PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO
RECURSO ORDINÁRIO ­ 3ª TURMA
Processo TRT/SP nº 0002947­05.2013.5.02.0062
ORIGEM: 62ª Vara do Trabalho de São Paulo
RECORRENTE: BAR DA ONÇA LTDA ME
RECORRIDO: JOÃO PAULO DE OLIVEIRA
_______________________________________________________________________
GORJETAS. MODALIDADE FACULTATIVA. INTEGRAÇÃO INDEVIDA. Utilizando­se da tabela de estimativa de gorjetas constante das Convenções Coletivas da categoria (SINTHORESP), fica a reclamada isenta da integração do efetivo montante recebido a título de taxa de serviço, ainda que calculada e lançada na nota de despesa do cliente, dada (1) a não retenção de 35% para cobertura de encargos, (2) ausência da expressão "obrigatória" e (3) impossibilidade de aplicação de piso salarial menor, requisitos expressamente estipulados pelas categorias profissional e econômica.
Inconformada com a sentença de fl. 194/196, cujo relatório adoto, que julgou
parcialmente procedente o pedido, recorre ordinariamente a ré (fl. 197/206),
arguindo preliminar de cerceamento de defesa, e pretendendo a reforma quanto à
integração dos valores pagos “por fora” a título de gorjetas, diferenças de horas
extras e do adicional noturno.
Depósito recursal e custas às fl. 217/220.
Contrarrazões às fl. 223/231.
VOTO
Presentes os pressupostos recursais, conheço.
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1. Argui a reclamada cerceamento de defesa, aduzindo que “a oitiva da testemunha
da recorrente não foi apreciada pelo DD. Juízo de 1º grau” ao proferir a sentença de
fl. 194/196.
Sem razão. A única testemunha da reclamada foi ouvida na audiência de fl. 21
verso, sendo consignado em ata que as partes não possuíam, na ocasião, outras
provas a serem produzidas em audiência, motivo pelo qual concordaram com o
encerramento da instrução processual. Não houve, pois, qualquer cerceamento de
defesa por parte do magistrado a quo.
Quanto ao acolhimento ou não do depoimento das testemunhas, cabe frisar que ao
Juiz é conferida ampla liberdade na apreciação da prova e da condução do
processo, consoante os art. 130 do CPC e art. 765 da CLT.
Rejeito.
2. O Juízo de origem, com base no depoimento da testemunha do autor, julgou
procedente o pedido de integração das gorjetas pagas “por fora”, contra o que se
insurge a reclamada.
Segundo a inicial, o autor, como garçom, e posteriormente, como barman e sub
chefe de bar, recebia, respectivamente a quantia de R$520,00 e R$650,00, por
quinzena, a título de gorjetas “por fora”, sendo esta quantia proveniente de gorjetas
obrigatórias, que “eram consignadas na nota de despesa apresentada ao cliente e,
depois, conduzidas ao controle do ‘caixa’ da recda. e independente de ser dinheiro,
cheque ou cartão, quinzenalmente, uma funcionária do ‘RH’, fazia o pagamento das
mesmas, por critérios de pontuação” (fl. 03/4).
A defesa, por sua vez, aduziu que “não adota o sistema de cobrança de percentual
de serviços a título de gorjetas”, não as incluindo em suas notas fiscais, conforme
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lhe facultaria a Convenção Coletiva de Trabalho. Sustentou que “quando os
funcionários recebem qualquer gorjeta de clientes não há interferência do
estabelecimento comercial”, admitindo que “quando o cliente deseja pagar gorjeta e
não está com o valor disponível em dinheiro, o caixa lança a débito no cartão do
cliente e entrega o valor em espécie ao funcionário que recebeu tal agrado” (fl. 30).
Muito embora a prova oral tenha informado que a taxa de serviço era incluída na
nota do cliente e que esses valores eram passíveis de serem controlados pela
empresa, a questão se resolve como matéria de direito, pois é incontroverso que a
reclamada observava corretamente a incidência da tabela de estimativa de gorjetas,
fixada nas normas coletivas, e não fazia qualquer retenção sobre o valor arrecadado
a título de taxa de serviços.
Com efeito, se a reclamada adotasse a modalidade de gorjetas “obrigatórias”,
poderia reter 35% do valor bruto, como prevê a própria Convenção Coletiva da
categoria, e repassar aos funcionários 65%, quinzenalmente, em folha de
pagamento.
Da análise do que consta nos autos, tem-se que a Convenção Coletiva de Trabalho
prevê, na cláusula 15ª, duas modalidades de gorjeta, uma por estimativa (facultativa)
e outra, dita obrigatória, desde que inserida na nota de despesa ou cupom fiscal com
os dizeres “taxa de serviço obrigatória”, “serviço obrigatório” ou “gorjeta obrigatória”.
Vale transcrever a cláusula 15ª da CCT 2009/2011 e 2011/2013 (fls. 158/159), como
razão de pedir:
Cláusula 15ª - Modalidades de Gorjetas. São modalidades de gorjeta, as
quais poderão ser adotadas livremente pelas empresas:
I - as obrigatórias ou compulsórias;
II - as facultativas ou espontâneas.
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§ 1º. Na modalidade de gorjetas obrigatórias ou compulsórias, estas
deverão
ser
fixadas
nas
notas
de
despesas
ou
cupons
fiscais
acompanhadas dos dizeres "taxa de serviço obrigatória", "serviço
obrigatório" ou "gorjeta obrigatória". (grifei)
§ 2.° Não sendo explicitado na forma do parágrafo anterior, as gorjetas
serão tidas como facultativas ou espontâneas, e a empresa não se
beneficiará da vantagem prevista no parágrafo único da cláusula 3a da
presente Convenção Coletiva. (grifei)
§ 3º. Nenhuma destas modalidades de gorjetas será aplicável às empresas
denominadas
"refeições
industriais"
ou
estabelecimentos
de
comercialização de alimentos ou lanches sem prestação de serviços, bem
como àquelas onde o serviço é executado pelo próprio cliente ou freguês,
com o que estarão todas dispensadas de cumprirem quaisquer dos
preceitos que tratam do cálculo e pagamento de encargos sobre as
gorjetas. Ficam incluídas nesta exceção as empresas "motéis", ressalvando
o direito adquirido daqueles que já contavam com a estimativa (para fins de
encarqos) em seus contratos de trabalho.
§ 4.° Em qualquer das hipóteses previstas neste instrumento normativo, as
gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas
espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado,
mas não o salário, de forma que não servirão de base de cálculo para
parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal
remunerado, não sendo devidos, portanto, reflexos de gorjetas nestes
títulos.
§ 5.° Serão respeitados os Acordos Coletivos vigentes firmados entre o
Sindicato suscitante e empresas da categoria.
Do que se observa dos autos, enquadra-se a reclamada na modalidade de gorjetas
facultativas ou espontâneas, estando correto o procedimento de utilização da tabela
de estimativa de gorjetas para proceder às integrações em FGTS, INSS, férias e 13º
salários.
Não basta a mera inserção da cobrança de 10% na nota de despesa ou cupom fiscal
para que a gorjeta se caracterize como “obrigatória”. É a cláusula 15ª da CCT
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2009/2011 e 2011/2013, e anteriores, que exigem a necessidade de constarem as
expressões "taxa de serviço obrigatória", "serviço obrigatório" ou "gorjeta obrigatória”
na nota de despesa para esta caracterização.
Nem se diga sobre abusividade dos §§ 1º e 2º da cláusula 15ª em referência, pois
previram, em contrapartida à sua literalidade, o impedimento da empresa, que se
utilizar de gorjetas sob modalidade facultativa, de se beneficiar de piso salarial
inferior, garantido apenas às empresas que adotem modalidade de gorjetas
compulsórias (cláusula 3ª da CCT).
Ademais, a caracterização da cobrança de gorjetas como “compulsória”, de fato,
autorizaria a reclamada à retenção de 35% do valor bruto para custeio de encargos,
conforme previsão das cláusulas 16ªs das CCT 2009/2011 e 2011/2013, também
firmadas pelo sindicato da categoria profissional, repassando aos empregados
apenas 65% do valor.
Conforme prova oral colhida, havia o repasse das gorjetas “facultativas”,
semanalmente, cujo rateio era feito pelos próprios empregados.
Corretamente, em atendimento ao § 2º da cláusula 17ª da CCT, a verba denominada
“estimativa de gorjeta” serve apenas para lançamento no recibo de pagamento, na
coluna referente aos Vencimentos e, ao mesmo tempo, descontada, no mesmo
valor, na coluna Descontos, sob a mesma rubrica.
Reformo para afastar a condenação na integração de gorjetas pagas "por fora" em
demais verbas como aviso prévio, 13º salário, férias, terço, DSR, FGTS, multa de
40% e, especialmente, horas extras e adicional noturno, título que não se calculam
sobre base remuneratória, mas salarial.
3. O Juízo de origem, com base no depoimento da testemunha do autor, afastou a
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validade dos registros de ponto da defesa, quanto aos horários neles indicados, e
deferiu as diferenças de horas extras excedentes à 8ª diária e 44ª semanal
trabalhadas, considerando os dias efetivamente trabalhados, assim se pronunciando
(fl. 194 e verso):
“Horas extras e reflexos
...
A reclamada trouxe aos autos os controles de jornada do reclamante,
documentos de fls. 68/95, que foram impugnados ao argumento de não
refletirem o verdadeiro horário realizado. A única testemunha ouvida pelo
reclamante confirmou em seu depoimento tanto a inveracidade dos horários
noticiados pelos espelhos de ponto, quanto parcialmente a jornada de
trabalho declinada pelo reclamante na exordial. Segundo a testemunha, “no
começo ambos trabalhavam no esquema abre e fecha, depois o depeonte
mudou de escala, mas o reclamante permaneceu nesse sistema; que no
abre o reclamante trabalhava das 9h45 às 15h30, com retorno às 16h00 até
às 24h00, de segunda a sábado, e aos domingos das 9h00 às 17h00, sem
intervalo; que no fecha o reclamante trabalhava das 12h00 às 16h00, com
retorno às 18h00 até às 01h00/02h00, de segunda a sábado, e aos
domingos das 09h00 às 17h00, sem intervalo; que o reclamante trabalhava
em todos os feriados, sem folga compensatória; que nos espelhos de ponto
marcavam apenas os horários de entrada e saída, os intervalo eram
marcados no caderno que ficava no salão; que marcava o ponto e
continuavam trabalhando” (fl. 21-v).
Dessa forma, para o exame dos pedidos de pagamento de horas
extras, fixo como válida a jornada comprovada pela testemunha ouvida
pelo reclamante.
Ao exame.
Levando em conta a jornada de trabalho fixada nesta decisão,
vejo que o reclamante, de fato, não recebeu pela totalidade das horas
extras realizadas. A diferença, nesse caso, é evidente em especial por
ter sido fixada nesta decisão jornada superior àquela considerada pela
ré para o pagamento do trabalhou em sobrejornada feito pelo autor.
Por conta disso, defiro o pedido de pagamento de horas extras,
entendendo como tais aquelas excedentes à 8ª hora diária ou 44ª hora
semanal, não se computando para a apuração do módulo semanal aquelas
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já computadas na apuração do módulo diário, evitando-se o pagamento
dobrado, e considerando como parâmetros: a jornada de trabalho fixada
nesta decisão; os dias efetivamente trabalhados; o adicional de 50% para o
trabalho em dias úteis e de 100% para dias de descanso e feriados; o
divisor 220; a evolução salarial do autor, considerando, inclusive, o salário
reconhecido nesta decisão; a base de cálculo conforme súmula 264 do TST,
inclusive com relação ao adicional noturno (OJ 97 da SDI-1 do TST); a
dedução dos valores pagos a idêntico título. Em face da habitualidade,
devidos os reflexos sobre aviso prévio, 13º salário, férias acrescidas de 1/3,
DSR, FGTS e multa de 40%. Indevidos reflexos das horas extras sobre
DSR e com este sobre as demais parcelas, diante do que dispõe a súmula
394 do C. TST.”
Na inicial, o autor alegou que trabalhava nos sistemas “abre” e “fecha”, em
revezamento semanal. Quando no “abre” a jornada se dava de 2ª feira a sábado,
das 10h às 15h, com retorno às 18h e saída, em média, às 23h30, e aos domingos
das 9h30 às 19h, com intervalo de 15 minutos, com uma folga semanal, coincidindo,
uma vez por mês, com domingo. Quando no “fecha”, trabalhava de 2ª feira a
sábado, das 12h às 16h, com retorno às 20h e, saída, em média às 2h da manhã, e
aos domingos, das 9h30 às 19h, com 15 minutos de intervalo, e uma folga semanal,
coincidindo, uma vez por mês, com domingo. Afirmou ainda que “havia duplo
controle de jornada”, sendo um “digital”, com diferenças em relação à real jornada, e
outro “manual”, para fiscalização do gerente (fl. 06/7).
A defesa, por sua vez, declinou o horário de 2ª feira a sábado, das 12h às 15h,
retornando das 19h às 23h, e aos domingos, das 11h às 19h, com uma hora de
intervalo, sustentando que “todas as horas extras foram pagas corretamente,
conforme os recibos de salário mensal” (fl. 32).
Em réplica (fl. 189/193), foi reiterada a impugnação aos controles de ponto.
Com efeito, da análise dos espelhos de ponto acostados à defesa (fl. 68/93),
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verifica-se que vários documentos contém anotações de entrada e saída seguidas
de asterisco, indicando que foram realizadas manualmente, como por exemplo, nas
folhas relativas a 15.11.2010 a 14.12.2010, 15.12.2010 a 14.01.2011, e 15.01.2011
a 14.02.2011.
Não bastasse, como bem destacado na origem, a testemunha do autor confirmou a
invalidade dos espelhos de ponto, ao passo que a testemunha da ré prestou
depoimento contraditório, como já destacado no item 2.
Irreparável, pois, o julgado de origem que, em judiciosa análise do conjunto
probatório, concedeu as diferenças de horas extras excedentes à 8ª diária e 44ª
semanal.
No entanto, em respeito aos limites objetivos da lide, reformo a sentença de origem,
apenas para fixar o horário de trabalho nos termos da petição inicial, como sendo de
2ª feira a sábado, das 10h às 15h, com retorno às 18h e saída às 23h30, e aos
domingos das 9h30 às 19h, com intervalo de 15 minutos, com uma folga semanal,
coincidindo, uma vez por mês, com domingo; e alternando, na semana seguinte,
para 2ª feira a sábado, das 12h às 16h, com retorno às 20h e saída às 2h da manhã
do dia seguinte, e aos domingos, das 9h30 às 19h, com 15 minutos de intervalo, e
uma folga semanal, coincidindo, uma vez por mês, com domingo; e assim
sucessivamente. Mantidos, no mais, os critérios de apuração determinados a quo.
Não conheço do apelo no tocante às horas por supressão do intervalo intrajornada,
uma vez que não houve condenação nesse sentido.
Tampouco conheço do pedido de aplicação do adicional convencional de 65% para
as horas extras prestadas em domingos e feriados, por se tratar de inadmissível
inovação recursal.
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ACORDAM os Magistrados da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região em conhecer do recurso, com as ressalvas feitas no item 3 do voto relator, e
DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO para excluir da condenação a integração de
gorjetas pagas "por fora" em demais verbas e limitar o horário de trabalho do autor
ao pedido inicial, de 2ª feira a sábado, das 10h às 15h, com retorno às 18h e saída
às 23h30, e aos domingos das 9h30 às 19h, com intervalo de 15 minutos, com uma
folga semanal, coincidindo, uma vez por mês, com domingo; e alternando, na
semana seguinte, para 2ª feira a sábado, das 12h às 16h, com retorno às 20h e
saída às 2h da manhã do dia seguinte, e aos domingos, das 9h30 às 19h, com 15
minutos de intervalo, e uma folga semanal, coincidindo, uma vez por mês, com
domingo; e assim sucessivamente, mantendo-se, no mais, os critérios de apuração
determinados a quo.
LUCIANA CARLA CORRÊA BERTOCCO
Juíza Relatora
mhm/lccb
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Leia o acórdão na íntegra.