ENSAIOS TRANSDUTORES DE UMA MÁQUINA-MÉTODO:
possibilidades de uma expressão transcriadora em educação
Róger Albernaz de Araujo1
RESUMO
Deseja-se problematizar alternativas de um modo de fazer pesquisa em educação, na congruência
com estratégias de produção de diferença. Pela proposição da articulação de uma tríade conceitual,
na composição de três atos de um mesmo movimento, ora, ora, ora, compõe-se uma máquinamétodo. Tensiona-se um Plano de Criação a um Plano de Referência; um constitutivo concreto de
algo que é, e um inventivo abstrato de algo que deseja vir a ser. Um modo de expressão. Inventar
outros trajetos. Traduz-se coordenadas de um percurso. Mapeamento de trilhas. Conceptos,
perceptos e afectos, misturam-se e enunciam seus lances. Linhas de recursividade. Cada vez, outra
vez. Outro lance, mesmo com o mesmo dado. Uma máquina-método traduz e transduz a
experimentação de um percurso. Tradução estratégica. Transdução do contexto tradutório. Afirmase o desejo de aventura. Maquina-se compor transduções do processo educativo; transcende-se a
ordem pela imprevisibilidade da natureza. E, talvez, uma máquina-método possa devir.
Palavras-chave: máquina-método; expressão; transdução.
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Professor do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense.
ALEGRAR - nº16 - Dez/2015 - ISSN 18085148
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MÁQUINA-MÉTODO: POR UMA PESQUISA EM DEVIR2
O que se deseja tornar possível aqui, adquire potência na necessidade de se poder
desenhar o funcionamento de uma máquina-método de pesquisa, que pelo acoplamento,
duplamente articulado, de uma máquina-referência e uma máquina-criação, ambas
tecendo suas linhas por entre os encontros possíveis de um Plano de Referência e de um
Plano de Criação. E, que isso, ainda em meio aos atravessamentos intempestivos das
linhas de recursividade, possa vir a produzir fissuras no território produzido; marcas de
diferenciação que desterritorializam e reterritorializam, múltipla e sucessivamente, o
território que envolve as relações.
Uma máquina-método propõe uma atitude de criação, que mistura a pesquisa e o
pesquisador, em procedimentos que vivificam o ato de pesquisar, o que faz do retorno
uma nova possibilidade de olhar, em um desejo que esquece o caminho bem definido e
aposta-se em procedimentos, que pela experimentação do preenchimento de um
percurso, pelos encontros possíveis, reverta a lógica produtivista da pesquisa em série.
Neste caso, a pesquisa ocupa-se de envolver e implicar o que acontece na
experimentação da pesquisa e do pesquisador, mesmo que não haja o entendimento de
por onde ir, mesmo que não haja uma definição de aonde chegar, e mesmo que não haja
garantia de uma chegada.
Uma máquina-método de pesquisa deseja-se artesã do seu olhar e da sua voz, valendose de toques sutis, de um roer tímido e suave que, de algum modo, possa vir a desfiar as
amarras que prendem as subjetividades em meio aos processos de subjetivação
hegemônicos e repetitivos. Artesã que tece com os conceptos, os afectos e os perceptos
possíveis de encontro. E, que haja um contínuo enredamento da tessitura para mais um
lance, para mais um retorno na busca à diferença. A pesquisa acontece, nas
possibilidades de se poder retornar e pensar novamente, de sentir novamente, não como
forma de atualizar uma forma; mas como um modo de modificar um modo; um vir a ser
sempre possível, a cada momento; variáveis em uma variação contínua, em uma
alternância de estados em que a cada rabisco se possa traçar a diferença que for
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[...] O problema não é nunca o de obter a maioria, mesmo instaurando uma nova constante. Não existe
devir majoritário, maioria não é nunca um devir. Só existe devir minoritário. [...] Certamente as minorias
são estados que podem ser definidos objetivamente, estados de língua, de etnia, e sexo, com suas
territorialidades de gueto; mas devem ser consideradas também como germes, cristais de devir, que só
valem enquanto detonadores de movimentos incontroláveis e de desterritorializações da média ou da
maioria (DELEUZE;GUATTARI, 1995a, p. 44)
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possível. Investimento em um olhar de cuidado com a pesquisa e com o pesquisador, no
sentido de aproximar como estes se tornam o que são a cada instância de relação; e
como e por que uma mudança acontece quando a diferença toma corpo.
PROCEDIMENTOS POSSÍVEIS: O ATO DE PESQUISA
Os procedimentos de pesquisa funcionam por fios que tecem a trama que deseja
produzir o corpo de pesquisa. Podem ser criados, apropriados de outros domínios,
traduzidos, transduzidos. Procedimentos criados pela relação entre intercessores, os
quais em seus trajetos pelo percurso da pesquisa podem prover composições com
intensidades afirmativas de uma diferença, e por efeito produzir um novo procedimento.
Procedimentos apropriados na medida em que os movimentos de criação, também,
podem funcionar como máquinas de captura de procedimentos que sustentam um plano
de referência hegemônico em um determinado território, subvertendo-os, como forma
de produzir uma linha de diferenciação, que possa vir a provocar um movimento de
desterritorialização e de reterritorialização deste território. Procedimentos traduzidos, no
sentido de que as máquinas de criação necessitam imiscuir-se por entre os
procedimentos referenciais, como forma de mapear seus modos de constituição e de
significação, para aí, inferir um modo de resistência. Procedimentos transduzidos por
processos tradutórios sucessivos e contínuos, os quais acabam por produzir uma outra
natureza de procedimentos transvalorados em si.
Os procedimentos são a possibilidade de ultrapassar o confinamento. Os procedimentos
não derivam da máquina-método, e, sim, são imanentes as relações que a produz. Podese usufruir de procedimentos cartográficos, de procedimentos biografemáticos, de
procedimentos de narrativa de si e do entorno, conforme a necessidade que emane do
processo de criação. A máquina-método pode compor com métodos pré-existentes,
pode (re)configurá-los, (re)significá-los, conquanto isso implique e envolva um ato de
criação. Deste modo, a máquina-método deseja exercer uma atitude de experimentação
de uma criação coletiva e uma política de criação. Pelo funcionamento da máquinamétodo, pode-se declinar das leis que dizem e garantem o que a pesquisa deve ser, e
investir nas relações que compõem a experiência de pesquisar. A máquina-método
aposta no devir, na possibilidade de uma obra aberta, no rompimento com o discurso do
rigor empírico, pela simples condição de possibilidade de afirmar a jurisprudência de
poder deslocar-se das relações de direito às relações políticas, deslocar-se das relações
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de controle às relações da experiência criativa. A máquina-método torna possível que se
criem intercessores da/para pesquisa, enquanto se produzem os trajetos que compõem o
ato de pesquisar. São os intercessores que acionam os procedimentos, que se valem
deles em seus deslocamentos, que criam o ritmo da criação. Pesquisar passa a funcionar
como uma tentativa sempre possível de se colocar em uma posição de experimentar o
encontro com a criação de algo. A máquina-método torna-se corpo de resistência de
uma pesquisa que se cria e se recria continuamente. A composição de uma pesquisa que
funciona por um processo de povoamento, e não se bem sabe o povo que se irá
encontrar, de onde virão as interferências, que desvios se irão provocar; isso coloca o
ato de pesquisa em devir, e a pesquisa em um contínuo “porvir”3.
Que cada um opere a sua máquina-método, que possa compô-la na relação com os seus
desejos, com as suas necessidades, com o ritmo e a política que lhe aprouver, afinal a
máquina-método possui apenas uma propriedade: desejo de funcionar. Então, como
provoca Deleuze (2010), mexa-se e crie a sua!
O importante nunca foi acompanhar o movimento do vizinho, mas
fazer seu próprio movimento. Se ninguém começa, ninguém se mexe.
As interferências também não são trocas: tudo acontece por dom ou
captura. (DELEUZE, 2010, p.160)
Existe toda uma problemática da expressão da pesquisa que não pode ser relegada a
uma função secundária. Pesquisar, pela perspectiva da construção de uma máquinamétodo, com seus programas e seus procedimentos de pesquisa, articulados e
manuseados pelos intercessores possíveis, implica um movimento de fabulação.
Fabulação de uma expressão de verdade em uma determinada data, em um determinado
ritmo; procedimento que possibilita à pesquisa expressar uma problemática, que as
questões diretas poderiam querer encobrir.
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A presença da poesia está por vir: ela vem para além do futuro e não cessa de vir
quando está ali. Uma outra dimensão temporal, diferente daquela de que o tempo do
mundo nos fez mestres, está em jogo em suas palavras, quando estas põem a descoberto,
pela escansão rítmica do ser, o espaço de seu desdobramento. Nada de certo aí se
anuncia. Aquele que se apega à certeza, ou mesmo às formas inferiores da
probabilidade, não está caminhando em direção ao "horizonte", assim como não é o
companheiro de viagem do pensamento cantante, cujas cinco maneiras de se jogar se
jogam na intimidade do acaso. A obra é a espera da obra. Somente nessa espera se
concentra a atenção impessoal que tem por vias e por lugar o espaço próprio da
linguagem. Um lance de dados é o livro por vir. (BLANCHOT, 2005, p.352)
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Não existe verdade que não “falseie” ideias preestabelecidas. Dizer “a
verdade é uma criação” implica que a produção da verdade passa por
uma série de operações que consistem em trabalhar uma matéria, uma
série de falsificações no sentido literal. [...] Essas potências do falso é
que vão produzir o verdadeiro, é isso os intercessores... (DELEUZE,
2010, p.161)
Uma máquina-método não pertence ao aparelho acadêmico, não se opõe ao controle que
é inerente à Academia, e funciona de modo subjacente, em um espaço-tempo externo e
marginal às relações de saber-poder instituídas. Uma máquina-método deseja subverter
o desejo do método de controlar da pesquisa, pelo investimento em um cuidado de
pesquisar que deseja afirmar um devir; entrar e reentrar a qualquer tempo, em qualquer
espaço, cada movimento funcionando como a possibilidade de um traço criativo no ato
de criação da pesquisa e do pesquisador.
REFERÊNCIAS
BLANCHOT, Maurice. O livro do por vir. São Paulo, Martins Fontes, 2005.
DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). São Paulo, Ed. 34, 2010.
______, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro, Graal, 2006.
______, Gilles. O ato de criação. Palestra de 1987. Edição Brasileira, Folha de são
Paulo, 26/06/1999.
______, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 1.
São Paulo: Ed. 34, 1995.
______, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 2.
São Paulo: Ed. 34, 1995a.
______, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 4.
São Paulo: Ed. 34, 1997.
______, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 5.
São Paulo: Ed. 34, 1997a.
______, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-édipo capitalismo e esquizofrenia: São
Paulo: Ed. 34, 2011.
______, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo: Ed.34, 2010a.
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