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Sustentabilidade: Não basta aumentar a eficiência,
produzindo e consumindo cada vez mais.
Preços, tecnologia e Estado são a parte menor da história
Por Ricardo Abramovay, para o Valor, de São Paulo
29/06/2010
"Estado do Mundo - 2010: Transformando Culturas/Do Consumismo à Sustentabilidade"
Worldwatch Institute
AP
Nos EUA, escolas recebem uma porcentagem
da renda das máquinas de vender
refrigerantes e guloseimas
É preciso muito mais que preços corretos, inovações tecnológicas e capacidade de fazer
cumprir leis para que o uso dos recursos necessários à reprodução das sociedades humanas seja
compatível com a manutenção dos serviços básicos que lhes são prestados pelos ecossistemas.
Ainda que essenciais, esses três elementos (preços, tecnologias e Estado) pouco adiantarão se
não fizerem parte de profunda mudança, que vá além de instituições e incentivos e atinja o
cerne das motivações e do próprio sentido que as pessoas imprimem a suas vidas. Ultrapassar o
consumismo em direção a comportamentos sustentáveis exige transformações na própria
cultura das sociedades contemporâneas.
É bem verdade que, nos últimos 30 anos, a chamada ecoeficiência ampliou-se de maneira
nítida: elevaram-se não apenas a produtividade do trabalho, mas os rendimentos tanto da terra
como do próprio uso das matérias-primas e da energia. Cada unidade de dólar ou de euro
produzida hoje contém um terço menos de matérias-primas que há três décadas. Isso não seria
alcançado sem políticas ambientais, mudanças no sistema de preços e novas tecnologias.
No entanto, nesse mesmo período, apesar do inegável progresso, aumentou em 50% o montante
daquilo que se extrai da terra para produzir bens e serviços. Se cada indivíduo tivesse o padrão
de consumo médio dos americanos, o planeta só teria lugar para um quinto dos que nele hoje
vivem. Em outras palavras, não basta aumentar a eficiência, produzindo e consumindo cada vez
mais.
Não é a primeira vez que o Worldwatch Institute dedica seu relatório anual, já na 26ª edição, à
questão da relação entre consumo e sustentabilidade. A novidade, agora consiste em abordar o
tema sob o ângulo da cultura. Três pontos merecem destaque neste livro que, numa linguagem
acessível ao leitor não especializado, consegue traçar um panorama abrangente do
consumismo, ou seja, do "padrão cultural que conduz as pessoas a achar significado, satisfação
http://www.valoronline.com.br/?impresso/investimentos/91/6347117/precos,-tecnologi... 30/6/2010
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e reconhecimento fundamentalmente por meio do consumo de bens e serviços".
Em primeiro lugar, o consumismo nada tem a ver com a suposta soberania do consumidor ou
com a ampliação de suas oportunidades e escolhas. A compulsão ao consumo não é o resultado
espontâneo da natureza humana, em que mais seria sempre melhor, e sim uma construção
social, cujos principais beneficiários podem ser claramente identificados. Há números
expressivos.
Em 1983, a publicidade dirigida a crianças nos EUA atingia US$ 100 milhões. A cifra hoje vai a
US$ 17 bilhões. Os gastos com publicidade crescem hoje cerca de 10% ao ano em países como a
China e a Índia. O faturamento global com propaganda e marketing, em 2008, foi de quase US$
650 bilhões. Nos EUA, crianças e jovens gastam mais tempo na frente da televisão do que em
qualquer outra atividade, salvo o sono. 19% dos bebês americanos com menos de um ano têm
um aparelho de televisão no quarto. Quase dois terços das escolas americanas recebem uma
porcentagem da renda das máquinas de vender refrigerantes e guloseimas e um terço delas são
financeiramente premiadas quando ultrapassam determinado nível de vendas.
Esses são apenas exemplos de um movimento mais amplo em que empresas, governos, mídia,
escolas, religiões convergem, ainda que de forma não explicitamente coordenada, no sentido
de estimular valores e comportamentos em que a posse de cada vez mais bens e serviços
associa-se de forma quase direta à realização existencial das pessoas.
E daí? A visão crítica desse movimento não será uma expressão tradicionalista contra o próprio
processo de modernização, que faz do indivíduo o epicentro da organização social e se apoia
totalmente em sua autonomia? Com que autoridade alguém pode questionar a capacidade de os
indivíduos independentes e soberanos fazerem as escolhas que mais lhes convêm? Não se
esconde por trás dessa postura crítica uma visão autoritária da própria organização social?
O segundo aspecto interessante do livro do Worldwatch Institute é mostrar que o bem-estar dos
indivíduos não guarda proporção direta com o aumento de sua renda e muito menos com a
elevação de seu consumo. Nos EUA, as pesquisas em psicologia econômica mostram que o
sentimento subjetivo de felicidade não se amplia desde 1975, apesar da espetacular elevação
do PIB. Pior: as expressões materiais dos prejuízos do consumo excessivo vão-se tornando
nítidas no fato de que, por exemplo, as formas severas de obesidade, que atingiam 15% dos
americanos no início dos anos 1970 chegam hoje a um terço da população.
Além disso, em vez de o aumento da produtividade do trabalho (que dobrou, nos últimos 40
anos) traduzir-se em redução no tempo de trabalho dos indivíduos, maior espaço para lazer,
cultura, vida familiar e comunitária, a jornada média de trabalho nos EUA aumentou de 1.700
horas em 1970 para 1.880 em 2006. Mais tempo de trabalho significa não apenas elevação do
stress, mas também mais refeições feitas fora de casa e, sobretudo, o incentivo à ideia de que
o sacrifício no trabalho será recompensado no consumo.
A terceira dimensão fundamental do trabalho do Worldwatch Institute refere-se ao processo de
transição para a cultura da sustentabilidade. Embora difuso e descentralizado, ele converge
para um conjunto de iniciativas em que o bem-estar dos indivíduos e a resiliência dos
ecossistemas tornam-se finalidades explicitamente formuladas e não resultados da busca
frenética e incessante por mais renda e mais consumo. As dificuldades dessa transição serão
discutidas amanhã, às 10h30, no lançamento da tradução brasileira do livro, em encontro
promovido pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e pelo Worldwatch Institute Brasil, no
Teatro Eva Herz.
Teatro Eva Hertz Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo (av Paulista, 2.073)
Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de economia da FEA/USP,
coordenador de seu Núcleo de Economia Socioambiental, pesquisador do CNPq e da Fapesp
( www.abramovay.pro.br )
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