Judiciário: mudança sem reforma
Publicado em: 21 nov 2014 | 09h 25m 30sCategorias: Valor
Tomasi di Lampedusa, ao escrever o célebre "IL Gattopardo", certamente
não tinha em mente promover mudanças no Poder Judiciário, já que a
obra tem ambiência em uma Itália marcada pela decadência da nobreza,
instável em suas relações de poder. Entretanto, a lucidez do personagem
Fabrizio Salina pode ser aproveitada em qualquer contexto, por apontar
como imprescindível a capacidade de adaptação aos novos tempos de
todos os que pretendem manter o status quo do poder que corporificam.
Não é de hoje que se discute em diversos fóruns sobre a necessidade de
mudança no Poder Judiciário, para que se mantenha a credibilidade desta
instituição como adequada para a solução dos conflitos de interesse em
uma sociedade democrática, moldada pelo Estado de Direito, que tem no
respeito aos poderes constituídos um de seus fundamentos.
A mudança, de fato é imprescindível, mas, como no célebre romance de
Lampedusa, sem a necessidade de medidas traumáticas, custosas,
demoradas e ineficientes. Mudança de atitude e algumas alterações na
gestão dos processos seriam suficientes para que a pecha de inoperante
atribuída ao Poder Judiciário pudesse ser definitivamente afastada.
Mudança de atitude e alterações na gestão dos processos seriam
suficientes para que a pecha de inoperante pudesse ser afastada
A identificação do problema surge como um fator dinamizador da solução.
No caso do Poder Judiciário, há quem aponte como sua principal mazela a
demora na solução dos litígios. Não é esta, entretanto, a questão: o busilis
não é tanto o retardamento da prestação jurisdicional, mas, sobretudo, a
falta de previsibilidade quanto ao fim do processo.
Se há uma afirmação que hoje o advogado jamais pode fazer ao cliente é
quanto ao prazo em que ele obterá uma sentença. E isso angustia e,
muitas vezes, revolta aquele que precisa da solução do litígio, bem como
encarece o processo, além de refletir negativamente sobre as relações
pessoais e contratuais.
Não há quem, sendo litigante habitual, deixe de pensar na falta de
previsibilidade da solução da lide, como um fator a ponderar quando há
uma questão patrimonial ou contratual a resolver. Esta imprevisibilidade
para a solução do caso pode, inclusive, afastar o cidadão ou empresa da
via judicial, já que, como sabido, Justiça que tarda falha, invariavelmente.
A identificação da crítica maior feita pelas partes litigantes como sendo a
imprevisibilidade da entrega da solução do litígio pelo juiz, fez com que a
6ª Vara Cível da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, iniciasse um projeto
piloto, inspirado na tese de doutorado da professora Petra Pekannen "
Delay Reduction on Courts of Justice: Possibilities and Chalenges", que foi
apresentada na Universidade de Lappeenranta, Finlândia, em 2011.
No Brasil, como na Finlândia, guardadas as devidas proporções
concernentes às dimensões do país, número de cidadãos e quantitativo de
processos, o problema da falta de previsão quanto à entrega da sentença
constitui-se em uma dificuldade de fundamental relevância, inclusive para
a manutenção da credibilidade no próprio Poder Judiciário.
Desta forma, a proposta foi estabelecer, por meio de um mecanismo de
consenso, obtido por meio de audiências de todos os principais
propulsores do andamento do processo – advogados, juízes, serventuários
– níveis distintos para o enquadramento dos feitos, a fim de prédeterminar o prazo do depósito da sentença nos autos.
Fixados os níveis (de acordo com o grau de complexidade das causas),
estabelecidos os prazos (inclusive com previsão de intercorrências não
desejadas, mas possíveis, que eventualmente atrasam o andamento dos
feitos), foram implantadas as datas máximas para publicação das
sentenças, o que têm ocorrido, para alívio e satisfação final do usuário.
Mudança, reforma, são estratégias que há muito vêm sendo tentadas para
que o Poder Judiciário possa cumprir seu papel com eficácia. O tema não é
novidade: a mudança de atitude é. E parafraseando André Guide, se tudo
já foi dito uma vez, mas ninguém escutou, é preciso dizer de novo.
Flávia de Almeida Viveiros de Castro é juíza titular da 6ª Vara Cível da
Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, doutora em direito pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em direito pela PUC-Rio e
professora da PUC-Rio e FGV
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