Ceratoacantomas múltiplos em paciente transplantado renal Luciana da Silva Monteiro, Paula Pereira Araújo, Beatriz Moritz Trope, Maria Elisa Ribeiro Lenzi, Jomara Estefaneli Ramos Serviço de Dermatologia e Curso de Pós- Graduação HUCFF-UFRJ e Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Rio de Janeiro Introdução O ceratoacantoma consiste em um tumor epitelial de crescimento rápido, em geral semanas, e com tendência à involução espontânea. Acredita-se que seja originário do terço superior do folículo piloso (porção infundibular). Histologicamente, a lesão é nodular, bem delimitada, com hiperceratose central circunscrita por formação epitelial pontiaguda com aspecto de "bico de papagaio", acantose e cordões irregulares de células escamosas permeados por células inflamatórias. O diagnóstico histológico diferencial com carcinoma epidermóide pode ser difícil, principalmente quando a biópsia é parcial. Há, inclusive, a discussão se o ceratoacantoma representa uma variante bem diferenciada de carcinoma epidermóide ou uma entidade distinta. Apresenta predileção por áreas fotoexpostas (face, antebraços, dorso de mãos). A lesão característica apresenta a forma de cúpula cor da pele com rolha ceratósica central que, ao ser removida, expõe um fundo crateriforme. Diversos fatores influenciam em sua ocorrência, a saber: 1. radiação ultravioleta; 2. traumatismos; 3. carcinógenos químicos; 4. doenças cutâneas prévias; 5. imunossupressão; e, 6. infecção pelo papilomavirus (tipos 16,18,25,48,entre outros), segundo trabalhos recentes parecem demonstrar. Embora um tumor solitário seja a forma mais comum de apresentação, são bem definidos na literatura casos de ceratoacantomas múltiplos. A título de ilustração, verificamos múltiplos ceratoacantomas nas seguintes variantes: ? tipo Ferguson-Smith, forma de início na infância ou no adulto jovem, de herança autossômica dominante, representado por involução espontânea e recorrência após anos ou décadas, deixando cicatrizes deprimidas atróficas; ? tipo Grzybowski, forma em que centenas a milhares de pequenos ceratoacantomas acometem principalmente face; ? tipo Witten e Zak, variante que apresenta tanto grandes ceratoacantomas quanto múltiplas pequenas lesões, inclusive com comprometimento oral; ? síndrome de Muir-Torre, em que, além de múltiplos ceratoacantomas, ocorrem também adenomas sebáceos e neoplasias gastrointestinais. Figura 1: Ceratoacantoma em antebraço direito Além dos casos acima relatados, também pacientes imunocomprometidos encontram-se particularmente predispostos a apresentar múltiplos ceratoacantomas. Caso Clínico Paciente masculino, 59 anos, branco, carpinteiro aposentado, natural e residente no RJ. Relata surgimento de lesão elevada e com crosta central há 3 anos em tórax anterior, seguida de lesões semelhantes em ambos os membros superiores. Tais lesões teriam evoluído progressivamente em intervalo de meses. Fora submetido a transplante renal em 2002 (doador cadáver), em uso atual diário de prednisona 10mg, micofenolato-mofetil 1,5g, tacrolimus 4g, além de lisinopril 20mg. Tabagista, não etilista. Ao exame dermatológico, lesão elevada de aproximadamente 3,0cm de diâmetro, com cratera central em porção radial de antebraço direito, além de duas outras lesões com características semelhantes de 1,0 e 0,5cm, respectivamente em antebraço direito (proximal à lesão maior) e antebraço esquerdo, próximo ao punho. Apresentava também lesões semelhantes menores em membros superiores. Evidenciada fístula artério-venosa funcionante em membro superior esquerdo. A lesão descrita em tórax já havia sido excisada em ocasião anterior. Realizada, então, exérese de uma das lesões em antebraço direito, cujo histopatológico foi compatível com ceratoacantoma. Figura 2: Múltiplas lesões de ceratoacantomas em ambos os braços e a fístula arterio-venosa (FAV) em MSE Discussão / Conclusão Sabe-se que pacientes transplantados renais apresentam maior risco de desenvolvimento de tumores cutâneos. Nestes casos, o quadro costuma ser mais agressivo, com maior tendência à recorrência, a metástases e a lesões múltiplas. O risco de desenvolvimento de neoplasias cutâneas é tanto maior quanto maiores são a idade do paciente à época do transplante, o tempo de imunossupressão e os valores de creatinina um ano após o procedimento. Também é maior em pacientes do sexo masculino, residentes em áreas com maior radiação solar e naqueles que tiveram doador cadáver. Em ordem decrescente de freqüência, os tipos de tumores cutâneos mais comuns nesses pacientes, segundo dados do “Oxford Transplant Centre”, são: 1. carcinoma epidermóide (50,7% dos casos); 2. doença de Bowen ( 23,1%); 3. carcinoma basocelular (15,9%); 4. ceratoacantoma (6,6%); e, 5. melanoma (0,4%). ceratoacantomas múltiplos é sua retirada cirúrgica, porém existem outras modalidades terapêuticas possíveis dependendo da experiência do profissional e dos recursos disponíveis no serviço. A excisão cirúrgica das lesões tem a vantagem de permitir o envio de material adequado para o estudo histopatológico e, portanto, a confirmação diagnóstica. Outras técnicas tais como “shaving” são aceitas desde que não comprometam a real arquitetura da lesão. São modalidades terapêuticas possíveis em caso de múltiplos ceratoacantomas, além da retirada cirúrgica: 1. injeção intra-lesional de substâncias tais como 5-fluoracil, triancinolona, interferon alfa, metotrexate, bleomicina; 2. aplicação tópica de substâncias tais como 5-fluoracil e podofilina; 3. radioterapia; 4. terapia fotodinâmica; e, 5. uso de retinóides orais (embora sua indicação precise ser avaliada de forma criteriosa). Sabe-se que estes pacientes podem desenvolver tumores cutâneos múltiplos e de diferentes tipos histológicos. O tempo médio até o desenvolvimento desses tumores é de 7,8 anos pós transplante (variando de 3 meses a 21 anos), sendo menor em pacientes com múltiplos tumores. A pesquisa do vírus HPV nas amostras de tecido cutâneo pela técnica do PCR pode revelar a presença desse vírus em parcela considerável de casos. O tratamento de escolha para Figura 4: Exame histopatológico revelando lesão bem delimitada, com hiperceratose central circunscrita por formação epitelial pontiaguda com aspecto de “bico de papagaio” Figura 3: Maior detalhe da FAV e das lesões em MSE Referências Bibliográficas 1. Consigli JE, González ME, et al. Generalized keratoacanthoma (Grzybowski variante). British Journal of Dermatology 2000;142:800-3. 2. Bordea C, Wojnarowska F, Millard PR, Doll H, Welsh K, Morris PJ. Skin cancers in renal-transplant recipients occur more frequently than previously recognized in a temperate climate. Transplantation 2004;77:574-9. 3. Stasko T, Brown MD, Carucci JA, Euvard S, et al. Guidelines for the management of squamous cell carcinoma in organ transplant recipients. Dermatology Surgery 2004;30:642-50. 4. Strumìa R, Roveggio C, Rotola A, Monini P, Cassai E. Keratoacanthomas: human papillomavirus and herpes simplex virus associated? J Europ Acad Dermatol and Venereol 1997;8:130-6. 5. 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