atividade física MEDITAÇÃO DO MOVIMENTO Seja a 30 centímetros do chão ou a 800 metros de altura, o slackline tem proporcionado equilíbrio para praticantes no mundo todo. Agora, a modalidade está relacionada com a ioga e ganha cada vez mais adeptos no Brasil Por Luis Patriani | Fotos Calé (RJ) e Nelson Mello (SP) “Para mim é realmente simples; a vida deveria ser vivida no limite. Para a festa de comemoração das bodas de ouro, Paulo preparou um texto para 56 Você tem de exercitar a rebelião. Recusar-se a se amarrar em regras, recusar o seu próprio sucesso, recusar-se a se repetir, para ver todos os dias, a cada ano, cada ideia como um verdadeiro desafio. Então você vai viver sua vida na corda bamba”, afirmou Philippe Petit, o francês que ficou famoso por atravessar, sobre um cabo de aço a centenas de metros do chão, a distância entre as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, no dia 7 de agosto de 1974. O feito extraordinário virou documentário, “O Equilibrista” (Man on Wire, 2008), de James Marsh. O jeito bem peculiar de Petit para manter o corpo e a mente em ordem acabou inspirando aventureiros e atletas no mundo todo. Seis anos depois de sua performance, um grupo de alpinistas americanos que precisava se exercitar em dias chuvosos no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia, criou um esporte muito parecido: o slackline. Imitando a antiga corda bamba, a atividade propôs curtas travessias sobre fitas de nylon. Com o passar dos anos, foi ganhando vertentes e até ficou mais próxima do chão. Para experimentar o desafio, basta subir numa fita de 5 centímetros de largura, ancorada e esticada apenas a 30 centímetros do chão, coordenar a respiração, fixar o olhar num ponto, esvaziar a mente e caminhar de uma extremidade a outra sem cair. E exatamente por exigir tanta concentração e disciplina, que o slackline passou a ser praticado nas aulas de ioga. Treino de respiração A paulistana Claudia Faria, 27, começou a praticar slackline há 12 anos, quando ainda eram usadas fitas para prender lona de caminhão como base. Hoje, ela ensina ioga e slackline a alpinistas e surfistas na academia Casa de Pedra, em São Paulo. “Quando dou aulas de slackline uso muitas técnicas da ioga 57 atividade física como treino de respiração, confiança e concentração”, afirma. A ausência de pensamentos a partir do foco na entrada e saída de ar, um dos princípios básicos da ioga, é fundamental para não cair. “Fico tão concentrado quando estou em pé sobre a fita que absolutamente nada passa pela minha cabeça, a não ser chegar do outro lado”, explica Cesar Fernandes, 28 anos, surfista e aluno de Claudia. O reflexo do treinamento de Cesar é sentido até dentro d’água. “Quando entro numa onda já não percebo mais aquela respiração ofegante e descontrolada que tinha antes”, afirma. Praticante de slackline e professora de ioga há 16 anos em Bauru, interior de São Paulo, Marina Engler, 31, acredita que as modalidades se complementam. “O esforço mental que o slackline exige é tamanho que depois tenho de dormir muito cedo. A mente silencia.” A mesma opinião tem o surfista profissional Igor Moraes, campeão carioca de 2010. “No começo parecia impossível. Por isso aprendi a abstrair qualquer pensamento. Isso me trouxe um equilíbrio dinâmico e melhorou muito o meu desempenho em cima da prancha”, relata. Nos Estados Unidos, o grupo yogaslackers levou a sincronia entre ioga e slackline a ponto de fazer tradicionais posições, como lótus, sobre a fita. 58 A Real serve mais de 600 cafezinhos por dia. Ao lado, o escritor Alberto Villas prova o expresso A Real serve mais de 600 cafezinhos por dia. Ao lado, o escritor Alberto Villas prova o expresso da casa GLOSSÁRIO DO SLACKLINE Conheça as diferentes vertentes da prática Por ser eficiente para o fortalecimento muscular, a coordenação motora e a estabilização do corpo, a modalidade também chegou às sessões de fisioterapia. tratamento da dor A prática tem sido usada no tratamento de pacientes com dores lombares, manifestadas quando a pessoa não consegue distribuir o peso igualmente sobre as duas pernas e precisa compensar o desequilíbrio com as costas. “O slackline aprimora a noção do centro de força e ajuda a criar consciência corporal. Ao subir na fita, o cérebro já envia estímulos para a pessoa se manter de pé e não cair. É automático”, diz Michelle Ramos, fisioterapeuta e proprietária do Espaço Físico Pilates, no Rio de Janeiro, que atende de crianças a partir dos dez anos até idosos. “Em três semanas eliminamos a dor da lombalgia. Depois é só manter a prática fora daqui para não voltar a ter o problema”, afirma. “O grupo yogaslackers levou a sincronia entre ioga e slackline a ponto de fazer tradicionais posições, como lótus, sobre a fita” Mas à parte os benefícios físicos e mentais, o slackline seduz atletas viciados em adrenalina. No Brasil, inúmeros adeptos em São Paulo e no Rio de Janeiro optaram por modalidades mais radicais do esporte. No trickline, por exemplo, que em inglês significa linha para truques, o praticante faz posições estáticas sobre a fita, que pode ter a largura reduzida e chegar a 2,5 centímetros. Já o highline, feito a partir de 5 metros de altura, é exercido em lugares bem mais vertiginosos, a exemplo dos imensos paredões rochosos de Yosemite, nos Estados Unidos. Foi ali que o americano Scott Balcom realizou a primeira grande travessia sobre fitas de nylon com sucesso da história, em 1983. O highline começou a ficar conhecido por aqui em 2006, quando Hugo Langel (considerado o melhor atleta do país) atravessou uma fenda de 37 metros próxima a Pedra da Gávea, a 847 metros de altura. “Ele fez várias tentativas até cruzar. Foi incrível”, diz Diogo Barbo- sa, 33, um dos maiores divulgadores do slackline no Brasil e também praticante de trickline. “Eu tentei cruzar a Pedra da Gávea, mas não consegui. Caía e ficava preso na corda de segurança. É difícil manter a concentração a mais de 800 metros de altura. Só mesmo muito treinamento para a adrenalina não atrapalhar”, diz ele, que se orgulha da rede social que criou em torno do slackline, hoje com mais de 3 mil membros. Os atletas são unânimes em apontar a altura como o maior desafio a ser vencido. A sensação é a de flutuar acima das nuvens, diz Gabriel Garcia, 24. “Me sinto conectado com a natureza quando ando em lugares fantásticos como a Serra do Cipó, em Minas Gerais, com seus precipícios cobertos de vegetação. A confiança que sinto lá em cima eu trago aqui para baixo, no dia a dia, em forma de tranquilidade”, conta ele, que tem como meta para o futuro fazer o baseline, em que o atleta anda sobre a fita e depois salta de paraquedas. •No trickline, posições estáticas são feitas sobre a fita de nylon, que deve estar bem tensionada para manter o equilíbrio. •A fita do jumpline possui 3 cm de largura e precisa ser bastante elástica para o praticante ser impulsionado para o alto e fazer os giros e saltos. •Esticada sobre uma superfície com água (piscinas e lagos), no waterline a fita pode ser usada para treinar as manobras mais radicais do jumpline •Ao contrário do slackline (as fitas não passam de 15 metros de comprimento), o longline chega até 100 metros. •O highline é praticado acima de 5 metros altura. Os mais radicais andam em precipícios com mais de 100 metros. É utilizada uma corda de segurança. 59