre o PL nº 4.559, de 200439, mediante audiências públicas na Câmara dos Deputados e nas
Assembléias Legislativas dos Estados, e realização de seminários sobre a violência doméstica.
A Comissão de Seguridade e Família da Câmara dos Deputados foi o local em que o Projeto
do Executivo teve tramitação mais longa e onde mais modificações foram feitas. Ao final, a
Comissão aprovou por unanimidade, o parecer da Relatora, acolhendo a reivindicação do
Consórcio de ONGs para alteração do projeto, afastando a Lei 9.099/95 dos casos de
violência doméstica contra a mulher, “tendo por entendimento básico que, conforme expresso
em Resolução da ONU, de 1993, a violação de Direitos Humanos não pode ser considerada
como crime de menor potencial ofensivo” (BRASIL, 2005).
Cabe destacar que a determinação de afastar a Lei nº 9.099/95 dos casos de violência
doméstica era de tal ordem, que foram incluídos, expressamente, no texto do substitutivo da
Relatora (Jandira Feghali) dois artigos, de forma a não deixar dúvidas quanto a sua
inaplicabilidade:
Art. 48 – Nos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95.
Art. 49 – A Lei 9.099/95 passa a vigorar acrescida do seguinte Artigo 61-A:
“Art. 61-A - Não se considera de menor potencial ofensivo os crimes
praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, não se
aplicando a tais ilícitos esta Lei”(NR)40.
39
Tem-se por importante nesta pesquisa deixar claro que o processo de elaboração da lei especial para os casos
de violência doméstica contra a mulher, desde as primeiras discussões do Consórcio de ONGs, levou cerca de
cinco anos para ser concluído, tempo em que se buscou debater de forma ampla a ideia inicial, com a
finalidade de colher contribuições ao seu aperfeiçoamento. Conforme já mencionado, os primeiros debates
ocorreram por ocasião da elaboração da primeira minuta, mas de forma mais restrita. No âmbito do
Legislativo, o debate ocorreu em nível nacional, conforme se verifica de trecho do Relatório da Deputada
Jandira Feghali: “Ao receber a relatoria do Projeto de Lei n.º 4.559/2004, do Poder Executivo, procurei
promover um amplo debate, por entender que o tema merecia o envolvimento de toda a sociedade. Estive
presente em audiências públicas nas Assembléias Legislativas do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte (conjunta com Paraíba e Ceará), Espírito Santo e Bahia. As
Assembléias Legislativas do Acre e de Goiás realizaram também audiências públicas e propostas de alteração
foram apresentadas durante a realização do Seminário “Violência Contra a Mulher: Um Ponto Final”. O evento
foi realizado por seis comissões permanentes da Câmara dos Deputados (Comissão de Seguridade Social e
Família, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Comissão
de Legislação Participativa, Comissão de Finanças e Tributação e Comissão de segurança Pública e Combate
ao Crime Organizado). A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres esteve presente em todas essas
audiências e no seminário e pode acompanhar as discussões que muito contribuíram para a elaboração de uma
proposta alternativa, que ora coloco em debate” (Cf. Diário da Câmara dos Deputados (DCD) de 16.12.2005,
p. 63284).
40
No decorrer da tramitação na Câmara dos Deputados e Senado Federal a previsão do Artigo 49 desaparece,
mantendo-se apenas a do art. 48 que vai para a Lei nº 11.340/2006.
74
A inclusão do aumento da pena para os delitos de lesão corporal não veio da proposta
original do Consórcio de ONGs. Esta majorante foi incluída na tramitação do projeto no
Legislativo, com o intuito de tirar do alcance da Lei nº 9.099/95, os delitos de lesão corporal,
decorrentes de violência doméstica.
Pelos registros de áudio nas audiências públicas, seminários, sessões nas Comissões e
Plenário, pedidos de urgência e de inversão de pauta para acelerar a votação da matéria,
percebe-se o interesse dos parlamentares na apreciação e votação do Projeto de Violência
Doméstica contra a Mulher. Porém, em uma rápida olhada pelo “espelho” da tramitação do
Projeto nº 4.559, de 2004, na Câmara dos Deputados, é possível notar o empenho direto e
massivo da Bancada Feminina do Congresso Nacional para a aprovação desta matéria; a
começar pelo exercício das relatorias por Deputadas receptivas às demandas do movimento de
mulheres, que garantiram em seus relatórios, as modificações feitas ao Projeto do
Executivo41.
Em que pese as resistências encontradas na tramitação do Projeto na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) na Câmara dos Deputados, sob a relatoria da
Deputada Iriny Lopes, as manifestações, de modo geral, foram favoráveis. No âmbito da CCJ,
vários integrantes “queixaram-se” do pouco tempo disponibilizado para a análise da matéria.
Embora registrassem a relevância da matéria, divergiam quanto a forma pela qual era
delineado esse enfrentamento. Para alguns, havia excesso de “detalhamento”, “repetição” de
dispositivos já previstos na legislação. As expressões “passar um pente fino” e “fazer uma
faxina” foram usadas para expressar a vontade de reformulação do projeto que o pedido de
urgência, anteriormente solicitado, não permitia fazer. Para o Deputado Antonio Carlos
Biscaia, o Projeto do Executivo “[...] estava adequado e poderia ser aprovado sem qualquer
modificação”42. O Deputado Michel Temer (PMDB–SP) rememorou o fato de ter participado
da instituição da primeira Delegacia de Defesa da Mulher em São Paulo e afirmou ser
favorável a uma lei de violência doméstica, mas não da forma como estava sendo feita, tão
detalhada e extensa. Não mencionou, entretanto, que a Lei nº 9.099/95, dos Juizados
Especiais Criminais, criada a partir de projeto de sua autoria (parte criminal), contém quase
41
Conforme Wolf (2008, p. 65) “[...]a escolha do relator é feita pelo presidente da Comissão, mas não é fortuita,
pois os deputados voluntariam-se para o cargo, isto é, têm interesse em apresentar relatório favorável ou pela
rejeição do projeto. Se houver alguma disputa pela posição de relator, o presidente decide qual dos candidatos
vai relatar, mas quando não há disputa a praxe é designar como relator o primeiro que se interessar”.
42
Fala do Deputado Antonio Carlos Biscaia na Reunião da Comissão de Constituição e Justiça, em 06 de
dezembro
de
2005.
Disponível
em:<
http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/Resultado.asp?txtCodigo=00007191>. Acesso em 10 jun. 2010.
75
cem artigos (parte cível e criminal). Porém, reconheceu que a existência dos princípios
constitucionais não garantia a sua observância por todos; era preciso detalhar as normas gerais
para que tivessem efetividade.
- O projeto no Senado Federal
Chegando ao Senado Federal, em 31 de março de 2006, o projeto aprovado na Câmara
dos Deputados passa a ser denominado de PLC nº 37, de 2006. Em 03 de abril de 2006 é lido
no Plenário e distribuído à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, designando-se
como relatora, para emissão de parecer sobre a matéria, a Senadora Lucia Wania.
O Projeto foi debatido longamente na Câmara dos Deputados, tendo no final
incorporado a maioria das reivindicações do Consórcio de ONGs, e, em algumas previsões,
indo além do previsto no anteprojeto original. Sendo assim, no Senado Federal, a Bancada
Feminina na Câmara e o movimento de mulheres articularam com a Senadora Lúcia Wania
uma tramitação rápida, a fim de garantir as conquistas já auferidas na Câmara dos Deputados.
Qualquer alteração de mérito significaria o retorno da matéria à apreciação da Câmara 43,
demandando mais tempo e esforços para apreciar algo que já satisfazia aos anseios, tanto da
Bancada Feminina no Congresso quanto do movimento de mulheres e, ao que parece, também
atendia à Secretaria de Políticas para as Mulheres44. Visando agilizar o processo de apreciação
e votação, a Senadora Serys Slhessarenko requereu, e teve aprovado, pedido de urgência da
matéria, sinalizando que a Bancada Feminina no Congresso tinha pressa na tramitação do
projeto no Senado. Contou-se também para essa agilização com a chegada de moções do
movimento de mulheres, com milhares de assinaturas pela aprovação do projeto45.
Após tramitação no Legislativo, o projeto foi encaminhado à sanção presidencial e se
transformou na Lei nº 11.340, de 2006, passando a denominar-se “Lei Maria da Penha”.
43
Conforme consta do Parecer nº 638/2006 da Senadora Lucia Wania “[...] as alterações propostas foram
instruídas pelo cuidado permanente de manter intacto o mérito aprovado na Câmara dos Deputados e visam
tão-somente proporcionar maior clareza, e consequente eficácia, para uma lei de grande relevância social”.
44
Conforme consta da Nota Informativa nº 648, da Consultoria Legislativa no PLC nº 37, de 2006, p. 105: “As
alterações promovidas no PLC nº 37, de 2006, na forma do texto consolidado, vale dizer, foram instruídas por
amplo concerto político conduzido pela relatora da matéria na CCJ do Senado, que envolveu representantes do
Executivo, da sociedade civil organizada e dos relatores do projeto na Câmara”.
45
Cf. PLC nº 37, de 2006. Secretaria de Arquivo do Senado Federal.
76
3.2 A LEI MARIA DA PENHA
Consta do texto da Lei nº 11.340, de 2006, a maioria das reivindicações feitas pelo
Consórcio de ONGs ao longo do processo de elaboração e discussão do Projeto, a exemplo da
definição da violência doméstica contra a mulher como uma questão de gênero (Art. 5º); a
declaração de que essa violência constitui uma violação dos direitos humanos das mulheres
em oposição à concepção anterior de delito de menor potencial ofensivo (Art. 6º), o
afastamento da Lei nº 9.099/95 desses casos (Art. 41); as medidas de assistência e prevenção,
entre essas as medidas protetivas de urgência (Art. 22); e a determinação para a criação de
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência mista, cível e
criminal (Art. 33).
Debert e Gregori (2008), analisando a nova proposta de enfrentamento da violência
doméstica contra a mulher, alertam para os “perigos” de uma opção política em criar
mecanismos especiais apenas para combater a violência contra a mulher que ocorre no espaço
privado da família quando se sabe que essa violência é muito mais ampla e também ocorre no
espaço público, além do fato de que estudos apontam para a tendência de os operadores do
direito judicializarem a família ao invés dos direitos da mulher a viver sem violência.
Ressaltam, entretanto, inovação e avanço da Lei ao explicitar que a violência doméstica
contra a mulher é uma violência de gênero.
Defendo que o termo “gênero” não foi utilizado pela LMP apenas para reforçar a tutela
específica à mulher, mas também como construção social em que estão presentes relações
desiguais de poder, representando a violência a radicalização dessa desigualdade
(SCHRAIBER, 2005). Nesse sentido, a lei resgata os mais recentes estudos sobre violência e
gênero em que se buscou afastar a figura da ofendida como vítima e do ofensor como
agressor, em um sentido estático e imutável. Essas posições são fluidas na realidade social,
contudo, não se pode perder de vista o impacto da violência sobre as mulheres revelado pelas
estatísticas e pesquisas sobre o tema que evidenciam a sua maior ocorrência nas relações
íntimas, domésticas e familiares sobre o qual a nova lei de enfrentamento pretende incidir.
Não obstante as críticas de Debert e Gregori (2008) quanto ao aspecto restritivo da
LMP, pela abrangência restrita às relações doméstico-familiares, cabe acrescentar que a Lei,
em sintonia com a Constituição Federal, amplia o conceito de entidade familiar para além das
formas tradicionais de conjugalidade, inclusive alcançando uniões homoafetivas, relações
77
afetivas passadas e atuais sem lapso temporal e independentemente de coabitação, além de
abranger, no âmbito de proteção da Lei, outros integrantes da unidade doméstica ou familiar.
- As Medidas Protetivas
A Lei Maria da Penha é essencialmente protetiva às mulheres em situação de violência,
pois abarcou medidas de assistência e prevenção, além do aspecto meramente criminal, entre
as quais podem ser citadas as seguintes:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.- encaminhar a ofendida e seus
dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
VI - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de
proteção ou de atendimento;
VII - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo
domicílio, após afastamento do agressor;
78
VIII - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a
bens, guarda dos filhos e alimentos;
IX - determinar a separação de corpos.
X - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
XI - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
XII - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
XIII - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Nota-se, pela transcrição acima, que a Lei Maria da Penha não adotou como prioridade
a segregação carcerária do ofensor. No entanto, essa medida poderá ser adotada “sempre que
a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem” (BRASIL, 2006, Art. 20, § 1º; 42).
Para dar conta das diversas demandas das mulheres, a Lei previu a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, específico para os casos de violência
doméstica contra a mulher, com competência mista nas áreas cível e criminal, e a prorrogação
da competência das Varas Criminais para receber essas demandas, até a instalação do Juizado
próprio.
Importante registrar que a criminologia crítica é enfática em alertar para o fato de que o
sistema penal centrado na questão punitiva não resolve o problema da violência doméstica e,
ainda, que esse sistema penal é seletivo, ou seja, apenas alguns entre muitos que praticam o
crime seriam “capturados” pelo sistema penal (ANDRADE, 1998; GROSNER, 2008).
Estudos acadêmicos revelam discursos aparentemente contraditórios de feministas que
não acreditam no sistema punitivo, mas o defendem como ferramenta importante na questão
da violência doméstica contra a mulher (CELMER, 2008). Contudo, o objetivo das
feministas, que propuseram a Lei, não foi criar uma lei gravosa, mais severa, centrada no
aspecto punitivo, interessava a esse grupo que a voz das mulheres em situação de violência
fosse ouvida nas delegacias e no judiciário e medidas urgentes fossem tomadas para
interromper a violência iniciada ou na iminência de ocorrer (BARSTED, 2001; FARIAS,
2008; CAMPOS, 2008). Campos (2008) ressalta que o objetivo da Lei é a intervenção social
uma vez que a mesma prevê ampla articulação, em nível nacional, dos poderes públicos e
engajamento da sociedade para atuar contra esse tipo de violência. Em meio às críticas
79
dirigidas à Lei Maria da Penha, observa-se o reconhecimento de que as medidas protetivas, de
modo geral, constituem inegável avanço para a proteção das mulheres em situação de
violência (ARAÚJO, 2007; DIDIER, 2009; DIAS, 2007)
Sendo assim, discordo de Pasinato (2010) quanto ao entendimento de que o primeiro
eixo estruturante da Lei Maria da Penha é o da punição. A proteção, mediante adoção de
medidas urgentes, cíveis ou criminais, é o primeiro e principal eixo dessa Lei, ao qual devem
atentar os operadores do direito no Judiciário. Nesse primeiro momento de aplicação da Lei
não é a persecução criminal, mas o risco à integridade física e psicológica da mulher em
situação de violência que norteará a adoção de medidas protetivas, mais ou menos gravosas.
- O instituto da representação
Outra inovação da Lei Maria da Penha diz respeito à modificação do instituto da
representação aos casos de violência doméstica contra a mulher, conforme consta de seu
artigo 16, que estabelece:
Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que
trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em
audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento
da denúncia e ouvido o Ministério Público. (grifo nosso)
O comando da Lei é claramente restritivo à vontade da mulher em desistir do processo,
exigindo maior atenção de juízes e promotores, ao contexto mais amplo da violência, com o
intuito de análise do contexto geral da violência. Um dos delitos mais recorrentes na violência
doméstica - lesão corporal - teve as regras modificadas pela Lei nº 9.099/95 e, conforme
mostrado nos capítulos anteriores, essa modificação teve repercussão para as mulheres em
situação de violência que recorriam ao Judiciário.
Considerando o afastamento da Lei nº 9.099/95 do âmbito de aplicação dos casos de
violência doméstica contra a mulher, tem-se como consequência, que a exigência da
representação nos delitos de lesão corporal estaria afastada. Os demais delitos, que dependem
de representação, a exemplo da ameaça, tenderiam também para o interesse exclusivamente
80
público, uma vez que a vontade da mulher ofendida poderia ser afastada em audiência ao se
manifestar pela desistência do processo, em razão do contexto mais amplo da violência
doméstica.
Por ocasião da elaboração do anteprojeto de lei de violência doméstica, o Consórcio de
ONGs vivenciou a dificuldade em tomar uma posição acerca da representação nas práticas de
lesão corporal contra a mulher. Argumentos em prol da autonomia da mulher em decidir eram
contrastados com as evidentes dificuldades em se exercer essa autonomia no contexto de
violência doméstica. Ao final, decidiram que a ação penal pública incondicionada seria a mais
indicada para recompor o desequilíbrio entre os envolvidos, provocado pela violência, e que,
por vezes, impede a livre manifestação da mulher em situação de violência pelo
prosseguimento do processo (CASTILHO, 2009).
- O Poder Judiciário no Sistema de Rede de Atendimento às mulheres em situação de
violência
Conforme Negrão (2006), no início da década de noventa os serviços de atendimento às
mulheres, que atuavam de forma isolada um do outro, vão aos poucos ganhando a forma de
um sistema de redes de modo a complementarem-se. Essa noção de rede é repassada pelo
movimento de mulheres ao Plano Nacional de Poíticas para as Mulheres, que traz o seguinte
conceito:
a atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, nãogovernamentais e a comunidade, visando à ampliação e melhoria da qualidade
do atendimento, à identificação e encaminhamento adequado das mulheres em
situação de violência; e ao desenvolvimento de estratégias efetivas para a sua
prevenção (2009, p. 100). (grifo nosso)
A LMP consigna em seu texto o conceito de rede de apoio às mulheres em situação de
violência (Art. 8º), constante do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, quando
estabelece que a política pública com a finalidade de coibir a violência deve ser realizada, de
forma articulada, pelos entes da federação, tendo como premissa a integração operacional do
Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança
pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação (inciso I).
81
Conforme Bandeira e Almeida (2005):
O sistema de rede tem como uma de suas principais características a idéia de
elo, de vínculo, de entrelaçamento entre instituições similares ou não, isto é,
no caso em pauta, trata-se da capacidade de articulação entre diferentes
atrizes/ atores sócio-institucionais, não hierárquicos entre si, com serviços
imediatos, não sobrepostos e preventivos, com vistas à coesão dos objetivos
propostos, a serem alcançados pelas instituições, assim como da manutenção
de padrões de qualidade de atendimento, de cooperação e de trocas. (grifo
nosso).
A Lei Maria da Penha deixa explícita a importância do serviço de atendimento no
âmbito do Judiciário, nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, Varas Criminais,
devendo contar com equipe muldisciplinar de profissionais da área jurídica, saúde e
psicológica para o atendimento às mulheres em situação de violência, bem como na prática de
outros órgãos judiciários, por onde passar esses casos. Os Juizados Especializados começaram
a ser instalados logo após a publicação da Lei Maria da Penha. No ano de sua publicação,
foram instalados oito Juizados nas capitais, e, em 2010, o País já contava com 29 Juizados em
funcionamento. Note-se, entretanto, que a maioria desses Juizados encontram-se nas capitais
do País (SARDENBERG, 2010b).
Neste estudo pretende-se conhecer as práticas judiciárias, ou o “como” a Lei está sendo
interpretada, nos diversos órgãos e instâncias do Poder Judiciário, não necessariamente,
aquelas advindas dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
mas as que emergirem nas decisões do STJ.
Assim, torna-se importante conhecer esse órgão da estrutura do Poder Judiciário, sua
história, composição e competência, o que será mostrado no tópico seguinte.
82
3.3 O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA
PENHA
Muda-se, sempre, em busca de aperfeiçoamento dos institutos e das instituições.
Cuidando-se do ofício do direito, esta tarefa e objetivo não são afeitos
exclusivamente ao legislador, senão que principalmente ao intérprete,
ao aplicador da norma, ao advogado e ao magistrado.46
O STJ foi instituído pela Constituição Federal de 1988 “para ser o guardião do direito
federal comum”, mas a ideia de uma instância superior que julgasse matérias que não
contivesse a especificidade constitucional já era pensada desde a década de 60 do século XX
(GROSNER, 2008, p. 87). O objetivo era “liberar” o Supremo Tribunal Federal do acúmulo
de processos que chegavam à instância máxima da Justiça, atendendo parte de sua demanda.
A história de criação do STJ é contada pelo próprio Tribunal, em sua página virtual:47
O STJ é descendente direto de uma outra instituição surgida há 60 anos: o
Tribunal Federal de Recursos (TFR). Tal como o STJ, o TFR foi uma das
grandes novidades de uma carta constitucional que surgia após um longo
período de exceção democrática no país: o Estado Novo.
Com a deposição de Getúlio Vargas ao fim da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), o Brasil elegeu um novo presidente, o general Eurico Gaspar
Dutra, que chegou ao poder com a missão de outorgar uma nova
Constituição. O TFR foi incluído na Carta Magna com a missão de funcionar
como segunda instância da Justiça Federal. A nova Corte foi instalada no
Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1947.
Pouco mais de 20 anos após a instalação do TFR, o mundo jurídico
brasileiro iniciou as discussões para tornar a corte mais atuante,
principalmente em função da sobrecarga de julgamentos no Supremo
Tribunal Federal (STF).
A primeira iniciativa legal no sentido de se criar uma nova corte partiu dos
próprios magistrados do TFR. A instituição, em 1976, mandou a minuta de
um projeto de lei ao Congresso para a instituição do Supremo Tribunal de
Justiça, que seria a última instância das leis infraconstitucionais do país,
deixando para o STF a prerrogativa exclusiva de controlar a
constitucionalidade.
Somente no recente período de redemocratização, em 1985, a iniciativa
ganhou força. Atentos à possibilidade de convocação de uma Assembleia
Constituinte, os magistrados do TFR resolveram se mobilizar. No ano
46
47
Conforme Carmen Lúcia Antunes Rocha (2003, p. 74)
Informação
obtida
na
página
virtual
do
STJ.
Disponível
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=698>. Acesso em 20 jan. 2011.
em:<
83
seguinte, com o início dos trabalhos da Assembleia, o TFR formou uma
comissão de magistrados, capitaneada pelo ministro Antônio de Pádua
Ribeiro, para atuar junto aos parlamentares.
O empenho dos magistrados resultou em uma verdadeira revolução no
Judiciário, a partir da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de
1988. Símbolo mor dessa transformação foi a criação do STJ, última
instância das leis infraconstitucionais, tanto no âmbito da Justiça
Federal como no da estadual.
O STJ começou a funcionar em abril de 1989, ano em que julgou pouco mais
de três mil processos. Em seus 21 anos de existência, o Tribunal ganhou uma
nova sede em 1995 e viu seu número de julgados crescer quase
exponencialmente. No total, o Tribunal já ultrapassa a casa dos 3 milhões de
julgamentos, ao longo de sua história. (grifo nosso)
Conforme organograma abaixo, a localização do Superior Tribunal de Justiça foi
alcançada quando de sua criação pela Constituição de 1988: órgão máximo da justiça comum
(estadual e federal) e última instância no controle das leis infraconstitucionais.
Figura 1 – Estrutura geral do Poder Judiciário, na esfera criminal
Fonte: NUCCI (2009, p. 118)
84
3.3.1 Composição
O Superior Tribunal de Justiça é composto de, no mínimo, trinta e três Ministros (as),
nomeados (as) pelo Presidente da República, entre brasileiros (as) com mais de 35 anos e
menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha
pelo Senado Federal (BRASIL, 1988, Art. 104). Os integrantes desse Tribunal serão
escolhidos entre os membros dos Tribunais Regionais Federais (um terço), Desembargadores
dos Tribunais de Justiça (um terço); Advogados (as) e membros do Ministério Público
Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente (um terço).
O STJ possui órgãos especializados de julgamento (Plenário, Corte Especial, Seções,
Turmas), cuja composição e competência estão definidas em seu Regimento Interno (RISTJ).
A Terceira Seção48, que cuida de matéria penal, é integrada pelos componentes da Quinta e
Sexta Turmas de Julgamento. São cinco Ministros (as) em cada Turma, cujo preenchimento
observa a opção feita pelo(a) Ministro (a), atendendo-se à ordem de antiguidade. A
presidência dos trabalhos, tanto na Seção quanto na Turma, caberá ao mais antigo membro da
Comissão, pelo mandato de dois anos, vedada a recondução até que todos tenham exercido a
presidência (BRASIL, 2010, Art. 2º, §§ 3º a 6º).
3. 3.2 A Competência
Segundo José Afonso da Silva (2003, p. 561), o que confere característica própria ao
STJ são as suas atribuições de “controle da inteireza positiva, da autoridade e da uniformidade
da interpretação da lei federal”.
A competência do STJ está prevista no artigo 105 da Constituição Federal de 1988, que
estabelece:
48
Conforme Artigo 9º RISTJ a competência das Seções e Turmas é fixada em função da natureza da relação
jurídica litigiosa, cabendo à Terceira Seção julgar os feitos relativos a matéria penal em geral, com as exceções
que relaciona, e também os benefícios previdenciários, inclusive os decorrentes de acidentes de trabalho.
85
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
[...] c) os Habeas Corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das
pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à
sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército
ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o
disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não
vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;
[...]
II - julgar, em recurso ordinário:
a) os "habeas-corpus" decididos em única ou última instância pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;
[...]
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro
tribunal. (grifo nosso)
A Lei nº 11.340/2006, desde que entrou em vigor, busca afirmar-se no cenário jurídico
nacional, como legislação especial aplicável a todos os casos de violência doméstica contra a
mulher, em face da Lei nº 9.099/95. O STJ, em especial pelo seu papel de uniformizador da
interpretação da lei federal, vem, a partir de suas decisões, firmando entendimentos acerca da
legislação aplicável a esses casos.
O próximo capítulo foi destinado a apresentar os procedimentos metodológicos de
coleta de dados, os tipos de processos levantados e sua correlação com o objeto da pesquisa.
86
4. AS DECISÕES DO STJ EM QUATRO ANOS DE APLICAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA
Visando identificar o melhor e mais adequado critério de pesquisa para a coleta das
decisões do STJ publicadas no período de 22 de setembro de 2006 a 22 de setembro de 2010,
foram feitas visitas pessoais ao Tribunal, em especial à Seção de Jurisprudência e Arquivo. O
fato de já residir em Brasília-DF e ter trabalhado nesse órgão do Poder Judiciário, conhecendo
um pouco de sua dinâmica interna, facilitou a aproximação com o campo, na busca de
“ferramentas” apropriadas que resgatassem o maior número possível de decisões sobre o tema
violência doméstica contra a mulher. Assim, a partir da orientação obtida pelos (as)
atendentes da Seção de Jurisprudência e consulta à página virtual do STJ, foi possível
construir o critério de pesquisa, detalhado a seguir.
Cabe mencionar que, em 2006, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)49 editou medidas
(Resoluções de nºs 12/2006 e 46/2007)
para unificar os procedimentos de inclusão de
documentos no sistema de informatização da Justiça em todas as instâncias, definindo
“indexadores” para a implantação de dados, entre os quais inclui-se o “Assunto” tratado no
processo. Nos casos de processos envolvendo violência doméstica contra a mulher, foi
definido pelo CNJ, o termo “Violência Doméstica Contra a Mulher”, possibilitando, assim,
maior facilidade em acessar os processos que tratam do tema. Essa unificação não ocorreu de
imediato, razão pela qual não se privilegiou apenas esse critério no levantamento das decisões
publicadas no período entre 22/09/2006 e 22/09/2010. A opção adotada foi acrescentar outros
assuntos, para que o universo de decisões obtido refletisse, mais aproximadamente possível, a
quantidade de processos sobre o tema transitados na esfera penal do STJ.
Assim, foi utilizado o método de pesquisa conjugada, mesclando critérios que
resgatassem as decisões pela referência legislativa, ou seja, pelo número da lei, pelo assunto,
por meio da denominação mais conhecida “Lei Maria da Penha” e definição legal “violência
doméstica e familiar”, chegando ao seguinte critério: lei @ref="11340" ou
(lei prox5
("11340"$ ou "11.340"$)) ou (lei adj2 maria adj2 penha) ou violência prox5 (domestica ou
49
O Conselho Nacional de Justiça foi previsto pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, criado em 31 de
dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, “é um órgão do Poder Judiciário com sede em
Brasília/DF e atuação em todo o território nacional, que visa, mediante ações de planejamento, à coordenação,
ao controle administrativo e ao aperfeiçoamento do serviço público na prestação da Justiça”.(CNJ, 2011)
87
familia$). Posteriormente, foi refinada a pesquisa com o critério que possibilita a delimitação
pelo órgão julgador da área penal (5a. Turma, 6a. Turma e Terceira Seção): (5t.org. ou 6t.org.
ou 3s.org.).
O critério final ficou assim definido:
lei @ref="11340" ou (lei prox5 ("11340"$ ou "11.340"$)) ou (lei adj2 maria
adj2 penha) ou violencia prox5 (domestica ou familia$) e (5t.org. ou 6t.org. ou 3s.org.)
O critério acima foi incluído no campo “livre” de pesquisa de Jurisprudência do STJ
(www.stj.jus.br/SCON/). No campo específico, referente ao período pesquisado, foi inserida a
data de publicação, de início 22/09/2006 e final 22/09/2010. Foram obtidas 70 decisões
coletivas (acórdãos) e 648 individuais (monocráticas), totalizando 718 documentos, os quais,
em algum campo, continham referência à Lei Maria da Penha, violência doméstica, familiar
ou Lei 11.340/2006, conforme mostra a Tabela 1, abaixo.
Tabela 1. Documentos por tipo de processo e tipo de decisão no período de 22/09/2006 a
22/09/2010
Tipos de Processo
Habeas Corpus (HC)
Conflito de Competência (CC)
Recurso Especial (REsp)
Recurso Ordinário em Habeas Corpus(RHC)
Agravo
Agravo Regimental no Recurso Especial (AgRg no Resp)
Recurso Extraordinário no Habeas Corpus (RE no HC)
Petição
Petição no Recurso Especial (PET no RESp)
Petição no Habeas Corpus(PETRQ no HC)
Recurso Extraordinário no Agravo Regimental no Recurso
Especial (RE no AgRg no Resp)
Reclamação
Agravo Regimental no Agravo (AgRg no Agravo)
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – RMS
Exceção de Suspeição (ExSusp)
Medida Cautelar Incidental (MC)
Embargos de Declaração no Recurso Ordinário em Habeas
Corpus (Edcl no RHC)
Total
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Monocráticas
(individual)
329
190
90
17
9
0
2
2
2
1
Decisões
Acórdãos
(coletiva)
34
16
7
7
0
5
0
0
0
0
Decisões
obtidas
363
206
97
24
9
5
2
2
2
1
1
1
0
1
0
0
1
0
1
1
1
1
1
1
0
0
1
1
1
648
0
70
1
718
88
Tem-se como pressuposto que o número de processos de violência doméstica que chega
a esse Tribunal, suscitando sua manifestação e resposta, revela uma tendência das principais
questões discutidas a respeito da aplicação da Lei Maria da Penha, nas demais instâncias
judiciárias do País. Antes, porém, é importante lembrar que as desigualdades regionais podem
refletir no acesso a uma instância de hierarquia superior na estrutura do Poder Judiciário,
localizada no centro do País. Embora a informatização judiciária já tenha alcançado a maioria
das cidades interioranas, o STJ tenha disponibilizado a petição eletrônica e esteja em
andamento a digitalização dos processos, esse instrumental demanda custos, o que por si só,
restringe o acesso a essa instância superior da Justiça.
Esse quantitativo passou por filtragens, tendo em vista que a pesquisa buscou analisar as
decisões definitivas com análise de mérito, ou seja, aquelas que mereceram maior
argumentação para a decisão final. Com esse intuito, fez-se uma primeira leitura das decisões,
visando retirar aquelas que não se encaixassem nesse critério50. Nesta fase, evidenciou-se a
exclusão de um elevado número de decisões. Analisando mais detidamente as razões pelas
quais grande parte das decisões foi excluída da base documental inicialmente obtida,
verificou-se a existência de decisões “estranhas” ao tema, devido a erro de digitação na
implantação delas na base de dados do STJ51. Apesar disso, optou-se pela manutenção do
critério de pesquisa, pois possibilitaria agregar mais documentos que só mencionassem a Lei
pelo número e que não fizessem qualquer referência aos termos “violência doméstica” ou
“Lei Maria da Penha”. Detectou-se, também, a existência de casos julgados apenas
liminarmente52, sem decisão final de mérito; em que o pedido foi considerado
“prejudicado”53; “negando seguimento”54 ou “não conhecendo”55 do pedido, “homologando
50
51
52
53
54
Nessa fase preliminar, contei com a colaboração de Cristiane Sales, bacharel em Direito.
Constatou-se 39 ocorrências de decisões “estranhas” ao tema por erro de digitação: ao invés de ser digitado o
termo “Lei nº 11.430/2006”, referente à inclusão do Artigo 41-A à Lei 8.213/1991, foi, equivocadamente,
digitado “Lei nº 11.340/2006”. Foram detectadas 13 ocorrências de casos discutindo outras matérias,
estranhas ao tema da pesquisa.
Usualmente, em HC e RHC, se requer a análise preliminar do pedido, ou seja, a concessão imediata do pedido
(revogação de prisão preventiva, por exemplo) até que seja proferida decisão final quando aquela decisão
liminar poderá ser confirmada ou rejeitada. As decisões liminares, mesmo quando decidem de plano o pedido,
em geral não aprofundam a análise do caso, razão pela qual foram excluídas. Nessa situação, foram
encontradas 211 ocorrências.
Decisões prejudicadas: para melhor compreensão do significado de um pedido julgado “prejudicado”, foi
colhido nas decisões do Grupo II, de forma aleatória, o seguinte exemplo: O ofensor impetra Habeas Corpus
(HC) perante o STJ pretendendo revogar a medida de prisão preventiva, mas, no curso dessa ação, obtém o
relaxamento de sua prisão em outra instância, assim a ação perde o objeto no STJ, tendo em vista que o fim
almejado pela via do HC já foi atingido. Foram encontrados 110 casos julgados “prejudicados”, sendo 84
ocorrências em Habeas Corpus.
As decisões “negando seguimento”, com 37 ocorrências, constou, majoritariamente, dos Recursos Especiais
que buscavam rediscutir o instituto da representação nos crimes de lesão corporal decorrente de violência
89
desistência”56, e decisões “fora do período”57 limite da pesquisa. Após exclusão dessas
decisões, a base documental ficou reduzida a 168 documentos, conforme mostra a Tabela 2:
Tabela 2. Seleção inicial e final de decisões do STJ, com o detalhamento das decisões
excluídas no período de 2006 a 2010
Nega
Seguimento
Não
Conhecido
36*
84
5
9
206
97
109
4
97
82
15
7
24
690
16
522
8
168
15
110
3
91
32
37
4
10
1
1
2
102
Liminar
Prejudicado
327
Declina
Competência
Seleção Final
363
Homologa
Desistência
Fora
período
Estranho ao
tema
Decisões Excluídas
Habeas Corpus
(HC)
Conflito de
Competência(CC)
Recurso Especial
(REsp)
Recurso Ordinário
em Habeas Corpus
(RHC)
Totais Gerais
Seleção Inicial
Tipos de
Processo
Decisões do STJ – 22/09/2006 a 22/09/2010
Decisões excluídas
Detalhamento das decisões excluídas por tipo de
decisão
2
210
2
1
211
41
3
5
52
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota 1: Apenas os primeiros quatro tipos de processos, constantes da Tabela 1, serão considerados para a
pesquisa, pois os demais, em sua maioria, buscam revisar a decisão do STJ naqueles processos, assim,
optou-se apenas pela juntada dos mesmos à decisão principal para efeito de análise das argumentações
dos Ministros (as) do STJ e verificação de possível mudança de entendimento.
Nota 2*: Verificou-se que algumas decisões liminares, em sede de Habeas Corpus, já contavam com decisão
definitiva, sendo essas incorporadas à seleção de documentos para a pesquisa. O número total de
Habeas Corpus passou a ser de 56 decisões, distribuídas nos três grupos, a depender da questão central
tratada (Tabela 3). A partir desse acréscimo, a seleção final contou com 188 documentos.
Realizada uma segunda leitura desses documentos, visando identificar a “questão
central”58 discutida em cada caso, observou-se que três grandes eixos temáticos sobressaíam-
55
56
57
58
doméstica contra a mulher, após a decisão do STJ no Recurso Repetitivo nº 1097042-DF “pacificando” o
assunto, no âmbito daquele Tribunal.
Os casos de “não conhecimento”, com 102 ocorrências, se deram, majoritariamente, nos conflitos de
competência (91 ocorrências), quando o STJ passou a não mais apreciar esses processos, sob a argumentação
de não ser o órgão competente para tal.
Casos em que a própria parte desiste do processo (três ocorrências).
Constam cinco decisões “fora do período”, as quais, embora constem do período trabalhado, foram publicadas
após a data limite da pesquisa (22/10/2010).
A “questão central” pode ser identificada com relativa facilidade, uma vez que a maioria dos Ministros (as)
consignam-na de forma clara em suas decisões.
90
se nas discussões e debates travados no STJ quanto à aplicação da Lei Maria da Penha,
redirecionando o olhar da pesquisa para questões mais específicas. Os três eixos referidos são
os seguintes:
- A definição de qual Juízo irá processar e julgar os casos de violência doméstica contra
a mulher.
- A manutenção ou revogação das medidas protetivas de afastamento e de prisão
preventiva, com a finalidade de assegurar o cumprimento de medidas protetivas de
urgência.
- A representação e a desistência do processo perante o juiz, como forma de proteção à
livre manifestação de vontade da mulher em situação de violência.
As questões acima, mais recorrentes nas decisões do STJ, estão em estreita conexão
com as inovações trazidas pela Lei Maria da Penha, para um tratamento especializado e
diferenciado às mulheres em situação de violência no âmbito do Poder Judiciário. A presente
pesquisa tem como pressuposto que a Lei Maria da Penha alterou substancialmente a forma
pela qual o Judiciário deve atender os casos de violência contra a mulher, ao prever um novo
Juizado Especializado e procedimentos específicos voltados para garantir a segurança da
mulher em situação de violência. Dessa forma, importante saber como os casos de violência
doméstica estão sendo apreciados e julgados e os reflexos para as mulheres em situação de
violência.
Serão detalhadas a seguir, as razões pelas quais o presente estudo considera o “como”
os casos de violência doméstica estão sendo apreciados e julgados como “(des) construtores”
de um serviço de atendimento especializado no Judiciário, que seja efetivamente parte da rede
de atendimento e apoio no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher.
Com relação ao primeiro eixo temático, que trata da definição do órgão julgador dos
casos de violência doméstica contra a mulher, esta pesquisa defende que, à semelhança do
ocorrido nos anos oitenta, quando as feministas alertaram para as peculiaridades do crime de
violência contra a mulher e pressionaram pela criação das delegacias especiais (GROSSI,
1994), a criação de um Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar, com
competência cível e criminal ou a prorrogação da competência das Varas Criminais, vem
também cumprir o papel de tratar de uma forma diferenciada a prática desses delitos; agora,
no âmbito do Poder Judiciário (BRASIL, 2006a, Art.33).
91
Com relação ao segundo eixo temático, sobressaíram decisões a respeito de medidas
protetivas de afastamento e de prisão preventiva, solicitadas pelas mulheres e que os
ofensores, recorrendo à instância superior, buscavam revogar. A Lei Maria da Penha prevê
tanto a concessão quanto a revogação dessas medidas, quando não se fizerem mais
necessárias para resguardar a integridade física e psicológica da mulher em situação de
violência, ou seja, define procedimentos a serem observados nas práticas judiciárias, cujo
fundamento deve levar em conta a inovação trazida pela Lei Maria da Penha, que prevê
medidas mais severas pelo descumprimento de medidas protetivas (BRASIL, 1941, Art. 313,
IV).
O terceiro eixo temático aponta para a discussão de um fenômeno há muito identificado
nos estudos feministas sobre a violência doméstica em relação aos delitos, por exemplo, de
lesão corporal e ameaça: o movimento “de idas e vindas” das mulheres para representar e,
passado algum tempo, desistir da representação, popularmente conhecido como o dar
“queixa” e retirar a “queixa”. A LMP confere nova leitura ao instituto da representação nos
casos de violência doméstica, “dificultando” a desistência pelas mulheres nessa situação, a
depender do contexto da violência. Sendo assim, a base documental da pesquisa passou a
contar apenas com as decisões referentes aos temas acima, totalizando 183 decisões, as quais
foram divididas em grupos, conforme se observa, a seguir.
Tabela 3. Composição dos grupos de decisões por tipo de processo e questão central
Órgão
julgador
Grupo I
109
2*
Tipo de processo
Conflito de Competência (CC)
Habeas Corpus (HC)
Recurso Ordinário em
Corpus(RHC)
Recurso Especial (REsp)
Totais
Grupos de Documentos
Medidas
Represenprotetivas
tação
Grupo II
Grupo III
0
0
19
22
Outras
Questões
0
13
Habeas
0
0
111
5
0
24
1
10
33
2
0
15
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota 1: No item “Outras Questões”, foram identificadas as seguintes: suspensão condicional do processo (7);
trancamento (2); mudança regime prisional e redução da pena (2); falta de intimação Defensoria Pública
(2); aditamento denúncia (1) e produção antecipada provas (1).
Nota 2*: Foram identificadas duas ações de Habeas Corpus, impetradas pelo Ministério Público e Advogado,
com o objetivo de questionar a competência, no curso do processo de violência doméstica contra a
mulher. Contudo, essas duas ações não serão objeto de análise, considerando a majoritária ocorrência
de questionamento feito por juízes (as). Sendo assim, o Grupo I contará com 109 decisões.
92
Assim, o primeiro Grupo concentrou decisões que traziam a discussão acerca do órgão
julgador competente para os casos de violência doméstica contra a mulher, enquanto não
instituídos os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, totalizando 109
decisões, em Processos de Conflito de Competência.
O Grupo II foi formado com as decisões acerca das medidas protetivas de afastamento 59
e de prisão preventiva, totalizando 24, em processos de Habeas Corpus e Recurso Ordinário
em Habeas Corpus.
O Grupo III foi formado com as decisões que discutiam a representação e a desistência
da ação penal pela mulher ofendida, totalizando 33, em Recurso Especial e Habeas Corpus.
O critério adotado para a seleção das decisões nos processos de violência doméstica
contra a mulher privilegiou os órgãos que julgam matéria de natureza penal (Terceira Seção,
Quinta e Sexta Turmas), levando-se em conta que, no que concerne à violência doméstica
contra a mulher, foi esta a matéria mais questionada no âmbito do STJ, resultando em maior
número de decisões.
A Terceira Seção interessa de modo especial à pesquisa, sendo composta pelos
Ministros (as) da Quinta e Sexta Turmas, órgãos pelos quais são julgados os Habeas Corpus,
Recursos Especiais e os processos referentes a Conflitos de Competência, de natureza penal
(Cf. RISTJ). No período da pesquisa, de 22 de setembro de 2006 a 22 de setembro de 2010, a
Quinta Turma contou com a participação dos Ministros: Arnaldo Esteves Lima; Felix Fischer;
Jorge Mussi; Laurita Vaz; Napoleão Nunes Maia Filho 60. A Sexta Turma, composta pelos
integrantes: Jane Silva/Celso Limongi61; Maria Tereza Assis Moura; Nilson Naves; Hamilton
Carvalhido/Og Fernandes62; Paulo Gallotti/ Haroldo Rodrigues63.
A indicação dos nomes de Ministros (as) que integravam a Terceira Seção, Quinta e
Sexta Turmas, foi a título de ilustração, pois este estudo não tem por objetivo destacar
59
Foram incluídas na classificação “medida protetiva de afastamento” todos os casos encontrados de medida
protetiva que impôs limitação à aproximação do ofensor em relação à ofendida: afastamento do lar (1);
proibição de condutas (1); proibição de aproximação da ofendida pelo menos em 200m (1); proibição de
aproximação e contato e alimentos provisionais (1); proibição de aproximação em um raio de 50m (1)
60
Os Ministros Jorge Mussi e Napoleão Nunes Maia Filho passaram a integrar a Quinta Turma em 12/12/2007 e
23/05/2007, respectivamente. (STJ, 2011)
61
A Ministra Jane Silva, Desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi convocada para compor a
Sexta Turma do STJ em 12/12/2007; sucedeu-a o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Celso
Limongi, a partir de 09/02/2009. (STJ, 2011)
62
O Ministro Og Fernandes sucedeu ao Ministro Hamilton Carvalhido em 18/06/2008. (STJ, 2011)
63
O Ministro Haroldo Rodrigues sucedeu ao Ministro Paulo Galloti em 1º/08/2009. Em período próximo à data
final da pesquisa ocorreram outras alterações que não serão aqui registradas. (STJ, 2011)
93
individualmente os Ministros (as) e suas decisões. O que se pretende obter é a resposta da
instituição STJ, emanada de decisão coletiva ou individual, aos diversos questionamentos
sobre a violência doméstica contra a mulher. Entretanto, não se desconhece o papel destacado
de alguns Ministros (as) no julgamento desses casos, como o expresso no Recurso Especial nº
1.097.042-DF:
Gostaria, ao lavrar o meu voto, de fazer uma homenagem à Sra. Ministra
Jane Silva, porque ela, como disse bem o Sr. Ministro Nilson Naves, como a
maior defensora entre nós, pelo menos na 6a. Turma, de uma maneira bem
marcante, nos fez estudar a fundo a lei [...] (BRASIL, REsp nº 1.097.042DF, p. 43, 2010a).
Verificou-se, também, que as questões centrais, constantes dos Grupos I, II e III
concentraram-se em apenas alguns tipos de processos: Conflito de Competência (CC),
Habeas Corpus (HC), Recurso em Habeas Corpus (RHC) e Recurso Especial (REsp) (Cf.
Tabela 1), por intermédio dos quais se buscou um posicionamento do STJ acerca da aplicação
da Lei Maria da Penha.
A seguir, serão tecidos breves comentários sobre esses tipos de processos e sua relação
com os casos de violência doméstica contra a mulher.
- Conflito de Competência
A competência é um dos principais delimitadores da atuação do juiz, e alguns critérios
são estabelecidos para a sua definição. O Código de Processo Penal (CPP) estabelece, em seu
artigo 69, que a competência jurisdicional será determinada pelo lugar onde ocorreu a
infração; pelo domicílio ou residência do réu; pela natureza da infração, pela distribuição, e
outros.
De acordo com os artigos 113 e 114 do CPP, haverá conflito de jurisdição: I - quando
duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes, ou incompetentes, para
conhecer do mesmo fato criminoso […]. Quando dois ou mais Juízes se declaram
competentes, a divergência se resolve pela instauração e decisão no conflito positivo; e,
quando dois ou mais Juízes se declaram incompetentes, este se resolve pela decisão no
conflito negativo. As partes no processo ou o Ministério Público também podem questionar a
competência jurisdicional (BRASIL, 1941, Art. 115), quando entenderem que não cabe
94
àquele Juízo, para o qual a ação foi distribuída, decidir o litígio.
A discussão em torno do órgão julgador constitui-se uma das questões cruciais para a
afirmação da Lei Maria da Penha como instrumento normativo adequado para todos os delitos
de violência no ambiente doméstico-familiar ou nas relações afetivas praticados contra as
mulheres, tendo em vista que essa Lei dita um novo paradigma de “atenção” para as mulheres
em situação de violência no Judiciário e são os Juizados de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher (Juízo Único)64 ou as Varas Criminais que aplicarão essa Lei, na instância de
origem da violência.
Conforme será mostrado na análise dos dados, os casos de Conflito de Competência em
processo de violência doméstica contra a mulher que chegaram ao STJ tiveram origem na
declaração de incompetência de duas ou mais autoridades judiciárias para apreciar e julgar o
litígio. O segundo juiz a se declarar incompetente instaura o Conflito e o remete à instância
superior, no caso, o STJ, com base na previsão constitucional do artigo 105, I, alínea “d”65.
Na maioria dos casos, os questionamentos que levam à instauração do Conflito de
Competência refere-se à natureza da infração e aplicação da Lei Maria da Penha: se é
violência doméstica (em função do delito praticado, da relação afetiva entre as partes) ou
infração de menor potencial ofensivo, sujeito à Lei nº 9.099/95, nos Juizados Especiais
Criminais (JECrims).
Os JECrims aplicam a Lei nº 9.099/95 aos delitos por ela classificados de menor
potencial ofensivo e a Lei nº 11.340/2006 afastou a aplicação dessa Lei exatamente por
entender que os casos de violência doméstica contra a mulher não são delitos de menor
64
O termo “Juízo Único” não consta da Lei e nem nas decisões, porém, preferencialmente, utiliza-se esse termo
na presente pesquisa para chamar a atenção quanto à diferença deste Juízo em relação aos demais, pela sua
competência mista: cível e criminal. Esse termo foi cunhado pelas feministas, integrantes do Consórcio de
ONGs, que elaborou o anteprojeto de lei de violência doméstica. No jargão jurídico e nos casos de violência
doméstica contra a mulher é comum a utilização do termo “Foro privilegiado da mulher” para demarcar a
competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou as Varas Criminais, prevista
pela Lei nº 11.340/2006.
65
Normalmente, os conflitos de competência, no âmbito da justiça comum, são resolvidos nos respectivos
Tribunais de Justiça de cada Estado, aos quais os juízos de origem, que se declararam incompetentes, se
vinculam. Entretanto, o STJ atraiu para si a competência para julgar os conflitos surgidos entre as Varas
Criminais e Juizados Especiais Criminais (JECrims) nos casos de violência doméstica contra a mulher, em
analogia ao entendimento adotado na Súmula 348/STJ de 04/06/2008, Dje 09/06/2008, que estabelece:
Competência - Conflitos entre Juizado Especial Federal e Juízo Federal. Compete ao Superior Tribunal de
Justiça decidir os conflitos de competência entre juizado especial federal e juízo federal, ainda que da mesma
seção judiciária. O argumento, nos conflitos envolvendo violência doméstica contra a mulher, era o seguinte:
“[...] a despeito da inegável hierarquia administrativo-funcional, as decisões proferidas pelo segundo grau de
jurisdição da Justiça Especializada não se submetem à revisão por parte do respectivo Tribunal – deverá o
Conflito de Competência ser decidido por esta Corte Superior de Justiça, a teor do Artigo 105, I, alínea d, da
Constituição Federal[...]”.(BRASIL, CC nº 100.654-MG, 2010a).
95
potencial ofensivo. Assim, foram estabelecidos procedimentos específicos a serem adotados
pelos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, os quais constituirão a “matéria”
específica desses juizados. Na falta do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, cabe às
Varas Criminais receber as ações que versem sobre essa matéria (BRASIL, 2006a, Art.33).
Nesses Juizados ou nas Varas Criminais, a competência será mista, abrangendo matéria cível
e criminal, com a finalidade de se concentrar em um mesmo órgão a apreciação de pedidos de
matéria tipicamente penal (por exemplo, medidas protetivas de afastamento ou de prisão
preventiva), e também pedidos de natureza cível (sobre alimentos, separação de corpos,
guarda dos filhos, visitas, entre outras). Uma inovação no cenário jurídico nacional, para
atender com mais presteza às diversas demandas das mulheres em situação de violência.
Segundo Kato (2008), a competência de um Juizado específico para apreciação dos
casos de violência doméstica ou as Varas Criminais, com o tratamento jurisdicional unificado,
rompe com o critério tradicional de separação das instâncias cíveis e criminais, tratando-se de
uma inovação, como meio de se alcançar os fins sociais previstos na LMP. Acrescenta a
autora que “basta pensar na burocracia da prestação jurisdicional fragmentada, [...] em que as
classes menos favorecidas fazem parte da clientela beneficiária da proteção legal, para se ter
ideia da magnitude dos benefícios da competência unificada da Vara Especial” (KATO, 2008,
p. 281).
Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o Conflito de Competência
deflagrado em razão da declaração de dois ou mais Juízes de que são incompetentes para
apreciar a causa posta sob sua análise tem efeitos nefastos para as mulheres em situação de
violência, considerando-se que cabe ao Juizado Especializado ou às Varas Criminais o
“acolhimento” da causa (BRASIL, 2006a, Art.14 e 33) e a aplicação dos procedimentos
especiais66, entre os quais, as medidas urgentes, de natureza mista, cível e criminal.
Coube ao STJ papel significativo, ao dirimir os Conflitos de Competência mais
sensíveis à aplicação da Lei Maria da Penha (JECrims e Varas Criminais), considerando as
resistências enfrentadas pela nova Lei, desde sua publicação, para afastar em definitivo as
regras da Lei nº 9.099/95 e, portanto, os procedimentos dos Juizados Especiais Criminais
(JECrims) dos casos de violência doméstica contra a mulher.
66
Apenas para citar alguns procedimentos especiais e diferenciados que a LMP prevê: a análise de medidas
protetivas de urgência para a ofendida e medidas que obrigam o agressor (Arts. 22 e 23) a assistência prevista
no Artigo 9º em relação à saúde, ao emprego e inclusão em programas assistenciais; o atendimento por equipe
multidisciplinar (psicológico, jurídico e saúde) a ser criados nos Juizados Únicos (Artigo 29), entre outros.
96
O STJ, ao decidir sobre o órgão julgador para o caso, ou seja, onde o caso de violência
doméstica contra a mulher será apreciado, define o alcance da Lei Maria da Penha às
mulheres em situação de violência, quais mulheres e em que situações estariam sob o amparo
dessa Lei.
- Habeas Corpus
Este é o instrumento, por excelência, que possibilita afastar lesão ou a ameaça de lesão
ao direito de ir e vir. Previsto constitucionalmente67, é chamado de “remédio constitucional”
contra essas restrições, mas também tem sido utilizado na esfera penal para apontar
ilegalidades no curso do processo, as quais, se mantidas, poderão resultar em constrangimento
ao direito de locomoção.
Pela base documental (Tabela 1), constatou-se grande incidência de Habeas Corpus
para questionar tanto a concessão de medidas protetivas quanto ilegalidade no curso do
processo, destacadamente, quanto à representação como condição de procedibilidade ou não,
para o prosseguimento da ação penal em delito de lesão corporal praticado contra a mulher no
ambiente doméstico-familiar.
- Habeas Corpus para questionar as medidas protetivas de afastamento e de prisão
Conforme mostrado no Capítulo II, um dos objetivos que norteou os trabalhos de
elaboração da Lei especial de violência doméstica foi prover da mais ampla proteção a
integridade física e psicológica das mulheres em situação de violência. A Lei Maria da Penha
coloca no centro a proteção das mulheres em situação de violência, sendo essa a finalidade
precípua das medidas protetivas, notadamente aquelas “que obrigam o agressor” (BRASIL,
2006a, Art.22). A partir da análise do caso, se necessário for, as medidas referidas podem ser
adotadas. Os ofensores têm se valido do Habeas Corpus contra a adoção dessas medidas.
67
Cf. Constituição Federal de 1988, Artigo 5º, inciso LXVIII: “conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder”.
97
A concessão ou revogação dessas medidas tem reflexo direto para as mulheres em
situação de violência, uma vez que tais restrições impostas ao ofensor têm por objetivo afastar
o risco à integridade física e psicológica dessas mulheres.
- Habeas Corpus para questionar o instituto da representação
O Habeas Corpus também tem sido utilizado para apontar ilegalidade no curso do
processo (GROSNER, 2008). Nos casos de violência doméstica, os ofensores têm se valido
deste tipo de ação para questionar, essencialmente, a inexistência da representação da mulher
no processo e a sua imprescindibilidade para que o mesmo tenha prosseguimento, sob a
alegação de que a Lei Maria da Penha não afastou a representação do delito de lesão corporal
em contexto de violência doméstica contra a mulher. Ao se manifestar sobre o assunto, o STJ
declara o seu entendimento sobre a matéria, cuja decisão passa a orientar outros casos
semelhantes. As decisões, envolvendo o questionamento da representação e sua desistência
em Habeas Corpus, foram juntadas às decisões em Recurso Especial, passando a compor a
base documental do Grupo III.
- Recurso Especial
O Recurso Especial tem sido utilizado, em geral, pelos representantes do Ministério
Público Estadual e, também, pelos ofensores, por intermédio da Defensoria Pública, para
questionar a aplicação do instituto da “representação” (a sua exigência ou a sua dispensa) aos
delitos de lesão corporal cometidos contra as mulheres no ambiente doméstico-familiar.
Considerando-se que a exigência de representação para os crimes de lesão corporal foi
instituída pela Lei nº 9.099/95, o afastamento desse normativo pela Lei Maria da Penha
afastaria, também, essa exigência nos casos de lesão corporal.
Ocorre, entretanto que, independentemente de se exigir a representação para a
instauração da ação penal nos delitos de lesão corporal ou outro delito cometido contra as
mulheres, cabe lembrar que o artigo 16 da Lei Maria da Penha modificou o instituto da
representação aos casos de violência doméstica contra a mulher, tendo por objetivo a proteção
das mulheres em situação de violência, conforme se observa da transcrição do referido
dispositivo: Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que
98
trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o
Ministério Público.
A desistência da mulher em representar ou, em outras palavras, a retirada da autorização
para que o poder público atue nesses delitos tem como beneficiário direto o ofensor, pois o
delito deixa de ser apurado e, se for o caso, de ser punido. Assim, pelo comando do artigo 16,
presume-se que Juízes e representantes do Ministério Público observarão o contexto maior da
violência e a existência de algum indício de “coação” por parte do ofensor ou outros
elementos, como medo, dependência econômica e emocional, os quais, se presentes,
autorizariam o prosseguimento da ação, independentemente da vontade da mulher.
Na análise das argumentações, serão mais detalhadas as implicações dessas decisões
para as mulheres em situação de violência. Essas informações são apenas um breve apanhado
das características dos processos mais frequentes na base documental do Grupo III, e têm por
objetivo conhecer a ligação entre esses instrumentos jurídicos e sua utilização nos casos de
violência doméstica contra a mulher.
Importante registrar que não são as mulheres a se utilizarem de outras instâncias para
buscar o seu direito à não violência. Porém, todas as decisões têm implicações nesse direito,
uma vez que repercutem no Juízo de origem, primeiro serviço de atendimento no Judiciário,
onde as mulheres depositam suas expectativas de alterar a situação de violência vivenciada.
Com o objetivo de conhecer as práticas judiciárias no contexto da violência doméstica
contra a mulher, adotou-se a técnica de análise prática documental sobre os dados coletados
nas 166 decisões definitivas do STJ. Como guia de análise foi utilizado um instrumento de
pesquisa, para cada Grupo, especificamente criado para essa finalidade (APÊNDICES A, B e
C), preenchido com os dados mais gerais dos processos a que se vinculam as decisões, como
tipo de processo, tipo de decisão, ano da publicação, origem, quem recorreu ao STJ,
argumentos na origem e no STJ, entre outros; e alguns dados, mais específicos, quanto ao tipo
de delito, pessoa ofendida, dados da audiência acerca da forma pela qual foi manifestada a
representação e a sua desistência (retratação)68. As abordagens qualitativa e quantitativa
podem “produzir riqueza de informações, aprofundamento e maior fidedignidade
68
O preenchimento do instrumento de pesquisa contou com os dados das decisões do STJ. Em relação aos dados
mais específicos referentes à representação, desistência e dados da audiência, foram consultados dezessete
processos, no Serviço de Arquivo do STJ, e onze processos pelo sistema de consulta eletrônica (digitalizados).
99
interpretativa” (DESLANDES et al, 2010, p. 22). Assim, na análise das decisões, optou-se
pela abordagem quantitativa das ocorrências encontradas nas características dos processos,
reservando-se a abordagem qualitativa aos dados colhidos relativos aos argumentos
prevalecentes nas decisões.
Os próximos capítulos foram dedicados a conhecer as práticas judiciárias nos casos
violência doméstica contra a mulher, pela análise das decisões definitivas que chegaram ao
STJ nos primeiros quatro anos de vigência da Lei Maria da Penha.
100
5. ANÁLISE DAS DECISÕES DO STJ – GRUPO I
– a quem compete julgar os casos de violência doméstica contra a mulher
De acordo com a Lei Maria da Penha, todos os casos de violência doméstica contra a
mulher devem ser apreciados e julgados nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar ou
nas Varas Criminais, onde ainda não tiver sido instalado o Juizado específico de Violência
Doméstica e Familiar69, devendo, inclusive, ser garantido, pelas Varas Criminais, o direito de
preferência a essas causas (BRASIL, 2006a, Art. 33). A afirmação dessa competência pelos
Juízes, ao receber e apreciar os casos de violência doméstica contra a mulher, analisar pedidos
de medidas protetivas, acionar outros serviços integrantes das redes de apoio (equipe
multidisciplinar, casas abrigo e outras porventura necessárias), é o ponto de partida para que o
atendimento às mulheres em situação de violência, no âmbito do Judiciário, integre de forma
efetiva a rede de proteção contra essa violência. A negativa dos Juízes em analisar, de
imediato, essas causas fragiliza uma parte essencial dessa rede de proteção que depende,
essencialmente, da atuação desses operadores do direito70, considerando, especialmente, que
atos essenciais a sua segurança (medidas protetivas tais como afastamento do ofensor,
separação de corpos, alimentos, regulamentação de visitas) são adiados até que se defina
quem vai julgar esses processos.
Conforme será detalhado na exposição de dados, a maioria dos casos de violência
doméstica contra a mulher que chegaram ao STJ tinham por objetivo resolver o “conflito
negativo” entre as Varas Criminais e os JECrims, um afirmando a competência do outro, para
se esquivar de apreciar o caso, evidenciando a resistência das Varas Criminais em julgar
69
70
À exceção dos crimes dolosos contra a vida (homicídios, tentativa de homicídio), cuja instrução cabe aos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar, mas são julgados nos Tribunais do Júri.
Não se pode deixar de considerar que as medidas iniciais a serem tomadas nos casos de violência doméstica
contra a mulher são de caráter emergencial (ver Capítulo II da LMP), sendo assim o fator “demora” para
apreciação do processo tem reflexo direto para as mulheres ofendidas. Pela escassez de dados nas decisões,
não foi possível identificar o tempo transcorrido entre a data de ocorrência da violência e a data de apreciação
final do Conflito de Competência pelo STJ. Parte desse tempo pode ser aferido a partir da data de autuação
no STJ e a publicação da decisão. Tomando por base apenas as decisões coletivas (acórdãos), constatou-se
uma demora de cerca de seis a oito meses, em média, para a resolução do Conflito, nesse Tribunal.
101
delitos que anteriormente eram afetos aos Juizados Especiais Criminais (JECrims) e
considerados de menor potencial ofensivo.
O pressuposto da pesquisa é de que a consolidação do serviço de atendimento às
mulheres em situação de violência no Judiciário depende em grande medida de seu
funcionamento célere. Porém, a existência de um número relevante de casos, no STJ, em que
se questiona quem é o órgão julgador, por si só, indica um comprometimento nesse serviço de
atendimento.
A seguir, serão apresentadas as características dos processos pelo número de
ocorrências, reservando-se à análise qualitativa aos argumentos constantes das decisões.
5.1 – OS DADOS DO GRUPO I
- O dilema no Juízo de origem: julgar ou não julgar
Chamou a atenção na análise dos dados do Grupo I, o fato de que todos os Conflitos
suscitados nos casos de violência doméstica contra a mulher levados ao STJ são casos de
conflito negativo, ou seja, nenhum Juízo (Vara Criminal, JECrim, outro) julga-se competente
para sua apreciação e julgamento. Na dúvida, prevalece o “não julgar”, enviando o processo
para outro Juízo ou para o STJ. Interessante que a LMP, ao estabelecer a competência das
Varas Criminais para a apreciação dos casos de violência doméstica, buscou assegurar o
acesso à Justiça às mulheres em situação de violência cuja localidade não contasse com um
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, considerando, entre outros
fatores, que a experiência dos JECrims evidenciou que esse acesso era negado e os conflitos
de violência doméstica, na maioria dos casos, eram reprivatizados.
Não foi observado nenhum caso de conflito positivo. Em tese, aquele em que dois ou
mais Juízes “disputariam” a competência para julgar os casos de violência doméstica contra a
mulher. No entanto, tem-se como importante para as mulheres em situação de violência que
não haja conflito e que na melhor das hipóteses a divergência quanto ao órgão julgador seja
102
minimizada ao máximo para que a apreciação rápida de suas demandas, em Juízo, não sofra
prejuízo.
Na pesquisa, tem-se como pressuposto que a controvérsia sobre o órgão competente
para os casos de violência doméstica contra as mulheres envolve apenas duas autoridades
judiciárias (Juízes)71. Entretanto, este Grupo revela ocorrência de situações inusitadas, tais
como a seguinte:
Inicialmente, o processo tramitou pelo Juizado Especial de Juiz de Fora, que
declinou da competência para o Juízo comum daquela localidade, que
devolveu os autos ao primeiro. Este, por sua vez, suscitou conflito ao
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que declinou da competência para esta
Corte Superior. (BRASIL, CC nº 105914-MG, Dje 17/08/2009, 2010b).
Verificou-se a incidência majoritária de conflitos entre Juízes das Varas Criminais e
JECrims. Considerando que a Lei Maria da Penha é clara quando estabelece que as Varas
Criminais são as competentes para apreciar esses casos - até que os Juizados de Violência
Doméstica sejam instalados - os Juízes das Varas Criminais, via de regra, negam aplicação da
Lei nº 11.340/2006 ao caso, argumentando, entre outros fatores, que os fatos narrados não
caracterizam violência doméstica. Os JECrims, por outro lado, ao buscar afastar a sua
competência, reforçam a aplicação da Lei Maria da Penha ao caso concreto. Todavia, como
será mostrado mais adiante, isso não significa uma mudança de postura quanto à compreensão
da violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos.
Importante registrar que, não obstante sejam os Juízes a encaminhar a divergência,
constata-se que eles costumam acompanhar o posicionamento do representante do Ministério
Público Estadual a respeito do assunto. Na pesquisa, esse dado não foi colhido; buscou-se a
posição final do Juiz sobre o assunto, mas sobressaiu na leitura dos documentos uma possível
“sintonia” entre esses dois operadores do direito (Juízes e representantes do Ministério
Público) ao apreciar casos de violência doméstica contra a mulher; seria interessante
investigar em pesquisa específica e conhecer o seu real alcance e os reflexos para as mulheres
em situação de violência.
71
Considera-se, a título de simplificação, que apenas dois juízos na origem, ou seja, onde ocorreu a violência, se
declararam incompetentes, porém pode ocorrer que o “caso” transite em mais de duas Varas/Juizados antes de
ser remetido à instância superior para decisão.
103
5.1.1 Características dos Processos do Grupo I
Após leitura e preenchimento do instrumento de pesquisa específico para as decisões do
Grupo I, as 109 decisões apresentaram as seguintes características.
- Casos julgados pelo STJ, pelo ano de publicação
Tabela 4. Número de decisões do Grupo I pelo ano de publicação
Ano de Publicação
2006
2007
2008
2009
2010
Total
Frequência
0
1
7
95
6
109
%
0.00
0.92
6.42
87.16
5.50
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
A Tabela 4 revela pouca incidência de decisões no período inicial da pesquisa (nenhuma
em 2006 e algumas em 2007 e 2008), intensa concentração no ano de 2009 e um decréscimo
considerável em 2010. Não causa surpresa a inexistência de decisões em 2006 e pouca
ocorrência em 2007, pois, em geral, os processos passam por outras instâncias e demoram a
chegar ao STJ, além da divergência de interpretação se cabia realmente ao STJ julgar esses
casos72. Quanto à queda brusca em 2010, essa foi creditada, em um primeiro momento, ao
prazo final da pesquisa que se estende apenas até setembro de 2010. Contudo, analisando a
base documental inicialmente obtida, foi possível constatar, pela Tabela 2, a ocorrência de um
grande número de casos “não conhecidos” (91) pelo STJ, sendo 75 em 2009 e 16 em 2010,
indicando que desde meados de 2009, deixou o STJ de julgar esses conflitos73. As
72
73
Essa divergência foi resolvida pela adoção da Súmula nº 348/STJ, em 2008.
Conforme será explicitado mais adiante, o STJ deixou de julgar os Conflitos de Competência entre os JECrims
e as Varas Criminais a partir do segundo semestre de 2009, encaminhando-os para os respectivos Tribunais de
Justiça de origem. Assim, torna-se importante conhecer como os Tribunais de Justiça dos Estados estão
julgando esses casos, qual a linha de entendimento adotada e, em especial, se os conflitos envolvem os Juízos
das Varas Criminais e JECrims, à semelhança do apontado nesta pesquisa.
104
justificativas do STJ para o “não conhecimento” desses casos e as implicações para as
mulheres em situação de violência serão objeto de análise posterior.
- Casos julgados pelo STJ, pela unidade da federação
Tabela 5. Número de decisões do Grupo I pela unidade da federação
Unidade da Federação de origem
Amazonas
Distrito Federal
Minas Gerais
Mato Grosso do Sul
Paraíba
Paraná
Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
Total
Frequência
5
1
88
1
3
3
7
1
109
%
4.58
0.91
80.74
0.91
2.75
2.75
6.45
0.91
100.00%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Ressalta na base de decisões do Grupo I elevado número de casos originários de Minas
Gerais. Conforme será mostrado nas Tabelas 6 e 7, abaixo, essa intensa concentração não
significa, necessariamente, uma disseminação de conflitos de competência por todo o Estado,
mas uma recidiva insistente de algumas Varas Criminais na utilização desse recurso jurídico,
que resulta em procrastinação ou “demora” na apreciação daquele caso concreto de violência
contra a mulher levado ao Judiciário. Os argumentos provenientes das Varas Criminais,
apresentados mais adiante, evidenciam as razões dessa postura resistente à aplicação da LMP.
Em relação à baixa ocorrência de casos de outros Estados que chegam ao STJ, deve ser
considerado o fato de que, dada a divergência sobre a competência do STJ em dirimir esses
conflitos, não seria de todo descabido que diversos Tribunais de Justiça dos Estados já
estivessem resolvendo esses casos, hipótese esta passível de verificação apenas em pesquisa
específica.
- Primeiro Juízo a se declarar incompetente
Uma pergunta que logo surgiu na análise das decisões do Grupo I, após ser identificada
a unidade da federação de origem desses conflitos, foi saber qual Juízo declarava-se
incompetente para julgar esses casos. Assim, foram colhidos os dados relativos ao Juízo de
105
origem, o suscitado (o primeiro a se declarar incompetente) e o Juízo suscitante (o segundo a
se declarar incompetente e instaurar o conflito). Esses dados serão importantes na análise dos
argumentos construídos pelos Juízos de origem para afastar sua competência ao caso de
violência doméstica.
Tabela 6. Juízos de origem presentes nas decisões do Grupo I (suscitado)
Juízo Suscitado – aquele que primeiro se declarou incompetente
Juízo/Vara
Frequência
JD da Vara Criminal de Vespasiano-MG
18
JD da Vara Criminal da Infância e Juventude de Vespasiano-MG
13
JD 1ª Vara Criminal de Juiz de Fora-MG
8
JD 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete-MG
7
JD 1ª Vara Criminal e da Infância e Juventude de São João Del Rei-MG
6
JD da 1ª Vara Criminal de Teófilo Otoni-MG
5
JD da Vara Criminal de São Sebastião do Paraíso-MG
5
JD de Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso-MG
4
JD da 1ª Vara Criminal de Ponta Grossa-PR
3
JD da 1ª Vara Criminal de Ibirité- MG
1
JD da 2ª Vara Criminal e de Exec. Criminais de São João Del Rei-MG
1
JD da 1ª Vara de Souza-PB
1
JD da 4a. Vara Cível de Sousa -PB
1
JD da 1a. Vara Cível e Criminal de Execuções Penais de Oliveira
1
JD da 1a. Vara de Além Paraíba-MG
1
Varas Criminais
75
JD Juizado Especial Criminal de Governador Valadares-MG
7
JD Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete-MG
6
JD da 19ª Vara Juizado Especial Criminal de Manaus-AM
5
JD do Juizado Especial Criminal de Itajuba-MG
2
JD 2ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Poços de Caldas-MG
1
JD da Vara do Juizado Especial Criminal de São João Del Rei-MG
1
JD Juizado Especial Criminal de Betim - MG
1
JD do Juizado Especial Criminal de Santa Maria-RS
1
JD do Juizado Especial de Competência Geral da Circunscrição Judiciária
de Brazlândia-DF
1
JD do 2º Juizado Especial Misto de Sousa-PB
1
JECrims
26
Tribunal de Justiça do RJ
7
Tribunal de Justiça do Estado de MS
1
Tribunais de Justiça
8
Total
109
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: Para melhor otimização do espaço da tabela, utilizou-se a sigla JD para Juízo de Direito.
%
16.51
11.93
7.34
6.42
5.50
4.59
4.59
3.67
2.75
0.92
0.92
0.92
0.92
0.92
0.92
68.81
6.42
5.50
4.59
1.83
0.92
0.92
0.92
0.92
0.92
0.92
23.85
6.42
0.92
7.34
100%
106
Pela Tabela 6 acima, foram constatadas 75 ocorrências em que as Varas Criminais são
os primeiros Juízos a se declarar incompetentes. Sendo assim, pode-se deduzir que a maioria
dos casos de violência doméstica estão sendo distribuídos para as Varas Criminais; entretanto,
estas, irresignando-se em apreciar e julgar os casos de violência doméstica contra a mulher,
encaminham os casos para outro Juízo e, conforme mostrará a próxima tabela de nº 7, o
destino são os JECrims.
Constata-se, também pela Tabela 6, 26 ocorrências para os JECrims como primeiro
órgão a receber o caso de violência doméstica contra a mulher. A distribuição desses casos
para os JECrims parece indicar que o procedimento adotado em algumas delegacias segue o
rito da Lei nº 9.099, de 1995. Contudo, esse dado não será objeto de análise mais
aprofundada. Importa saber aqui, apenas, quais os argumentos dos JECrims quando remetem
esses casos às Varas Criminais para que seja aplicada a Lei Maria da Penha.
A Tabela 6 revela, também, casos de negativa de Tribunais de Justiça em analisar os
conflitos surgidos no interior do Estado, sob o argumento de que as Turmas Recursais são as
competentes para a causa. As Turmas Recursais têm competência para rever as decisões dos
JECrims, ou seja, apenas os casos em que se aplica a Lei 9.099/95. Adotando esse
entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o de maior ocorrência, deixa
clara a sua compreensão de que não se trata de matéria afeta à Lei Maria da Penha, mas, sim,
sujeita à Lei dos Juizados Especiais Criminais (JECrims), conforme será mostrado mais
adiante, sob o argumento de que são delitos de menor potencial ofensivo.
- Segundo Juízo a se declarar incompetente
Conforme visto na Tabela anterior, na maioria dos casos, o caminho percorrido pelo
caso de violência doméstica contra a mulher tem início nas Varas Criminais e toma o rumo
dos JECrims. Essa trajetória é confirmada pela Tabela 7, abaixo, que apresenta o maior
número de casos recebidos pelos JECrims (75). Esses órgãos, julgando-se, também,
incompetentes e instaurando o conflito negativo de competência, encaminham essas causas
para o STJ74. No entanto, esse percurso nem sempre é linear, por vezes o caso de violência
74
Alguns casos passaram primeiro pelos Tribunais de Justiça do Estado.
107
doméstica contra a mulher transita em círculo,75 retornando ao primeiro Juízo que se declarou
incompetente.
Tabela 7. Juízos de origem presentes nas decisões do Grupo I (suscitante)
Juízo Suscitante – segundo a se declarar incompetente encaminhando o caso para o STJ
Juízo/Vara
Frequência
%
Turma Recursal dos Juizados Especiais do RJ
7
6.42
2º Turma Recursal Mista de Campo Grande-MS
1
0.92
Turmas Recursais
8
7.34
JD do Juizado Especial Criminal de Vespasiano-MG
30
27.52
JD do Juizado Especial de São Sebastião do Paraíso - MG
9
8.26
JD da Vara do Juizado Especial Criminal de Juiz de Fora-MG
8
7.34
JD do Juizado Especial de São João Del Rei - MG
6
5.36
JD do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete-MG
5
4.59
JD do Juizado Especial Criminal de Teófilo Otoni - MG
4
3.67
JD do Juizado Especial Criminal de Ponta Grossa-PR
3
2.75
JD 2ª Juizado Especial Criminal de Teofilo Otoni-MG
2
1.83
JD da 1ª Vara do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete-MG
1
0.92
JD da 2ª Vara do Juizado Especial Criminal de Vespasiano - MG
1
0.92
JD Juizado Especial Criminal de Oliveira - MG
1
0.92
JD Juizado Especial Cível e Criminal de São João Del Rei-MG
1
0.92
JD do 2ª Juizado Especial Misto de Sousa-PB
1
0.92
JD Juizado Especial Criminal de Além Paraíba - MG
1
0.92
JD Juizado Especial Criminal de Ibirité - MG
1
0.92
JD do 1ª Juizado Especial de Sousa-PB
1
0.92
JECRims
75
68.81
JD da 1ª Vara Criminal de Governador Valadares - MG
7
6.42
JD 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete - MG
6
5.50
JD de Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a
Mulher de Manaus-AM
5
4.59
JD da Vara Criminal de Infância e Juventude de Itajubá - MG
2
1.83
JD da 5a. Vara de Sousa - PB
1
0.92
JD 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas-MG
1
0.92
JD 1ª Vara Criminal e Acidentes do Trabalho de Betim - MG
1
0.92
JD da 1ª Vara Criminal da Infância e Juventude de São João Del Rei - MG
1
0.92
JD da 4a. Vara Criminal de Santa Maria - RS
1
0.92
JD da Vara Criminal do Juri e dos Delitos de Trânsito de Brazlândia-DF
1
0.92
Varas Criminais
26
23.85
Total
109
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
75
A trajetória “circular” é aqui entendida como aquela em que o caso transita de um lugar para outro e acaba
retornando para o primeiro Juízo que se declarou incompetente. Essa trajetória pode ser conferida no CC
105914-MG.
108
A Tabela 7 revela ainda que, nos próprios Juizados de Violência Doméstica contra a
Mulher, criados especialmente para aplicar a Lei nº 11.340/2006, pairam dúvidas sobre o
órgão julgador.
É o caso de alguns Juizados do Estado do Amazonas que se dizem incompetentes para a
causa quando não consta pedido de concessão de medidas protetivas pelas mulheres em
situação de violência. O destino dessas causas são os JECrims, sob a alegação de que a
Resolução do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) assim estabeleceu.
Nota-se a presença das Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro, órgão que tratam
dos recursos relativos à aplicação da Lei nº 9.099/95, recusando-se a receber o caso de
violência doméstica oriundo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Não obstante a presença de Conflito em outras situações, entre duas Varas Criminais,
por exemplo, os casos mais recorrentes ressaltados neste Grupo são os Conflitos instaurados
entre as Varas Criminais e os JECrims e, por essa razão, a análise será realizada sobre as
argumentações desses dois órgãos judiciários.
- Medidas Protetivas
Um dos efeitos mais indesejáveis da instauração do Conflito negativo de competência
para as mulheres em situação de violência é a protelação na análise dos pedidos de medidas
protetivas porventura existentes, pois compromete a celeridade na tomada de decisão e, via de
consequência, coloca em risco a segurança dessas mulheres; ou, não havendo pedido de
medidas protetivas, retarda a apreciação e julgamento da prática delituosa. Conforme revela a
Tabela 8, abaixo, as informações disponíveis nas decisões não permitiram visualizar o alcance
desse efeito76.
76
Em diversas decisões, a exposição sucinta dos fatos impossibilitou identificar a existência de pedidos de
medidas protetivas formulados pelas mulheres. Realizou-se um esforço para a obtenção desses dados,
utilizando-se da consulta eletrônica aos processos já digitalizados (poucos casos) e também consulta à página
virtual do Tribunal do Estado e Vara de origem do local onde ocorreu a violência (poucas Varas/Juizados
disponibilizam o conteúdo das audiências, mesmo não sendo caso de segredo de justiça). Apesar desses
recursos, ainda foi grande o número de casos em que não foi possível identificar a existência de medidas
protetivas e o vínculo existente entre as partes.
109
Tabela 8. Número de decisões do Grupo I e as medidas protetivas
Medidas Protetivas
Sim
Não
Não Informado
Total
Frequência
9
5
95
109
%
8.26
4.59
87.16
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
À exceção dos casos oriundos do Estado do Amazonas, em que a Vara de Violência
Doméstica e Familiar de Manaus traz de forma clara a informação de que não houve pedido
de medida protetiva, sendo essa a razão que motivou o Conflito, a maioria das decisões do
STJ não menciona se houve ou não pedido de medidas protetivas formulado no Juízo de
origem. Foram identificados no Grupo I, dois casos em que o STJ decidiu de plano, mas
provisoriamente, quem era o órgão julgador competente para decidir sobre as medidas
protetivas de urgência77. Na maioria dos casos, porém, não se observou essa providência, o
que poderia levar à conclusão de que os Conflitos de Competência julgados naquele Tribunal
não trazem em seu bojo questões urgentes requeridas pelas mulheres. No entanto, essa parece
ser uma questão presente nessas ações, conforme ilustra o caso abaixo:
Da atenta leitura dos autos, em especial do depoimento prestado pela vítima
na DEPOL, observa-se que esta menciona expressamente que o agente seria
seu "ex-namorado", sendo oportuno relatar que os fatos ocorreram em
10/10/2007, quando a Lei n° 11.340/2006 já estava em vigor.
[...]
Foram Distribuídos neste Juizado Especial Criminal da Comarca de
Conselheiro Lafaiete/MG, remetidos pelo i.Juízo da 1a. Vara Criminal desta
Comarca, os autos de expediente solicitando medidas protetivas de urgência
em favor de L.F.S, nos termos da Lei nº 11.340/2006, [...]. De se acrescentar,
por fim, que os autos versam apenas e exclusivamente sobre medidas
protetivas na Lei nº 11.340/2006 e, se o i. Magistrado da 1a. Vara Criminal
entendeu não se tratar de hipótese de “violência doméstica”(sic), a solução
para o caso seria o indeferimento dos pedidos formulados e não a remessa
dos autos a este Juízo, uma vez que não se trata de notitia
criminis.[...].(BRASIL, CC 92.591-MG, Dje 16/03/2009, 2010b).
77
Essas decisões tiveram por base o Artigo 120, caput do Código Processo Civil c/c Artigo 3º do Código de
Processo Penal e Artigo 196 do RISTJ. Cf. CC nº 102.512-MG e 96.532-MG.
110
- Tipos de violência e pessoa ofendida
As Tabelas 9 e 10, abaixo, mostram os tipos de delitos e a pessoa ofendida, que geram
as maiores dúvidas no Juízo de origem quanto à apreciação e julgamento.
Pela Tabela 9, é possível observar que os delitos ditos mais graves, como homicídio78 e
estupro, pela baixa ocorrência (1 caso) não suscitam tantas dúvidas no Juízo de origem quanto
a sua competência, porque, anteriormente à LMP, esses delitos já eram de competência das
Varas Criminais/Tribunal do Júri. A maior ocorrência neste Grupo recai sobre os delitos de
lesão corporal, ameaça e contravenções (vias de fato) os quais eram considerados de menor
potencial ofensivo, em razão da pena fixada para esses delitos sob a vigência da aplicação da
Lei nº 9.099/95. Sob a vigência dessa Lei, dificilmente seguiam para a instância superior para
questionar a competência.
Percebe-se, portanto, uma maior resistência nos Juízos de origem à nova leitura dada
pela Lei Maria da Penha que classifica esses delitos como violação de direitos humanos das
mulheres; portanto, de natureza grave, em função de suas peculiaridades. Conforme será
mostrado nas argumentações, mesmo com a previsão das condutas proibidas na Lei Maria da
Penha, os operadores do direito relutam em classificá-las como crimes.
Interessante notar que o delito de lesão corporal, denominado “violência doméstica” no
Código Penal (Art. 129, § 9º) foi o único que teve sua pena alterada (reduziu a pena mínima
de seis meses para três e aumentou a pena máxima de dois para três anos) com o objetivo de
“escapar” à classificação de delito de menor potencial ofensivo.
Foi um recurso a mais utilizado pela Lei nº 11.340/2006 para deixar bem claro, que não
se aplicava os procedimentos dos JECrims a esses crimes79. Ainda assim, suscitou dúvidas no
juízo de origem, quanto à competência para apreciação e julgamento quando o delito foi
praticado contra a mulher nas relações doméstico-familiares. Foram observadas 26
ocorrências desses delitos (Cf. Tabela 9), em que o caso de violência doméstica contra a
mulher “andou” de um lugar a outro para ser apreciado, passando pelos JECrims.
78
79
O caso de homicídio, registrado neste Grupo, refere-se a Conflito de Competência entre o Juizado de
Violência Doméstica e o Tribunal de Júri, quanto à fase de instrução. Cabendo o julgamento ao Tribunal de
Júri, questiona-se a realização da instrução pelo Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher.
Cabe destacar que o Artigo 41 da Lei nº 11.340/2006 veda a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos crimes de
violência doméstica contra a mulher.
111
Cabe destacar a ocorrência de alguns casos de violência doméstica contra a mulher em
que foi detectada a prática de mais de um delito, razão pela qual o número total de delitos
ultrapassa o número total de decisões.
Tabela 9. Número de decisões do Grupo I pelo tipo de violência
Tipos de violência
Ameaça
Vias de fato
Lesão corporal ( Art. 129, § 9º CP)
Lesão corporal grave ( Art. 129, §§ 1º e 2º CP)
Injúria
Difamação
Calúnia
Estupro
Homicídio qualificado
Outros
Não informado
Total
Frequência
42
41
26
0
7
4
1
1
1
5
6
134
%
31.34
30.60
19.40
0.00
5.22
2.99
0.75
0.75
0.75
3.73
4.48
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota 1: Na classificação “outros” foram encontrados os seguintes delitos: Dano patrimonial; Desobediência;
Violação de domicílio; Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade (Artigo 65 da Lei das
Contravenções); Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao
pudor (Artigo 61 da Lei das Contravenções.)
Por intermédio da Tabela 10, abaixo, buscou-se conhecer quais mulheres em situação de
violência ficaram aguardando a definição do Juízo competente para apreciar as práticas de
violência perpetradas contra elas. Revelam esses dados uma grande incidência de casos de
violência envolvendo relacionamentos afetivos findos, notadamente contra ex-companheiras e
ex-namoradas.
Percebe-se a resistência de alguns Juízes em considerar as relações afetivas passadas
como típico caso de violência doméstica contra a mulher, sujeito à aplicação da Lei Maria da
Penha.
112
Tabela 10. Número de decisões do Grupo I pela pessoa ofendida
Pessoa ofendida/vínculo com o ofensor
Esposa
Ex-esposa
Companheira
Ex-companheira
Namorada
Ex-namorada
Mãe
Irmã
Filha
Outras (os)
Não informado
Total
Frequência
8
1
17
26
2
14
1
6
0
9
26
110
%
7.27
0.91
15.45
23.64
1.82
12.73
0.91
5.45
0.00
8.18
23.64
100.00%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota 1: Na categoria “outras (os)” constaram as seguintes pessoas ofendidas: filho (2); ex-sogra (1); ex-nora (1);
sogro (1); sogra (1); tia (1); cunhada (2); ex-namorado (1).
Nota 2: Observou-se casos de violência envolvendo mais de uma pessoa ofendida.
Em contraposição a inúmeros casos de violência em que o homem é o ofensor, foram
detectados apenas seis casos em que a mulher é a parte ofensora80, Esses dados vêm ao
encontro dos estudos que apontam a mulher como a mais atingida pela violência nas relações
doméstico-familiares ou afetivas (AZEVEDO, 1985; GREGORI, 1993; MACHADO e DIAS,
2007). Não foram encontrados, neste Grupo, casos de violência doméstica em uniões
homoafetivas.
- Resultado final da decisão do STJ
Tabela 11. Tipos de decisão do Grupo I
Decisão
Declara competente a Vara Criminal (aplica a LMP )
Declara competente o JECrim (não aplica a LMP)
Outros
Total
Frequência
79
16
14
109
%
72.48
14.68
12.84
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: As decisões classificadas como “outro” englobam aquelas em que o STJ decidiu pela competência dos
Tribunais de Justiça do Estado (9 casos); decisão pela competência dos Juizados de Violência Doméstica
e Familiar (5 casos) e um caso de Vara Cível. Essas decisões confirmam a aplicação da Lei Maria da
Penha, porém por opção da pesquisa, que centra maior atenção nos JECrims e Varas Criminais, optou-se
por inserí-las na classificação “outro”.
80
Consta violência praticada entre irmãs (três), ex-sogra, cunhada, ex-namorada, (um de cada).
113
Observa-se pela Tabela 11, acima, que o STJ confirma a aplicação da Lei nº
11.340/2006, e, portanto, a competência das Varas Criminais em 79 casos submetidos a sua
apreciação. No entanto, constatam-se 16 ocorrências de decisões em que se opta pela não
aplicação da Lei Maria da Penha. Essas decisões tratam de relações entre namorados (2), exnamorados (6), irmãs (1), ex-companheiros (2), e outros81, cujas argumentações, conforme
será mostrado na análise das argumentações, imprimem um padrão restritivo na aplicação da
Lei Maria da Penha encontrado, inclusive, nas decisões que declaram competente a Vara
Criminal para os casos de violência doméstica contra a mulher.
Considerando o total de decisões deste Grupo, verificou-se a ocorrência de 15 decisões
coletivas (acórdãos) e 94 decisões individuais (monocráticas). Nas decisões coletivas, cinco
foram por maioria de votos e dez por unanimidade. Nas decisões monocráticas, constatou-se
que 69 decisões definiram a competência para as Varas Criminais; 11 para JECrims e
quatorze para “outros” órgãos (ver nota da Tabela 11). Nos casos decididos pela competência
dos JECrims constatou-se que cinco casos foram decididos por integrantes da Sexta Turma e
seis casos por integrantes da Quinta Turma.
5.1.2 As argumentações Prevalecentes nas Decisões do Grupo I
Pretende-se, nesse tópico, analisar qualitativamente as argumentações encontradas nos
documentos (decisões) que compõem o Grupo I. Conforme já mencionado, essas decisões
trazem a resposta do STJ acerca do órgão julgador competente para os casos de violência
doméstica contra a mulher. Ao decidir a causa, o STJ interpreta a Lei 11.340/2006 e define o
seu alcance ao caso concreto. Assim, inclui ou exclui a mulher ofendida dos procedimentos
especiais que são adotados somente no Juízo Único82.
81
Na classificação “outros” apareceram casos (um de cada) em que a pessoa ofendida é cunhada, sogro e sogra,
ex-sogra, ex-nora, ex-namorado.
82
Cabe aqui relembrar que o termo “Juízo Único” foi cunhado no âmbito das discussões a respeito de uma lei
específica para a violência doméstica contra a mulher, pelas representantes do Consórcio de ONGs feministas
e significa congregar competências diversas em um mesmo Juizado, com o objetivo de atender de forma
célere as diversas demandas (cíveis, penais, administrativas) das mulheres em situação de violência. A LMP
criou o Juízo Único denominando-o de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. As Varas
Criminais tiveram sua competência prorrogada para atender essas demandas, enquanto não são criados esses
114
Pela análise quantitativa das ocorrências, anteriormente apresentada, ficou configurado
que a maioria dos Conflitos de Competências de competência ocorreram entre a Vara
Criminal e Juizado Especial Criminal (JECrim)83. Na medida em que os dados eram
coletados, foi possível perceber o embate travado entre a Lei nova (de nº 11.340/2006) e o
ordenamento anterior (Lei nº 9.099/95), uma vez que o deslinde da questão (definir o órgão
julgador) dependeria, essencialmente, de saber se àquele caso seria aplicada a Lei nº
11.340/2006 ou a Lei nº 9.099/95, e, em outros termos, se a conduta configura violação de
direitos humanos ou infração de menor potencial ofensivo.
Não obstante tenha havido um predomínio substancial de decisões do STJ apontando a
competência das Varas Criminais para os casos de violência doméstica contra a mulher e,
portanto, afirmando a aplicação da Lei nº 11.340/2006 a esses casos (Cf. Tabela 11), verificase pelos casos excluídos da aplicação dessa Lei que esse entendimento não foi pacífico, mas
paulatinamente construído, encontrando forte resistência de alguns julgadores.
Dessa forma, serão analisados os argumentos nos Juízos de origem, a partir do relato,
em geral, sucinto, feito por Ministros (as) em suas decisões84 e os argumentos dos Ministros
(as) do STJ. Ressalte-se, entretanto, que o objetivo pretendido não inclui análise comparativa,
mas apresenta o panorama da divergência nos Juízos de origem no qual as decisões do STJ
irão incidir.
5.1.3 – Os Argumentos nos Juízos de Origem
As argumentações nos Juízos de origem foram anotadas nos instrumentos de pesquisa,
categorizando-se as mais recorrentes. A Tabela 12, abaixo, mostra os argumentos dos
primeiros Juízos que se declararam incompetentes, de modo geral, abrangendo todos os
órgãos relacionados na Tabela 6 (Varas Criminais, JECrims e Tribunais de Justiça).
Juízos na localidade onde ocorrer a violência doméstica contra a mulher. Dessa forma, ambos os termos serão
utilizados como sinônimos.
83
Cf. as Tabelas nºs 6 e 7, respectivamente.
84
A pesquisa reconhece que o “resumo” do caso feito pelos Ministros (as) compromete uma análise mais ampla
das argumentações dos Juízos de origem. No entanto, o “resumo” capta os argumentos considerados “mais
relevantes” para a decisão da causa.
115
Tabela 12. Argumentos no Juízo Suscitado - o primeiro a se declarar incompetente
Argumentos no Juízo de origem
Infração penal de menor potencial ofensivo
Artigo 41 da LMP não afasta a Lei 9.099/95
Artigo 41 da LMP afasta a Lei 9.099/95
Relação íntima de afeto não abrangida pela LMP
Relação íntima de afeto abrangida pela LMP
Inconstitucionalidade da LMP
Aplicável LMP
Aplicável Lei nº 9.099/95
Inaplicável Lei nº 9.099/95
Outros
Não informado
Total
Frequência
25
24
3
14
5
10
10
9
5
10
9
124
%
20.16
19.36
2.43
11.29
4.03
8.06
8.06
7.26
4.03
8.06
7.26
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: Na classificação “outros” constam três referentes as “Resoluções dos Tribunais de Justiça” (3); e, pela
baixa ocorrência, foram incluídos os seguintes: “Inaplicável LMP” (2); “LMP mais severa para proteger a
família” (1); “Sujeitos não abrangidos pela LMP” (1); “Sujeitos abrangidos pela LMP”(3).
Conjugando o resultado da Tabela 12, acima, e a Tabela 6, verifica-se que são as Varas
Criminais os principais órgãos a rejeitar os casos de violência doméstica contra a mulher (75
ocorrências), sendo, portanto, de onde partiram os argumentos que buscaram afastar a
aplicação da Lei Maria da Penha ao caso concreto. Após consulta individualizada aos
documentos, confirmou-se essa hipótese. Sendo assim, a análise seguinte será feita apenas
sobre os argumentos provenientes das Varas Criminais.
5.1.3.1 - Os argumentos das Varas Criminais
Conforme visto anteriormente, a Tabela 12 revela considerável resistência à aplicação
da Lei Maria da Penha nas práticas das Varas Criminais, justamente o órgão eleito para esses
casos (BRASIL, 2006ª, Art. 33). À exceção do argumento “inconstitucionalidade da Lei
Maria da Penha”, em que se questiona a Lei como um todo, os demais argumentos polarizam
questões mais específicas da LMP. De um lado, constata-se a existência de argumentos que
centralizam a argumentação no “tipo de delito” praticado, com o objetivo de afastar os delitos
116
tidos como “menos graves” do âmbito da Lei Maria da Penha. Em outra vertente, estão os
argumentos em relação ao “tipo de relação afetiva”.
Tendo por base a centralização das discussões em torno do “tipo de delito” e do “tipo de
relação afetiva”, a análise das argumentações dos Juízos de origem, levando em conta esses
fatores, será realizada da seguinte forma:
Argumento I - inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha
Argumento II - relativos ao “tipo de delito”
- infração penal de menor potencial ofensivo
- O artigo 41 da Lei Maria da Penha não afasta a aplicação da Lei
9.099/95
Argumento III- relativos ao “tipo de relação íntima de afeto”
- relação íntima não abrangida pela Lei Maria da Penha
- Argumento I – inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha
O argumento “inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha” implica negativa de sua
aplicação na totalidade ou parte de seus dispositivos. Considerando o grande debate travado
sobre a constitucionalidade da LMP85, a partir de sua publicação, acerca do princípio da
igualdade, a ocorrência desse argumento não foi tão expressiva no Grupo I quanto às
argumentações que visam interpretar de forma restritiva a aplicação da Lei Maria da Penha.
Porém, a existência desse argumento revela que ainda remanescem grandes dificuldades
de alguns Juízes na compreensão de que essa Lei tem por objetivo promover a igualdade entre
homens e mulheres, estabelecendo mecanismos especiais para a proteção das mulheres, as
mais atingidas pela violência que ocorre no espaço privado, doméstico-familiar86.
85
86
Silva (2010) analisa documentos jurídicos que debatem a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.
Sabadell (2008, p. 6), analisando aspectos de aplicação da Lei Maria Penha no Judiciário, no que concerne à
alegação de ofensa ao princípio da igualdade, faz a seguinte pergunta: “Mas porque juristas renomados e juízes
117
O caso relatado abaixo, de ameaça de morte contra a esposa e o filho, amplamente
transcrito na decisão do STJ, traz a lume essa dificuldade:
[...] No que toca à proteção contra atos de violência familiar, o artigo 226, §
8º da Constituição é preciso: “O Estado assegurará a assistência à família na
pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações”. Não há referência nem a homem nem
a mulher, pelo contrário, objetiva o constituinte originário dar proteção a
todos os integrantes do núcleo familiar. [...]Como se vê o objetivo da Lei
11.340/06 era dar eficácia ao comando normativo constitucional, o que é
elogiável, já que infelizmente muito dos direitos e garantias formalmente
assegurados pela Constituição são invibializados na prática, por falta de
atuação do legislador infraconstitucional. O problema é que, quando atua,
normalmente atua mal e a Lei Maria da Penha é um exemplo desse descuido,
ou porque não dizer, despreparo do nosso legislador. Bastaria a substituição
das expressões “violência doméstica e familiar contra a mulher” por
“violência doméstica e familiar” e não haveria discriminação alguma a ser
reconhecida. Portanto, o legislador infraconstitucional foi mais longe ao
discriminar as pessoas do sexo masculino, eis que não tiveram o mesmo
tratamento [...]. (BRASIL, CC 105994-MG, DJ 14/8/2009, 2010b)
A previsão constitucional de assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência nas relações familiares, teve o
propósito de chamar a atenção da Sociedade e Estado para os casos de violência contra as
mulheres que ocorrem na família. Segundo Piovesan e Pimentel (2007), inconstitucional é a
ausência de uma lei específica voltada para a proteção das mulheres, uma vez serem elas as
mais atingidas pela violência que ocorre no espaço privado, e que é, usualmente, cometida por
pessoas de estreito vínculo afetivo.
Não se pode falar em despreparo ou descuido do legislador brasileiro a edição de uma
lei específica contra a violência doméstica que atinge as mulheres, regulamentando a previsão
constitucional do Art. 226, § 8º, porque no ordenamento jurídico, de modo geral, consta
previsão legal contra ofensa à integridade física de homens e mulheres. Ocorre, entretanto
que, na prática, não obstante a inclusão do princípio da igualdade em todas as constituições
republicanas brasileiras, o “controle legal” dessas condutas não adentrava o espaço privado da
família, onde ocorre a maioria dos delitos contra as mulheres. Nesses espaços, tendo por base
cuidadosos adotam tais posições tão facilmente criticáveis?” Para a autora, ainda se faz presente, de forma
sutil, a presença da cultura patriarcal. Finalizando, conclui: “É preciso entender que para combater a violência
doméstica no meio jurídico, se faz mister preparar magistrados, advogados e promotores a lidar com a
problemática de gênero, este é o desafio que se apresenta”.
118
a legislação anterior à Constituição Federal de 1988, a lei penal era relativizada quando se
tratava de proteger a mulher contra a autoridade do “chefe da família” e os meios empregados
por ele para “corrigir” os integrantes da família. A Constituição Federal de 1988, com a
inclusão de parágrafo específico quanto à obrigação de o Estado coibir a violência existente
nas relações familiares, visibiliza a realidade da desigualdade, manifestada pela violência que
pesa sobre as mulheres na família. Nota-se pela argumentação do Juízo de origem um
descompasso entre a realidade concreta da violência e a previsão constitucional e, ainda, um
amplo desconhecimento do “processo” de elaboração dessa Lei.
Pelo
número
relativamente
pequeno
de
incidência
do
argumento
“inconstitucionalidade” pode-se dizer que a Lei Maria da Penha vem, gradativamente, sendo
aceita nas práticas judiciárias como meio de intervenção nas desigualdades entre os gêneros,
ainda que permeada por imensas resistências a considerar toda e qualquer “agressão”, ou toda
e qualquer “relação íntima”, como casos sujeitos à proteção da Lei Maria da Penha, como
mostram os argumentos II e III, apresentados a seguir:
- argumento II - relativos ao “tipo de delito”
- infração penal de menor potencial ofensivo
- O artigo 41 da Lei Maria da Penha não afasta a aplicação da Lei
9.099/95
O argumento mais recorrente nas Varas Criminais é de que os delitos praticados são de
“menor potencial ofensivo”. Conforme mencionado anteriormente, a Lei 9.099/95, por
medida de política criminal, definiu que os delitos com pena inferior a um ano, passando
posteriormente para dois anos, seriam considerados delitos de menor potencial ofensivo.
Considerando que os “tipos” de delitos mais incidentes neste Grupo (Cf. Tabela 9), à exceção
do crime de lesão corporal (Artigo 129, § 9º), tem a pena fixada em menos de dois anos, as
Varas Criminais querem, com esse argumento, afirmar a competência do JECrims a esses
casos.
Não se vislumbra em suas argumentações um indício sequer que remeta à compreensão
de que se trata de crimes diferenciados e complexos, em função do contexto que envolve a
violência, em especial pela relação de proximidade com o ofensor. Percebe-se um total
119
descompromisso dos Juízes de origem aos recursos interpretativos ditados pela Lei Maria da
Penha quanto à observância das condições peculiares das mulheres em situação de violência
doméstica e familiar e, que essa violência constitui uma das formas de violação dos direitos
humanos das mulheres (BRASIL, 2006ª, Art. 4º e 6º).
Em geral, o argumento referente à suposta menor lesividade do crime praticado vem
acompanhado de outro, marcadamente presente nestas decisões: o recurso interpretativo de
que o artigo 41 da Lei Maria da Penha não afasta a aplicação da Lei nº 9.099/95.
Conjugando-se esse argumento com o primeiro – de que os delitos praticados contra as
mulheres são de menor potencial ofensivo - fica clara a mensagem desses Juízes de que
“determinados” casos que chegam ao Judiciário são meras “querelas” domésticas, os quais, no
máximo, devem ser submetidos aos JECrims, que já os tratam como casos de menor
importância, em que as partes, por si sós, “resolvem”.
Muitos estudos apontaram as dificuldades dos JECrims em compreender as relações de
gênero87 que envolvem as práticas de violência contra as mulheres, direcionando os
procedimentos da Lei nº 9.099/95 para a sua eliminação. Ao invés disso, os procedimentos
adotados pelos JECrims contribuíram para a banalização da violência contra as mulheres
(CAMPOS, 2001; PANDJIARJIAN, 2006), cujas práticas devolviam os Conflitos s ao âmbito
privado da família (OLIVEIRA, 2006). A complexidade do fenômeno da violência foi uma
das principais causas para a criação de um Juízo Único no Judiciário com ampliação do
espectro de atuação, a fim de alcançar as mais variadas causas da violência. A insistência em
remeter alguns casos para os JECrims revela a dificuldade de absorção do novo paradigma de
atenção ditado pela Lei Maria da Penha.
Fechando a análise desse argumento, é importante registrar uma certa “seletividade”
nas argumentações das Varas Criminais quando da análise do caso concreto, em função da
pessoa ofendida e do “tipo de delito” praticado. Nos casos em que a parte ofendida é esposa
ou companheira, onde a relação afetiva é patente, prevalece o argumento em relação ao “tipo
de delito” praticado, enfatizando sua menor lesividade; nos casos de relacionamentos
87
Desde os primeiros estudos sobre violência contra as mulheres no Brasil (GROSSI, 1994) se alerta para o fato
de que os delitos cometidos contra as mulheres no ambiente doméstico têm peculiaridades próprias que os
diferenciam dos demais delitos. Essas diferenças consistem na reincidência, relações de poder imiscuídas nos
conflitos que resultam em violência e a predominância dessas práticas contras as mulheres. Ressalte-se
também como peculiaridade à violência doméstica, a dificuldade não só das mulheres, mas também dos
operadores do direito no Judiciário, reconhecer a prática da violência doméstica como conduta reprovável,
seja um “tapa”, “empurrão”, “chute”, “socos” que provoquem lesão corporal, ou não, como atos lesivos aos
direitos humanos das mulheres a uma vida sem violência.
120
passados, em que a violência envolve ex-companheira ou ex-namorada, a preferência recai no
questionamento do “tipo de relação afetiva” existente entre as partes. Em ambos os casos, o
objetivo final é a remessa dos mesmos aos JECrims.
- argumento III - relativos ao “tipo de relação afetiva”
- relação íntima não abrangida pela Lei Maria da Penha
Em casos de violência envolvendo ex-companheiras, o recurso preferencial foi a
interpretação restritiva da Lei Maria da Penha, no sentido de que esta não se aplica às relações
passadas, como pode ser visto pelo seguinte argumento:
O Juízo de Direito da Vara Criminal determinou a remessa dos autos ao
Juizado Especial, asseverando que “não há mais, in casu, relação doméstica,
familiar, ou íntima de afeto entre as partes, haja vista que são excompanheiros” pelo que não vislumbrou a possibilidade de aplicação da Lei
nº 11.340/06 a este caso (fls. 19). (BRASIL, CC 98.282-MG, DJ 03/06/2009,
2010b)
Nos relacionamentos entre namorados e ex-namorados, podem ser encontrados
argumentos mais contundentes para afastar a aplicação da Lei Maria da Penha. Nesses casos,
nem relacionamento atual nem passado poderia ser albergado pela Lei. Um desses casos, em
que a ex-namorada, grávida, sofreu lesões corporais (Artigo 129, § 9º) e foram requeridas
medidas protetivas urgentes, mereceu a seguinte argumentação do Juízo da Vara Criminal:
Em que pese parecer ministerial, tenho que o caso não se subsume como
violência doméstica, da forma como preceitua a Lei 11.340/06, eis que os
autos narram que o envolvimento entre as partes era de um “namoro” de sete
meses. Trata-se, portanto, de simples desavença havida entre namorados,
sem nenhum histórico de convivência domiciliar anterior, que pudesse
tipificar o crime de violência doméstica. Ressalte-se que não se tratam de examásios, ex-maridos e ex-namorados, os quais, por evidente, teriam tido
convivência doméstica com a suposta ofendida. No entanto, querer que
simples desavenças de namorados e ex-namorados sejam tipificados como
crime de natureza doméstica, é, antes de mais nada, meio de abarrotar ainda
mais a Justiça Comum com crimes/contravenções que nada tem de
“doméstico”. Tal entendimento não pode prevalecer sob pena de que
qualquer desavença havida entre homem/mulher que tenham tido simples
relação de namoro, que nada mais é que período de preparação à possível
convivência, seja, de forma equivocada, elevada à condição de vida comum,
121
quando, em muitas das vezes, as famílias destes namorados, sequer sabem
existir o relacionamento. (BRASIL, CC 92.591-MG, 2010a) (grifo nosso)
Verifica-se, no caso acima, a conjugação de dois argumentos para excluir a aplicação da
Lei Maria da Penha: o primeiro é a desconsideração do crime cometido como conduta
repreensível pela Justiça Penal, classificando-o como simples “desavença” e o outro, a
desconsideração da “relação íntima” a ser protegida pela nova lei. Ambos remetem o caso
para o âmbito privado, antes de, formalmente, enviá-lo para o JECrim.
5.1.3.2 - Os argumentos dos JECrims
Conforme mostra a Tabela 13, abaixo, no Juízo suscitante - o segundo a se declarar
incompetente e instaurar o Conflito enviando-o para o STJ - predominaram as seguintes
argumentações:
Tabela 13. Argumentos no Juízo Suscitante – o segundo a se declarar incompetente
Argumentos no Juízo de origem
Artigo 41 da LMP afasta a Lei nº 9.099/95
Aplicável LMP
Inaplicável Lei nº 9.099/95
Relação íntima de afeto abrangida pela LMP
LMP mais severa para proteger a família
Sujeitos não abrangidos pela LMP
Infração penal menor potencial ofensivo
Relação íntima de afeto não abrangida pela LMP
LMP mais severa para proteger a ofendida
Inaplicável LMP
Outro
Não informado
Total
Frequência
24
20
18
11
10
7
7
5
4
4
11
8
129
%
18.60
15.50
13.95
8.53
7.75
5.43
5.43
3.88
3.10
3.10
8.53
6.20
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota 1: Na classificação “outros” constam os seguintes: Resolução do Tribunal de Justiça (5), entre outros, de
baixa ocorrência. Foram incluídos na classificação “outros” os seguintes argumentos: (In)
constitucionalidade da LMP (2); Artigo 41 da LMP não afasta a Lei nº 9.099/95 (1).
Voltando à Tabela 7, depreende-se que são os JECrims a receber a “causa” de violência
doméstica contra a mulher proveniente das Varas Criminais (75 casos). Os JECrims, por sua
122
vez, se declarando incompetentes, devolvem o processo para a Vara de origem ou enviam o
Conflito para o STJ.
Embora também constem Varas Criminais como Juízo suscitante (o segundo a receber a
causa - 26 casos) a análise desse tópico será realizada somente sobre as argumentações dos
JECrims. Estas buscam afirmar a aplicação da Lei Maria da Penha ao caso concreto. A
análise dos argumentos dos JECrims seguirá o mesmo critério adotado na análise anterior, em
que se analisaram, conjuntamente, os argumentos em função do “tipo de delito” e do “tipo de
relação afetiva”, da seguinte forma:
Argumento I – em relação ao “tipo de delito”
- O artigo 41 da LMP afasta a aplicação da Lei nº 9.099/95
- A LMP é mais severa para proteger a família
Argumento II – em relação ao “tipo de relação afetiva”
- a relação íntima entre as partes está abrangida pela LMP
-Argumento I – em relação ao “tipo de delito”
Os JECrims utilizaram o recurso interpretativo do artigo 41 da Lei nº 11.340/2006, de
forma ampla, para afastar categoricamente a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos delitos de
violência doméstica contra a mulher. Lembrando que a maioria dos delitos apresentados neste
Grupo de decisões refere-se a delito com pena inferior a 2 anos, a exclusão desses casos do
âmbito da Lei nº 11.340/2006 fatalmente os levariam a serem julgados nos JECrims.
Assim, concordam plenamente com a previsão estabelecida pela Lei nº 11.340/2006, de
que cabe às Varas Criminais apreciar e julgar todos os casos de violência doméstica contra a
mulher, sendo raríssimas as ocorrências em que os JECrims se insurgiram contra, a exemplo
do que consta desta decisão:
123
Distribuídos os autos ao Segundo Juizado Especial Misto de Sousa/PB, este,
acolhendo a manifestação do Parquet, determinou sua remessa ao Juízo de
Direito da 5a. Vara de Sousa/PB (fls. 12). O órgão ministerial consigou que,
“por se tratar de crime de vias de fato, ocorrido entre marido e mulher,
lamentavelmente, foi alcançado pela Lei Maria da Penha e falece
competência a essa especializada, devendo ser encaminhada à Justiça
Comum”. (BRASIL, CC 102.848/PB, DJ 05/08/2009, p. 10, 2010b). (grifo
nosso).
Na maioria dos casos, predominaram fortes argumentos para reforçar a competência das
Varas Criminais, conforme se verifica nos seguintes julgados:
[...] seria totalmente contrária à lei a interpretação de que o legislador quis,
em seu artigo 41, excluir a apreciação das contravenções pela Vara Criminal,
à qual se atribui inclusive competência cível. Trata-se, sim, de falha na
redação decorrente de má técnica legislativa, e não da intenção real do
legislador ordinário. (BRASIL, CC 102.722-, Dje 03/04/2009, 2010b).
[...] O Juiz suscitante (JECrim) entendeu ser incompetente para julgar a
ação, por entender que o legislador empregou, no artigo 41 da Lei 11.340/06,
o termo “crimes” em sentido amplo, abrangendo as contravenções penais
(fls. 38).[...]. (BRASIL, CC 102.627-MG, Dje 05/08/2009, 2010b)
[...] Há que se analisar a ratio legis, que no caso da Lei Maria da Penha foi
dar tratamento diferenciado ao processo e julgamento de todas as formas de
violência doméstica contra a mulher, tenha esta violência resultado em
morte, lesão corporal ou mesmo em vias de fato. (BRASIL, CC 107721MG, Dje 25/09/2009, 2010b).
Movidos ou não por interesse em afastar de sua competência esses casos, o fato é que os
JECrims, recusando-se a julgar casos antes considerados como delitos de menor potencial
ofensivo, quando praticados contra mulheres no ambiente doméstico e familiar, vêm
contribuindo para a mudança nas práticas judiciárias, que resistem a um dos principais
argumentos feministas acerca dos delitos praticados contra a mulher em contexto de violência
doméstica: de que não são delitos de menor potencial ofensivo e sim, uma forma de violação
dos direitos humanos das mulheres.
Conforme será mostrado mais adiante, predomina nos JECrims a compreensão de que a
LMP veio para “pacificar o lar” e, por esse motivo, tratar de forma mais severa os delitos que
ali ocorrem. Assim, embora tal postura, de forte viés legalista, retome o caráter público e
grave dos delitos em contexto de violência doméstica, indicando um afastamento de
concepções, anteriormente detectadas, de completo “descaso” com a violência contra a
124
mulher que ocorre no âmbito privado (CAMPOS, 2001, 2004; OLIVEIRA, 2006), não se
pode afirmar a mesma tendência nos JECrims de outros Estados.
Constatou-se, nas decisões deste Grupo, que predomina nos JECrims a compreensão de
que a mudança de procedimentos nos casos de violência doméstica objetivou a proteção à
família, conforme mostra o seguinte excerto da decisão:
Certo é que a nova lei protetiva da paz no ambiente familiar frisou em seu
art. 41 que: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar
contra a Mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei 9099, de
26 de setembro de 1995.” Num primeiro momento vislumbra-se a
possibilidade de aplicação da Lei 9099/95 quando o fato ilícito for de
natureza contravencional. Ora, o espírito da lei foi de dar maior proteção ao
núcleo familiar dotando o juiz de competência cível e criminal para eficácia
e celeridade nos conflitos domésticos. Há uma prevalência do princípio da
operosidade, as questões cíveis e cautelares têm maior importância para a
proteção e garantia da convivência harmoniosa em família. (BRASIL, CC
102510-MG, DJ 05/08/2009, 2010b). (grifo nosso)
A identificação da mulher como destinatária da proteção da Lei Maria da Penha em
busca de seu direito a não violência é quase inexistente em todos os Juízos, mas nos JECrims,
em meio à prevalência de argumentos de que a Lei veio em prol da família, observou-se a
seguinte manifestação:
Na verdade a Lei 11.340/2006, que ficou conhecida como “Lei Maria da
Penha”, veio à luz com o objetivo marcadamente determinado de fazer
respeitar a mulher contra a violência doméstica, quando o legislador chegou
a minúcias de proibir a utilização da lei 9099/95 em crimes desta natureza.
Assim, salvo melhor entendimento de V.Exa. não seria justo, razoável e
legal, aplicar ao presente caso a citada Lei do Jecrim, em confronto aberto e
direto com a vontade do legislador que fez de tudo para afastar dos Juizados
Especiais Criminais a apreciação de delitos contra a mulher, com menor
potencial ofensivo. (BRASIL, CC 102.568-MG, DJ 05/08/2009, 2010b)
(grifo nosso).
- argumento II – em relação ao “tipo de relação afetiva”
Para os JECrims, nenhuma dúvida paira quanto à competência das Varas Criminais,
enquanto não criados os Juizados de Violência Doméstica, para apreciar e julgar todos os
125
casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres nas relações afetivas, inclusive
envolvendo namorados, ex-namorados ou ex-companheiras.
Nesse sentido, a seguinte decisão, envolvendo ex-namorados:
[...]Vale observar, inclusive, que os fatos narrados nos autos decorreram da
relação de namoro entre o réu e a vítima, tendo este sofrido uma crise de
ciúmes ao avistar a vítima em companhia de outro homem. [...] Da leitura do
referido dispositivo legal conclui-se, pois, que a Lei nº 11.340/2006 tem
efetiva aplicação nos casos de relacionamentos amorosos já findos, como é o
do presente caso, que versa sobre ex-namorados, uma vez que a lei não exige
coabitação. [...] Assim, observa-se que, sem sombra de dúvida, se trata de
caso afeto à Lei 11.340/2006, sendo o i. Juízo da 1a. Vara Criminal desta
Comarca o competente para o processamento do presente feito, afastando a
competência do Juizado Especial Criminal. (BRASIL, CC nº 103.813-MG,
DJ 03/08/2009, 2010a)
5.1.4 – O Que Diz o STJ
Ainda que o resultado final das decisões do STJ confirme, neste Grupo de decisões
(Tabela 11), a competência das Varas Criminais para apreciar e julgar os casos de violência
doméstica contra a mulher, afirmando ser esse órgão parte essencial da rede de apoio ao
enfrentamento da violência doméstica contra a mulher no âmbito do Judiciário, a análise das
argumentações de alguns julgadores do STJ mostra o quanto é latente a resistência a essa
leitura, naquele Tribunal.
As questões que mais suscitaram divergência no STJ coincidiram com as principais
questões levantadas nos Juízos de origem:
1 - o “tipo de delito” cometido contra as mulheres (se todo e qualquer “crime” ou
“contravenção”88 cometido contra as mulheres estaria abrangido pela Lei Maria da
Penha);
2 - o “tipo de relação afetiva” existente entre as partes envolvidas (se toda e qualquer
relação/vínculo entre as partes estaria abrangida pela Lei Maria da Penha).
88
Sobre alguns delitos encontrados na base documental trabalhada nesta pesquisa, ver Apêndice D.
126
A Tabela 14, abaixo, traz os argumentos dos Ministros (as) do STJ quando decidem
quem vai julgar o caso de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Tabela 14. Argumentos do STJ na definição do órgão julgador
Argumentos do STJ
Artigo 41 da LMP afasta a Lei 9.099/95
LMP mais severa para proteger a ofendida
Relação íntima de afeto abrangida pela LMP
Infração penal de menor potencial ofensivo
Inaplicável a Lei nº 9.099/95
Relação íntima de afeto não abrangida pela LMP
Sujeitos abrangidos pela LMP
Sujeitos não abrangidos pela LMP
Outros
Total
Frequência
82
70
27
9
8
7
5
4
5
217
%
37.79
32.26
12.44
4.15
3.69
3.23
2.30
1.84
2.30
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: Na classificação “outros” foram incluídos argumentos relativos a afirmação da competência, tendo por
base as Resoluções dos Tribunais (4 casos); não informado (1). Não foram constatados neste Grupo
argumentos relativos à inconstitucionalidade da LMP; A LMP mais severa para proteger a família; e
outros de natureza mais geral como (In) aplicável a LMP e Aplicável Lei nº 9.099/95.
Quanto ao “tipo de delito”, destacam-se os seguintes argumentos:
- Artigo 41 da LMP afasta a Lei 9.099/95;
- LMP mais severa para proteger a ofendida;
- infração de menor potencial ofensivo
Quanto ao “tipo de delito”, os dois primeiros argumentos preponderaram nas decisões,
contribuindo de modo significativo para a “pacificação” do entendimento no STJ de que a Lei
nº 9.099/95 não se aplica aos casos de violência doméstica contra a mulher,
independentemente do delito cometido.
O artigo 41 da Lei Maria da Penha estabelece que “aos crimes praticados com violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a
Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”. É clara a intenção deste artigo de afastar a
aplicação da Lei nº 9.099/95. Porém, essa previsão legal concorre com a “crença” popular,
arraigada nas práticas judiciárias, de que os abusos praticados contra as mulheres não
constituem crime. Assim, na interpretação desse artigo, logo descobriram uma possível
127
“brecha” para excluir as contravenções do âmbito da Lei Maria da Penha. A menção da Lei ao
termo “crimes” apenas, sem mencionar expressamente as contravenções, levou à interpretação
de que essas condutas deveriam continuar no âmbito dos JECrims. O recurso interpretativo
mais amplo do artigo 41 da LMP tornou-se um dos principais argumentos, tanto nos Juízos de
origem (somente JECrims) quanto no STJ, para reafirmar que qualquer conduta lesiva
praticada contra a mulher, no ambiente doméstico e familiar, constitui violência e não pode
ser considerada infração de menor potencial ofensivo, sujeita à apreciação dos Juizados
Especiais Criminais (JECrims).
Tal era a dificuldade de absorção dos novos parâmetros interpretativos instituídos pela
Lei Maria da Penha, que outra linha argumentativa surgiu para dar conta da tarefa. Entendiam
alguns Ministros que essa Lei deu nova conceituação aos crimes de violência doméstica,
afastando, “em razão da necessidade de uma resposta mais eficaz e eficiente para os delitos
dessa natureza, a conceituação de crimes de menor potencial ofensivo, punindo-se mais
severamente aquele que agride a mulher no âmbito doméstico e familiar.” (BRASIL, CC
96.522-MG, DJ 19/12/2008, 2010a).
Embora a Lei Maria da Penha tenha aumentado a pena de apenas um crime (lesão
corporal), a tese de que essa Lei era mais severa para proteger a ofendida ganhou adeptos e
passou a integrar a maioria das decisões deste Grupo. Diferentemente dos JECrims, cujo
entendimento era de que a Lei veio para proteger a família, Ministros (as) viam, na nova Lei,
um reforço à proteção das mulheres em situação de violência.
Contudo, a interpretação de que esses delitos já não poderiam mais ser considerados de
“menor potencial ofensivo” não foi de todo absorvida pelos julgadores, notadamente aqueles
inicialmente relutantes a uma leitura mais ampla da Lei nº 11.340/2006. Assim, constatou-se
nessas decisões que alguns julgadores do STJ, mesmo adotando o entendimento “pacificado”
pela maioria, continuavam a classificar os casos de ameaça, vias de fato e outras
contravenções, com pena inferior a dois anos, quando praticados contra as mulheres no
ambiente doméstico familiar ou nas relações afetivas, como delito de menor potencial
ofensivo, como consta na seguinte decisão:
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, mesmo nas hipóteses de delito
de menor potencial ofensivo, a competência para analisar os casos
abrangidos pela Lei Maria da Penha é da Vara Criminal, se inexistente o
Juizado específico, não se aplicando a Lei nº 9099/95, a teor do art. 41 da
Lei 11340/2006. (BRASIL, CC 111.008-RJ, DJ 04/06/2010, 2010b).
128
Tendo em vista a insistência em considerar “menor potencial ofensivo” as práticas
delituosas contra as mulheres no ambiente doméstico-familiar, pode-se concluir que a LMP,
ao instituir claros dispositivos contra essa concepção, em especial que constituem uma
violação dos direitos humanos das mulheres, forneceu uma importante ferramenta para
“ancorar” uma nova interpretação e mudança de significados dessa violência nas práticas dos
operadores do direito. Para as mulheres em situação de violência, a adoção de um conceito ou
outro faz uma enorme diferença, pois, segundo Campos (2008), classificar uma ameaça, lesão
corporal ou um empurrão como delito de menor potencial ofensivo impede aos operadores do
direito estender o olhar para o contexto mais amplo da violência e as relações de gênero
intrínsecas a esses delitos, bem como tomar medidas mais severas, como as medidas
protetivas de afastamento, entre outras, para a proteção das mulheres que recorrem ao
Judiciário. Essas medidas poderiam parecer contraditórias quando se tem em mente que se
trata de meras desavenças a serem resolvidas pelos próprios envolvidos.
Quanto ao “tipo de relação afetiva”, destacam-se os seguintes argumentos:
- relação íntima não abrangida pela LMP
- relação íntima abrangida pela LMP
- sujeitos não abrangidos pela LMP
A Lei Maria da Penha, ao abranger casos de violência ocorridos fora do âmbito da
conjugalidade, formal ou informal, causou estranheza não só nos Juízos de origem, mas
também no STJ. Podem ser encontradas em algumas decisões manifestações diretas nesse
sentido, tal qual um caso envolvendo violência contra a namorada: “Não foi para isso que se
fez a Lei nº 11.340!”89. Esse estranhamento, voltado principalmente contra o legislador, é
revelado nos argumentos que buscam restringir a aplicação da Lei. Não se acredita que o
legislador tenha querido ir tão longe!
Nota-se, neste Grupo de decisões, a resistência contra a previsão de abrangência da
LMP às relações afetivas passadas, em especial a violência contra a ex-esposa, excompanheira, namorada e ex-namorada. Registre-se, entretanto, que essa Lei é aplicável a
“qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
89
Cf. CC 91.980-MG, voto do relator.
129
ofendida, independentemente de coabitação” (BRASIL, 2006a, Art. 5º, inciso III). Nos casos
envolvendo relações de namoro, atual ou passado, os julgadores mais resistentes à aplicação
direta da LMP buscam desclassificar o relacionamento existente, no caso concreto, como
“qualquer relação íntima de afeto”.
Assim, ser considerada fortuita ou duradoura, efêmera e casual ou prestes a constituir
família decide a questão, uma vez que os julgadores buscam amoldar a situação encontrada a
sua pré-compreensão de que a Lei Maria da Penha destina proteção à família ou às relações
afetivas próximas a esse conceito. O resultado para as mulheres é significativamente negativo,
considerando que a maioria dos casos constantes deste Grupo (Tabela 10) refere-se à
violência praticada contra a mulher que foi namorada, companheira ou esposa do ofensor.
Também foram encontradas decisões que questionam a abrangência da Lei Maria da Penha às
relações de evidente parentesco ou familiar, como: “irmãs”, “ex-sogra e ex-nora”; “ex-genro e
ex-sogra”.
Apesar disso, vale lembrar que não houve um predomínio de decisões restritivas
excluindo a aplicação da Lei Maria da Penha, mesmo porque o resultado das decisões do STJ,
resolvendo o Conflito pela Vara Criminal, evidencia o contrário (Cf. Tabela 11).
O período de 2007 e início de 2008 foram marcados por decisões individuais e
variabilidade de posicionamentos quanto à aplicação da LMP às relações afetivas atuais ou
passadas, principalmente entre namorados, ex-namorados, companheiros, ex-companheiros.
Destacam-se nesse período dois casos julgados no final de 2008 pelo Colegiado de Ministros
(as) do STJ90, envolvendo relações afetivas entre namorados, que polarizaram as atenções
sobre esse Tribunal, trazendo à tona a existência de duas correntes interpretativas: uma de
caráter nitidamente conservador, que “fechava” a interpretação das “relações íntimas de
afeto” ao conceito de família nuclear, formal ou informal, e uma outra que advogava a
interpretação da Lei Maria da Penha a qualquer relação íntima de afeto, na forma como foi
concebida pela Lei.
Para “vencer” a resistência conservadora, alguns julgadores optaram por “criar”
argumentos que justificassem a abrangência da Lei. No entanto, conforme será visto mais
adiante, esses argumentos ao invés de caminhar para uma interpretação mais abrangente da
Lei, tomaram rumo cada vez mais restritivo.
90
Neste capítulo pesquisa, o termo tem o sentido restrito à reunião de Ministros (as) da Quinta e Sexta Turmas
para julgamento na Terceira Seção.
130
A seguir, será apresentada a análise dos argumentos concernentes às relações afetivas,
em separado, com a intenção de maior objetividade e clareza; tendo em vista a pessoa
ofendida, iniciando pelos casos de menor ocorrência em que se questiona o vínculo de
parentesco e familiar e, em seguida, as relações afetivas entre ex-namorados, de expressiva
ocorrência, e que mereceu maior argumentação do STJ.
Salienta-se que os argumentos aqui apresentados não surgiram linearmente, em ordem
cronológica, e muito menos isoladamente de outras questões, tais como o “tipo de delito”
cometido contra a ofendida. Porém, nesse momento da análise, privilegiam-se de modo mais
destacado os argumentos acerca das relações afetivas entre ofensor e ofendida.
Argumento I - sujeitos não abrangidos pela Lei nº 11.340/2006
- inexistência de vínculo formal
- ausência da condição de vítima
– inexistência de vínculo formal
As primeiras decisões do Grupo I, considerando a data de julgamento, revela a
tendência de alguns julgadores do STJ em restringir a aplicação da LMP. Cita-se, como
exemplo, uma decisão proferida em 2007 em que uma “suposta”91 avó teria agredido com um
tapa e feito ameaças à “suposta” ex-nora, mãe de seu neto, se a mesma insistisse em pleitear
pensão alimentícia para o seu filho. O caso foi considerado pelo STJ não abrangido pela
LMP, “haja vista a inexistência do vínculo familiar entre a agressora e a vítima” e, ainda, que
se tratava de crime de menor potencial ofensivo. Ora, o vínculo familiar entre as partes, por
afinidade, é notório. A existência do neto e da violência por causa de reivindicação de pensão
alimentícia deste foi totalmente ignorada como problema “familiar”, passível de reincidência,
pelo menos enquanto o neto for “menor de idade” e necessitar de ajuda. Esses fatos, que
constavam do inquérito, subsumiram ante os argumentos de que a ofendida era solteira e não
91
Este termo foi utilizado pelo julgador na decisão, levando-se em conta que os fatos narrados estavam em fase
de apuração e existia apenas a palavra da ofendida (BRASIL, Cf. CC 85245-MG, DJ 07/08/2007, 2010b).
131
havia vínculo “formal” com a suposta ex-sogra. Além de questionarem o vínculo, exigindo
que seja formal, constou, de forma bem incisiva, o argumento de que se tratava de “delito de
menor potencial ofensivo” e, também por essa razão, deveria ser apreciado no JECrim.
– ausência da condição de vítima 1
Neste tópico serão analisadas duas decisões, tomadas pelo Colegiado, pelas quais se
excluiu a aplicação da Lei Maria da Penha, sob o argumento de que a mulher “protegida” pela
Lei de Violência Doméstica contra a Mulher é a “mulher vítima”, em relações patriarcais. A
partir dessas argumentações, fica claro o conceito adotado pelo STJ, que a “mulher vítima em
condições patriarcais” se dirige exclusivamente às mulheres na conjugalidade em relações
hetero ou homoafetivas. Tomando como parâmetro essas relações, em que são mais evidentes
as assimetrias de poder, em especial na conjugalidade entre homem e mulher (a maioria dos
casos deste Grupo), o STJ exclui outros casos em que as assimetrias de poder são menos
evidentes, porém existentes, nas relações de gênero entre parentes e familiares, a exemplo do
caso envolvendo irmãs e cunhados (SAFFIOTI, 1999).
Um dos casos refere-se a crime de injúria e difamação cometido por uma irmã contra
outra. Consta que ambas estavam em contínuo atrito e pelo fato de que a ofendida não
autorizou a filha a ir para a casa da tia, esta começou a agredi-la, dizendo: “prostituta,
vagabunda, você não é gente de morar na ilha, causando constrangimento moral para a
vítima”. Em virtude dos acontecimentos, o proprietário pediu que desocupasse o imóvel92.
Ao excluir esse caso do âmbito da Lei nº 11.340/2006, o STJ entendeu que não se
tratava de mulher na condição de vítima em relações patriarcais, conforme se observa da
seguinte argumentação:
Infere-se, desta forma, que o legislador tem em conta a mulher, numa
perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade
92
Cf. CC 88.027-MG: Esta decisão foi para o Informativo do STJ, sob o título “Troca de ofensas entre irmãs não
se enquadra na Lei Maria da Penha”, tendo sido acessada, até a data de 27.04.2011, 11.732 vezes. Disponível
em:< http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=90561>. Acesso em
25 set. 2010.
132
física e econômica em relações patriarcais. O escopo da lei é a proteção da
mulher em situação de fragilidade diante do homem (ou mulher) em
decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação, em que
possa ocorrer atos de violência contra essa mulher. O sujeito ativo da
violência doméstica tanto pode ser o homem, quanto a mulher, em virtude de
o parágrafo único do art 5º estabelecer que as relações pessoais independem
de orientação sexual. (BRASIL, CC 88.027-MG, DJ 18/12/2008, 2010a)
(grifo nosso).
Outro caso de violência entre cunhados mereceu decisão semelhante do STJ. Consta
que a cunhada queixou-se da conduta do cunhado, dizendo que este perturbava seu sossego e
de seus filhos há mais de dois meses, pois ligava o rádio a partir das quatro horas da
madrugada e só desligava à noite. Com isso não podiam dormir direito e atrapalhava as
crianças na realização das tarefas da escola. Acrescenta que “o seu cunhado J.V. tem
comportamento agressivo e após ter a depoente registrado a referida ocorrência, este passou a
cuidar os passos como se estivesse intimidando, por isso teme por sua vida, diz que tem
medo” (BRASIL, CC 106.412-RS, 2010b).
Nesse caso, o STJ assim se manifestou:
O sujeito passivo é a mulher, uma vez que a violência perpetrada pressupõe
uma relação caracterizada pelo poder e submissão sobre a mulher.
Resguarda-se a primazia da mulher apenas enquanto vítima. [...] É evidente
que não basta o fato de a vítima ser mulher, nos termos da Lei nº 11.340/06,
e haver relação de parentesco entre as partes. A conduta delitiva deve
basear-se numa relação de poder e submissão do autor sobre a vítima
(mulher). (BRASIL, CC 106.412-RS, DJ 19/08/2009, 2010b). (grifo nosso)
Para excluir esse caso da aplicação da Lei Maria da Penha, a linha de argumentação do
STJ seguiu a anterior, entendendo que fora das relações de conjugalidade inexiste a condição
de vítima à mulher em situação de violência. Este conceito será ainda mais estrito quando
aplicado às relações entre namorados, cuja análise será feita no próximo tópico. Nesse caso, é
clara a dificuldade dos julgadores do STJ em entender que também nas relações de gênero
entre irmãs ou outros parentes pode estar presente a desigualdade e as assimetrias de poder,
visíveis quando ocorre violência. Ressalte-se que a Lei Maria da Penha utiliza o termo
“mulheres em situação de violência”, sendo essas as destinatárias da proteção da Lei, nas
relações doméstico-familiares e nas relações afetivas, independentemente de coabitação. O
termo “vítima” não foi utilizado pela Lei, desnecessária, portanto, sua definição para a
apreciação dos casos concretos de violência doméstica contra a mulher.
133
A interpretação da violência, baseada no gênero feita nos casos entre irmãs e cunhados,
não reflete o sentido do termo pensado por ocasião da elaboração da Lei que “a violência
intrafamiliar expressa dinâmicas de poder e afeto”93. Ao mencionar que a violência é baseada
no gênero e elencar uma gama de relações em que ela pode ocorrer (parentesco, familiares,
relações afetivas atuais ou passadas, relações entre pessoas sem vínculo algum, mas que
habitam a unidade doméstica), a LMP alinha o conceito, refletindo às definições dadas pela
Convenção Belém do Pará, Convenção CEDAW e Resolução nº 19, de 1992, que reconhece
“a natureza particular da violência dirigida contra a mulher, porque é mulher ou porque a
afeta desproporcionalmente”.
Os dois casos apresentados, tratando-se de inequívoca relação de parentesco,
preencheram os requisitos estabelecidos pela Lei Maria da Penha, mas não preencheram os
requisitos criados pela interpretação do STJ: vínculo formal e a condição de vítima.
Adicionalmente, foi possível perceber nessas decisões um outro argumento, mas que
passa subliminarmente na leitura, uma vez que é apenas mencionado em reforço ao
argumento principal para refutar o caso como típico caso de violência doméstica e familiar.
Trata-se de um “julgamento antecipado”, classificando-o como simples desavença entre
parentes, conforme mostram os seguintes trechos:
Caso 1 - Fica evidente, pela análise do caso, que o delito supostamente praticado não
encerra qualquer motivação de gênero, tendo havido apenas discussões e ofensas entre duas
irmãs com problemas de relacionamento preexistentes (BRASIL, CC nº 88.027-MG, 2010a).
Caso 2 - O delito supostamente praticado não encerra qualquer motivação de gênero,
tendo havido apenas discussões e ofensas entre parentes com problemas de relacionamento
preexistentes. (BRASIL, CC nº 106.412-RS, 2010b).
Argumento II – relação afetiva não abrangida pela Lei Maria da Penha
– relações efêmeras e casuais
– ausência da condição de vítima 2
– ausência de nexo causal
– relações efêmeras e casuais
93
Cf. Exposição de Motivos nº 16/2004-SPM.
134
Essa linha de argumentação foi articulada no âmbito do STJ com o firme propósito de
excluir a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos de violência nas relações entre
namorados ou ex-namorados. O caso paradigmático pelo qual foi desenvolvida essa
argumentação e que serviu de fundamento para a decisão de outros casos referia-se a delito de
ameaça praticado contra M.E.D.R pelo seu ex-namorado. De acordo com o Termo
Circunstanciado de Ocorrência, J.C teria jogado um copo de cerveja em M., desferindo um
tapa em seu rosto e ainda a ameaçado. Segundo M., precisou de amigos para poder se livrar
das agressões do ex-namorado. Entendeu a maioria de Ministros (as) do STJ que a Lei Maria
da Penha não se aplicava ao caso, pois tratava-se de relação efêmera e casual. A construção
interpretativa desse caso levou em conta vários argumentos para justificar a decisão
(BRASIL, CC nº 91980-MG, julgado em 08/10/2008, DJ 05/02/2009, 2010a). O primeiro
argumento põe em questão o termo utilizado pelo legislador “qualquer relação de afeto”. Para
alguns Ministros (as), esse termo deve ser interpretado restritivamente, pois “não justifica que
as consequências de namoro acabado, quando ruins, venham desaguar na Lei n 11.340”; o
segundo argumento questiona o “tempo” de duração da relação íntima de afeto, que deve ser
“efetiva”; e o terceiro argumento, transcrito abaixo, reforça o anterior, que a relação de afeto
não pode ser transitória ou passageira:
[...] Apesar de desnecessária à configuração do aludido vínculo a coabitação
entre agente e vítima, verifica-se que a intenção do legislador, ao editar a Lei
Maria da Penha, foi de dar proteção à mulher que tenha sofrido agressão
decorrente de relacionamento amoroso, e não de relações transitórias,
passageiras. (BRASIL, CC nº 91.980-MG, 2010a) (grifo nosso)
Além da análise interpretativa, verifica-se entre os (as) Ministros (as) que apoiaram essa
tese uma preocupação de ordem pragmática: “é que se interpretarmos todas as situações como
incidentes na norma nova, vamos ter um impacto tremendo nos juizados já constituídos”
(BRASIL, CC nº 91.980-MG, p. 9, 2010a).
O voto divergente, vencido pela maioria, trouxe, entre outros, os seguintes pontos à
reflexão, os quais não encontraram eco na maioria dos (as) Ministros (as):
a) o namoro configura, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou
familiar, simplesmente porque essa relação é de afeto;
135
b) na interpretação da Lei Maria da Penha deve ser observado o Art. 4º da Lei a
respeito das peculiaridades das mulheres em situação de violência;
c) a Lei não exige esforço de interpretação para essa conclusão, pelo contrário, ela é
expressa, não deixa margem a dúvidas;
d) o namoro, independentemente do tempo, manteve, por óbvio, vínculo íntimo de afeto
com a namorada, ainda que com ela não tenha coabitado ou que da relação não
tenha resultado união estável.
Essa decisão teve imensa repercussão na mídia e sociedade em geral, sendo publicada
na página virtual do STJ e em jornais de grande circulação94, onde o título da notícia deixava
claro para a sociedade a posição majoritária do STJ de que não é em qualquer relação de
namoro que as mulheres, mesmo em situação de violência, serão atendidas nos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar (Juízo Único), criados pela Lei Maria da Penha.
Dois meses depois, em dezembro de 2008, no julgamento do Conflito de Competência
nº 96.532/MG, em 05/12/2008 e publicado no DJ de 19/12/2008, o voto divergente no caso
anterior passa a ser o vencedor e, assim, promove uma reviravolta na interpretação do STJ nos
casos de namoro. A violência praticada nas relações afetivas entre namorados passa a ser
aceita pela maioria do STJ. Essa decisão foi tomada por unanimidade pelo Colegiado, porém
não teve a mesma repercussão que a anterior. Destacam-se, nessa decisão, argumentos que
ressaltam a suficiência da previsão legal, a qual dispensa o “esforço” interpretativo do STJ
para definir o que é ou o que o legislador quis que fosse, o significado de relação afetiva,
conforme se observa no seguinte trecho da decisão:
Não se trata de saber se a relação do casal caracterizou união estável ou não,
se o relacionamento já cessou ou não, basta que os elementos apontem para a
direção de que ambos, em determinado momento, por vontade própria, ainda
que esporadicamente, tenham tido relação afeto, independente de coabitação.
[...] A lei não exige esforço de interpretação para essa conclusão, pelo
contrário, ela é expressa, não deixa margem de dúvidas. Isso porque, seu
escopo de proteção às mulheres, constantemente vítimas de agressões em
suas relações domésticas e familiares, gira em torno de algo maior do que o
casamento ou uma possível união estável, gira em torno da necessidade de
resguardo daquela que é colocada em situação de fragilidade frente ao
homem em decorrência de qualquer relação íntima que do convívio resulta.
(BRASIL, CC 96.532-MG, julgado em 05/12/2008, DJ 19/12/2008, 2010a)
(grifo nosso)
94
Matéria veiculada no jornal O Globo (2008).
136
Consta dessa decisão a preocupação com a realidade concreta da violência que atinge
as mulheres também em relações passageiras, fortuitas ou em relações afetivas findas,
frequentemente noticiada pelos telejornais, conforme se observa:
Penso que o intuito da legislação compromete-se com a realidade em que
vivemos. Realidade que nos assalta todos os dias pelo noticiário com a
violência de todo tipo, mas, especialmente nos últimos tempos, com aquela
dirigida à mulher, em muitos casos, contra a mulher que manteve relação
íntima com seu agressor “tão-somente” no âmbito do namoro. (BRASIL, CC
nº 96.532-MG, DJ 19/12/2008, 2010a)
Segundo Valéria Pandjiarjian (2002), estudos e pesquisas de decisões judiciais, na área
de família, buscando conhecer como o Judiciário implementa os direitos das mulheres, têm
identificado no discurso judicial um movimento “contraditório”, “heterogêneo”, “permeado
por avanços e retrocessos”95.
Esse movimento pode ser percebido nas argumentações de Ministros (as) referentes à
aplicação da Lei nº 11.340/2006 às relações afetivas e com maior nitidez nas relações afetivas
entre namorados ou ex-namorados, em que se questiona o vínculo para excluir as mulheres do
amparo de uma lei especial, cujo alcance maior visa garantir às mulheres o direito a uma
relação afetiva sem violência. Contudo, ao se constatar também esse movimento
contraditório, quando as pessoas envolvidas na violência são inegavelmente parentes, como
foram os primeiros casos relatados entre irmãs e cunhados, fica patente a dificuldade em se
dar importância aos atos de violência que ocorrem no âmbito privado da família quando
praticados contra as mulheres.
Importante assinalar que, enquanto pairava a controvérsia entre os Ministros (as) do STJ
sobre o tipo de relação afetiva sujeito aos ditames da LMP96, casos dramáticos de violência
95
96
Cf. Pandjiarjian (2002, p. 7): No intuito de avaliar a forma pela qual os direitos das mulheres vêm sendo
implementados pelo Poder Judiciário, pesquisas em processos judiciais na área de família revelam que as
decisões judiciais possuem uma dinâmica própria, de movimentos contraditórios, e por isso compõem um
universo heterogêneo, permeado de avanços e retrocessos. Ainda, no discurso judicial, revela-se uma
violência simbólica, através da expressão de uma dupla moral no que diz respeito às exigências
comportamentais feitas às mulheres, já que seu comportamento é avaliado em função de uma adequação a
determinados papéis sociais, em que pesos distintos são atribuídos às atitudes praticadas pelos homens e
mulheres”.
Considerando as decisões do Grupo I, de modo geral e os dois casos paradigmáticos, o período de maior
embate no STJ se deu no final de 2008 e início de 2009.
137
doméstica contra a mulher eram noticiados como o de Eliza Samúdio, que desapareceu sem
deixar vestígios e que, um ano antes, havia se dirigido até a Delegacia da Mulher para pedir
proteção contra atos (sequestro, tentativa de aborto) de seu ex-parceiro. O pedido de medidas
protetivas formulado na delegacia foi negado pelo Judiciário sob o argumento de que [...]ela
declarou na delegacia que tinha “ficado” com ele, que não era a namorada [...]. Alegou-se
que, para esses casos, graves, mas envolvendo relacionamento dito casual, havia a aplicação
da lei penal, de cunho geral97. Ocorre, entretanto, que a existência da lei penal, por si só, não
garantia proteção preventiva para as mulheres contra as práticas delituosas cometidas por
pessoas de seu relacionamento íntimo. Mesmo sendo graves, dificilmente essas condutas eram
assim entendidas, expedindo-se medidas emergenciais que as protegessem. A Lei Maria da
Penha, no tocante à tutela antecipada, é um grande diferencial em relação aos outros
normativos e, ao ser classificado o relacionamento da modelo como “casual”, a ela foi negada
tal tutela98.
– ausência da condição de vítima 2
As duas decisões analisadas no tópico anterior instalaram a divergência no Tribunal e,
assim, nas decisões individuais subsequentes, parte dos julgadores decidiam de uma forma,
parte de outra. Em meio a duas teses, diametralmente opostas, foram identificados outros
argumentos, os quais tinham por objetivo flexibilizar a aplicação da Lei Maria da Penha a
relações ditas fortuitas: o “nexo causal”99 e a “condição de vítima”. Porém, para a corrente
conservadora, esses seriam elementos a mais para se obter o abrigo da Lei de violência
doméstica contra a mulher, conforme se observa do seguinte:
Entendo que, diante da exigência do legislador ordinário de existência de
relação íntima de afeto, independente de coabitação, a relação entre
namorados, para fins de aplicação da Lei nº 11.340/2006, demanda uma
97
98
99
Cf. depoimento da Juíza disponível em:<
http://terratv.terra.com.br/videos/Noticias/Especiais/CasoBruno/4880-311025/Ela-nao-era-namorada-dele-diz-juiza-sobre-Eliza.htm>. Acesso em 12 jan 2011.
Sobre o caso Eliza Samudio ver Sardenberg (2010a) “As Elizas do Brasil e suas mortes anunciadas”,
disponível em http://www.neim.ufba.br/site/agenda.php?ID=142.
Esse argumento pode ser encontrado na doutrina. Segundo Dias (2008, p. 45), não há como restringir o
alcance da lei a vínculos afetivos que refogem ao conceito de família e de união estável na ocorrência de
violência, estendendo-se sua interpretação aos casos de namorados e noivos, porém, entende a autora que é
necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou para configurar a violência doméstica contra a
mulher.
138
análise cuidadosa, que deve ser realizada caso a caso, a fim de que se
comprove uma relação com convivência duradoura entre as partes
envolvidas no suposto fato delituoso, da qual este seja causa, não incidindo
sobre relações de namoros eventuais, efêmeros.(BRASIL, CC nº 91.979MG, 2010a) (grifo nosso).
Essa linha argumentativa mais exigente tende a se flexibilizar ante a presença de
elementos irrefutáveis, capazes de elidir a dúvida reinante sobre o relacionamento entre
ofendida e ofensor: “destaco, ainda, que a vítima está grávida, sendo o suposto pai o agressor,
o que torna evidente a relação íntima entre os dois, atraindo, desta forma a aplicação da Lei
11.340/06” (BRASIL, CC nº 92.591-MG , p.6, 2010a).
O entendimento do STJ acerca da condição de “vítima” da mulher em situação de
violência pode ser constatado no seguinte caso: por causa de ciúmes, a namorada inicia
discussão que termina em agressão mútua: ele a agride e ela revida. Ela “apresentava
escoriações no olho esquerdo e hematomas em ambos os braços e ele mostrava escoriações
nos braços e leves contusões no ante-braço esquerdo, no lábio superior e pequenos arranhões
no pescoço” (BRASIL, CC nº 96.533-MG, p.3, 2010a).
O STJ, analisando o caso, manifestou o seguinte entendimento:
No caso dos autos estão presentes os elementos da violência, a relação de
intimidade afetiva entre o casal e a convivência, tendo havido ou não
coabitação. Entretanto, resta dimensionar que tipo de situação desencadeou a
situação de violência. Ambas as partes afirmam e concordam (fls. 2 e 6) que
a agressão teve origem por motivo de ciúmes da namorada com relação à
descoberta de uma ligação feita pelo namorado, por meio de seu celular.
Depreende-se dos autos que as agressões foram mútuas e o que as motivou
não foi um caso de opressão à mulher, que é o fundamento da aplicação da
Lei Maria da Penha. Não fica evidenciado, no caso, que as agressões
ocorreram por causa da condição de fragilidade e hipossuficiência da mulher
em relação ao seu namorado. (BRASIL, CC nº 96.533-MG, DJ 05/02/2009,
2010a) (grifo nosso)
Decidiu o Colegiado que o caso não merecia a acolhida do foro privilegiado da
mulher100, estabelecido pela Lei Maria da Penha, sob o argumento de que a lei busca alcançar
apenas as mulheres em situação de opressão e, por certo, aquelas que não se defendem da
100
Significa dizer que o caso não será apreciado e julgado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher ou na Vara Criminal onde não estiver instalado o Juizado.
139
agressão. A ofendida não se revelou uma autêntica “vítima”, apanhando calada. Refutando
esse posicionamento, encontrou-se o seguinte argumento, no voto divergente:
“[..] a mulher, sendo agredida, ainda que ela repila a agressão até com mais
eficácia, até que ela prepondere, o que é pouco usual, a sua força na briga ou
no embate, penso que isso deve, em princípio, ficar na Vara competente para
processar os crimes de violência contra a mulher [...] penso que devemos
privilegiar o foro privativo da mulher – digamos assim – o foro especial da
mulher para os casos em que ela for agredida. Creio razoável, a meu ver, se
ela foi agredida, para garantir o seu foro, seria melhor apanhar passivamente.
Sendo assim, não seria razoável esperar isso de mulher nenhuma,
especialmente das mulheres de Minas Gerais. (BRASIL, CC nº 96.533-MG,
2010a) (grifo nosso).
Por meio dessa decisão, percebe-se que a definição da “condição de vítima”,
anteriormente identificada101, ganha contornos mais estritos. Além de estar vinculada às
relações de conjugalidade, ou seja, relações íntimas de afeto entre homens e mulheres (ou nas
relações homoafetivas) soma-se a exigência de “concreta” fragilidade.
– ausência de nexo causal
O argumento referente ao nexo causal reflete o inconformismo de alguns julgadores na
previsão legal de que “qualquer” relação íntima de afeto (Art. 5º, III) foi abrangida pela Lei.
Conforme consta do Dicionário Aurélio, o termo “qualquer” designa coisa, lugar ou indivíduo
indeterminado. O termo tem o sentido extensivo, de abrangência, à semelhança da definição
adotada pela Convenção Belém do Pará, e não restritivo, como vem decidindo alguns
Ministros (as) do STJ.
Para os defensores desta tese, esse “qualquer” não poderia abarcar “um relacionamento
passageiro, fugaz ou esporádico”. Somente configuraria a violência doméstica se
caracterizado o relacionamento como “estável” ou ainda que houvesse um “nexo causal” entre
a violência e a relação íntima de afeto. A tese importa em mais ônus para a mulher, pois, além
de ter sido ofendida, para ter o abrigo da lei ou concessão de medidas protetivas urgentes, terá
101
Cf. ausência da condição de vítima 1.
140
que se desdobrar em “provas” acerca de sua vida íntima com o ofensor e, ainda, que a
violência decorreu desse relacionamento.
O caso seguinte ilustra uma situação em que se exigiram esses elementos e foi negada a
aplicação da Lei Maria da Penha:
Na hipótese, cinge-se a questão em definir a competência para processar e
julgar a conduta perpetrada por A.R.S, in verbis: C. Alegou que o exnamorado, A., pegou-lhe pelo braço e bateu a cabeça da vítima contra a
parede. A., por sua vez, também alegou que sofreu agressões físicas por
parte de C. (fls. 02). Como se vê, apesar de o suposto crime de violência ter
sido praticado por ex-namorado da vítima, não se vislumbra elementos aptos
a indicar uma convivência duradoura, bem como que a possível agressão
tenha sido causada pelo fim do relacionamento ou algo do gênero. Inexistem
indícios que possam comprovar que o agente tenha reiterado as ofensas ou
tenha praticado outras condutas criminosas contra a vítima. (BRASIL, CC nº
105.233-MG, DJ 01/07/2009, 2010b). (grifo nosso)
Depreende-se desses argumentos, a criação de “condicionantes” para que a mulher em
situação de violência seja atendida no Juízo Único. Nesse caso “faltou” a convivência
duradoura e, ainda, o “nexo” entre a violência e o fim do relacionamento.
Esses “elementos” não constam da Lei Maria da Penha. Além disso, nesse caso,
evidencia-se uma tendência em escusar a conduta do ofensor, sob a alegação de que não
houve reincidência.
Muitos estudos deram conta da reincidência como uma prática comum na violência
contra as mulheres, que ocorre no espaço privado (CAMPOS, 2001), em especial na
conjugalidade, sendo esta uma das características da violência de gênero.
Contudo, não se pode querer “rotular” ou idealizar um “modelo” único de relação
afetiva, a partir do imaginário do julgador e preenchê-lo na análise do caso concreto,
exigindo-se “nexo de causalidade”, conduta reiterada, passividade, opressão ou outros
elementos para que a violência doméstica contra a mulher seja configurada e aplicada à Lei
especial nº 11.340/2006, sob pena de que muitas mulheres fiquem “de fora” do Juízo único,
portanto, do amparo dessa Lei.
Quando se exclui o relacionamento afetivo, classificando-o de casual, em verdade se
exclui a mulher, haja vista que este é o principal elemento definidor da aplicação da Lei Maria
141
da Penha: a mulher, nas relações de gênero102. Pode-se dizer que é uma forma de penalizar,
indiretamente, a mulher que se envolve em tais relacionamentos. Quanto mais longe seu
comportamento estiver do papel tradicional de mulher de família, menor a probabilidade de
auferir os benefícios da Lei nº 11.340, de 2006, quando em situação de violência.
Embora nessas decisões não se vislumbre referência direta a comportamentos esperados
de homens e mulheres, a referência aparece subliminarmente, quando se exigem provas de
relacionamento duradouro que se assemelhe a uma união familiar, transparecendo uma
violência simbólica, à semelhança do apontado por Pandjiarjian (2002), em análises de
discursos judiciais.
A classificação das mulheres em “tipos” foi identificada por Salem (2004), no
imaginário de homens de classe popular, a partir de “representações sobre as sexualidades
masculina e feminina e a relação entre gêneros”. Destaca a autora, mas sem intenção de
generalizar, que, na concepção desses homens, a cada modalidade de parceira corresponde um
tipo de relacionamento e de moral particular. Assim, àquelas que, no imaginário masculino, se
aproximassem mais do conceito de menina de família (ou vinculada a uma rede familiar) mais
respeito e consideração lhes eram devidas, nas palavras da autora:
Da intencionalidade masculina com relação às mulheres resulta sua primeira
bipartição: as parceiras com as quais ele estabelece vínculo, e as parceiras
[só] para o sexo.
Essa polaridade coincide, grosso modo, com a oposição entre “mulheres de
casa” (namoradas, noivas ou esposas) e as “de fora”. A primeira categoria
aplica-se às parceiras consideradas “fixas”, mas ela não prevê
necessariamente coabitação. Por conseguinte, a expressão “de casa”
metaforiza o vínculo ou o compromisso masculino com essas mulheres.
Em contraste com a maior univocidade da noção de “mulher de casa”, a de
“mulheres de fora” é mais ampla, heterogênea e também mais plástica. Ela
adquire por vezes um significado residual e abrangente, denotando
indiscriminadamente todas as parceiras que não são fixas: desde prostitutas
até meninas com as quais os homens vinculados, por vezes, “ficam”. Em
outros momentos, contudo, a categoria de “mulher de fora” assume uma
conotação mais específica e restrita: ela denota parceiras sexuais mais ou
menos ocasionais com as quais eles “traem” suas companheiras “fixas”. Elas
102
Casos podem ser noticiados em que a prática da violência é reiterada e em outros não, ocorrendo nas relações
afetivas duradouras, informal, formal, nas eventuais e efêmeras (conhecido “ficar”), na conjugalidade ou no
âmbito da unidade doméstico-familiar quando cometida pelos pais, irmãos, irmãs, tios, tias, cunhados,
namorados, agregado que mora com a família, familiar que mora longe e passa alguns dias em casa, enfim são
muitas as situações e todas constituem uma violação dos Direitos Humanos das mulheres, portanto, devem ser
objeto de reprovabilidade pelo poder público e sociedade em geral, principalmente no Judiciário onde vão
desembocar esses casos.
142
são, em suma, as “outras”. É com elas, como se verá, que os homens
atualizam uma forma intermediária entre o binômio vínculo/sexo: o vínculo
sem compromisso. (SALEM, 2004, p. 43)
5.1.4.1 – Por uma questão de analogia
O STJ deixa de julgar os Conflitos de Competência entre Vara Criminal e JECrim, nos
casos de violência doméstica contra a mulher
Conforme mencionado anteriormente, o STJ atraiu para si a competência para julgar os
Conflitos surgidos entre as Varas Criminais e Juizados Especiais Criminais (JECrims) nos
casos de violência doméstica contra a mulher, em analogia ao entendimento adotado na
Súmula 348/STJ, que definia sua competência para os Conflitos envolvendo Juizado Especial
Criminal no âmbito federal. Essa competência era controversa, tanto que foi necessária a
edição de Súmula103. Definida a competência do STJ para dirimir Conflitos entre Juizados
Especiais Criminais Federais, o mesmo entendimento foi repassado para os Conflitos
envolvendo Juizados Especiais Criminais, no âmbito estadual. Em razão dessa interpretação,
os Conflitos de Competência s de competência nos casos de violência doméstica contra a
mulher entre Juizados Especiais Criminais (estaduais) e Varas Criminais chegavam ao
Superior Tribunal de Justiça.
Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando o Recurso
Extraordinário (RE) 590.409-RJ, em 26/08/2009, entendeu que o STJ não é o órgão
competente para dirimir Conflitos envolvendo Juizados Especiais Criminais Federais. Embora
a repercussão da decisão do Supremo seja restrita a Conflito no âmbito federal, Ministros (as)
da Terceira Seção aplicaram, de imediato, no dia seguinte, o mesmo entendimento aos casos
de violência doméstica contra a mulher, versando sobre Conflito envolvendo Juizado Especial
Criminal no âmbito estadual, conforme se observa:
[...] aplica-se referido entendimento aos conflitos de competência entre Juízo
de Direito de competência comum e Juízo de Direito de Juizado Especial,
vinculados ao mesmo Tribunal. Ante o exposto, não conheço do conflito e
103
Cf. Súmula nº 348/STJ, de 2008. (BRASIL, 2008)
143
determino a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do
Amazonas para que julgue como entender de direito. (BRASIL, CC
106.850-AM, julgado em 27/08/2009, publicado em 03/09/2009, 2010b).
(grifo nosso)
A iniciativa de estender essa interpretação aos casos de violência doméstica contra a
mulher foi capitaneada por Ministros (as) mais resistentes à aplicação extensiva da Lei Maria
da Penha a todos os delitos praticados contra as mulheres, sendo logo depois adotada pelos
demais Ministros (as). Assim, optaram por “não conhecer” dos Conflitos que chegavam ao
Tribunal, encaminhando-os para os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados.
Importante destacar a “pressa” do STJ em adotar, por analogia, a decisão do Supremo
Tribunal Federal, resultando em 74 casos “não conhecidos” em 2009 e 16 em 2010104. A
implicação dos elementos - “celeridade” ou a “demora”105 - na apreciação desses casos é
indiscutível para as mulheres em situação de violência. No entanto, na presente pesquisa, a
análise dos reflexos da decisão do STJ, de não mais apreciar os Conflitos envolvendo JECrim
e Vara Criminal, leva em conta o “como” estes Conflitos estão sendo julgados nesse Tribunal.
Conforme análise das argumentações do STJ, contou para a definição do órgão julgador
o “tipo de delito” praticado e o “tipo de relação afetiva” existente entre as partes envolvidas
na violência. No primeiro caso, a análise das decisões revelou que, mesmo enfrentando
resistências internas, o STJ “pacificou” o entendimento de que aos delitos (crime ou
contravenção) praticados contra as mulheres no ambiente doméstico-familiar ou nas relações
afetivas não se aplica a Lei nº 9.099, de 1995. Assim, contribuiu de forma importante para
incluir no âmbito de aplicação da Lei Maria da Penha e, portanto, dos Juizados de violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher ou das Varas Criminais, todas as condutas lesivas às
mulheres praticadas no ambiente doméstico familiar, seja um empurrão, lesão, ameaça ou
mesmo tentativa de homicídio, cárcere privado, estupro, homicídio, entre outras. Para as
mulheres em situação de violência, a apreciação e julgamento nesses Juízos é o primeiro
passo para a compreensão do caráter complexo da violência e a adoção de medidas protetivas
para a sua segurança física e psicológica.
104
A Súmula 348/STJ que dava suporte à competência do STJ somente foi cancelada no ano seguinte, em
17/03/2010 (BRASIL, CC 107.635-PR, 2010a).
105
Sobre a demora para resolução dos Conflitos de Competência, cita-se, como exemplo, o Conflito de
Competência nº 106.531-MG, um dos que o STJ se declarou incompetente. Nesse caso, constatou-se o lapso
temporal de dois anos e sete meses entre a data da violência, 10/04/2007, e a decisão final do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais que declarou a competência da Vara Criminal, em 03/12/ 2009.
144
Contudo, não se pode deixar de registrar a grande incidência do argumento de que
alguns delitos praticados contra as mulheres são de menor potencial ofensivo presente no
imaginário dos operadores do direito, em especial nas Varas Criminais e em menor escala,
mas também presente na compreensão de alguns Ministros (as) do STJ. Essa précompreensão interfere na aplicação da Lei Maria da Penha, pois a partir dela não se vislumbra
a necessidade de alterações nas práticas judiciárias ou no modo de atender as mulheres em
situação de violência.
Quanto ao “tipo de relação afetiva”, não houve entendimento entre os julgadores e as
divergências foram mais acirradas, manifestadas em duas correntes interpretativas opostas:
uma com conteúdo favorável às mulheres em situação de violência, independentemente da
classificação da relação afetiva (BRASIL, CC nº 96.532-MG, 2010a) e outra extremamente
conservadora (BRASIL, CC nº 91.980-MG, 2010a), fechando as portas da Lei Maria da
Penha para a violência que ocorre nas relações afetivas casuais. A partir de uma terceira linha
interpretativa, notou-se a preocupação de alguns julgadores (as) em incluir tais
relacionamentos no âmbito de abrangência da Lei nº 11.340/2006, desde que provadas
determinadas condições: nexo causal ou a condição de vítima. Contudo, constatou-se que a
linha conservadora exigia, além de união duradoura, também esses requisitos para que a
situação de violência fosse configurada violência doméstica contra a mulher nos termos da
Lei Maria da Penha, em especial quando se tratava de relacionamentos afetivos entre
namorados e companheiros.
Assim, tomando por base as decisões do Grupo I, em que o número de mulheres
ofendidas (Tabela 10), na condição de ex-namoradas e ex-companheiras, é expressivo, bem
como a representatividade desses relacionamentos nos casos em que não foi aplicada a Lei
Maria da Penha, não se pode afirmar que foi prejuízo para as mulheres em situação de
violência, o STJ não mais se manifestar nesses casos.
145
6. ANÁLISE DAS DECISÕES DO STJ – GRUPOS II E III
Em continuidade à análise das decisões do STJ, este Capítulo será destinado à análise
das decisões constantes dos Grupos II e III, que trazem questões relativas a medidas
protetivas e ao instituto da representação nos casos de violência doméstica contra a mulher.
O Grupo II compõe-se de decisões acerca das medidas protetivas de afastamento e de
prisão preventiva. Essa discussão concentrou-se nas ações em Habeas Corpus (HC) e nos
Recursos Ordinários em Habeas Corpus (RHC), contando com o total de vinte e quatro
decisões. O Grupo III compõe-se de documentos acerca do instituto da “representação”. Essa
discussão pode ser observada nas ações em Habeas Corpus e também nos Recursos Especiais,
contando com trinta e três decisões.
A análise das decisões desses dois grupos será realizada em separado, mas, seguindo a
mesma metodologia de análise realizada nas decisões do Grupo I, apresentando-se em
primeiro lugar as características dos processos pelo número de ocorrências e, após, a análise
qualitativa dos dados, relativos aos argumentos constantes das decisões.
6.1 OS DADOS DO GRUPO II
- As medidas protetivas de afastamento e de prisão preventiva
Os pedidos de revisão das medidas protetivas de afastamento ou de prisão preventiva
constituem a maioria dos documentos do Grupo II. Esses pedidos foram negados pelos
Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, sendo agora submetidos à apreciação do STJ.
Nesta parte do estudo pretende-se conhecer os argumentos prevalecentes nas decisões do STJ
quando concedem ou negam o pedido de revogação dessas medidas e se levam em conta o
risco à integridade física e psicológica da mulher em situação de violência. Essa a principal
questão posta à análise do Grupo II.
Conforme revela a Tabela 15, sobressai nos dados do Grupo II a baixa incidência de
casos no STJ contra a medida protetiva de afastamento e a majoritária ocorrência de processos
146
contra a medida protetiva de restrição mais extrema: a prisão preventiva. Conforme será
mostrado, a maior ocorrência de processos buscando rever as medidas de prisão preventiva
deve-se ao reiterado descumprimento de medida protetiva de afastamento ou reiteração da
conduta delitiva. Esse fato confirma o que os estudos vêm apontando sobre o caráter
multidimensional e a complexidade da violência contra a mulher, na qual se destaca a
violência doméstica.
Tabela 15. Número de decisões do Grupo II pelo tipo de medida protetiva
Questão central
Medida protetiva de afastamento
Medida protetiva de prisão preventiva
Total
Frequência
5
19
24
%
20.83
79.17
100%
Fonte: Superior Tribunal Federal
6.1.1 –Características dos Processos do Grupo II
- Decisões pelo ano de publicação e unidade da federação
Em relação à data de publicação dessas decisões, não foi encontrada nenhuma
ocorrência em 2006; em 2007, constatou-se uma ocorrência; sete em 2008; nove em 2009 e
sete em 2010. Quanto à origem, houve predominância de casos advindos do Distrito Federal,
com quatro ocorrências. Constatou-se também casos originários de diversas unidades da
federação: três no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso; duas em Santa Catarina e
Paraná, e uma no Ceará, Amapá, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Roraima e Goiás.
- Quem recorre ao STJ
As decisões deste Grupo mostram que os pedidos de revogação de medidas protetivas
submetidos à análise do STJ são levados pelos homens, prevalecendo casos que envolvem
147
relacionamento entre companheiros e ex-companheiros (Cf. Tabela 16). Não foi observada
nenhuma ocorrência em que essa via tenha sido utilizada pelas mulheres na condição de
ofensoras.
- Perfil econômico dos ofensores
Devido à escassez de informações acerca da profissão do ofensor e da ofendida, buscouse, na pesquisa, conhecer quem estava impetrando essas ações (se o próprio paciente –
ofensor, o advogado constituído, a Defensoria Pública ou o Ministério Público), de modo a
traçar, ainda que de forma geral, o perfil econômico dos ofensores 106. A baixa ocorrência de
casos da Defensoria107 (cinco) em relação à majoritária ocorrência de casos com advogados
(dezessete) indica possibilidade econômico-financeira em arcar com custos de advogado e
despesa do processo108.
- Decisões pelo tipo de violência e pessoa ofendida
Neste Grupo de decisões, predominou a ocorrência de mais de um delito praticado
contra a mulher, na maioria dos casos delitos de lesão corporal e ameaça. Observou-se neste
Grupo mais casos de tentativa de homicídio e homicídio qualificado em relação aos tipos de
violência apresentados no Grupo I, onde predominaram casos de lesão corporal, ameaça e
106
Segundo Grosner (2008, p. 114), o fator econômico é o primeiro vetor de seletividade excludente operada no
STJ, ou seja, apenas aqueles que tivessem efetivamente capacidade econômico-financeira chegariam a essa
instância em função dos custos mais elevados para acompanhamento dos processos. Todavia, em se tratando
de violência doméstica contra a mulher, não se pode afirmar a mesma tendência, em caráter uniforme. No
Grupo II, de fato, predominou a defesa dos ofensores, patrocinada por advogados constituídos, mas no Grupo
III, em que se discute tese jurídica a respeito do instituto de representação, a Defensoria Pública se fez
presente na maioria das causas submetidas ao STJ. Não obstante a relevância em evidenciar a dificuldade de
acesso das pessoas hipossuficientes (pobres) a todas as esferas penais do poder judiciário, o intuito em traçar o
perfil econômico dos ofensores nesta pesquisa busca, também, evidenciar que a violência doméstica contra a
mulher está presente em todas as classes sociais e, desta forma, desmistificar a crença que essa violência só
ocorre entre os pobres. Sobre os mitos da violência doméstica contra a mulher, ver Guimarães (2009); Diniz e
Argelim (2003).
107
A Defensoria Pública atende pessoas sem recursos para custear as despesas do processo e que se declaram
hipossuficientes, nos termos da Lei nº 1060/50. Na contagem das ações movidas pela Defensoria Pública
foram incluídas outras vias de assistência judiciária gratuita.
108
Incluído nesse rol um caso de impetração de Habeas Corpus em “causa própria”.
148
vias de fato. Considerando as decisões dos Grupos I e II, não foram encontrados registros de
lesão corporal grave nem de homicídio simples.
Com relação à mulher ofendida, foi possível verificar que em vários tipos de relações
afetivas (ex-companheira, companheira, namorada, ex-namorada, mãe, filha, esposa, exesposa) estão sendo adotadas medidas protetivas, contra as quais se insurgem os ofensores.
Não foram detectados casos envolvendo relações homoafetivas.
Tabela 16. Número de decisões do Grupo II pela pessoa ofendida, tipo de violência e
órgão de julgamento no STJ
Características dos processos
Ofendida
Delito
Turma
Esposa
Homicidio qualificado
5a.
Companheira grávida
Homicidio qualificado e aborto
5a.
Amante grávida
Homicídio qualificado e aborto
6a.
Namorada
Tentativa de homicídio
5a.
Companheira
Tentativa de homicídio
5a.
Lesão corporal/injúria/ameaça/
Não informado
Estupro
5a.
Esposa e filhas
Lesão/ameaça/estupro/atentado
violento ao pudor/porte ilegal de
armas
5a.
Ex-namorada e diarista
Lesão/ameaça/cárcere privado
6a.
Ex-companheira
Lesão corporal e ameaça
5a.
Ex-companheira e filha
Lesão corporal e ameaça
5a.
Companheira e filhos
Lesão corporal e ameaça
5a.
Não informado
Lesão corporal e ameaça
5a.
Companheira
Lesão corporal
5a.
Ex-companheira
Lesão corporal
5a.
Não informado
Lesão corporal
5a.
Mãe
Lesão corporal
Ex-companheira
Ameaça
6a.
Ex-namorada
Ameaça
6a.
Ex-esposa
Ameaça
6a.
Ex-esposa e filhos
Ameaça
5a.
Não informado
Não informado
5a.
Total
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Frequência
1
1
1
2
1
%
4.17
4.17
4.17
8.33
4.17
1
4.17
1
1
3
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
24
4.17
4.17
12.50
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
4.17
100%
149
- Tipos de decisão no STJ
A maioria das decisões do STJ foram denegatórias, ou seja, os pedidos de revogação de
medida protetiva dos ofensores foram negados nesse Tribunal, mantendo-se a medida
protetiva concedida no Juízo de origem.
Tabela 17. Tipos de decisão do Grupo II
Medida Protetiva
Afastamento
Prisão preventiva
Total
Decisões Denegatórias
(mantêm a medida)
3
16
19
Decisões concessivas
(revogam a medida)
2
3
5
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
6.1.2 - Argumentos utilizados para justificar a revogação da medida protetiva
A análise das decisões do Grupo II, referentes aos argumentos utilizados pelos
ofensores para justificar os pedidos de revogação de medida protetiva, tem por objetivo
revelar o panorama da situação de violência levado à apreciação dos Ministros(as) do STJ.
Relembrando a análise nas decisões do Grupo I, em que Juízes se declaravam
incompetentes para apreciar e julgar casos de violência doméstica, a análise do Grupo II
pressupõe que a discussão sobre a competência, se houve, foi superada, uma vez que consta a
irresignação do ofensor em relação à medida protetiva fixada no Juízo de origem109. O
ofensor, não se conformando com a decisão do Juízo de origem, da Vara Criminal ou do
Juizado de Violência Doméstica e Familiar, busca a sua modificação na instância superior. Os
pedidos dos ofensores, de revogação das medidas protetivas de afastamento e de prisão, foram
negados pelos Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, sendo, agora, submetidos à
apreciação do STJ.
109
Foi constatada a ocorrência de questionamento acerca da competência, em conjunto com outros argumentos,
apenas em um caso (BRASIL, HC 73161/SC, 2010a).
150
A Tabela 18, abaixo, traz as argumentações expendidas pelos ofensores para justificar
seus pedidos.
Tabela 18. Argumentos utilizados na origem para justificar os pedidos de revogação de
medida protetiva de afastamento e de prisão no STJ
Argumentos
Ausência de requisitos/fundamentação para decretação da medida
Ausência de descumprimento de medida protetiva
Excesso de prazo para a instrução criminal
Primário/residência fixa/profissão definida
Gravidade abstrata dos fatos
Inconstitucionalidade LMP
Outro(s)
Total
Frequência
24
4
4
2
2
1
6
43
%
55.81
9.30
9.30
4.65
4.65
2.33
13.95
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: Na classificação “outros” foram encontrados os seguintes argumentos: incompetência do Juízo (1); falta
de citação da medida protetiva (1); ilegitimidade do Ministério Público para propor medida protetiva (1);
relação íntima não abrangida pela LMP (1); negativa de autoria (1) e colaboração com as investigações
(1).
Em geral, nota-se que os ofensores não discutem a autoria do delito (um caso), mas
trazem outros argumentos (excesso de prazo; ser primário, ter residência fixa, profissão
definida
e
outros)
em
acréscimo
ao
argumento
mais
recorrente
(falta
de
requisitos/fundamentação para a decretação da medida), para classificar a medida protetiva
como desnecessária e arbitrária.
Cabe aqui tecer algumas considerações sobre o argumento “inconstitucionalidade”,
levantado pelo ofensor, em um caso de namoro (BRASIL, HC 92.875/RS, 2010a), julgado
pelo STJ em 2008. A par dos demais argumentos utilizados (relação íntima não abrangida
pela LMP e ilegitimidade do Ministério Público para propor medidas protetivas), verifica-se
que o ofensor buscava lograr proveito da divergência instalada no STJ sobre a abrangência ou
não dos casos de namoro pela LMP110.
Conforme
consta
da
Tabela
18,
o
argumento
referente
à
“ausência
de
requisitos/fundamentação para a decretação da medida” está presente em todos os casos (24
110
Cf. análise realizada no Grupo I, referente ao argumento “relações casuais e efêmeras”.
151
ocorrências). Argumentam os ofensores que os fatos levados em conta pelo juiz de origem, ao
decretar a medida, não preenchem os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal
(CPP). Esse artigo traz os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Ocorre, entretanto,
que a Lei Maria da Penha, ao incluir outra hipótese autorizadora da prisão preventiva no item
IV, do artigo 313 do CPP, busca garantir a efetivação das medidas protetivas e,
consequentemente, a integridade física e psicológica das mulheres em situação de violência.
São poucos os argumentos dos ofensores que fazem menção expressa ao cumprimento
de medida protetiva (4 ocorrências), um dos principais requisitos a ser levados em
consideração na análise de pedidos de revogação da medida nos casos de violência doméstica
contra a mulher
6.1.3 - O que diz o STJ sobre as Medidas Protetivas de Afastamento e de Prisão
Preventiva
Tabela 19. Argumentos do STJ nas decisões do Grupo II
Argumentos
Presentes requisitos/fundamentação para decretação da medida(Art.
312 CPP)
Ausência de requisitos/fundamentação para decretação da medida(Art.
312 CPP)
Garantia da execução das medidas protetivas de urgência (Art. 313
CPP)/resguardar a integridade física e psicológica da ofendida
Descumprimento de medida protetiva (1)
Excesso de prazo não configurado
Outro (2)
Total
Frequência
%
18
35.29
4
7.84
13
6
3
7
51
25.49
11.76
5.88
13.73
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota (1): As medidas protetivas descumpridas referiam-se a afastamento de 200metros (1); separação de corpos
e afastamento definitivo do lar (1); reiteração da conduta delitiva (1); proibição de aproximação da
ofendida (2).
Nota (2): Na classificação “outros” foram encontrados os seguintes argumentos: em vista de tratar-se de crime
hediondo (2); prisão decorre de sentença condenatória (1); proteção aos filhos/família (1); relação
íntima abrangida pela LMP (1); o pedido deve ser apreciado pelo Tribunal de Justiça (1).
Prevaleceu no STJ o entendimento que as decisões tomadas nas instâncias de origem,
em relação ao ofensor, foram devidamente fundamentadas, com observância dos requisitos do
152
artigo 312 do CPP e, também, do estabelecido pela Lei de Violência Doméstica contra a
Mulher (BRASIL, 1941, Art. 313, inciso IV). Na maioria dos casos, o STJ confirmou os
fundamentos utilizados no Juízo de origem para a prisão preventiva ou medida de
afastamento, que traziam elementos concretos de risco à integridade física e psicológica da
ofendida.
Foram encontradas seis ocorrências de inequívoco descumprimento da medida protetiva
(de afastamento, proibição de contato) e treze argumentos referentes à garantia de execução
de medidas protetivas. Nesses casos, foi possível constatar que a prisão ocorreu em flagrante
delito ou ocorreu no curso da ação, a partir de informações da ofendida de que o ofensor
estava reiterando a conduta delitiva (continuava a ameaçar, perseguir, intimidar)111.
Em dois casos de homicídio qualificado, em que a ofendida já não mais existe para ser
protegida, foi destacada a segurança à ordem pública, periculosidade e o “modus operandi”,
ou seja, o modo cruel pelo qual o ofensor praticou o crime, devendo ser a sociedade
resguardada de seu convívio. Em um desses casos, ao se argumentar pela segurança da
instrução criminal, houve a necessidade de se resguardar as testemunhas de possível
intimidação do ofensor, caso fosse posto em liberdade.
A ocorrência de argumento de proteção à família112 deu-se em um caso de lesão
corporal praticado contra a esposa e estupro contra as filhas. O argumento era de que, “solto”,
o ofensor voltaria a habitar a casa onde elas residiam, assim, a prisão preventiva deveria ser
mantida para a proteção da família – mãe e filhas.
Uma das dificuldades que estudos sobre violência contra a mulher e Justiça aponta é a
resistência que os operadores do direito têm de transmutar em crime as práticas de violência
doméstica narradas pelas mulheres. Em geral, desculpam o ocorrido como simples
“desavença”, a ser superado na convivência diária113.
A LMP busca evidenciar o quanto o crime de violência doméstica é complexo,
constituindo-se em uma violação dos direitos humanos das mulheres e que, por essa razão,
demanda ações dos operadores do direito além do âmbito meramente jurídico-penal. Esta
111
Constata-se nas decisões do Grupo II, significativa incidência de descumprimento de medida protetiva, bem
como da reiteração da conduta delitiva informada pelas mulheres, sugerindo um total descompromisso dos
homens ofensores com a Justiça Penal, tema que não será aprofundado nesta pesquisa, mas que seria
interessante investigar.
112
Pela baixa incidência, esse argumento foi inserido na classificação “outros”.
113
Sobre os diversos significados atribuídos à violência doméstica contra a mulher pelos operadores do direito
ver Carrara “e outros” (2002); Campos (2001, 2006); Oliveira (2006).
153
compreensão germinou no STJ, nas decisões em que se discutiu a competência do órgão
julgador para os casos de violência doméstica, em especial, quanto à abrangência da Lei
Maria da Penha a todos os tipos de delitos cometidos contra as mulheres no ambiente
doméstico-familiar.
Percebe-se nesse grupo de decisões, acerca das medidas protetivas, uma adesão maior e
sem muita resistência de Ministros (as) a vincular a aplicação da LMP à proteção da
integridade física e psicológica da mulher em situação de violência. A análise dos dados
indica que essa adesão ocorre, em grande parte, devido ao contato mais direto com a realidade
da violência, evidenciado pelo maior número de informações no processo, em geral, com as
decisões do Juiz de origem, Tribunais de Justiça e a manifestação do Ministério Público,
fazendo transparecer, com mais nitidez, o fato que ensejou a ida da mulher à delegacia e ao
Poder Judiciário: a conduta do ofensor, a ocorrência de reincidência e, em alguns casos, o
“desprezo” do ofensor pelos atos judiciais que determinaram a medida protetiva de
afastamento e proibição de contato.
De início, a inclusão de mais uma hipótese autorizadora de prisão preventiva para
garantir proteção à mulher em situação de violência causou estranheza a Ministros (as), do
STJ, conforme seguinte manifestação:
Muito embora o art. 313, IV, do Código de Processo Penal, com a redação
dada pela Lei nº 11.340/2006, admita a decretação da prisão preventiva nos
crimes dolosos que envolvam violência doméstica e familiar contra a
mulher, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência, a
adoção dessa providência é condicionada ao preenchimento dos requisitos
previstos no art. 312 daquele diploma.
Assim, é imprescindível que se demonstre, com explícita e concreta
fundamentação, a necessidade da imposição da custódia para garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal
ou para assegurar a aplicação da lei penal, sem o que não se mostra razoável
a privação da liberdade, ainda que haja descumprimento de medida protetiva
de urgência, notadamente em se tratando de delitos punidos com pena de
detenção. (BRASIL, HC 100.512-MT, DJ 23/06/2008, 2010a). (grifo nosso)
Neste caso específico, consta a informação que foram instituídas medidas protetivas de
proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, com limite
mínimo de cem metros. A prisão preventiva do ex-companheiro foi decretada, considerando
que foram “[...] esgotados todos os meios menos gravosos para a contenção das atitudes do
representado em relação à vítima, [...] como única forma de garantir a execução das medidas
154
protetivas de urgência, servindo a presente como mandado” (BRASIL, HC nº 100.512-MT, p.
4, 2010a). O argumento do ofensor era que não estavam presentes os requisitos do artigo 312
do CPP. A decisão do STJ não levou em conta o principal argumento da Juíza de origem na
decretação da medida - o risco à integridade física e psicológica da ofendida, em virtude de
descumprimento da medida de afastamento.
Em decisões posteriores, o STJ, além da análise dos requisitos do artigo 312 do CPP,
incluiu também a análise do artigo 313, inciso IV, que autoriza a prisão preventiva como meio
de assegurar a execução de medidas protetivas de urgência. Percebe-se essa mudança de
entendimento, a partir de um caso de ameaça contra a ex-companheira e de total menoscabo
do ofensor pela medida de afastamento a ele imposta. Continuou a ameaçar a ex-companheira
e a fazer de sua vida “um inferno, chegando ao cúmulo do que se viu nesses autos, a vítima
fazer uma declaração, retratando-se do pedido de medidas protetivas, somente por medo do
acusado, que, na verdade, continuava a ameaçá-la [...]” (BRASIL, HC 109674-MT, p. 4,
2010a).
Na decisão desse caso, o STJ considerou relevante “a presença dos requisitos do artigo
312 do Código de Processo Penal e, em especial, da necessidade de assegurar a aplicação das
medidas protetivas elencadas pela Lei Maria da Penha, a prisão cautelar do agressor é medida
que se impõe” (BRASIL, HC 109674-MT, p. 5, 2010a).
Em outro caso, julgado em 03 de agosto de 2010 e publicado em 23 de agosto de 2010,
em data bem próxima à data final de observação da pesquisa, foi possível notar que esse
entendimento parecia pacificado entre Ministros (as):
A Lei nº 11.340/2006 introduziu, na sistemática processual penal relativa às
prisões cautelares, mais uma hipótese autorizadora da prisão preventiva, ao
estabelecer, no artigo 313, inciso IV, do Código de Processo Penal, a
possibilidade desta segregação cautelar para garantir a eficácia das medidas
protetivas de urgência. Na espécie, diante da notícia de que o ora paciente,
mesmo após cientificado da medida protetiva imposta, proferiu novas
ameaças de morte contra a vítima e causou-lhe lesões corporais, acertada,
pois, a decretação de sua custódia preventiva. Precedentes. (BRASIL, HC
147.429-PR, DJ 23/08/2010, 2010a). (grifo nosso)
A proteção à integridade física e psicológica da ofendida, de acordo com a LMP, deve
ser o principal requisito para a manutenção ou revogação dessas medidas e essa concepção
155
parece ter sido abraçada por Ministros (as) do STJ, conforme mostra a decisão acima, que
negou o pedido de revogação da medida protetiva de prisão.
Essa mesma postura foi observada em uma decisão que revogou a medida de prisão
preventiva e concedeu a liberdade ao ofensor. Nesse caso, contou para a decisão o fato de que
o ex-companheiro já estava solto há mais de um ano e vinha cumprindo, nesse período, as
medidas protetivas de afastamento, impostas pelo Juízo de origem. Ao acatar o pedido do
ofensor e afastar a possibilidade de nova prisão, o STJ sublinhou a necessidade de
cumprimento das medidas protetivas anteriormente impostas, esclarecendo que concedia a
ordem de Habeas Corpus para “[...] restabelecer a decisão que deferiu ao paciente a liberdade
provisória, condicionada à observância das medidas protetivas fixadas pelo magistrado”
(BRASIL, HC 151.174-MG, DJ 10/05/2010, 2010a).
6.2 OS DADOS DO GRUPO III
6.2.1 – Características dos Processos do Grupo III
- Decisões pelo ano de publicação e unidade da federação
Embora o período pesquisado alcance os quatro anos de vigência da Lei Maria da
Penha, no período compreendido entre 2006 e 2010, as decisões deste Grupo revelou um
maior número de decisões em 2009, com onze ocorrências, e 2010, com dezenove114, sendo
quinze posteriores ao julgamento do Recurso Repetitivo nº 1097042-DF
114
115
, que firmou a
O maior número de processos em 2009 pode ser reflexo da repercussão das decisões do STJ no Resp nº
1000222-DF, julgado no final de 2008 que declarou ser o delito de lesão corporal qualificado pela violência
doméstica de natureza pública incondicionada e do julgamento do HC nº 13.608-MG, julgado no início de
2009 que reverteu esse entendimento, declarando ser esse delito condicionado à representação, levando as
partes interessadas a buscar um ou outro posicionamento.
115
O “Recurso Repetitivo” é um procedimento criado pela Lei nº 11.672, de 2008, no âmbito do STJ, para por
fim à multiplicidade de recursos sobre idêntica questão de direito. O recurso representativo da controvérsia
passa a ser chamado de “repetitivo”, cuja decisão repercutirá sobre todos os demais recursos, passando a ser o
entendimento do Tribunal sobre o assunto. No presente caso, a matéria relativa à representação nos delitos de
lesão corporal foi considerada de natureza repetitiva, a ser julgada pela Terceira Seção do STJ, com vistas a
unificar o entendimento naquele Tribunal sobre o assunto. Ressalte-se, entretanto, que a decisão final foi por
156
posição do STJ quanto à necessidade de representação nos delitos de lesão corporal,
qualificada pela violência doméstica. Essa questão será mais detalhada na análise das
argumentações dos Ministros (as) do STJ.
- Decisões pela unidade da federação
A maioria dos processos deste Grupo é proveniente do Distrito Federal, com doze
ocorrências. No entanto, essa discussão não ficou polarizada apenas na Capital do País, mas
alcançou também outras unidades da federação, sendo cinco provenientes de Pernambuco;
cinco do Rio Grande do Sul; quatro do Espírito Santo; dois do Rio de Janeiro; um do Acre,
Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo.
- Decisões pelo tipo de delito
Em relação ao tipo de delito, as decisões do Grupo III revelaram que a discussão em
torno da representação ficou concentrada nos delitos de lesão corporal contra a mulher,
qualificada pela violência doméstica, com trinta e três ocorrências.
Neste Grupo, apareceram seis ocorrências de delitos de ameaça, praticados em concurso
com os de lesão corporal. Porém, constata-se um predomínio de casos levados ao STJ
buscando definir a natureza da ação penal nos delitos de lesão corporal decorrente de
violência doméstica. Esta questão gerou grande discussão na aplicação da Lei Maria da
Penha, pois aceitar que os delitos de lesão corporal decorrente de violência doméstica contra a
mulher necessitem de representação seria o mesmo que aceitar a aplicação da Lei 9.099/95 a
esses casos116, algo que as feministas, que participaram da elaboração dessa Lei, rechaçaram
desde o início e o Legislativo confirmou, pelo artigo 41 da LMP.
Ocorre, entretanto, que o artigo 16 da LMP alterou o instituto da representação e a
forma pela qual a mulher ofendida pode desistir da mesma em outros delitos, como é exemplo
maioria, revelando intensa divergência, fato esse identificado em algumas decisões posteriores, cujo
argumento era o seguinte: “Precedente do STJ, com ressalva do meu ponto de vista”.
116
A exigência de representação nos delitos de lesão corporal, de natureza leve e culposa, foi instituída pela Lei
nº 9.099/95, em seu Artigo 88.
157
o delito de ameaça. Conforme será mostrado mais adiante, a quase inexistência de casos de
ameaça e outros delitos, que dependam de representação da ofendida, neste Grupo de
decisões, leva a questionar sobre a real operatividade do artigo 16 da LMP para a proteção das
mulheres em situação de violência.
- Quem recorre ao STJ
A maioria dos casos deste Grupo, revela que são os homens a recorrer ao STJ em busca
de meios de defesa contra a comunicação de prática delituosa feita pela mulher ofendida na
delegacia (26 ocorrências), à semelhança do detectado no Grupo II. Não consta neste Grupo
casos de mulheres ofensoras e nem registro de violência em relações homoafetivas.
Detectou-se também a presença marcante do Ministério Público Estadual, questionando
o instituto da representação aos delitos de lesão corporal, de forma direta, pela iniciativa de
Recurso Especial (sete ocorrências) e indireta, tendo em vista que a maioria das ações de
Habeas Corpus impetradas pelos ofensores buscam reverter decisão dos Tribunais de Justiça,
que autorizaram o prosseguimento do processo, atendendo a pedido do Ministério Público
Estadual.
O Ministério Público, em geral, questiona a aplicação da Lei 9.099/95, que previu o
instituto da representação para os delitos de lesão corporal, sob o argumento de que o artigo
41 da LMP afastou totalmente a Lei dos Juizados Especiais Criminais dos casos de violência
doméstica contra a mulher. Assim, pode-se afirmar que essa atuação vem em defesa da
aplicação integral da Lei nº 11.340/2006 aos casos de violência doméstica contra a mulher.
- Perfil econômico dos ofensores
Destaca-se a presença da Defensoria Pública na defesa dos ofensores sem recursos para
custear as despesas do processo, com vinte e duas ocorrências. Cruzando esse dado com os
referentes à unidade da federação, foram constatados oito casos movidos pela Defensoria do
158
Distrito Federal e quatorze pela Defensoria de outros Estados. Em apenas cinco casos
constam advogados constituídos.
Neste Grupo de decisões ocorre uma inversão do apresentado no Grupo II, ou seja,
constata-se o acesso de pessoas pobres, sem recursos, a uma instância superior de justiça, o
STJ, por intermédio da Defensoria Pública, buscando afirmar o instituto da representação aos
delitos de lesão corporal em contexto de violência doméstica contra a mulher117.
- As medidas protetivas e a mulher ofendida
A presente pesquisa tem por premissa que a representação nos casos de violência
doméstica contra a mulher passou a ser flexibilizada, cabendo ao magistrado e ao promotor,
presentes em audiência, a grande responsabilidade de aferir as circunstâncias assimiladas no
contexto de violência e sua interferência na liberdade da mulher em desistir do processo
criminal contra o ofensor. A partir da desistência, presume-se a ausência de risco para a
mulher e a desnecessidade de medida protetiva. Para algumas mulheres, não há
incompatibilidade em desistir do processo e requerer medidas protetivas; para a atividade
jurisdicional pode significar a finalização da interferência do Judiciário naquele caso118.
Neste Grupo, a existência de pedido de medida protetiva, da mesma forma que no
Grupo I, revelou-se um dado difícil de ser obtido, pois não consta essa informação na maioria
dos processos.
Constatou-se a existência de quatro processos em que houve deferimento de medidas
protetivas, sem especificação de sua natureza; doze em que foi possível identificar as medidas
adotadas, sendo uma de prisão preventiva, a qual não foi possível saber se por
descumprimento de outra medida protetiva ou outra razão; três afastamentos do lar; três
medidas de proibição de aproximação e contato. Um processo, entre esses doze, destacou-se
dos demais, pois foram deferidas quatro medidas que “obrigam o agressor” para a proteção da
117
A grande incidência de casos patrocinados pela Defensoria Pública em prol dos ofensores evidencia o acesso
à justiça a essas pessoas, mas não foi possível, nesta pesquisa, verificar se o acesso à justiça para as mulheres
em situação de violência, sem recursos financeiros para as despesas de advogado, está sendo garantido pela
Defensoria Pública ou por outras redes institucionais de defesa da mulher.
118
Foi identificado no Grupo III apenas um caso em que as medidas protetivas foram indeferidas em vista da
desistência do processo. Assim, esse indicativo de correlação não pode ser verificado nesta pesquisa.
159
companheira: suspensão de porte de armas; afastamento do lar; proibição de aproximação da
ofendida e determinação de separação de corpos. Nos demais processos, não foi possível
obter informações acerca de possíveis pedidos de medidas protetivas119.
A Tabela 22, abaixo, indica que casos envolvendo relacionamento afetivo entre
companheiros são os mais presentes neste Grupo.
Tabela 20. Pessoa ofendida nas decisões do Grupo III
Pessoa ofendida/vínculo com o ofensor
Esposa
Ex-esposa
Companheira
Ex-companheira
Ex-companheira grávida de oito meses
Namorada
Ex-namorada
Irmã
Filha
Outro
Não informado
Total
Frequência
5
2
16
2
1
1
1
1
2
1
4
36
%
13,89
5,56
44,44
5,56
2,78
2,78
2,78
2,78
5,56
2,78
11,11
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: Constatou-se a ocorrência de mais de uma pessoa ofendida em três processos. Na classificação “outro”
consta um processo no qual os “filhos” foram mencionados como ofendidos, sem maiores detalhamentos.
- A representação e a desistência da ação penal em números
A Tabela 21, abaixo, mostra que, na grande maioria das decisões deste Grupo, houve
representação e a manifestação pela desistência do processo em audiência. Contudo,
constatou-se, também, que a audiência foi marcada de ofício120 pelo Juiz, ou seja, a audiência
não ocorreu a partir da iniciativa da mulher ofendida, e, conforme será mostrado, em alguns
119
Convém esclarecer que os dados foram obtidos a partir das peças juntadas pelo ofensor para a formação do
recurso, ocorrendo que nem sempre contenham a integralidade das peças originais do processo-crime ou dos
processos referentes às medidas protetivas nos juízos de origem. Sendo assim, esse resultado não autoriza a
conclusão simples de que as mulheres não requereram medidas protetivas no Juízo de origem.
120
O termo “de ofício”, nesse contexto, significa: a partir da iniciativa do (a) Juiz (a), sem ter havido antes
provocação das partes, especificamente, da mulher ofendida.
160
casos, tais audiências seguem procedimentos que resultam em acordo e conciliação, similares
aos procedimentos ditados pela Lei nº 9.099/95 e estranhos à previsão dada pela Lei nº
11.340/2006. Constam, também, casos em que o Juiz aceita a desistência fora do ambiente da
audiência e casos de renúncia (retratação) tácita.
Defende-se nesta pesquisa, na análise das decisões do Grupo III, que o controle da
disponibilidade da ação penal (retirar a “queixa”), nos casos em que dependa de
representação, deve ficar nas mãos das mulheres e não do operador do direito, sendo um
primeiro momento de exercício desse “controle” a designação da audiência, a partir da
manifestação prévia da ofendida quando desejar desistir do processo.
Convém lembrar que, a partir da LMP, a autonomia da mulher ofendida em dispor da
ação penal, por meio da representação e possibilidade de sua desistência, deixa de ser absoluta
a partir da redefinição dada ao instituto pelo artigo 16 da Lei Maria da Penha. Assim, somente
será admitida a desistência perante o Juiz em audiência, especialmente designada com tal
finalidade.
Tabela 21. Características específicas dos processos quanto ao tipo de delito,
representação e retratação nas decisões do Grupo III
Tipos de delitos nas decisões do Grupo III
Total de delitos
Características especificas do processo
Sim
Lesão corporal
33
32
1
27
6
20
5
1
19
Ameaça
6
5
1
5
1
5
1
1
5
Totais(***)
39
37
2
32
7(*)
25
6
2
24
Tipos de
Delito
Desistência
Representação
(Retratação)
Não
Sim
Não
Audiência(**)
Sim
A mulher
pediu a
audiência(**)
Não
Sim
Não
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota (*): Consta no item “desistência”, na classificação “não”, casos em que não há manifestação expressa da
ofendida e/ou não houve audiência para esse fim, sendo, por vezes, esse o motivo da irresignação
dos ofensores.
Nota (**): Quanto aos dados concernentes à “audiência” e ao item “a mulher pediu a audiência”, só foram
anotados os casos em que essa informação aparecia na decisão do STJ ou foi identificada na
consulta ao processo físico/eletrônico, comportando um total de 21 processos.
Nota (***): Os totais representados nesta linha referem-se ao somatório de delitos. Os processos são em número
de 33 e apenas em 20 foi possível obter as informações mais específicas, constantes desta tabela.
161
A partir das informações constantes na Tabela 21, pode ser percebido um ponto em
comum nos inúmeros tipos de audiência em que foram colhidas as retratações (desistências)
das ofendidas: a designação, de ofício, pelo Juiz:
- audiência do artigo 16, marcada de ofício (1) ;
- audiência de justificação (2);
- audiência preliminar (3);
- audiência preliminar de ratificação da representação e conciliação - feito acordo (4);
- audiência para apreciação de medidas protetivas (2);
- audiência do artigo 16, marcada pelo Juiz que entende ser obrigatória quando o
representante do Ministério Público oferta a denúncia (1);
- audiência do artigo 16 com a presença dos dois, ofendida e ofensor (2);
- audiência do artigo 16, requerida pelo advogado do ofensor e acolhida pelo Juiz (1);
- aplicação da retratação tácita – “não tendo notícias de outros fatos cometidos pelo
ofensor contra a ofendida, o processo será arquivado” (1);
Casos em que a desistência ocorreu fora da audiência:
- na delegacia (2);
- em documento extrajudicial, feito em cartório (1) – houve pedido da defesa do ofensor
para designação de audiência preliminar de ratificação de retratação extrajudicial, não
acolhido pela Juíza, na origem.
Considerando o texto do artigo 16 da Lei nº 11.340, de 2006, em sua literalidade, ou
seja, a audiência tem por finalidade a desistência do processo, verifica-se, na prática, uma
presunção geral de desistência, aplicável a todos os casos, quando o juízo de oportunidade da
retratação (desistência) passa das mãos das mulheres para as dos Juízes.
Com base nessa presunção geral, a audiência teria o escopo de oportunizar a desistência
para grupos de mulheres que, estatisticamente, mais desistem (em união conjugal formal ou
162
informal) e para aquelas mulheres que não desistem a audiência teria o objetivo de
“confirmar” sua vontade de prosseguir com o processo.
A representação, popularmente conhecida como “queixa”, manifestada na delegacia,
não precisa revestir-se de formalidades (NUCCI, 2009). Os atos praticados pela mulher
ofendida, consubstanciados no boletim de ocorrência, exame pericial das lesões, demonstram
o interesse da ofendida na intervenção da Justiça para o fim da violência. Conforme mostram
os dados, esse ato por si só não tem sido suficiente para dar andamento ao caso de violência,
exigindo-se a “reapresentação” da representação em Juízo, ou seja, a confirmação da vontade
da mulher em continuar com o processo, à semelhança de uma das modalidades de audiência
identificada na Tabela 21: “audiência preliminar de ratificação da representação e
conciliação”. Procedimento esse não previsto na Lei Maria da Penha.
Por outro lado, constatou-se a existência de casos em que os Juízes recusaram-se a
marcar a audiência do artigo 16 da LMP quando não solicitada pela mulher em situação de
violência. Contudo, essa recusa, em alguns casos, tinha por fundamento a pré-compreensão da
ação penal de lesão corporal como pública incondicionada.
- Tipo de Decisão no Grupo III
Do total de trinta e três decisões, constam onze individuais e vinte e duas coletivas
(quinze pela Quinta Turma, seis pela Sexta Turma e um, o Recurso Repetitivo nº 1097042DF, pela Terceira Seção), sendo dez unânimes e doze por maioria.
O resultado prático dessas decisões foi o arquivamento da maioria dos casos submetidos
ao STJ (21 ocorrências). Note-se que a controvérsia sobre o tema fica patente, pela elevada
incidência de casos decididos por “Maioria”.
163
6.2.2 Os Argumentos dos Impetrantes / Recorrentes nas Decisões do Grupo III
Tabela 22. Argumentos dos impetrantes/recorrentes nas decisões do Grupo III
Argumentos utilizados para justificar o pedido
Falta da representação
Retratação/renúncia desconsiderada
Negativa de vigência/ofensa a dispositivos da LMP
Ação penal pública condicionada à representação
Audiência do Art. 16 LMP é obrigatória
Ação penal pública incondicionada
Artigo 41 da LMP afasta a representação do delito de lesão corporal
A interpretação da LMP deve atender aos fins sociais
Compatibilidade entre os arts. 41 e 16 LMP
Artigo 16 refere-se a outros delitos (ameaça, estupro)
Boletim de ocorrência configura a representação
Boletim de ocorrência não configura a representação
(In) constitucionalidade da LMP
Total
Frequência
13
10
9
8
6
2
2
2
1
1
1
1
0
56
%
23.21
17.86
16.07
14.29
10.71
3.57
3.57
3.57
1.79
1.79
1.79
1.79
0.00
100%
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota 1: Notou-se que em algumas decisões constavam os argumentos “ação penal pública condicionada à
representação” (oito ocorrências) e “ação penal pública incondicionada” (duas ocorrências) de forma
geral, sem mais detalhamento, limitando-se a acompanhar outros argumentos mais específicos. Por esta
razão, não serão submetidos à análise. O argumento “(in) constitucionalidade da LMP” foi o único que
se buscou de forma deliberada nestas decisões, em vista de sua ocorrência no Grupo I, nos Juízos de
origem. O objetivo era verificar se tal argumentação se repetiria nos demais grupos, e se ainda estariam
presentes manifestações de rejeição pela LMP ou parte dela, mas, conforme mostra esta Tabela, o
argumento “inconstitucionalidade da LMP” não apareceu nas decisões do Grupo III, embora constem
menções ao tema por Ministros (as) do STJ.
Conforme mostra a tabela 22, as argumentações referentes à “falta de representação”,
“retratação/renúncia desconsiderada” e “audiência do artigo 16 da LMP é obrigatória”,
revelam o apelo dos ofensores a parte da doutrina e jurisprudência que vinha se formando
sobre a imprescindibilidade da representação no delito de lesão corporal decorrente de
violência doméstica. Assim, na lógica da defesa, se a representação é necessária e a hipótese
de desistência está prevista, estas não podem ser desconsideradas (recusadas) pelo Juiz,
independentemente das “condições” em que ocorram.
Interessante notar que a previsão do artigo 16 da LMP, pensada para a proteção das
mulheres, passa a ser argumento de defesa dos ofensores. Esse artigo prevê a hipótese da
desistência (retirada da “queixa”) em audiência especialmente designada para essa finalidade.
164
Sendo assim, só terá utilidade para aquelas mulheres que optarem pela desistência. No
entanto, para os ofensores essa audiência deve ser obrigatória, oportunizando a desistência
para todas as mulheres em situação de violência. Conforme Tabela 21, a audiência designada
de ofício pelo Juiz parece vir ao encontro das aspirações dos ofensores, implícitas nos
argumentos de que a audiência do artigo 16 é obrigatória 121.
Conforme já mencionado, tanto a representação quanto a desistência, em muitos casos,
dependem e são influenciadas pelo contexto de violência vivenciado. Assim, exigir a
representação formal em Juízo (ou sua confirmação) quando já manifestada na delegacia,
importa em novo exercício de superação de dificuldades pelas mulheres, considerando que a
audiência é um momento de tensão, onde ocorre a produção de verdades (LIMA, 1995, apud
MACIEL, 2011), e a presença de “autoridades” (Juízes e Promotores), por si só, intimida e
constrange.
6.2.3 Os Argumentos do STJ nas Decisões do Grupo III
Do ponto de vista argumentativo, as decisões do Grupo III foram as mais intensas em
relação aos demais Grupos, o que pode ser observado pelo número de folhas de cada decisão.
Constam do Grupo I, 109 decisões em 477 folhas. O Grupo II, com 24 decisões em 207 folhas
e o Grupo III com 33 decisões em 413 folhas. Calculando a média do número total de folhas
pelo número total de decisões, o Grupo III supera os demais com a média de 12,5 folhas por
decisão122.
121
Esclareça-se, entretanto, que foram encontradas nas decisões deste Grupo manifestações claras de que a
finalidade do Artigo 16 não pode ser subvertida a favor dos ofensores. Confira-se a seguinte decisão: “Não há
qualquer nulidade no recebimento da denúncia, tendo em vista que a audiência prevista no Artigo 16 da citada
Lei somente ocorrerá quando a parte manifestar o interesse, portanto não seria um ato obrigatório.[...] O
ordenamento jurídico deve sempre evitar ou, pelo menos, diminuir as possibilidades de retratação decorrente
de ameaças e pressões do suposto agressor, principalmente nos casos acobertados pela Lei Maria da Penha”
(BRASIL, HC 142687-ES, 2010a). (grifo nosso).
122
Esclareça-se que foram as decisões coletivas (acórdãos) a contar com maior argumentação, pois os julgadores
faziam questão de expor e defender seus pontos de vista acerca do assunto, destacando-se, entre esses, o
acórdão no Recurso Especial Repetitivo com 45 folhas, e outros, também extensos, com 34 folhas (1
acórdão), 29 folhas(1), 23 folhas (1), 21 folhas(2), 18 folhas (1), 16 folhas (3).
165
As decisões do Grupo III trazem a resposta do STJ acerca da polêmica instaurada na
aplicação da LMP quanto à (des) necessidade de representação para a responsabilização
criminal do ofensor, nos casos de delito de lesão corporal decorrente de violência doméstica
contra a mulher. Neste Grupo, como ocorreu no Grupo I, os Ministros (as) do STJ foram
instados a uniformizar a interpretação da Lei nº 11.340/2006, em face das normas da Lei nº
9.099/95.
Tabela 23. Argumentos dos Ministros (as) do STJ nas decisões do Grupo III
Argumentos do STJ
Frequência
%
Compatibilidade entre os artigos. 16 e 41 LMP
17
8,95
Intenção do legislador
17
8,95
A interpretação da LMP deve atender aos fins sociais
15
7,89
Artigo 41 da LMP afasta a representação do crime de lesão corporal
13
6,84
Artigo 41 da LMP não afasta a representação do crime de lesão corporal
LMP mais severa para proteger a família
Audiência do artigo 16 LMP garante a livre manifestação da mulher ofendida.
Autonomia da mulher em dispor da ação penal
LMP mais severa para proteger a ofendida
Manifestação da mulher ofendida em desistir do processo não é livre em
contexto de violência
Interesse público se sobrepõe ao interesse privado
Ação penal pública incondicionada
Audiência do Art. 16 LMP é desnecessária (ação penal incondicionada)
Aumento da pena do delito de lesão corporal (Art. 129, § 9º) afasta a
aplicação da Lei 9.099/95
Contradição em relação ao crime de estupro que necessita da representação
Inexiste contradição em relação ao crime de estupro que necessita da
representação
Artigo 17 LMP deixa antever seu limite restritivo.
Retratação como possibilidade de reconciliação
Falta de legitimidade/conflito de interesses
(In) constitucionalidade da Lei Maria da Penha
*Precedente do STJ (Recurso Repetitivo)
*Precedente do STJ (Recurso Repetitivo) com ressalvas
*Admitida a retratação em audiência do artigo 16 LMP
*Audiência do artigo 16 LMP é obrigatória
*Retratação/renúncia pode ser desconsiderada
12
12
11
9
9
6,32
6,32
5,79
4,74
4,74
8
8
3
1
4,21
4,21
1,58
0,53
6
5
3,16
2,63
5
5
2
1
0
9
6
5
1
1
2,63
2,63
1,05
0,53
0,00
4,74
3,16
2,63
0,53
0,53
Outros
9
4,74
190
100%
Total
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Nota: Os argumentos assinalados com asterisco foram identificados em decisões posteriores ao julgamento do
Recurso Especial (Repetitivo) nº 1097042-DF.
166
A Tabela 23 evidencia a dificuldade em se dar a mesma leitura ao artigo 41 da LMP,
que afasta a Lei nº 9.099/95 de todos os casos de violência doméstica contra a mulher, como
ocorreu nas decisões do Grupo I. Para aqueles que defendem que a ação penal para apurar o
delito de lesão corporal é de natureza condicionada à representação, o legislador não teve
intenção de afastar a Lei nº 9.099/95 em sua totalidade123. Para outros, a LMP é taxativa
quanto a esse afastamento, inclusive no tocante ao instituto da representação no delito de
lesão corporal. O argumento referente à “compatibilidade” entre os artigos 16 e 41 da LMP
foi recorrente nos discursos de todos os Ministros (as).
Conforme será visto mais adiante, a tese vencedora no STJ, restringindo a aplicação do
artigo 41 para aceitar a aplicação parcial da Lei nº 9.099/95 a alguns casos de violência
doméstica, terá como principal suporte a previsão do artigo 16 da LMP, sob o argumento de
que a desistência da representação, ocorrendo em audiência, diante do Juiz, garante à mulher
ofendida a sua livre manifestação. Esse argumento rende louvores de alguns Ministros (as)
que defendem a aplicação de parte da Lei nº 9.099/95 e a incorporação de um instituto
despenalizante – a representação - nos casos de violência doméstica contra a mulher.
No entanto, o artigo 16 da Lei Maria da Penha parece ter-se convertido em uma porta
aberta para o arquivamento, em massa, dos processos de violência doméstica. Em notícia
veiculada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a Juíza Titular do Primeiro Juizado de
Violência Doméstica e Familiar de Brasília-DF informa sobre o elevado número de processos
arquivados em função da desistência da mulher em prosseguir com a ação penal: "as que mais
se retratam e não representam contra os parceiros são as mulheres casadas e as companheiras,
justamente porque pretendem manter o vínculo com o agressor, seja pela dependência
econômica, pela dependência emocional ou por ambas"124.
Considerando o expressivo número de processos arquivados, pode-se dizer que há uma
tendência em considerar válida a manifestação da vontade da mulher em desistir da ação
123
A Lei nº 9.099/95, em seu Artigo 88, prevê a representação para os delitos de lesão corporal de natureza leve
e culposa. Assim, afastando-se essa lei pelo Artigo 41 da LMP, a natureza do delito de lesão corporal
retornaria à regra geral do Código Penal de natureza pública incondicionada.
124
Informa o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que nos três primeiros anos de vigência da Lei
Maria da Penha, de 9 mil processos cerca de 2.700 estão em andamento e 5.700 foram arquivados e mais de
11 mil medidas protetivas foram tomadas, sendo as mais comuns “a proibição de contato, a determinação de
manter distância mínima e o afastamento do lar, todas obrigando o ofensor. Entre as principais agressões se
destacam as ameaças, lesões corporais leves e vias de fato”. Disponível em:<
http://www.tjdft.jus.br/trib/imp/imp_not.asp?codigo=12629>. Acesso em: 29 set. 2009.
167
penal, uma vez que a grande maioria das desistências não têm sido questionadas pelo
Ministério Público ou pelo Juiz (a)125.
Ocorre, entretanto, que a atuação do Judiciário não mais se restringe apenas ao aspecto
criminal nos casos de violência doméstica contra a mulher. O comando da LMP é claro nesse
sentido, quando prevê competência mista, cível e criminal, para os Juizados Especiais de
Violência Doméstica e Familiar. O instituto da representação sob a égide da Lei nº 9.099/95 e
na experiência dos JECrims revelou-se prejudicial às mulheres em situação de violência, pois
retornava o conflito à esfera privada da família (CAMPOS, 2001; OLIVEIRA, 2006).
Os dados apresentados na tabela 21 evidenciam um indicativo de repetição dessas
práticas, quando alguns juízes designam de ofício a audiência do artigo 16 da LMP para
confirmar o desejo de as mulheres processarem o ofensor ou quando se valem dessa audiência
para promover procedimentos, como a conciliação ou acordo entre as partes, estranhos à Lei
Maria da Penha. Os dados obtidos não permitem vislumbrar o real alcance dessas práticas e os
reflexos para as mulheres em situação de violência, sendo possível sua verificação, a partir de
etnografia das audiências.
Observando a Tabela 23, nos argumentos dos Ministros (as) do STJ, percebem-se
tendências interpretativas que vão se formando e polarizando o debate em correntes distintas:
a primeira, composta por Ministros (as) que entendem ser a ação penal de lesão corporal
dependente de representação da mulher ofendida, e a outra, composta por Ministros (as) que
entendem ser desnecessária essa representação. A LMP parece dar uma resposta justificadora
às duas linhas interpretativas, sendo a aplicação do artigo 16 da LMP126 o ponto comum na
divergência.
Nota-se que os julgadores pouco se utilizam da previsão da LMP de que qualquer
conduta contra a integridade física e psicológica das mulheres no ambiente doméstico e
familiar constitui uma das formas de violação de direitos humanos. Constata-se que, de um
total de trinta e três decisões, apenas onze fazem referência aos Tratados e Convenções de
Direitos Humanos, mas de modo genérico, sendo encontradas principalmente nas decisões
125
Conforme notícia veiculada no DFTV sob o título “Justiça tem dificuldade de aplicar a Lei Maria da Penha”,
em 28 de setembro de 2010, de 2006 a 2010, foram ajuizados 35 mil processos no DF e 27 mil arquivados.
Disponível
em:<
http://participedftv.globo.com/Jornalismo/DFTV/0,,MUL1621298-10043-107,00JUSTICA+TEM+DIFICULDADE+DE+APLICAR+A+LEI+MARIA+DA+PENHA.html>. Acesso em: 20
out. 2010.
126Embora presentes também a referência mais recorrente no Grupo III. ao Artigo 12, 17 e outros da LMP, a
menção ao Artigo 16 da LMP foi o mais recorrente no Grupo III.
168
dos Ministros (as) que entenderam ser pública incondicionada a ação penal para apuração do
delito de lesão corporal decorrente de violência doméstica.
Não obstante a relevância de todos os argumentos encontrados neste Grupo de decisões,
opta-se, nesta pesquisa, pela análise das manifestações de Ministros (as) do STJ nos dois
julgados mais representativos acerca da controversa “representação”, os quais serviram de
“guia” para outras decisões no próprio Tribunal ou outras instâncias. Trata-se do Recurso
Especial nº 1.000.222-DF, julgado em 23/11/2008, publicado em 24/11/2008, e o Habeas
Corpus nº 13.608-MG, julgado em 05/03/2009, publicado em 03/08/2009.
Nessas decisões, surgiram argumentos que dão notícia da posição dos Ministros (as)
acerca do fenômeno da violência doméstica como um todo e como entendem deve ser a
atuação do Estado, em especial, o grau de interferência na esfera privada da família, quando
ocorre a violência contra a mulher. Entretanto, o que chama a atenção de uma forma mais
acentuada, é o fato de que, tanto na primeira decisão quanto na segunda, os argumentos sobre
a família se sobrepõem ao argumento de a mulher viver uma vida digna e sem violência,
porém, nota-se que o escopo pretendido em um caso é diametralmente oposto ao outro.
Consta do primeiro julgado (BRASIL, REsp nº 1.000.222-DF, 2010a) a prática de delito
de lesão corporal contra a companheira, que, em audiência marcada nos autos de medida
protetiva, manifestou pela desistência do processo. Porém, o Ministério Público formaliza a
denúncia ao entendimento de que o delito de lesão corporal passou a ser de natureza pública
incondicionada, ou seja, independe da vontade da mulher para ter prosseguimento. O ofensor,
discordando desse entendimento, recorre ao STJ.
Destaca-se nessa decisão o tratamento da violência doméstica contra a mulher como
problema social, não só daquela mulher que desistiu de instaurar o processo contra o seu
companheiro, mas de toda a sociedade, portanto, de natureza pública, no qual o Estado deve
intervir:
A família é a base da sociedade e tem a especial proteção do Estado; a
assistência à família será feita na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações
(inteligência do art. 226 da Constituição da República). 2. As famílias que se
erigem em meio à violência não possuem condições de ser base de apoio e
desenvolvimento para os seus membros, os filhos daí advindos dificilmente
terão condições de conviver sadiamente em sociedade, daí a preocupação do
Estado em proteger especialmente essa instituição, criando mecanismos,
como a Lei Maria da Penha, para tal desiderato. [...]
169
Por tais razões, não se pode falar em representação quando a lesão corporal
culposa ou dolosa simples atinge a mulher, em casos de violência doméstica,
familiar ou íntima. O interesse maior é da sociedade, é a proteção de
mulheres que ficam subjugadas pelo "poder" econômico do parceiro, de
idosas e, sobretudo, das menores que, via de regra, são vítimas, ainda que de
violência mental, desse tipo de situação. (BRASIL, REsp 1.000.222-DF,
2010a).
Nesse julgado, a proteção à mulher como detentora de direitos humanos a uma vida
sem violência subsume ao discurso da família e da proteção à criança. Conceber a violência
como violação de direitos humanos das mulheres possibilita ampliar o escopo interpretativo
em prol da integral aplicação da LMP. Nota-se, pela transcrição acima, que a proteção à
ofendida remete a um discurso de vitimização e opressão. Ainda que seja importante a
afirmação da violência contra a mulher como problema social, a remissão à condição de
vítima leva à interpretação restritiva da lei, conforme mostrou a análise do Grupo I. Defendese, nesta pesquisa, que a Lei Maria da Penha tem aplicação a todas as mulheres em situação
de violência doméstico-familiar ou nas relações afetivas, passadas ou atuais, efêmeras ou
duradouras.
Outros Ministros (as) aderem ao argumento de que o “interesse público se sobrepõe ao
interesse privado”, enfatizando a responsabilidade de o Estado não só cumprir os preceitos
constitucionais, mas também ao compromisso firmado no âmbito da comunidade
internacional de direitos humanos para a erradicação dessa violência, os quais justificam a
sobreposição do interesse público ao privado para afastar a manifestação da mulher ofendida
no delito de lesão corporal.
A partir de um argumento inicial e mais geral de proteção à família para justificar uma
maior intervenção do Estado, percebe-se uma tendência a especificar a proteção às mulheres,
no contexto de violência doméstico-familiar, conforme se observa a seguir:
Posiciono-me neste sentido não só pelo fato de ter sido excluído os
benefícios despenalizadores (art. 41) e aumentadas as penas previstas para o
delito de lesão corporal (art. 44), pois além desses aspectos técnicos, não
podemos olvidar que o alto índice de violência contra a mulher, no âmbito
familiar, é um problema de interesse público, sendo dever do Estado
reprimi-la, em obediência à Constituição da República e aos tratados
internacionais de direitos humanos. Assim, visando a defesa dos interesses e
direitos transindividuais previstos na Lei nº 11.340/06, que estão elencados
no seu art. 3º, não se pode deixar que a apuração do crime em comento fique
sujeito à discricionariedade da ofendida em oferecer ou não a representação.
(BRASIL, Resp 1.000.222-DF, p. 18, 2010a).
170
A representação e a desistência e os seus significados para as mulheres em situação de
violência vêm de longa data sendo objeto de estudo e discussão entre feministas e, a partir da
publicação da LMP, percebe-se a incorporação dessas discussões no STJ, conforme ilustra o
seguinte trecho:
Sob um enfoque sociológico, é inegável reconhecer que grande parte das
mulheres, vítimas de violência doméstica, especialmente aquelas de classes
econômicas menos favorecidas, quando levam seus casos ao conhecimento
das chamadas “autoridades”, acabam por ser coagidas a se retratar, sofrendo
intimidação de todos os tipos por parte dos infratores, inclusive físicas,
morais, psicológicas, financeiras, etc.
Casos há, por certo, em que as mulheres retratam-se por livre e espontânea
vontade, dada a reconciliação da família. Mas no confronto entre os dois
cenários, deve prevalecer o que melhor atenda ao interesse social, isto é, que
efetivamente contribua para a preservação da integridade física da mulher,
historicamente vítima de violência doméstica e tida como elo mais fraco na
relação conjugal e familiar.
Esse aliás, o motivo que levou à criação da legislação de proteção
considerada uma importante conquista dos direitos humanos das mulheres,
amparada no art. 226, § 8º, da Constituição Federal, na Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, na
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher e em outros tratados internacionais.
A prescindibilidade da representação da vítima, de outra parte, não impede a
reconciliação da família. Muito refleti sobre os argumentos de que o
processo criminal poderia prejudicar a restauração da paz no lar, de que
poderia se converter em um mal maior para a própria mulher, de que é mais
benéfico a ela ter um instrumento de barganha para renegociar com o
agressor, de que há muito vem sido tolhida sua liberdade de escolha e de
que o Estado deve intervir nas relações individuais de forma mínima.
Não me convenceram, todavia.
O princípio da intervenção mínima deve ser observado em situações de
normalidade. Situações extremas exigem medidas rigorosas e maior
intervenção estatal. Se o quadro fático é de alto índice de violência contra a
mulher no âmbito familiar, sem que ela, sozinha, consiga enfrentá-la, cabe
ao Estado desenvolver políticas que visem garantir os seus direitos, o que
certamente se teve em vista com a edição do diploma em exame.
O argumento de que não se deve retirar da mulher o poder de decisão sobre a
situação de violência em sua família, com todo respeito aos que pensam de
modo diverso, termina por não solucionar o grave problema, mantendo a
possibilidade de serem vítimas de inaceitável coação na busca de
impunidade, circunstância que acaba por estimular a reiteração criminosa.
(BRASIL, HC 108.098-PE, DJ 03/08/2009, 2010a)
A partir do julgamento no Habeas Corpus nº 113.608-MG, decidido, pela maioria,
passa a prevalecer no STJ o entendimento de que a ação penal do delito de lesão corporal
decorrente de violência doméstica necessita de representação, sob o argumento de que deve
ser assegurada a retratação como forma de conciliação e preservação da família:
171
Parecia-me, em princípio, que, diante da ratio essendi da Lei Maria da
Penha, a proteção da mulher nas relações familiares, seria dispensável a
representação, para facilitar à vítima a tutela jurisdicional para sua proteção
e, em contrapartida, a punição do sujeito ativo.
Todavia, alguns óbices a esse entendimento foram surgindo, a começar pelos
termos claros do artigo 16 da Lei nº 11.340/06. Se a vítima só pode retratarse da representação perante o juiz, é porque a ação penal é condicionada à
representação. Dir-se-á que a lei se refere a outros crimes que o Código
Penal descreve e condiciona à representação. Mas, a lei não distingue e,
portanto, não cabe ao intérprete distinguir.
Aliás, a exigência de ser a retratação manifestada somente perante o juiz é
norma de maior rigor, exatamente em benefício do sujeito passivo,
porquanto a vontade livre da vítima será aferida pelo juiz.
Não posso deixar de levar em consideração as consequências da dispensa de
representação: muitos casais se reconciliam após momentos de crises, às
vezes mais duradouras, outras passageiras. E a dispensa de representação
obrigaria ao prosseguimento da ação penal, até com, agora indesejada,
condenação do réu. Retornaríamos à época em que a jurisprudência, no caso
de reconciliação, aplicava a chamada "boa política criminal" e absolvia o
réu, mesmo porque a ofendida, arrependida, apresentava outra versão dos
fatos e dizia que apenas se acidentara.
Nesse ponto, a dispensa de representação contraria toda a nova filosofia do
Direito Penal e até o Direito extrapenal, buscando sua humanização, com
base na conciliação. A dispensa de representação, na ação penal por delito de
lesão corporal de natureza leve, seria, data venia, um passo atrás. (BRASIL,
HC 113.608-MG, publicado em 03/08/2009, 2010a) (grifo nosso)
Embora a decisão do STJ incida apenas em um caso concreto, percebe-se um conteúdo
geral no discurso do julgador com pretensão de alcançar todas as mulheres em situação de
violência, isso porque, no caso sob análise, não houve representação/retratação e sequer
pretensão de reconciliação; ao contrário, a esposa noticiou a prática do delito de lesão
corporal e ameaça contra o seu marido na delegacia, informou que não era a primeira vez, não
representou criminalmente, mas requereu medidas protetivas de urgência de afastamento do
lar; proibição de aproximação; prestação de alimentos provisionais; separação de corpos;
proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra e venda e locação de
propriedade em comum. Todas as medidas, em Juízo, foram reduzidas a duas: afastamento do
ofensor do domicílio ou local de convivência e proibição de aproximação da ofendida e seus
filhos menores, a menos de duzentos metros.
Sob a perspectiva das mulheres, múltiplos são os seus interesses e necessidades quando
recorrem à delegacia para fazer a “queixa”. No caso acima, contou como prioritárias as
medidas que garantissem o efetivo afastamento do ofensor e o processo de separação
conjugal. Sendo assim, não se pode afirmar que todas as mulheres desistem do processo, bem
172
como que a “retirada da queixa” ou a “desistência” tem a reconciliação como única
finalidade.
Importante registrar, no caso acima, que, para o Juízo de origem, o delito de lesão
corporal independe de representação. Interessante, portanto, investigar as implicações da
desistência para a concessão de medida protetiva em uma ótica oposta, ou seja, quando
depende de representação e a mulher ofendida não representa criminalmente contra o ofensor.
A partir da identificação de um caso neste Grupo em que na mesma audiência foi colhida a
desistência e indeferidos os pedidos de medida protetiva, pode ser observado um indício de
comprometimento para as medidas protetivas127.
Outros argumentos sobrevieram enfatizando a imprescindibilidade da representação,
como exercício da autonomia da mulher em decidir sobre sua vida e a de sua família. Embora
cientes quanto ao contexto da violência, no qual diversos fatores se inserem e influenciam o
ato de desistência, entenderam alguns Ministros (as) que a desistência da representação na
audiência ante a presença do Juiz e representante do Ministério Público garante a sua livre
manifestação.
Contudo, observa-se que, nas decisões do STJ deste Grupo III, não foi identificado
nenhum argumento em que se questiona ou avalia as práticas do operador do direito que
marca de ofício a audiência com a finalidade de obtenção da confirmação do desejo de
processar o ofensor criminalmente. Os dados colhidos sobre a manifestação da representação
e desistência da mulher ofendida, mostrados na Tabela 21, indicam que essas práticas
permanecem e resistem a serem mudadas, sob a vigência da Lei nº 11.340/2006.
O deslocamento de argumentos centrados na defesa da família para outros que ressaltam
o papel ativo da mulher em desistir do processo resgata teorias feministas, conforme se
observa a seguir:
11. Subtrair da vítima mulher no âmbito doméstico e familiar o poder de
decidir sobre o processamento do seu agressor nas hipóteses de lesão
corporal leve e lesão culposa significa privá-la de decidir sobre o seu próprio
futuro e o de sua família, em evidente retrocesso cultural, considerando-se
que a mulher levou muito tempo para fazer com que sua vontade fosse
respeitada.
[...]
127
Sobre a implementação da Lei Maria da Penha no Judiciário e as implicações para as medidas protetivas,
registre-se a pesquisa realizada por Souza (2009).
173
Assim, não é o processamento criminal ou uma condenação que irá impedir
a mulher de se relacionar e conviver com o seu agressor. Ao revés, impor
uma ação penal ao ofensor nos casos de lesão corporal leve e lesão culposa,
contrariando a vontade da mulher, pode ser um entrave à boa convivência e
assistência mútua, que devem nortear as relações amorosas e familiares. A
questão, portanto, tanto quanto possível, deve ser resolvida no âmbito da
conscientização e amparo à mulher e não pela imposição arbitrária de
sanções penais contra a vontade da vítima, desde que esclarecida e
amparada.
Isso não significa que a preservação da família implique a manutenção do
ofensor em seu posto dentro da entidade familiar ou do ambiente doméstico,
mas que, seja qual for a opção da mulher, sendo livre e consciente, será mais
acertada, com ou sem o convívio do ofensor. (BRASIL, HC 110.965-RS, DJ
03/11/2009, 2010a)
- Argumentos em debate após a decisão no Recurso Repetitivo
A partir da adoção pelo STJ da decisão no Recurso Repetitivo nº 1097042-DF como
precedente, em que foi definida a imprescindibilidade da representação nos delitos de lesão
corporal em contexto de violência doméstica contra a mulher, nota-se que as decisões do STJ,
de modo geral, minguam em termos de argumentações, resumindo-se a confirmar a (in)
existência da representação e desistência para definir o destino do pedido.
Contudo, percebe-se nessas decisões uma tendência em considerar válida a retratação
(desistência) feita em Juízo, independentemente do tipo de audiência designada - se
preliminar, de conciliação, na presença do ofensor e da ofendida, na oportunidade de
avaliação de medidas protetivas, bem como casos em que a desistência foi manifestada em
cartório e na delegacia, sem realização de audiência do artigo 16 da LMP (Cf. Tabela 21). Por
outro lado, nota-se, também, uma tendência em considerar inválida a simples comunicação do
fato na delegacia como representação, exigindo sua formalização ou reafirmação em
audiência.
Considerando a defesa entusiasmada de alguns Ministros (as) à previsão do artigo 16 da
LMP como instrumento suficiente para garantir a liberdade da mulher em desistir do
processo, torna-se importante mencionar o único caso constante das decisões do Grupo III em
que houve o afastamento da desistência da mulher ofendida pelo contexto da violência, pois
174
revela essa possibilidade somente a partir de casos extremos de violência que se estendem
também para os filhos128.
Em síntese, eis o relato do caso: Trata-se de apuração de prática de delito de lesão
corporal (Art. 129, § 9º) atribuída a H.M.R contra sua companheira. O Juízo de primeiro grau
designou, de ofício, a audiência “para verificar se a vítima não teria interesse em retratar-se da
representação oferecida anteriormente”. A mulher ofendida desistiu da ação e o processo foi
arquivado. O Ministério Público irresignado interpôs recurso perante o Tribunal de Justiça.
Ao analisar o pedido do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, assim,
se manifestou:
O claro objetivo é que o Ministério Público e o juiz fiscalizem a retratação
da representação, para evitar que ela ocorra por ingerência e força do
agressor. Esse o ponto nodal da questão. Atentou a nova lei, precisamente,
para que pode a mulher, vítima da lesão corporal, “desistir” do
prosseguimento da ação contra seu marido ou companheiro, em face de
coação ou violência deste. Daí a necessidade da audiência. Manifestada a
retratação antes do recebimento da denúncia, deve designar o juiz audiência
para, ouvido o Ministério Público, admiti-la, se o caso. Não se trata aqui de
mera homologação da retratação. O objetivo da lei, dever do Ministério
Público e do juiz, é perquirir, efetivamente, por todos os meios, a motivação
do pedido da vítima. Ouvido o Ministério Público e convencido o juiz de que
a retratação é espontânea, tendo por fim a efetiva reconciliação do casal, a
real preservação dos laços familiares, e havendo condições a tanto
favoráveis, deve admitir o pedido, pondo fim ao processo. Caso contrário,
não. Na dúvida, é de recusar-se a retratação, pelo relevo que merece a
proteção à vítima da violência doméstica e familiar. Reiteração da violência
doméstica e familiar, maus antecedentes criminais do agressor, seriedade e
gravidade das circunstâncias de que resultantes as lesões, apesar de leves,
tudo isso milita contra a aceitação da retratação. Imprescindível, portanto, o
exame de cada caso concreto.
No caso, é inaceitável a retratação. O relatório técnico elaborado pela
Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude informa que a situação de
violência perpetrada pelo denunciado contra sua companheira e seus filhos
menores ocorre desde o ano de 2004, culminando com o abrigo destes em
instituição própria para crianças em estado de risco. De especial relevo a
manifestação técnica de que a genitora não consegue proteger seus filhos,
estando ela mesma fragilizada e à mercê da violência do seu companheiro.
Somam-se condenações criminais do denunciado, inclusive reincidências em
crimes de roubos.
128
Considera-se esse o único caso de afastamento da desistência, pois contou para isso com as “circunstâncias”
da manifestação da vontade da mulher em desistir do processo, diferente de outros casos e decisões do STJ
em que foram revertidas decisões de juízos de primeiro grau, pelo arquivamento, com base em entendimento
de que a ação era pública incondicionada (BRASIL, HC 137622-DF, 2010a).
175
Nesse contexto, há de se recusar a pretendida retratação, possível em tese,
mas seguramente não espontânea no caso concreto e não servindo ao
restabelecimento de uma saudável convivência familiar. (BRASIL, HC
137.622-DF, publicado em 03/05/2010, 2010a). (grifo nosso)
Em linhas gerais, percebe-se uma presunção de desistência quando a ação é contra o
marido/companheiro e uma “aceitação”, de certa forma, “naturalizada” dessa presunção, uma
vez que não se questiona a decisão do Juiz de origem em marcar audiência para “verificar se a
vítima não teria interesse em retratar-se da representação oferecida anteriormente”.
Não obstante transpareça, na transcrição acima, um reconhecimento do julgador de que
a mulher ofendida possa sofrer “ingerência e força do agressor” para desistir do processo,
tem-se por válida a designação da audiência, de ofício, desde que para a finalidade de
“perquirir” suas reais motivações, considerando-se válida a “efetiva reconciliação do casal, a
real preservação dos laços familiares”. A partir essa compreensão prévia, somente em casos
extremos, a desistência seria afastada.
No caso acima, o Ministério Público demonstrou o histórico de violência praticada
contra a companheira e filhos desde 2004, os quais tiveram que ser abrigados em instituição
própria para menores em estado de risco, além de constarem antecedentes criminais do
ofensor em outros tipos de delitos. Mesmo diante de tais fatos, o Juiz de origem arquivou o
processo. Em sede recursal, o Tribunal de Justiça deu razão ao Ministério Público,
autorizando o prosseguimento do processo. O ofensor interpôs o Habeas Corpus perante o
STJ, mas este entendeu correta a decisão do Tribunal de Justiça, que afastou a desistência da
mulher ofendida em face do contexto de violência doméstica.
Ressalta-se nesta decisão o completo alheamento dos julgadores (Tribunal de Justiça e
STJ) quanto à informação de que a audiência fora marcada de ofício pelo Juiz, para confirmar
a representação, e os reflexos dessa medida para a segurança da integridade física e
psicológica da mulher.
Em outra situação de violência contra a mulher (BRASIL, HC nº 155.198-ES, 2010a),
percebe-se a baixa operatividade do artigo 16 da LMP, para a proteção das mulheres em
situação de violência. Nesta decisão, a ex-esposa desistiu por medo, e o STJ, ao analisar o
pedido, adotou o precedente no Recurso Repetitivo, deixando claro a imprescindibilidade da
representação e a possibilidade de ser admitida a retratação/desistência.
176
Consta a seguinte manifestação do Juízo de origem: “oferecida a denúncia, este Juízo
designou a audiência do artigo 16 para oitiva da vítima” (BRASIL, HC nº 155.198-ES, p. 41,
2010a). Verifica-se, a partir dessa manifestação, o entendimento do Juiz de origem que a
audiência prevista no artigo 16 é obrigatória. Realizada a audiência em 31 de julho de 2007, a
ofendida declarou que:
[...]renuncia à representação formulada na Delegacia, por medo e pensando
no filho; que a declarante também não gostaria de retornar ao Fórum por
esse motivo; [...]que o denunciado saiu de casa, mas pediu para voltar; que
depois dos fatos não houve nenhuma discussão ou agressão.(BRASIL, HC nº
155.198-ES, p. 41, 2010a)
O Juiz de origem acatou a desistência e encerrou o processo, mas o Ministério Público,
irresignado, recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o qual entendeu ser
o delito de lesão corporal de natureza pública incondicionada. Com essa decisão, o processo
retomou o seu curso, tendo sido designada audiência de instrução e julgamento para 29 de
setembro de 2009, ocasião em que a mulher ofendida confirmou os fatos na Delegacia;
reiterou a retirada da representação (desistiu); informou que estão separados há oito meses e
que o ex-companheiro a agrediu quando voltaram a conviver. A decisão do STJ foi no sentido
da exigibilidade da representação, admitindo-se a retratação/desistência manifestada em
audiência, resgatando-se, assim, a decisão do Juiz de origem que arquivou o processo.
Estas decisões revelam que são diversas as motivações das mulheres para a desistência,
como fartamente documentado por vários estudos; contudo, mostram, também, que as práticas
judiciárias não levam em conta esses fatores e interpretam o artigo 16 de modo a criar mais
dificuldades às mulheres em situação de violência. Em especial, quando modificam a
finalidade dessa audiência para objetivos não previstos na LMP, como reafirmação da
representação, conciliação, acordo, e outros.
177
7. CONCLUSÃO
Sabe-se que a Lei Maria da Penha, originalmente pensada por segmentos feministas, ao
ser publicada, sofreu imensas resistências dos operadores do direito no âmbito do Poder
Judiciário, em especial, porque confere tutela específica à mulher no contexto de violência
doméstico-familiar, afasta a aplicação da Lei nº 9.099/95, prevê a criação de um Juízo
especializado a esses casos e prevê procedimentos específicos, como um extenso rol de
medidas protetivas de urgência para a proteção das mulheres em situação de violência.
Contudo, em aparente paradoxo, a Lei busca o engajamento dos operadores do direito na
efetivação de um dos serviços de atendimento primordial, no âmbito do Poder Judiciário, na
rede de proteção às mulheres em situação de violência. Diante desse cenário, a pesquisa
buscou conhecer as práticas judiciárias nos casos de violência doméstica contra a mulher, nos
primeiros quatro anos de vigência da LMP, e os reflexos para as mulheres em situação de
violência que recorrem ao Judiciário.
A opção metodológica em trabalhar as decisões do STJ levou em conta o papel
significativo que este Tribunal vem desempenhando na interpretação da LMP, cujas decisões
repercutem em outras instâncias judiciárias, mas também devido à possibilidade de, por
intermédio das causas que chegaram a este Tribunal, conhecer quais os principais entraves à
aplicação dessa Lei nas diversas instâncias do País.
A análise das decisões revelou a existência de três temas sensíveis à aplicação da LMP
que polarizaram os debates no âmbito do STJ: a busca por definição do órgão julgador, ou
seja, qual órgão vai apreciar e julgar os casos de violência doméstica contra a mulher, na falta
do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; os pedidos de revogação de
medidas protetivas de afastamento e de prisão; e os pedidos de manifestação do STJ quanto ao
instituto da representação nos delitos de lesão corporal.
Não obstante as especificidades dos temas de cada Grupo, em uma análise mais ampla
dos dados, foi possível observar que o STJ, essencialmente demandado para casos extremos
de violência doméstica, como homicídio, tentativa de homicídio, estupro, se viu diante de uma
infinidade de casos, envolvendo delitos de lesão corporal, ameaça e contravenções, antes
considerados pela Lei nº 9.099/95 como infrações de menor potencial ofensivo ou de menor
178
lesividade. Pode-se dizer que esses delitos de maior ocorrência na violência doméstica contra
a mulher e que raramente passava do âmbito dos JECrims, “invadiu” o STJ em busca de
respostas aos “dilemas” surgidos na aplicação da LMP. Esse fato é positivo, pois marca a
presença da violência contra a mulher em um dos órgãos de cúpula do Judiciário, e não mais
na Justiça Especial Criminal onde foi compreendida como de menor potencial ofensivo.
Ainda que estatísticas e estudos mostrem que o ambiente doméstico é o mais perigoso
para as mulheres e que, em geral, os homicídios são resultado de uma escalada progressiva de
violência, pela análise quantitativa, causou surpresa, verificar, na prática, que as mulheres
dificilmente recorrem à delegacia para noticiar apenas um delito. Em geral, consta a
ocorrência de lesão corporal e ameaça, significando o interesse do ofensor na continuidade
delitiva e o “perigo” que resulta para as mulheres em situação de violência, bem como a
incidência razoável de casos de tentativa de homicídio e de homicídios contra as mulheres,
praticados por pessoas de seu convívio estreito, na forma qualificada, ou seja, por motivo
torpe, fútil, cruel, sem defesa para a ofendida.
Em relação à pessoa ofendida, constatou-se a presença de mulheres companheiras e
esposas, segundo pesquisas as que mais demandam a intervenção judicial em seus
relacionamentos afetivos, mas também casos envolvendo uma pluralidade de integrantes da
unidade doméstico-familiar como irmãos, cunhados, nora, o que sinaliza positivamente para a
LMP como um estímulo às “denúncias”.
Conforme previsto no início da pesquisa, os dados não permitiram avançar na análise
quanto às variáveis de raça, idade e classe. Porém, quanto ao perfil econômico-financeiro do
ofensor foi possível constatar a presença de pessoas sem recursos financeiros para custear os
processos, indicando que o acesso à Justiça e a uma instância superior como é o caso do STJ
tem sido garantido pela Defensoria Pública. No entanto, foi possível visualizar este acesso
apenas para os homens que praticam a violência contra a mulher. Considerando que a LMP
determina que as mulheres em situação de violência deverão estar acompanhadas de
advogado em todos os atos processuais cíveis ou criminais, quando em situação de violência,
seria interessante pesquisar quem patrocina as mulheres pobres e sem recursos nestes atos.
O principal foco de divergência na interpretação da LMP refere-se ao afastamento da
Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica contra a mulher. Esse era o desejo das
propositoras da LMP, confirmado pelo Legislativo, tendo em vista os efeitos adversos
179
identificados na aplicação da Lei nº 9.099/95 aos delitos decorrentes de violência doméstica
contra a mulher.
As dificuldades para a compreensão de que a Lei nº 9.099/95 não atendia a maioria das
mulheres em suas diversas demandas, perpassou todas as instâncias judiciárias, inclusive o
STJ. Assim, na concentração de processos em que se discutia qual era o órgão julgador
competente, prevaleceu o entendimento de que não se aplicava a Lei nº 9.099/95 e, portanto,
os procedimentos dos JECrims em nenhum delito cometido contra a mulher no espaço
doméstico-familiar ou nas relações afetivas.
O posicionamento do STJ nesses casos atendeu aos anseios das feministas que
idealizaram a nova Lei. Contudo, à custa de um entendimento de que a LMP é mais severa
para proteger a ofendida, quando na verdade, o que se pretende nas práticas dos operadores do
direito é a compreensão de que o delito é grave, dadas as circunstâncias de proximidade e
afetividade com o ofensor, constituindo-se uma das formas de violação de direitos humanos.
Esta, a real justificativa da LMP que reforça medidas de prevenção e assistência às mulheres e
conclama uma articulação entre as esferas públicas, notadamente, a União, Estados e
Municípios e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com a finalidade de ampliar e
conferir qualidade aos diversos serviços de atendimento às mulheres em situação de violência.
A LMP, a partir da criação dos Juizados de Violência Doméstica contra a Mulher e da
prorrogação da competência das Varas Criminais, insere o Judiciário nessa articulação,
evidenciando sua importância na implementação da LMP e enfrentamento da violência
doméstica contra a mulher. Contudo, quando os Juízes das Varas Criminais se negam a julgar
casos de violência doméstica e familiar, o propósito da LMP “cai por terra”, resultando em
retorno à esfera privada as medidas mais imediatas e urgentes para o resguardo da integridade
física e psicológica das mulheres em situação de violência que recorrem ao Judiciário.
Não se pode deixar de levar em conta que os inúmeros processos que chegaram ao STJ,
questionando a competência pelo próprio Juiz, revelam a fragilidade de um serviço de
atendimento que se pretende integrar à “rede de apoio” às mulheres em situação de violência.
Prevaleceu nas Varas Criminais a compreensão de que os delitos de lesão corporal, ameaça e
vias de fato, que ocorrem no espaço privado da família, são meras querelas domésticas,
delitos de menor potencial ofensivo, aos quais se dispensa a intervenção do Poder Público.
Percebe-se ainda que persiste nas práticas dos operadores do direito o senso comum de que a
violência, até certo grau de intensidade, é tolerável, exatamente nas Varas Criminais, onde a
LMP definiu como um dos órgãos essenciais ao enfrentamento deste tipo de violência. Ante
180
essa compreensão, a LMP é entendida como uma lei desproporcional, dissonante da realidade,
justificando-se sua não-aplicação na integralidade. Para as mulheres em situação de violência,
em especial aquelas que requereram medidas protetivas, pode-se afirmar que a “rede de
apoio” foi rompida no âmbito do Judiciário ou sequer existiu. Afinal, as medidas urgentes de
proteção às mulheres em situação de violência devem ser imediatas e não podem esperar até
que se resolva quem vai julgar o caso de violência doméstica.
Importante mencionar a intensa concentração de casos de violência doméstica contra a
mulher oriundos de Minas Gerais, os quais os Juízes das Varas Criminais se negam a julgar, o
que pode indicar uma postura mais conservadora dos Juízes desse Estado na apreciação desses
casos. No entanto, não se pode estender essa análise, uma vez que se verificou uma reiterada
rejeição dos casos de violência doméstica, mas de forma “localizada”, em algumas Varas
Criminais, na firme convicção de que se tratava de infração de menor potencial ofensivo.
Nota-se que o afastamento da Lei n 9.099/95, que assim classificava os delitos de violência
doméstica contra a mulher com pena inferior a dois anos, pela LMP revelou-se insuficiente
para mudar a compreensão da violência como algo grave e que, por essa razão, requer mais
atenção dos operadores do direito. Aliás, da mesma forma que se mostraram insuficientes as
agravantes do Código Penal (Art. 61), a criação de um tipo penal específico para violência
doméstica, a incorporação de Tratados Internacionais de Direitos Humanos para afastar os
delitos cometidos contra as mulheres no espaço doméstico-familiar do âmbito dos JECrims.
Isto leva à constatação de que, não obstante a decisão do STJ na definição da competência das
Varas Criminais para julgar os casos de violência doméstica contra a mulher em consonância
com a LMP, não se pode mensurar o real alcance da Lei ou o quanto essa medida contribui
para uma mudança de compreensão da violência doméstica contra a mulher, como violação de
direitos humanos das mulheres e mudanças de mentalidade na apreciação desses casos.
Percebeu-se que as divergências na aplicação da LMP não habitavam somente os
operadores do direito nas instâncias inferiores, mas também, entre os Ministros (as) do STJ,
as divergências eram acirradas. Foram identificadas no âmbito do STJ posturas conservadoras
em que se defende uma leitura restritiva da LMP e sua aplicação apenas àquelas mulheres
comprovadamente provenientes de uma união conjugal formal ou informal próximas a um
ideal de família tradicional. A leitura restritiva da LMP põe em xeque seu objetivo de alcançar
um maior número possível de mulheres em situação de violência pelos seus parceiros em
relacionamentos afetivos estáveis, não-estáveis, longos ou efêmeros, comuns na atualidade,
que nem por isso dispensam regras mínimas de boa convivência, respeito e responsabilização
181
em caso de ruptura dessas regras. Percebe-se uma violência simbólica quando as mulheres
excluídas são exatamente aquelas em que os relacionamentos afetivos são casuais e efêmeros,
distantes de um modelo de relacionamento que leva à formação de família. Contribuiu
também para uma leitura restritiva, a “tentativa” de dar definição ao termo gênero trazido pela
LMP. Nesse intuito, chegou-se à conclusão de que a proteção da Lei visava apenas a mulher
oprimida em relações patriarcais, entendidas estas como a mulher nas relações conjugais,
excluindo as inseridas em relacionamentos afetivos que não se encaixassem nesse modelo.
Por outro lado, identificaram-se posturas mais comprometidas com uma leitura de inclusão
das mulheres em situação de violência aos procedimentos especiais, criados pela LMP.
Outro dado interessante que surgiu nesse grupo de decisões foi a descoberta de que o
STJ deixou de julgar os Conflitos de Competência entre Varas Criminais e JECRims, a partir
do segundo semestre de 2009, encaminhando uma quantidade imensa de processos para os
Tribunais de Justiça respectivos. Nesta pesquisa, foi possível observar a “pressa” com a qual
os Ministros (as) do STJ retiraram de seu âmbito esses processos, resultando mais demora
para as mulheres na definição do órgão julgador a apreciar o seu caso de violência. A partir da
decisão do STJ, torna-se importante saber como os Tribunais de Justiça dos Estados estão
julgando esses casos: se na mesma linha do STJ ou não, e os reflexos dessas decisões para as
mulheres em situação de violência.
A análise das decisões revelou outra concentração de processos sob o tema “medidas
protetivas de afastamento e de prisão”, que denominei de Grupo II. A adoção de medida
protetiva é o mais claro sinal da gravidade da situação de violência, porém não era objetivo da
LMP em sua concepção original adotar medidas mais severas ou agravar penas e sim, garantir
a segurança das mulheres em situação de violência. A previsão de medidas protetivas, de
natureza cível, administrativa e penais para a prevenção de novas violências às mulheres que
noticiam a violência sofrida era ponto-chave para as feministas que idealizaram a LMP.
Assim, tornou-se interessante verificar, na pesquisa, se na apreciação dos casos levados ao
STJ, pedindo a revogação de medidas de afastamento e de prisão, a integridade física e
psicológica da mulher ofendida era levada em conta. O STJ respondeu positivamente a essa
questão, e, nesse grupo de decisões, verificou-se uma maior adesão por Ministros (as) à
previsão feita pela LMP de mais uma hipótese autorizadora de prisão preventiva a ser
utilizada para a proteção das mulheres em situação de violência, na qual sejam vistas, de fato,
como sujeitos de direitos a uma vida sem violência.
182
Entretanto, ressalta na pesquisa o reiterado descumprimento de medidas protetivas pelos
maridos, companheiros ou namorados, indicando um possível descaso dos ofensores às
medidas protetivas decretadas nos Juízos de origem. Assim, seria importante abordar em
pesquisa própria as razões desse descumprimento e seus reflexos para as mulheres em
situação de violência.
Importante também registrar que outras medidas protetivas são previstas e podem ser
adotadas a pedido das mulheres ou concedidas de ofício pelo Juiz. Em alguns casos, pode ser
percebida a multiplicidade de pedidos formulados pelas mulheres, de natureza cível e penal e
uma tendência de deferimento, pelos Juízes, de medidas apenas penais. Essa constatação
levou a um questionamento a ser respondido em outra pesquisa: se as diversas medidas
solicitadas pelas mulheres nas delegacias e encaminhadas ao Judiciário estão realmente sendo
adotadas, ou, em outros termos, se a competência mista estabelecida para os Juizados de
Violência Doméstica contra a Mulher e para as Varas Criminais estão sendo, de fato,
exercidas pelos Juízes.
O terceiro grupo de decisões concentrou casos questionando o instituto da representação
e a possibilidade de sua desistência pela mulher ofendida. Nesse grupo de decisões, volta à
cena a discussão sobre a aplicação ou não da Lei nº 9.099/95 aos casos de violência doméstica
contra a mulher. Isto porque o instituto da representação nos casos de lesão corporal está
previsto na Lei nº 9.099/95. Entendem algumas feministas, e nessa questão não há consenso,
que o afastamento da Lei nº 9.099/95 e, por conseguinte, o afastamento do instituto da
representação nos delitos de lesão corporal não traz prejuízos para as mulheres em situação de
violência, pois o contexto de violência não permite a livre manifestação da mulher em desistir
do processo contra o ofensor, em geral, pessoa de relacionamento estreito da ofendida. Este
era o entendimento das advogadas feministas que conceberam a LMP. Contudo, contrariando
as expectativas de alguns segmentos feministas, o STJ manifestou no Recurso Especial
Repetitivo nº 1097042-DF, o entendimento de que a LMP não teve intenção de afastar por
completo a Lei nº 9.099/95, e, por conseguinte, a representação dos delitos de lesão corporal.
Importa registrar que a decisão foi por maioria de votos, comportando intensa divergência.
Interessante notar, nesse grupo, a presença de argumentos mais conservadores em
defesa da família e da representação, como possibilidade para reconciliação do casal. Percebese uma apropriação de argumentos feministas na defesa da disponibilidade da ação penal para
a mulher ofendida. Esses argumentos parecem ter diluído um pouco a argumentação em
defesa da disponibilidade da ação penal como meio de reconciliação da família. Embora esse
183
entendimento possibilite uma maior abertura para que a mulher seja visibilizada como sujeito
de direitos, a argumentação abstrai a realidade concreta e o contexto mais amplo da violência,
onde o interesse das mulheres em não representar vá além do que simplesmente reconstituir a
família, além de obscurecer os obstáculos enfrentados pelas mulheres, quando exercida a
autonomia da vontade, no sentido de dar prosseguimento ao processo.
Pesquisas e estudos sobre violência doméstica e Justiça mostram que no âmbito de
aplicação da Lei nº 9.099/95, o exercício do direito de (não) representar pelas mulheres não
era inteiramente livre, por vezes sofrendo “pressão” dos operadores do direito. Os dados da
pesquisa revelaram que, na maioria dos casos, os Juízes designaram de ofício a audiência de
desistência. Isso significa uma antecipação por parte de alguns Juízes a um possível desejo
das mulheres em não representar, calcado na presunção de que as mulheres, em geral,
desistem do processo. No âmbito do STJ, especificamente nas argumentações dos Ministros
(as) de que o artigo 16 da LMP garante a autonomia da mulher em desistir do processo, a
prática judiciária de designar de ofício a audiência do artigo 16, portanto, em desacordo com a
LMP, e sua possível influência sobre a autonomia da vontade da mulher, passa ao largo da
análise desses Ministros (as).
De modo geral, não se observou uma nova leitura dos delitos de violência doméstica
como violação de direitos humanos nas práticas judiciárias, embora tenham sido detectadas
menções aos Tratados e Convenções. Entretanto, convém destacar, nesta pesquisa, o
pressuposto que o campo penal pode se transformar em um campo promissor de intervenção
social, confirmado na medida em que foram identificados avanços em meio a retrocessos nas
práticas judiciárias, no mesmo sentido do resultado da pesquisa de Panjiarjian (2002).
Finalmente, cabe considerar o apontado na análise das decisões deste Grupo que a
compreensão dos operadores do direito como agentes atuantes na rede de apoio contra a
violência doméstica que atinge as mulheres é completamente ausente nas diversas instâncias.
Existe um aspecto da LMP que parece ainda não ter sido “tocado” nas práticas judiciárias aos
casos de violência doméstica contra a mulher: o papel transformador que a LMP conferiu aos
operadores do direito para mudar a realidade da violência doméstica contra a mulher no
cenário brasileiro.
No decorrer da realização da pesquisa, diversos questionamentos foram surgindo, os
quais justificariam outros estudos, de natureza quantitativa e/ou qualitativa. Nesta pesquisa,
verificou-se o panorama extremamente resistente à aplicação da LMP nos Juízos de origem e
184
outras instâncias. Seria interessante replicar esta pesquisa a partir de decisões oriundas dos
Tribunais de Justiça dos Estados, ou, em um sentido micro, a partir das decisões de apenas um
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou Vara Criminal, competente
para julgar esses casos.
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201
APÊNDICES
202
APÊNDICE A – Instrumento de Pesquisa do Grupo I
1ª Parte: Dados Gerais
1. Especificação da Fonte:
(
) Acórdão
( ) Decisão monocrática
1.1 Relator: ______________________________
1.1.1 Tipo de Julgado:
(
) Conflito negativo de competência
(
) Conflito positivo de competência
1.2 Nº do Processo:
1.3 UF de origem:
1.4 Data da Decisão:
1.5 Data da Publicação:
1.6 Quantidade de folhas no documento:
1.7 Juízo Suscitante
(o último a se declarar incompetente, instaurar o conflito e encaminhá-lo para o STJ):
____________________________________________________________________
1.7.1 Argumentos em debate na origem (Juízo suscitante)
____________________________________________________________________
1.8 Juízo Suscitado
(o primeiro a se declarar incompetente):
____________________________________________________________________
1.8.1 Argumentos em debate na origem (Juízo suscitado)
____________________________________________________________________
1.9 Decisão: ( ) Unânime
( ) Maioria
( ) Monocrática
1.9.1 ( ) declara competente o Juízo Criminal
(
) declara competente o Juízo Especial Criminal
(
) outro ________________
2. Resultado prático da decisão:
(
) Aplica a Lei Maria da Penha
(
) outro____________________
( ) Não aplica a Lei Maria da Penha
3. Argumentos presentes na decisão do Superior Tribunal de Justiça:
______________________________________________________________________________
203
4. Trascrever o excerto em que se encontram os argumentos acima
_________________________________________________________
5. Em caso de voto-vencido, especifique os argumentos.
_________________________________________________________
6. No documento consta referência às condições peculiares das mulheres em situação de violência
doméstica e familiar (Art. 4º LMP)?
(
) sim
(
) não
7. Há alguma passagem no documento que relaciona a violência doméstica contra a mulher como uma
das formas de violação de direitos humanos? (Art. 6º LMP):
(
) sim
(
) não
2ª. Parte – Dados específicos
8. tipo de violência:
(
) Lesão corporal (Art.129, § 9º)
( ) Lesão corporal grave
(
) injúria
( ) ameaça
(
) difamação
( ) calúnia
(
) vias de fato
( ) tentativa de homicídio
(
) homicídio simples
( ) homicídio qualificado
(
) Outro, qual______________________
9. Pessoa ofendida (vínculo com o ofensor):
(
) esposa
( ) ex-esposa
(
) namorada ( ) ex-namorada
(
) filha
( ) companheira ( ) ex-companheira
( ) mãe
( ) irmã
( ) outra(o) _________ ( ) não informado
10. A Pessoa ofensora é mulher?
(
) sim
(
) não
( ) não informado
11. Houve pedido de medidas protetivas?
(
) sim
(
) não
( ) não informado
11.1 Em caso afirmativo, especificar a medida protetiva:
204
APÊNDICE B – Intrumento de Pesquisa do Grupo II
1ª Parte: Dados Gerais
1. Especificação da Fonte:
1.1
( ) Acórdão
( ) Decisão monocrática
( ) Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC)
( ) Habeas Corpus (HC)
1.1.2 ( ) 5a. Turma ( ) 6a. Turma
( ) Monocrática
1.1.3 Relator (a)________________
1.2 Nº do Processo:
1.3 UF de origem:
1.4 Data da Decisão:
1.5 Data da Publicação:
1.6 Quantidade de folhas no documento:
1.7 Tribunal Coator:______________
1.8. Impetrante:
(
) Advogado
( ) Defensor Público
( ) causa própria
( ) Ministério Público
1.9. Argumentos da impetração
_____________________________________________________________
1.10 Questão central discutida
(
) medida protetiva de prisão ( ) medida protetiva de afastamento
(
) outra, especificar____________
1.11 Decisão1
(
) concessiva
( ) Denegatória (
) outro (a)
1.11.1 Decisão 2
(
) unânime
( ) maioria
( ) monocrática
1.12 Resultado prático da decisão
(
) revoga a medida protetiva
( ) mantém a medida protetiva ( ) outro (a)
1.13 Argumentos da decisão do Superior Tribunal de Justiça
_____________________________________________________________
1.14 Transcrever o excerto referente aos argumentos acima
_____________________________________________________________
205
1.15 Em caso de voto-vencido, especifique os argumentos
_____________________________________________________________
1.16 No documento consta referência às condições peculiares das mulheres em situação de violência
doméstica e familiar (Art. 4º LMP)?
(
) sim
(
) não
1.17 Há alguma passagem no documento que relaciona a violência doméstica contra a mulher como
uma das formas de violação de direitos humanos? (Art. 6º LMP):
(
) sim
(
) não
2ª. Parte – Dados específicos
8. Tipo de violência:
(
) Lesão corporal (Art.129, § 9º)
(
) injúria
( ) ameaça
(
) difamação
( ) calúnia
(
) vias de fato
( ) tentativa de homicídio
(
) homicídio simples
( ) homicídio qualificado
(
) Outro, qual_______________
( ) não informado
( ) Lesão corporal grave
9. Pessoa ofendida (vínculo com o ofensor):
(
) esposa
( ) ex-esposa
(
) namorada ( ) ex-namorada
(
) filha
( ) companheira ( ) ex-companheira
( ) mãe
( ) irmã
( ) outra(o) _______ ( ) não informado
10. A pessoa ofensora é mulher?
(
) sim
(
) não
( ) não informado
206
APÊNDICE C – Instrumento de Pesquisa do Grupo III
1ª Parte: Dados Gerais
1. Especificação da Fonte:
1.1
( ) Acórdão
1.1.1 ( ) HC
( ) Decisão monocrática
( ) RHC (
) REsp
1.1.2. Relator: __________________________
1.1.3. Órgão julgador: ( ) 5a. Turma
(
) 6a. Turma
( ) 3a. Seção
1.2 Nº do Processo: _____________
1.3 Unidade da Federação de origem: ____
1.4 Data da Decisão: _____________
1.5 Data da Publicação: _______________
1.6 Quantidade de folhas no documento: _____________
1.7 Tribunal Coator: __________________
1.8 Impetrante/Recorrente:
( ) Advogado
(
) Defensor Público
( )Causa Própria
(
) Ministério Público
1.9 Decisão: ( ) Concessiva
(
1.9.1
( ) Maioria
( ) Unânime
) Denegatória
1.10 Questão central discutida:
(
) representação (natureza da ação penal)
(
) Outra, qual _____________
1.11 Resultado prático da decisão:
(
) arquivamento do processo
(
) prosseguimento do processo
(
) outro
1.12 Argumentos da impetração/recorrente:
______________________________________________________________________
1.13 Argumentos da decisão do Superior Tribunal de Justiça
___________________________________________________________
1.14 Transcrever o excerto referente aos argumentos acima
207
____________________________________________________________________
1.15 Em caso de voto-vencido, especifique os argumentos:
____________________________________________________________________
1.16 No documento consta referência às condições peculiares das mulheres em situação de violência
doméstica e familiar (Art. 4º LMP)?
(
) sim
(
) não
1.17 Há alguma passagem no documento que relaciona a violência doméstica contra a mulher como
uma das formas de violação dos Direitos humanos (Art. 6º LMP):
(
) sim
(
) não
2ª. Parte – Dados específicos
2.1 tipo de violência:
(
) Lesão corporal (129, § 9º)
(
) Lesão corporal grave
(
) injúria
(
) ameaça
(
) difamação
(
) calúnia
(
) vias de fato
(
) tentativa de homicídio
(
) homicídio simples
(
) homicídio qualificado
(
) outro
(
) Não informado
2.2 Pessoa ofendida (vínculo com o ofensor):
(
) esposa
( ) ex-esposa
(
) namorada ( ) ex-namorada
(
) filha
( ) companheira ( ) ex-companheira
( ) mãe
( ) irmã
( ) outra _________ ( ) não informado
2.3 Parte ofensora mulher?
(
) Sim
(
) Não
(
2. 4 Em caso afirmativo, qual o vínculo?
) Não informado
208
2.5 Houve pedido de medidas protetivas?
(
) Sim
(
) Não
(
) Não informado
2.5.1 Em caso positivo, especificar a medida protetiva:
____________________________________________
2.6 Houve representação criminal?
(
) Sim
(
) Não
(
) Não informado
2.7 Houve retratação da representação?
(
) Sim
(
) Não
(
) Não informado
) Não
(
) Não informado
2.8 Em audiência?
(
) Sim
(
2.9 Qual o tipo de audiência? especificar
_______________________________________________
2.10 A mulher ofendida pediu a audiência?
(
) Sim
(
) Não
(
) Não informado
209
APÊNDICE D – Quadro I
Natureza penal dos delitos de violência doméstica contra a mulher presentes nas decisões dos
Grupos I, II e III
Tipo de Delito
Crimes: Homicídio qualificado (Art. 121, § 2º, CP); Aborto
(homicídios em mulheres grávidas, Art. 121, § 2º e 125, CP);
Tentativa de homicídio (Art. 121 c/c Art. 14, II, CP); Cárcere
Independe de representação
privado (Art. 148, CP); Violação de domicílio (Art. 150,
(ação penal pública incondicionada –
CP); Atentado violento ao pudor (art. 214, CP); Estupro de
o Estado move a ação,
vulnerável (art. 217-A, CP); Desobediência (art. 330, CP);
independentemente da vontade da
Dano (art. 163, parágrafo único, I, 183, I, CP)
ofendida)
Lesão corporal (Art. 129, § 9º, CP) – em discussão.
Contravenções:
Importunar alguém em lugar público ou acessível ao público
de modo ofensivo ao pudor (Art. 61, LCP); Molestar alguém
ou perturbar-lhe a tranquilidade (“perturbação do sossego” Art. 65, LCP); vias de fato (Art. 21, LCP);
Estupro (Art. 213, CP); Ameaça (Art. 147, CP); Injúria (Art.
Depende de representação
(ação penal pública condicionada à 140 c/c 145, CP); Lesão corporal (Art. 129, § 9º, CP) – em
representação – o Estado move a ação, discussão.
a partir
ofendida)
da
representação
da
Depende de Queixa
(Ação privada - a ofendida move a
ação a partir de constituição de
advogado)
Calúnia (Art. 138, CP); Difamação (Art. 139, CP); Injúria
(Art. 140, CP).
Quadro 1 – Natureza penal dos delitos de violência doméstica contra a mulher presentes nas decisões dos Grupos
I, II e III
Fonte: Código Penal e Lei das Contravenções Penais.
Nota (1): Os delitos mostrados no Quadro I são os encontrados nas decisões pesquisadas de 2006 a 2010, por
essa razão constou o crime de atentado violento ao pudor, excluído do Código Penal pela Lei nº 12.015, de 2009.
Nota (2): Esta pesquisa considera que a discussão acerca da natureza do delito de lesão corporal decorrente de
violência doméstica não foi pacificada, não obstante a decisão do STJ no Recurso Repetitivo nº 1097042-DF,
pelo fato de que ainda se encontra pendente de julgamento no STF a Ação Direta de Constitucionalidade do
artigo 41 da LMP que afasta a Lei nº 9.099/95 e, por conseguinte, o instituto da representação, previsto no Art.
88 dessa Lei.
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DISSERTACAO MARIA TEREZINHA - RI UFBA