UNIrevista - Vol. 1, n° 3 : (julho 2006)
ISSN 1809-4651
A complexidade do conceito de interação
mediada por computador: para além da
máquina1
Cynthia Harumy Watanabe Corrêa
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
[email protected]
PUCRS, RS
Resumo
A partir de uma análise sobre os conceitos de interação e interatividade, adota-se o termo interação para se referir
à comunicação mediada por computador com base na perspectiva da Teoria da Complexidade, de Edgar Morin. A
noção
de
complexidade
é
essencial
para
se
compreender
a
rede
social
contemporânea
em
sua
multidimensionalidade, ao reconhecer a força do imaginário e a chamada socialidade eletiva, de Michel Maffesoli,
que leva os internautas a estabelecerem interações de variados tipos e escalas de intensidade por meio de
mecanismos de identificação.
Palavras-chave: interação mediada por computador, imaginário, Teoria da Complexidade.
Interação mediada por computador: além da máquina
A partir do título deste artigo, propõe-se uma reflexão sobre o conceito de interação mediada por
computador enfatizando os aspectos socioculturais, econômicos e políticos envolvidos no processo de adoção
das Tecnologias de Informação e de Comunicação (TICs), isto é, sob o prisma da Teoria da Complexidade,
de Morin (2002a), considerada essencial para se compreender a rede social contemporânea em sua
multidimensionalidade. Trata-se de um pensamento que busca pensar o contexto e o complexo tendo como
pressuposto a necessidade de haver um pensamento que ligue o que está separado e fragmentado, capaz
de, ao mesmo tempo, respeitar o diverso e reconhecer o uno, e que tente discernir as interdependências.
Ainda nessa etapa introdutória, torna-se importante situar a escolha da palavra interação, neste artigo, para
se referir à prática da comunicação mediada por computador em um período em que há uma nítida
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O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
Brasil.
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A complexidade do conceito de interação mediada por computador: para além da máquina
Cynthia Harumy Watanabe Corrêa
preferência pelo termo interatividade, concebido enquanto sinônimo de qualidade e de eficácia comunicativa
no ambiente virtual.
Nesse
sentido, elabora-se uma perspectiva capaz de superar a dimensão técnica dos sistemas
comunicacionais com o objetivo de investigar os diferentes usos das TICs em uma configuração societal
baseada no paradigma estético (Maffesoli, 1998), a socialidade, mais especificamente a apropriação dessas
tecnologias para fomentar laço social na cibercultura contemporânea através da formação de tribos virtuais.
Um tipo de abordagem que exige, na concepção de Morin (2002a), uma mudança de olhar sobre todas as
coisas, da física ao homo, devendo prevalecer uma visão multidimensional da realidade humana em meio a
explicações mutiladoras e simplistas que se julgam racionais e que se estendem a diversas áreas do
conhecimento, como a Comunicação Social e as pesquisas sobre mídia (Morin, 2004).
Geralmente nos debates relacionados às tecnologias digitais destaca-se uma discussão sobre os conceitos de
interação e interatividade. É quase unanimidade entre os estudiosos da temática, como Silva (2000), Lemos
(2002) e Primo (2003), a afirmação de que o termo interatividade, embora constantemente utilizado, não
seja muito bem compreendido, inclusive no âmbito da pesquisa acadêmica.
Com a intenção de contribuir com o debate, Steuer (1992) argumenta que os meios de comunicação podem
ser classificados em termos de interatividade, definida como a extensão que permite aos usuários
participarem modificando a forma e o conteúdo em um ambiente mediado e em tempo real. Trata-se de
uma definição articulada em torno do conceito de telepresença na comunicação mediada, por isso a ênfase
nas propriedades do ambiente mediado e na própria relação dos indivíduos para com o ambiente.
Lemos (2002), por sua vez, identifica três níveis de interação não excludentes: 1. interação social ou
simplesmente interação entre os homens, que é necessária para formar sociedade; 2. interação analógicomecânica, que permite uma interação com a máquina, como os carros, por exemplo; e 3. interação
eletrônico-digital, que possibilita ao usuário interagir não apenas com o objeto (a máquina ou a ferramenta),
mas com a informação, o conteúdo, diferentemente dos media tradicionais. Nesse caso, o autor entende
interatividade como interação digital ou enquanto uma ação dialógica entre o homem e a técnica, sendo que
a tecnologia digital proporciona uma dupla ruptura - no modo de conceber a informação (baseado em
processos microeletrônicos) e na maneira de difundir as informações (modelo “Todos-Todos”), que é capaz
de promover uma nova “qualidade” de interação. É interessante salientar que Lemos (2002) não fala de
telepresença, mas comenta que a interatividade digital pode ser compreendida como um diálogo entre
homens e máquinas através de uma “zona de contato” chamada interfaces gráficas e em tempo real.
Observa-se que existem semelhanças entre as concepções de Steuer (1992) e Lemos (2002) sobre a
questão da interatividade nas tecnologias digitais, a partir de um discurso voltado à valorização das
potencialidades técnicas e do ambiente, cujo ápice é a realidade virtual. Apesar de Lemos (2002) mencionar
que a cibercultura proporciona um “revival” de interações sociais tribais, importando muito mais hoje a
interação social através das tecnologias do que a simples melhoria da relação homem-máquina, fica
estabelecida uma contradição quando ele declara que os media digitais vão proporcionar uma nova
“qualidade” de interação ou o que denomina “interatividade”.
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Por esse viés, considera-se um tanto demasiado fazer referência à qualidade de interação, pois, sem dúvida,
o que existe é uma qualificação técnica, ampliam-se os canais de comunicação e as possibilidades de uso,
aumenta-se a velocidade da conexão e até de transmissão de conteúdo informativo. Todo esse
aperfeiçoamento técnico agiliza a divulgação de notícias com o jornalismo on-line, por exemplo, mas que, de
fato, não implica em uma melhora de qualidade nem sequer em se tratando de conteúdo noticiado. Afinal,
as matérias continuam sendo redigidas por jornalistas que, devido à pressão do em tempo real, ficam cada
vez mais sujeitos a cometerem erros. Conforme Adghirni (2002), o jornalista da era virtual é aquele que
descobre pautas, investiga, apura e redige notícias pesquisando no próprio computador, sendo que
determinados autores chamam a atenção para os riscos dessas práticas argumentando que a credibilidade
da informação on-line é inversamente proporcional à sua velocidade.
Acredita-se, portanto, que não exista uma relação direta entre avanço técnico e qualidade de conteúdo ou
mesmo no modo de interagir. É óbvio que grande parte das empresas jornalísticas vale-se de recursos
tecnológicos para conquistar o leitor:
Os leitores também podem acessar bancos de dados, arquivos eletrônicos de edições passadas,
fóruns de discussão e sistemas de bate-papo em tempo real, mecanismos de busca em classificados
on-line, notícias atualizadas a todo instante e uma série de outros serviços, só possíveis graças ao
suporte digital (Adghirni, 2002, p. 152).
Já quando o objetivo é estabelecer um contato mais próximo com os leitores, o processo de interação é
potencializado com a criação e manutenção de chat rooms, espaços de conversação em tempo real ou
fóruns de discussão sobre tópicos específicos. É o que acontece com o jornal online Últimas Notícias do
Portal Estadão, pertencente à Agência Estado2, que, por meio de fóruns de discussão, convida o público a
comentar as notícias publicadas. Mas se essa estratégia funciona, certamente, as razões que justificam a
adesão de cada indivíduo encontram-se muito além da dimensão técnica, ou seja, superam as condições
oferecidas
pela
máquina.
Ao
contrário,
a
motivação
pessoal
é
conseqüentemente, pelo envolvimento do internauta, tratando-se
responsável
pelo
interesse,
de uma identificação, de
e,
certa
proximidade com o assunto em pauta, seja no ambiente familiar, no grupo de amigos ou em decorrência da
atividade profissional.
O fator identificação é a mola propulsora do contato e das relações sociais, pessoais e/ou profissionais,
estabelecidas no ambiente virtual, conforme pesquisa realizada por Corrêa (2005), que investigou uma
comunidade técnica e científica reunida em uma lista de discussão sobre a temática gestão de recursos
hídricos, vinculada à Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH). A autora concluiu que a lista foi
criada com o objetivo de funcionar como um espaço de intercâmbio de informações sobre a área de recursos
hídricos, porém, com o passar do tempo, foram sendo desenvolvidas relações afetivas entre os membros,
refletindo na presença de sentimentos de solidariedade, de cooperação e de pertencimento a uma
comunidade, elementos que ajudam a definir a lista ABRH-Gestão como uma comunidade virtual de caráter
científico.
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Disponível em: http://www.estadao.com.br/agestado/
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O estudo de Corrêa (2005, p. 49) deixou evidente que a interação social é essencial para a construção de
novos saberes, por meio da expressão de opiniões e sugestões, muitas vezes divergentes: “[...] no interior
da comunidade, os participantes podem e devem ter opiniões contraditórias e conflitantes, pois é uma forma
saudável de verificar o grau de tolerância entre seus membros.” Ademais, a pesquisa comprovou que a
apropriação de qualquer tecnologia de comunicação na educação a distância ou enquanto ferramenta de
auxílio na atividade de ensino e pesquisa, como salas de bate-papo, os chats, as listas, os fóruns e grupos
de discussão, os sistemas de comunicação instantânea, messenger, só resultará em uma experiência bem
sucedida se as pessoas envolvidas tiverem competência intelectual e interesse pessoal para se beneficiar.
Afinal, nenhuma tecnologia sozinha é capaz de manter em plena efervescência uma lista de discussão por
mais de cinco anos, uma vez que seu sucesso ou fracasso depende da participação dos membros da
comunidade virtual imaginada (Corrêa, 2005).
A complexidade do conceito de interação
O processo de interação, mediado ou não por computador, na contemporaneidade segue uma lógica
particular. Segundo Maffesoli (1996), as chamadas relações sociais, as da vida corrente, das instituições, do
trabalho, do lazer, não são mais regidas por instâncias transcendentes, a priori e mecânicas; assim como
não são mais orientadas por um objetivo a atingir, seja delimitado por uma lógica econômico-política ou
determinado em função de uma visão moral. Tais relações sociais passam a ser estruturadas por meio de
ações vividas no dia a dia, de uma maneira orgânica, e estão cada vez mais voltadas para o que é da ordem
da proximidade. O laço social torna-se emocional.
Dessa forma, elabora-se um modo de ser (ethos) no qual o que é experimentado com os outros passa a ser
primordial, o simples fato de estar-junto é que faz a diferença, independentemente do tempo que esse
contato durar. O momento presente ocupa um valor central na vida social. Este movimento é nomeado pelo
autor de “ética da estética”, que se utiliza dos termos estética ou arte para descrever o ambiente geral de
uma época em que nada mais é verdadeiramente importante, o que faz com que tudo adquira importância,
sejam detalhes, fragmentos ou até mesmo pequenas coisas:
O estilo de vida não é uma coisa inútil, pois é isso mesmo o que determina a relação com a
alteridade: da simples sociabilidade (polidez, rituais, civilidade, vizinhanças...) à socialidade mais
complexa (memória coletiva, simbólica, imaginário social). Ora, como apreender o estilo de uma
época se não for através do que se deixa ver? (Maffesoli, 1996, p. 160).
De acordo com Maffesoli (1998), é essa perspectivação estilística que permite dar conta da passagem da
ordem política, que privilegiava os indivíduos e suas associações contratuais, à ordem da fusão, acentuando
a dimensão afetiva e sensível; sendo essa cultura do sentimento e de compartilhamento de afetos
estruturada pela lógica da comunicação, responsável por promover o laço ou a interação social.
No cenário de uma cibercultura disseminada e consolidada por meio do uso crescente de tecnologias de
comunicação, como a rede Internet, a estrutura da socialidade ganha destaque com a possibilidade das
pessoas se encontrarem e se relacionarem via ciberespaço. Entre as diversas agregações sociais constituídas
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na rede, distingue-se a formação das tribos virtuais, que tem como marcas essenciais a aparência, a
imagem e também sentimentos de afeto e emoção.
Para Maffesoli (1996, 1998), a noção de neotribalismo ou tribalismo é caracterizada pela fluidez, pelos
ajuntamentos pontuais e pela dispersão, independente do interesse e da finalidade do encontro. “Tudo o que
liga ao presenteísmo, no sentido da oportunidade, tudo o que remete à banalidade e à força agregativa,
numa palavra, à ênfase do carpe diem, hoje renascente, encontra na matriz estética um lugar de eleição.”
(1996, p. 55). Somente por meio do fenômeno do tribalismo é possível se descrever o espetáculo de
profusão de estilos, de adereços e adornos que invadem as ruas nas megalópoles modernas e o próprio
ciberespaço descentralizado e desordenado.
Morin (2002b) colabora com a discussão ao enfatizar que é preciso se compreender a complexidade do real
que também engloba paixões, pulsões e fantasmas, tornando-se indispensável resgatar e valorizar o ato
criativo, a invenção e a força do imaginário enquanto aspectos essências na constituição do cotidiano. Para
tanto, é fundamental a recuperação da legitimidade de outros discursos, como o poético, o mitológico, o
religioso, que devem conviver lado a lado com o discurso científico, concebido enquanto mais uma forma de
explicar o mundo e que é incapaz de responder a todas as manifestações constitutivas da vida.
Na concepção do autor, a conscientização e o reconhecimento dos limites, incertezas, buracos negros,
carências e mutilações do conhecimento não devem conduzir à renúncia ou à perturbação. É preciso levar
em consideração também que o conhecimento e o pensamento dispõem de múltiplos meios para contornar
as limitações, trabalhar com a incerteza, reconhecer os buracos negros, superar as carências e mutilações.
Entre estes, destacam-se os meios práticos de investigação, prospecção, observação, manipulação,
experimentação, verificação, que juntos permitem ligar as experiências objetivas à experiência pessoal do
sujeito. “A acumulação numa cultura dos resultados assim adquiridos constitui um saber transmissível entre
as gerações; a sua acumulação numa vida pessoal constitui o que se chama justamente de experiência.”
(Morin, 1999, p. 251).
Mais uma vez o termo interação mostra a sua força, pois são as possibilidades de trocas interindividuais que
permitem, ainda, a comunicação e a conservação do saber, como o confronto e a discussão das observações,
experiências e pontos de vista diversos. Ademais, o conhecimento e o pensamento dispõem de um poder de
organização complexo que é próprio ao pensamento, permitindo ligar dialogicamente a luta contra a
incerteza ao combate contra a certeza. Dessa maneira, o conhecimento necessita de modo conjunto e
interdependente de experiência e de experiências, de confrontos, de diálogos, de debates, de discussões, de
acordos e conflitos para lutar contra os seus inimigos internos e externos.
Retomando o debate acadêmico em torno das expressões interação e interatividade, concorda-se com Silva
(2000, p. 96) ao comentar que uma das críticas mais comuns é a que considera interatividade um
“argumento de venda”:
[...] a idéia de interatividade vem sempre associada a promessas, a garantias para o consumidor:
“mais” sensorialidade, “mais” conversacional, “mais” encurtamento do tempo de resposta às ações
do usuário, “mais” troca de ações, “mais” controle sobre acontecimentos. Mesmo que tais promessas
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não sejam de todo enganosas, estão muito mais próximas de produzir o desgaste do termo no
sentido da lógica da coisificação cuja intenção final é transformar tudo em mercadoria.
Entretanto, a afinidade com o autor citado se encerra aqui porque ele defende que o termo interatividade,
apesar de ser explorado pela indústria informática, carrega riqueza e complexidade que não estariam
contempladas no conceito de interação. Silva (2000) interpreta como negativo o fato do campo semântico
da palavra interação ser muito vasto, permitindo sua aplicação a uma série de disciplinas, passando pela
física, química, sociologia, psicologia, biologia, comunicação, informática, entre outras. Certamente, essa
constatação não representa nenhum problema, ao contrário, serve para ressaltar que as diversas
experiências mundanas se desenvolvem a partir de interações, desde o funcionamento do ecossistema, que
não é constituído “[...] somente de partículas e de átomos, mas de seres vivos e de grupos de extrema
diversidade e complexidade, que competem entre si e devoram-se.” (MORIN, 2002b, p. 37); até a
elaboração de um pensamento, resultante de intercomunicações aos bilhões de neurônios que se associam
de maneira ocasional no cérebro.
Ainda com relação aos pesquisadores dedicados ao tema interação e interatividade em redes computacionais,
Primo (2003) apresenta uma concepção mais geral sobre a interação mediada por computador. Depois de
investigar variados enfoques referentes à interatividade, nos quais observou uma carga tecnicista, e de
estudar a pragmática da comunicação interpessoal, o autor decide adotar o termo interação entendido como
uma “ação entre” os participantes do encontro. Assim, o foco de análise está centrado na relação
estabelecida entre os interagentes, e não nas partes que compõem o sistema global. Para tanto, são
definidos dois tipos de interação mediada por computador, segundo uma abordagem sistêmico-relacional, e
que podem ocorrer simultaneamente: a interação mútua, na qual os interagentes reúnem-se em torno de
contínuas problematizações, existindo modificações recíprocas dos interagentes durante o processo; e
interação reativa, que depende da previsibilidade e da automatização nas trocas baseadas em relações
potenciais de estímulo-resposta por pelo menos um dos envolvidos na interação.
Dentre as concepções de interação e de interatividade citadas ao longo deste trabalho, a proposta defendida
neste artigo apresenta certa proximidade com a definição de Primo (2003) em decorrência da escolha da
palavra interação, feita mediante uma análise mais acurada sobre o termo, distanciando-se do senso comum
ou de uma visão estritamente mercadológica, tendo como preocupação examinar a forma de apropriação
das tecnologias, que podem ser usadas, por exemplo, na escrita coletiva.
Entretanto, é com base no pressuposto de que a vida em sua multidimensionalidade se constitui e se renova
por meio de processos de interação, que comportam diversidade, multiplicidade, concorrência, solidariedade,
antagonismo e ainda complementaridade (Morin, 2002b), que se opta pelo termo interação para se referir à
prática comunicacional que ocorre mediada por computador. Desse ponto de vista, afasta-se qualquer
hipótese de se trabalhar com a noção de interatividade, ao entender que o termo é usualmente empregado
enquanto um artifício publicitário para divulgar determinados produtos da chamada era digital e, portanto,
não remete a nenhuma inovação que justifique com propriedade sua adoção.
Nesse caso, trata-se de uma expressão que povoa o imaginário tecnológico de um homem que,
paradoxalmente, busca cada vez mais apoio na técnica para tentar aumentar e melhorar a capacidade do
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corpo humano, discurso propalado por McLuhan (1964) ao conceber os meios de comunicação como
extensões do homem. Vale ressaltar que esse tipo de discurso pode perfeitamente ser aplicado a diversas
tecnologias, como as próteses desenvolvidas na área da saúde e que são utilizadas tanto para complementar
partes do organismo quanto para substituir totalmente membros do corpo humano.
Nesse cenário, sobressai a força do imaginário como elemento essencial em todas as fases da vida. O
imaginário faz agir, é uma pulsão, estabelece uma maneira de se expressar, de se comportar, é uma marca
que reforça a fascinação pela técnica, motivada, sobretudo, por um desejo do homem de superar a própria
condição humana. Ademais, é fundamental reconhecer, nos dias de hoje, o predomínio de uma forma
particular de se relacionar com as coisas do mundo, regida pela lógica da identificação, que é muito mais
coletiva e que permite a valorização do cotidiano, do estar-junto, da aparência e da imagem.
Existe uma condição de possibilidade de toda experiência social, seja ela banal, científica, literária ou
artística, que é como um fundamento incontornável. É o que legitima as múltiplas conformidades
com uma época, culminando nos conformismos conhecidos. [...] Trata-se do vaivém que já analisei:
da massa à tribo, da conformidade ao conformismo. Os períodos de fundação cultural, em particular,
vivem de um modo interno esse vaivém, pois são épocas em que a reação contra valores usados
elabora novas maneiras de ser coletivas (Maffesoli, 1996, p. 146-147).
Essa vida cotidiana, em sua frivolidade e superficialidade, é o que torna viável qualquer forma de agregação,
seja ela qual for. Além disso, embora a lógica da identidade, que há séculos serve de eixo à ordem
econômico-política e social, ainda continue a funcionar nos dias de hoje, ela não é capaz de explicar a
socialidade contemporânea. Nesse sentido, Maffesoli (1998) se apropria da noção de estética para abordar
as atitudes sociais na pós-modernidade, uma vez que não se pode deixar de assinalar a eflorescência e a
efervescência do tribalismo que, sob as mais variadas formas, recusa reconhecer-se em qualquer projeto
político e tem como única razão de ser a preocupação com um presente vivido coletivamente.
Desse ponto de vista, entende-se o fato do indivíduo poder participar de tribos virtuais como uma estratégia
para formar socialidade no ciberespaço ou cibersocialidade, isto é, representa uma oportunidade de
desfrutar o momento presente e, acima de tudo, poder compartilhar um imaginário coletivo, promovendo o
ressurgimento do cultural na vida social, num verdadeiro processo de reencantamento do mundo, como
propõe Maffesoli (1996).
Considerações finais
O reconhecimento de uma socialidade eletiva ajuda a compreender a relação do homem com a técnica,
quando as pessoas navegam no ciberespaço não em busca de interatividade, mas para estabelecer
interações dos mais variados tipos e escalas de intensidade, seja com os indivíduos ou com os recursos
técnicos. Nesse caso, não há motivo para dar ênfase à performance da máquina e das redes de computação
enquanto promotora de interatividade, uma vez que as ações humanas são desencadeadas e estimuladas,
consciente ou inconscientemente, pela força do imaginário e pela necessidade intrínseca de estabelecer
socialidade.
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Por outro lado, não é possível negar diante do panorama contemporâneo que a presença das tecnologias de
comunicação e das redes de computação pode estimular o imaginário do homem, uma rede etérea e
movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou virtualmente, que se difunde por meio de
tecnologias próprias denominadas por Silva (2003) “tecnologias do imaginário”. Tais tecnologias funcionam
como dispositivos de produção de mitos, de visões de mundo e de estilos de vida. São elementos que
interferem na consciência e nos territórios afetivos aquém e além dela, mas não são imposições, uma vez
que as tecnologias do imaginário trabalham pela povoação do universo mental analisado como um território
de sensações fundamentais.
Ademais, uma nova tecnologia só pode ajudar a motivar o potencial criativo, o imaginário de uma pessoa se
ela tiver interesse, assim como capacidade cultural e educacional para usufruir a ferramenta, pois nenhuma
tecnologia é capaz de transformar um indivíduo não criativo em criativo ou de melhorar a forma de
comunicar de uma pessoa não comunicativa. As TICs podem funcionar como força impulsionadora da
criatividade humana, da imaginação, podem motivar o contato e a aproximação entre as pessoas, mas
somente se elas quiserem. Não se trata de algo determinante, pois a Internet, como qualquer outra mídia,
não tem esse poder de manipular o público.
Em outras palavras, é urgente a compreensão da complexidade envolvida nos fenômenos comunicacionais
para se abandonar definitivamente a noção de que a mídia é manipuladora, representa o mal e influência o
receptor com programas de má qualidade. Afinal, já está na hora de se reconhecer que a mídia não inventou
o mal, pois a própria existência comporta uma parte lúdica, já que não se vive apenas de trabalho e de
obrigações. Morin (2005) faz um alerta para não se esquecer que a concepção de homo sapiens-fabereconomicus é mutiladora na medida em que só vê um ser realista diante da materialidade do mundo
exterior, ocultando a enorme parte do imaginário humano.
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