NO R!
A
O BOMBARDEIO
DO PIRATINI EM 1961
A VITÓRIA DE BRIZOLA
E A LEGALIDADE
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
No ar! : o bombardeio do Piratini em 1961 : a vitória de Brizola e a legalidade
/ Antônio César Celente... (et al.). -- São Paulo : All Print Editora, 2011.
Outros autores: Caetano Ângelo Vasto, Darcy Celente, Marcelo Celente
1. Brasil - História - Crise de 1961 2. Brasil - Política e
governo, 1961 3. Brizola, Leonel, 1922-2004 4. Palácio Piratini Porto Alegre (RS) - História I. Celente, Antonio César. II. Vasto,
Caetano Ângelo. III. Celente, Darcy. IV. Celente, Marcelo.
11-11916
CDD-981.062
Índices para catálogo sistemático:
1. Bombardeio do Palácio Piratini : Porto Alegre :
Rio Grande do Sul : História
981.062
ANTÔNIO CÉSAR CELENTE
CAETANO ÂNGELO VASTO
DARCY CELENTE
MARCELO CELENTE
NO R!
A
O BOMBARDEIO
DO PIRATINI EM 1961
A VITÓRIA DE BRIZOLA
E A LEGALIDADE
NO AR! O BOMBARDEIO DO PIRATINI EM 1961
A VITÓRIA DE BRIZOLA E A LEGALIDADE
Copyright © 2011 by Casa do pensamento livre
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do autor, proprietário do Direito Autoral.
Proibida a venda e reprodução
parcial ou total sem autorização.
Antônio César Celente
(Membro da Academia
de Letras do Brasil)
Darcy Celente
(Doutor em Filosofia Univérsica
PHI – Honoris Causa)
Com. Caetano Ângelo Vasto
(Suboficial da FAB –
1º/14º G.Av. Aviões
Caças da Base Aérea Canoas)
Baseado na obra de:
Joaquim José Felizardo
(Professor, Jornalista e Historiador)
Marcelo Lima Celente
(Acadêmico de Engenharia UFRGS)
Casa do Pensamento Livre
www.casadopensamentolivre.org.br
E-mail: [email protected]
Projeto gráfico, editoração e impressão:
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(11) 2478-3413
Sumário
A MAGIA DO RÁDIO ........................................................................................... 9
OUTRO HERÓI DA LEGALIDADE ................................................................... 11
PREFÁCIO ............................................................................................................. 13
− A defesa da democracia nas ondas da rede ................................................... 13
APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 17
− A Cadeia da Legalidade ........................................................................................... 18
− Hino da Legalidade .................................................................................................... 18
− Ah, Fazer Rádio! ........................................................................................................... 19
A CADEIA DE LEGALIDADE ............................................................................ 25
− Introdução ...................................................................................................................... 25
− O Protagonista da Resistência na FAB ............................................................... 31
− Rápido currículo........................................................................................................... 55
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA EM REUNIÃO PERMANENTE .................... 56
− Manifestação de solidariedade a Jânio Registradas no Plenário............ 56
− Manifestações do PTB ............................................................................................... 58
− Posição da Assembleia.............................................................................................. 58
− Reafirma a Assembleia Legislativa sua posição em defesa da Legalidade .................................................................................................................................. 59
− Movimentada Reunião .............................................................................................. 64
− Mensagem contra os Ministros Militares .......................................................... 65
− Pronunciamento do líder do PSD ........................................................................ 65
6
NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
− A palavra da UDN ....................................................................................................... 66
− Discurso do líder do PTB ......................................................................................... 67
− Posição do Partido Libertador ............................................................................... 67
− A palavra do PTB ......................................................................................................... 69
− Sessão Noturna ............................................................................................................ 70
− “Uma verdadeira torrente de civismo”............................................................... 70
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE
DO SUL ..................................................................................................... 73
− A Câmara Municipal ................................................................................................... 75
− Comícios populares frente à Prefeitura ............................................................. 75
− Declarações do Prefeito...................................................................................... 76
− A Palavra do Presidente da Câmara Municipal ........................................ 76
− Câmara Municipal de Porto Alegre – Nota Oficial ................................. 77
− A posição da Igreja .................................................................................................... 77
− Declaração do Cardeal Câmara sobre a crise que vive o país .......... 77
− Universidade Federal do Rio Grande do Sul ................................................... 78
A CADEIA DA LEGALIDADE – RELATO HISTÓRICO .................................. 79
− A Rede da Legalidade ............................................................................................... 81
− O pronunciamento de Brizola ............................................................................... 86
− Destruição....................................................................................................................... 90
− Desatino e loucura ..................................................................................................... 92
− Ordem só interessa a Brizola ................................................................................. 93
− Chacina ............................................................................................................................ 95
− Um depoimento para a história ........................................................................... 96
− Adesão do IIIº Exército .............................................................................................. 97
− A defesa da capital ..................................................................................................... 97
− A reação do General Denys .................................................................................... 98
− A posse de João Goulart ....................................................................................... 100
− O Plebiscito .................................................................................................................. 101
− A Cadeia da Legalidade – Conclusão ............................................................... 102
SUMÁRIO
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO ...................................................................... 109
− A morte de Getúlio Vargas e o fim do Diário de Notícias...................... 109
− O Rádio no Rio Grande do Sul ........................................................................... 115
− Uma bela história ...................................................................................................... 117
− O espaço do desporto ............................................................................................ 119
− Outros tempos............................................................................................................ 121
− O Rádio Teatro ............................................................................................................ 122
− Novelas de sucesso: ................................................................................................. 123
− Auditórios e grandes festas .................................................................................. 130
− O Rádio e a TV ........................................................................................................... 134
O MUNDO DO RÁDIO .................................................................................... 135
− Comunicação Verbal .......................................................................................... 135
− O Surgimento do Rádio ................................................................................... 135
− Rádio no Brasil ..................................................................................................... 136
− Um grande poder político .............................................................................. 137
− Programas de Calouros atraem Grande massa ...................................... 137
− Repressão incrementa Indústria Fonográfica .......................................... 138
− Radionovela ........................................................................................................... 138
− Americanização dos costumes ...................................................................... 139
− Curiosidades .......................................................................................................... 140
− Atualidades do rádio ......................................................................................... 140
− Tendências.............................................................................................................. 141
A ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL .......................................................... 141
− Expansão do Ciberespaço ............................................................................... 141
− A Internet e as perspectivas de aprimoramento da democracia ..... 142
− A Internet em contraposição ao Modelo da Espiral do Silêncio.... 143
ENCERRAMENTO ............................................................................................ 145
− Homenagem a Terezinha Dias ............................................................................. 145
− Dedicatória ................................................................................................................... 147
− Epílogo ........................................................................................................................... 148
− Aldeia Global ............................................................................................................... 149
7
A Magia do Rádio
“O rádio é o jornal dos que não sabem ler; é o mestre
de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito dos
pobres; é o animador de novas esperanças; o consolador dos
enfermos; o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito
altruísta e elevado.”
Maurício Sirotsky Sobrinho
Outro herói da
Legalidade
(Pelo jornalista Juremir Machado da Silva – Correio do Povo)
Falei, em minissérie da Legalidade e em personagens heroicos. Vejam este: Caetano Vasto. Já o seu sobrenome supera
qualquer ficção. Como diria o poeta, mundo, mundo, Vasto
mundo. Em agosto de 1961, Caetano Vasto era o suboficial
mais velho da Base Área de Gravataí. Quando os ministros
militares deram a ordem de bombardear o Palácio Piratini,
os superiores de Vasto tentaram aplicar um golpe: carregar os
aviões com bombas e dizer que se tratava de um deslocamento
para São Paulo. Acontece que lotado de bombas os aviões não
poderiam mais pousar, salvo se as soltassem sobre um alvo,
ou, com o impacto da aterrissagem, elas explodiriam. Vasto,
que está vivo e com a memória em plena forma, disse ao seu
superior: “Tenente, informe ao sr. Comandante que ninguém
vai decolar para São Paulo e, nessa situação, nem os aviões
vão decolar”. Que cena!
Esse mesmo homem de coração vasto, diante de um major
enfurecido, repetiu: “Comandante, já dissemos, ninguém vai
e nem os aviões vão decolar”. O superior esbravejou: “Vou
indiciar todos vocês ao Estado Maior para um Conselho de
Guerra”. Ninguém cedeu. Para aqueles que justificam os seus
crimes em ditaduras com o chavão “da obediência devida”, o
cumprimento de ordens, o respeito à hierarquia, vale o exemplo
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
desses insubordinados da Aeronáutica, em Canoas, que souberam dizer não quando apenas um não fazia sentido. Sargentos
e cabos deram o apoio decisivo para frustrar os planos dos
oficiais. Quando o major Cassiano, passado o pior, despediu-se,
com uma pistola 45 na mão, jurou nunca esquecer o “crime”
cometido por Vasto e seus colegas.
Nos jornais da época, está a manchete: “Os sargentos da
FAB impediram ontem o bombardeio do Palácio Piratini”. Vasto, os sargentos que foram ao Piratini comunicar ao governador
a rebelião de Canoas e outros enfrentaram um inquérito policial
militar. Alguns, depois do golpe de 1964, foram cassados. Nei
Calixto, primo de Brizola, só teve a devida progressão da sua
carreira restabelecida 45 anos depois. Vasto não foi cassado,
mas não teve todas as promoções. Calixto lança em agosto o
livro “Os Sargentos da Legalidade”. Guardou-o para “não se
incomodar”. Chegou o tempo das revelações. Nenhum sigilo é eterno. Estamos perdendo de ver nas telas este diálogo
espetacular:
— Vasto, eu e o pessoal da minha seção concordamos
contigo, pois sabemos que, assim carregados como estão, esses aviões, de acordo com as Ordens Técnicas vigentes, não
poderão pousar – diz o suboficial Alípio.
— Todos estamos sabendo o que irá acontecer se esses
aviões levantarem voo para a missão ordenada. Por mim, eles
não decolam – insiste Vasto, com a voz firme.
— Vasto, com essas bombas esses aviões não poderão
pousar, mas nós, o Ramalho, o Custódio e todo o pessoal da
Seção de Armamentos, já providenciamos a total inoperância:
os cabides estão travados, as bombas sem os detonadores ativados e os canhões com o sistema elétrico também desativados.
Não sai um tiro – diz Alípio.
Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto...
Prefácio
Adão Villaverde*
A DEFESA DA DEMOCRACIA NAS ONDAS DA REDE
Em uma época em que não se poderia sequer sonhar
com o cenário futurista dos computadores, telefones celulares
e redes sociais como twitter, orkut, facebook e e-mails.
E, em que os jornais eram impressos, em sua maioria,
no imenso tamanho standart e a TV em preto e branco mal
engatinhava no país, o rádio era, de fato, um importantíssimo
veículo de comunicação, aliando a informação, o acesso ao
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
conhecimento e o entretenimento, amparado em programas de
humor, musicais de auditório, radionovelas e, claro, emissões
futebolísticas.
Suscitando o obrigatório exercício da imaginação, e dotado da instantaneidade que o diferencia até hoje das demais
fontes de informação, o rádio foi o sólido pilar do Movimento
da Legalidade, através da cadeia de emissoras montadas no
acanhado porão do Palácio Piratini, sob o comando do governador Leonel Brizola.
Graças à rede, centralizada pela rádio Guaíba, Leonel Brizola (dono do registro 393 no Sindicato dos Jornalistas e da
matrícula número 181/1957 na Associação Riograndense de
Imprensa – ARI), já tinha programa na Farroupilha e conhecia o poder das transmissões radiofônicas), pode mobilizar a
população do Rio Grande do Sul (e mesmo de outros territórios acima do rio Mampituba) na defesa da Constituição,
para garantir a posse de João Goulart no posto deixado vago
pelo renunciante presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto
de 1961. Foi a partir desta marcante experiência da cadeia
de emissoras que, segundo Lauro Haggemann (a notável voz
que encarnava o “Repórter Esso” e que serviu de locutor do
porão da Legalidade), os colegas reuniram-se para afirmar a
categoria e criar o sindicato dos radialistas gaúchos.
Companheiro de Haggemann no manejo do microfone do
porão transformado em Memorial no 50º ano do Movimento,
o radioator César Celente deixou para o filho Antonio César
e para o filho deste, Marcelo, a missão de finalizar esta obra,
No Ar! – O Bombardeio do Piratini em 1961 – A Vitória de
Brizola e a Legalidade, que, louvando a magnitude do veículo,
também inclui importante testemunho dos acontecimentos de
agosto e setembro de 1961. Trata-se do depoimento do então
suboficial Caetano Ângelo Vasto que narra, pela primeira vez,
sua participação, ativa e substantiva, no episódio da base aérea
de Canoas quando alguns militares contrariaram as ordens dos
oficiais comandantes e rebelaram-se para impedir que aviões
voassem para bombardear o Palácio Piratini, sede do governo
do Estado.
PREFÁCIO
“Este livro tem por objetivo deixar gravado um pouco
do sentimento daquela época, talvez eu não esteja por aqui
para ver este livro publicado”, escreveu César Celente, nome
artístico de Darcy Celente, prenunciando a possibilidade da
edição póstuma.
“Mas podem ter a certeza que por onde eu estiver estarei
feliz por você estar lendo estas linhas que retratam um passado de glórias e projetam um futuro com esperança para o
povo brasileiro.”
As linhas que Celente traçou e que, como diz, podem estar
provocando sua eventual felicidade em outra dimensão, agora
fazem parte importante do resgate imprescindível para o registro da trajetória do rádio gaúcho e, sobretudo, da memória de
uma História de defesa da democracia que nos orgulha a todos.
*Presidente da Assembleia Legislativa em 2011, ano do
Cinquentenário do Movimento da Legalidade.
15
Apresentação
Este livro é a obra de vários anos de trabalho e pesquisa,
foi escrito e redigido em conjunto por mim Antônio César
Celente, por meu pai Darcy Celente (César Celente, no mundo
do rádio) pelo meu filho Marcelo Lima Celente, onde procuramos deixar registrados fatos e histórias que não podem
ficar esquecidas, precisam ser lembradas e relembradas, pois
representam uma época de ouro deste meio de comunicação
de massa fantástico chamado Rádio.
Agradecemos também ao ilustre Sr. Joaquim José Felizardo
Júnior, por nos autorizar a utilizar a pesquisa da obra sobre
a Rede da Legalidade de Joaquim José Felizardo, seu pai e a
Dra. Rosa Brizola Felizardo sua esposa.
Vale a pena registrar também os nossos agradecimentos
ao meu amigo Comendador Caetano Ângelo Vasto pela sua
colaboração nesta obra, bem como a sua atuação em 1961,
quando colocou seus ideais e sua consciência acima de todas
as pressões.
Foi uma obra escrita em conjunto por quatro pessoas, por
quatro irmãos e todo trabalho foi feito com muito carinho e
dedicação, com força e vigor.
Tive o privilégio de acompanhar meu pai em inúmeros
momentos de sua vida, fui seu fiel escudeiro, dando todo o
apoio possível em todos os seus empreendimentos, a ideia deste
livro foi deixar registrado para as futuras gerações o registro
de tempos de glória, a geração de ouro do rádio brasileiro.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Esta edição é histórica e comemorativa aos 50 anos da
Cadeia da Legalidade, o último levante Gaúcho, onde tivemos
a participação de verdadeiros heróis como o nosso Ir. Com.
Caetano Ângelo Vasto – FAB, não fosse por homens como ele
o Rio Grande do Sul e o Brasil, certamente seriam diferentes,
pois esta ferida nunca mais iria cicatrizar.
Boa Leitura!
A CADEIA DA LEGALIDADE
HINO DA LEGALIDADE
Letra de Lara de Lemos e música de Paulo César Pereio
“Avante brasileiros de Pé,
Unidos pela liberdade,
Marchemos todos juntos com a bandeira
Que prega a igualdade.
Protesta contra o tirano,
Se recusa à traição,
Que um povo só é bem grande,
Se for livre sua nação.”
APRESENTAÇÃO
AH, FAZER RÁDIO!
A história do rádio e as estórias do rádio são conceitos
que se confundem. Um não vive sem o outro e nenhum dos
dois estariam presentes nos acontecimentos do dia a dia, se as
figuras dos empresários radialistas, não dissessem... NO AR!
O rádio está à espera de que apareça o seu historiador e
possa escrever até o último capítulo com um final surpreendente. Na verdade seria uma “missão impossível”. Ele é que
nem a História: nunca terminará.
A pedido de meu pai (César Celente), estou escrevendo
algo sobre rádio e eu como admirador fanático deste veículo
fantástico aqui estou tentando dar algumas informações sobre
essa fascinante profissão de radialista.
Ah, Fazer Rádio! Esta magia que tem o poder de magnetizar multidões inteiras e conduzi-las ao local que desejar.
Lembro-me de uma frase escrita por Sangirardi Júnior,
extraordinário homem de comunicação na década dos anos
50 quando declarou: “Deem-me uma poderosa estação de rádio,
10 marchas militares e em 24 horas farei uma revolução”.
Um exemplo disso: todos ainda lembram os acontecimentos de agosto do ano de 1961, quando o então Governador
Leonel Brizola catalisou a opinião pública brasileira e até internacional, com a sua Rádio da Legalidade.
Meu pai César Celente, foi testemunha ocular da história,
esteve presente a este evento da maior relevância política na
história do Brasil. Não fora o rádio, por certo, os rumos da
política brasileira, quem sabe até teriam sido outros.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
É oportuno transferir algumas informações preliminares
para os nossos leitores em respeito aos pioneiros dos primeiros
passos do nascimento do rádio como forma de comunicação.
A história é longa e chega a ser empolgante essa extraordinária aventura do homem no tempo.
No distante ano de 1863 o físico inglês James Maxvell, em
Cambridge, fazia deduções matemáticas posteriormente aproveitadas por Hertz (daí as ondas hertzianas) que se dedicou
a estudar o tema em seu laboratório na Alemanha. Outras
investigações científicas prosseguiram já em 1888 pelos professores Oliver Lodge, na Inglaterra e Ernest Branlyn, na França.
A longa caminhada que chegou até aos nossos dias foi
prosseguida por inúmeros cientistas. Sabiam ou mesmo sentiam que Hertz estava com a razão.
Ao começar o século XX a radiotelefonia teve enorme
aceleração e um brasileiro foi injustiçado. Em 1891 o modesto professor de História Universal do Seminário Episcopal
e capelão da Igreja do Bom Fim, Padre Roberto Landell de
Moura, transferiu-se para São Paulo. Assumiria uma paróquia
de Campinas.
A história o encontra em seus primeiros estudos no Colégio Jesuíta de São Leopoldo, matriculando-se na Escola
Politécnica. Também estudou Ciências Químicas e Físicas na
Universidade Gregoriana, em Roma.
Depois de viver verdadeira saga científica, vamos encontrálo tentando contar com o auxílio dos americanos, no início
deste século, ou mais precisamente 1901.
A princípio pouca atenção lhe foi dada. Marconi estava
em grande evidência e um simples “cientistazinho” oriundo de
um lugar lá nos confins da América do Sul, não despertaria
muita atenção entre os grandes da ciência.
Finalmente pela sua persistência e obstinação veio afinal
o reconhecimento, como comprova artigo acima publicado no
Jornal New York Herald em 12 de outubro de 1902.
APRESENTAÇÃO
“Em 1904 conseguiu no The Patent Office at Washington
três cartas patentes: uma para o telégrafo sem fio, outra para
o telefone e a última para o transmissor de ondas sonoras.”
A sua via-crúcis na América do Norte na busca de apoio e
mesmo estímulo para os seus inventos, dilui-se como no tempo.
Teríamos de revirar muito os arquivos da história do rádio
na sua parte técnica o que até seria fastidioso para o leitor.
Das aventuras do nosso Padre Landel de Moura, damos um
salto até Recife de 1919.
Nos conta Abílio de Castro que nos diz: “A Rádio Clube
de Pernambuco foi fundada no dia 10 de outubro de 1919,
no salão nobre do Diário de Pernambuco”.
Na Holanda também a revista “União Europeia”, esta de
1919 também é considerado decisivo para o rádio. Em 1919
aparece a Rádio Corporation of America. Um russo naturalizado norte-americano – David Sarnof projetou as primeiras
“caixas” sonoras para música doméstica – o rádio.
O rádio comercial desenvolveu-se nos Estados Unidos em
1922, onde eram feitas as promoções de produtos e o que havia
de serviços na época. Em 1922, em Paris, Gabriel Germinet
iniciou um serviço regular de notícias sob o título de “Paris
Informations”.
Era sete de setembro no Rio de Janeiro. O ano era novamente 1922. Epitácio Pessoa Cavalcanti era o presidente da
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
República. Convidado de honra o Rei Alberto da Bélgica. O
evento era a monumental Feira-Exposição Mundial com a
presença de inúmeros países e Estados Brasileiros.
Nos salões da Exposição e nos arredores do Aterro do
Castelo foram instaladas cornetas (aquele tipo dos antigos gramofones) de alto-falantes. Alguém anunciou lá de dentro que
o Presidente Epitácio Pessoa falará dentro de alguns instantes
para inaugurar a radiotelefonia brasileira.
Cronista da época conta: “Se havia, como houve, a sensação
de espanto e incredulidade dentre os que a céu aberto, ouviram as palavras do presidente, dita lá de dentro do Palácio de
Festas. Pode-se avaliar a impressão que terá causado o que se
seguiu de imediato. Ali, no Aterro Castelo, a um quilômetro,
aproximadamente, do Teatro Municipal, passaram a ouvir a
transmissão da récita de gala, com a Companhia Lírica interpretando ‘O Guarani’, de Carlos Gomes”.
Segundo temos colhido, no curso do que tem sido escrito
sobre qual a emissora de rádio mais antiga no Estado, encontramos algumas informações de ter sido a Rádio Pelotense e
outras afirmando ser a Rádio Gaúcha. Otávio Augusto Vampré,
intelectual, novelista e escritor, em trabalho de profundidade
esclareceu a situação. Chegou à conclusão diante de documentos e outras informações testemunhais de que a Rádio
Pelotense era mais antiga emissora instalada, mas no interior
do Estado, mais precisamente em Pelotas. Vampré prossegue
afirmando que “a ideia de fundação da Rádio Sociedade Pelotense nasceu em numa loja comercial, no centro da Cidade
Princesa chamada de ‘Palácio de Cristal’, fundada em 25 de
agosto de 1925, com o prefixo POP”.
Quanto à Rádio Gaúcha, continua o historiador, “foi fundada em 19 de novembro de 1927, com o ‘slogan’ de ‘A Voz
dos Pampas’, e com o prefixo ‘P RA-Q’. A respeito desta data
existe certa controvérsia, pois em outros registros da Fundação
RBS a data correta é 08 de fevereiro de 1927”.
Como outra grande contribuição da Rádio Gaúcha destacamos quando da Revolução de 1930. Segundo Renaud Jung
– um dos seus primeiros locutores, hoje já falecido – que
também era alto funcionário da Companhia Telefônica – em
APRESENTAÇÃO
folheto que escreveu em 1952 – o qual chegamos a ler – os
fatos teriam ocorrido mais ou menos assim: “No dia 03 de
outubro de 1930, cerca de 15hs o Dr. Oswaldo Aranha teria
ido até o terceiro ou quarto andar do prédio do antigo Grande
Hotel, na Rua da Praia esquina hoje Rua Caldas Júnior (onde
hoje se ergue o Shopping Center Rua da Praia), onde estaria
sediada a Rádio Gaúcha, ocupara o microfone e dissera no
ar, quatro vezes a frase:
‘O que é que há?!’. Era, de acordo com as informações
colhidas, o sinal para ser detonada a Revolução”.
O episódio pitoresco dentro do acontecimento revolucionário, teria sido a participação da antiga e hoje extinta Guarda
Civil. Consta que os serviços de informações do Exército teriam
desconfiança de que “alguma coisa” estaria sendo tramada com
relação a um movimento revolucionário.
Diariamente, nos meses que antecederam a eclosão do
movimento o Corpo de Guardas Civis descia, diariamente de
seu quartel (ainda hoje existente em ruínas) na rua da Ponte
(hoje Riachuelo) esquina Gal. Canabarro para a Av. Mauá,
perto do cais do porto. Naquele dia, no mesmo horário 15:30
hs. Se repetiu o movimento. Eles iam até a Mauá, levavam,
como sempre o faziam, seus “fuzis” – um arremedo de fuzil
feito de tábua, apenas para facilitar os movimentos de ordem
unida. Nada belicoso.
Passado algum tempo o serviço de informações, como
nada acontecia, até pode ter relaxado as observações.
No dia 03 de outubro a Guarda Civil desceu normalmente
a Gal. Canabarro e foi para seus “exercícios” na Av. Mauá, lá
estavam prontos os piquetes da Brigada Militar e todos os
líderes revolucionários, liderados pelo Gal. Flores da Cunha. A
mobilização teria sido fruto do chamado de Oswaldo Aranha
ao microfone da Rádio Gaúcha.
As 14 hs. em ponto os revolucionários partiram para a
tomada do QG do Exército, na Rua da Praia esquina Gal.
Canabarro, contava, ainda, o livro de Renau Jung que foi um
combate encarniçado, violento, algo assim transcendente e que
levou aqueles homens a enfrentarem metralhadoras de peito
aberto, levados pelo espírito revolucionário na luta por uma
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
causa justa e perfeita. Muitos morreram deixando um marco
de heroísmo dividindo o “antes” e o “depois” da Revolução
de 1930.
Anos atrás ainda existia exposto, no QG da Brigada Militar,
numa das salas daquela unidade militar, um belíssimo quadro
de cujo autor não lembro o nome. Retratava com extraordinário vigor o que foi o avanço daqueles homens naquela tarde
de 03 de outubro de 1930. O artista quem sabe até pode ter
participado o combate, porque a fidelidade, a expressão das
fisionomias, o conjunto e a dinâmica de todas as figuras, realmente ao “faltavam falar”, tal a força que o autor empregou
ao pintar um quadro épico.
Em 1992, falei com o jornalista Vítor Moraes, então assessor de Imprensa da Brigada Militar e indagamos sobre o
quadro. Prometeu averiguar nos deu, posteriormente, a triste
notícia de que tal quadro não mais se encontrava no QG e
muito menos se sabia onde poderia estar. Lamentamos, porque
menos do que o registro de evento importante, era uma rara
peça de arte que deveria ficar, permanentemente, exposta para
conhecimento de todos.
Escrevi tudo isto para que você leitor perceba a importância do Rádio não só como produtor de entretenimento,
mas como poderoso elemento a participar do processo sociopolítico do país.
A seguir relatamos com detalhes outro evento marcante
na história política brasileira, contada por quem esteve participando ativamente do evento, a “Cadeia da Legalidade”,
que mostrou que para o Rádio o mundo é uma Aldeia Global, a rede foi ouvida e acompanhada nos quatro cantos do
mundos... NO AR!
A Cadeia de
Legalidade
INTRODUÇÃO
Era um domingo, 27 de agosto de 1961, que começam
as transmissões da Rede ou Cadeia Nacional da Legalidade.
O primeiro pronunciamento do governador do Rio Grande
do Sul, Leonel Brizola, pouco depois das 14h, estende-se por
36 minutos. Discos com marchas militares – muitos deles do
programa Aí vem a Banda, da própria Guaíba – alternam-se
com proclamações e manifestos.
De início, a leitura fica a cargo de Naldo Charão de Freitas,
um funcionário do Gabinete de Imprensa do Palácio Piratini.
Logo, a Rádio da Legalidade ganha a credibilidade do principal
locutor-noticiarista do Rio Grande do Sul: Lauro Hagemann,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
titular da edição local do Repórter Esso, da Farroupilha. A ele,
seguem-se diversos profissionais, tal como Abel Gonçalves e
outros que vão aderindo espontaneamente ao trabalho. Já no
final da crise, os jornais de Porto Alegre vão publicar a Proclamação dos Jornalistas e Locutores da Rede da Legalidade. Um
trecho do documento, na voz de Lauro Hagemann, expressa o
clima reinante nos porões do Piratini:
“Povo brasileiro!
Esta é a nossa proclamação, a proclamação daqueles que
trabalham na Rede da Legalidade!
Pertencemos a todas as emissoras de Porto Alegre, redatores, locutores e pessoal da técnica, estamos todos aqui, livremente, espontaneamente, escrevendo, lendo ou controlando,
com a liberdade que sempre tivemos em nossas emissoras.
Não sofremos coação de espécie alguma. Nem sequer solicitada foi a nossa presença.
Não temos armas na cintura, e muito menos em nossas
costas. Nossa arma é a pena e a nossa tribuna é a Rede da
Legalidade. Somos 200, 300 ou 400.
Todos voluntários. Momentos há, que somos em número
superior às máquinas de escrever, aos microfones e aos aparelhos de controle de som.
Queremos auxiliar. Queremos ajudar. Esperamos nossa vez.
Ninguém nos chamou. Vimos atendendo a um ditame da
consciência.
Vimos para defender a Constituição. Não somos trabalhistas, não somos pessedistas, não somos udenistas, nem comunistas. Somos brasileiros. Somos democratas. Somos legalistas.
Nada recebemos. Nossos serviços são gratuitos. Nossa colaboração é espontânea.
A matéria que divulgamos não é censurada.
Nós afirmamos: trabalhamos de acordo com a nossa consciência, de acordo com a nossa capacidade.
Jornalistas do Rio de Janeiro, jornalistas de São Paulo, jornalistas de outros estados da Nação!
Se vossos artigos são censurados, se a censura ditatorial
de alguns loucos e mal formados manda vossos artigos para
A CADEIA DE LEGALIDADE
a cesta, se vossas penas sofrem por terem que escrever artigos
sob medida, que convenham aos antidemocratas que procuram
rasgar a Constituição por meio do golpe, mandai vossos artigos
para a Rede Nacional da Legalidade. Nós aqui os transmitiremos aos quatro cantos do país e podereis comprovar que,
no Sul, reina a mais completa liberdade de imprensa.
Enviai vossos artigos, a revolta de vossos espíritos contra
a prepotência, que nós, aqui, teremos o máximo prazer em
transmiti-los ao Brasil e ao mundo.
Não houve, ainda, no Brasil uma cadeia radiofônica tão
ouvida. Mandai vossas mensagens, jornalistas livres do Brasil,
que elas chegarão ao seu destino.
A Rede Nacional da Legalidade é um produto nosso, dos
locutores, redatores e técnicos em radiodifusão. Foi criada pelos
jornalistas livres do Rio Grande do Sul. Ela merece o vosso
respeito. Ela merece a vossa sintonia.”
Antes disto, a cadeia radiofônica e o movimento em prol
da posse de João Goulart vivem seu momento mais dramático.
Radioamador por hobby, o diretor técnico dos Correios e Telégrafos, João Carlos Guaragna, intercepta, entre 21 e 23h daquele
domingo, dia 27, a comunicação telegráfica entre o Ministério
da Guerra e o III Exército.
Uma das ordens recebidas e a resposta transmitida de Porto
Alegre vão colocar em alerta o Palácio Piratini:
Ministério da Guerra – É necessária firmeza e energia do
III Exército a fim de não permitir cresça a força do adversário
potencial que tem todo o interesse em manter a ordem a fim de
que o sr. João Goulart assuma a Presidência. Reitera a ordem a
fim de que sejam suspensas as irradiações. Trata-se estratagema
que só favorecerá inimigo em potencial.
III Exército – General Machado Lopes [comandante do III
Exército] deseja Ministério Aviação providências diretamente governador sentido devolução imediata Rádio Guaíba.
Deste modo, naquela madrugada fria, o responsável pela
Companhia da Guarda, capitão Pedro Américo Leal, com seus
222 soldados de elite, prepara-se para atacar a ilha da Pintada,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
guarnecida por 100 homens da Brigada Militar, e tomar os
transmissores da Guaíba, suspendendo, assim, as irradiações
do Palácio Piratini. Pouco antes de iniciar as operações, recebe, por telefone, nova determinação repassada pelo ajudante
de ordens do Estado Maior, general Antônio Carlos Muricy. O
comandante do III Exército, José Machado Lopes, suspendia o
ataque, aderindo à Legalidade.
Desconhecendo a decisão do general, na manhã de segunda,
dia 28, o clima no Palácio Piratini é de muito nervosismo e
expectativa. A Cidadela da Legalidade está ameaçada. A praça
da Matriz assemelha-se a um acampamento militar. Pesados
bancos de cimento são colocados por estudantes e sindicalistas
como barricadas nas ruas de acesso, na tentativa de impedir
o avanço de tanques. No telhado do Piratini, metralhadoras
permanecem posicionadas.
Há montes de sacos de areia e rolos de arame farpado
completando o quadro, onde quase 80 mil pessoas ficam de
vigília. Muitos portam revólveres Taurus novos, requisitados a
uma loja da capital.
Por volta das 11h, Leonel Brizola recorre ao microfone da
Legalidade para denunciar o ataque iminente e pedir que o
general Machado Lopes apoie a posse de João Goulart:
Estamos aqui prestes a sofrer a destruição.
Devem convergir sobre nós forças militares para nos destruir,
segundo determinação do ministro da Guerra. Mas tenho confiança no cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos,
especialmente do general Machado Lopes, que, esperamos, não
decepcionará a opinião gaúcha. Assuma, aqui, o papel histórico
que lhe cabe. Imponha ordem neste país. Que não se intimide
ante os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra
a população civil, contra as autoridades. É uma loucura. Povo
de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo
sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste palácio, numa
demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Venham, e se eles quiserem cometer esta chacina, retirem-se, mas eu
não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado.
Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa
e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não
A CADEIA DE LEGALIDADE
importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação.
Aqui, resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem
honra, sem dignidade e sem glória. Aqui, ficaremos até o fim.
Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos
que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo!
Joguem estas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos
trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos farão a independência
do nosso povo!
Mal o governador termina de falar, chega o jornalista Flávio
Alcaraz Gomes com a notícia mais importante do dia, obtida
por ele no Estado Maior do III Exército: Machado Lopes está
vindo aderir ao movimento que defende o cumprimento da
Constituição. Logo em seguida, ocorre a reunião do general
e do governador no Piratini. Pouco depois do meio-dia, os dois
aparecem numa sacada do palácio, saudando a multidão. Brizola
acompanha Lopes até o QG do Exército e, na volta, anuncia,
ao microfone, a união das forças civis e militares em torno da
Legalidade.
Anos depois, Leonel Brizola, recordando, para o Projeto
Vozes do Rádio da PUC/RS, o Movimento da Legalidade, reconheceria o papel fundamental do rádio naquele momento:
– Foi possível aquela resistência nacional, porque contamos
com uma comunicação através do rádio.
E foi graças àquela locução plena de emoção que eu fiz para
dar conhecimento à opinião pública daquela ordem tresloucada
de bombardear o palácio, tanto que eu pedi para a população
toda se retirar. Só ficasse quem quisesse enfrentar a situação.
Foi tal a mensagem, a emoção, que aquilo ali, praticamente,
tocou profundamente na fibra do povo gaúcho. Foi devido a
isto que nós conseguimos, praticamente, conter toda aquela
investida golpista.
Na tarde de terça-feira, dia 29, Farroupilha e Gaúcha voltam
a transmitir e pedem para serem requisitadas, forma de garantir
certa tranquilidade caso triunfem as forças golpistas. A rede
passa a contar, deste modo, com seis faixas de transmissão em
ondas curtas – Farroupilha (19 e 31 metros), Gaúcha (25 e 49
metros) e Guaíba (25 e 49 metros). Para vastas regiões do país,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
as irradiações chegam por meio da Rádio Brasil Central, de Goiânia, ocupada pela Polícia Militar por ordem do governador de
Goiás, Mauro Borges, que apoia a posse de Jango. Talvez graças
a toda esta abrangência, reforçada pelo canal livre internacional
em ondas médias da Farroupilha, começa a ser transmitido, das
2 às 4h, em meio à madrugada, o programa A Ponte da Amizade, um serviço que permite aos ouvintes enviarem notícias
suas a parentes e amigos de outros estados. Certo está que a
Cadeia da Legalidade, como Lauro Hagemann recordaria mais
tarde, “chegou quase ao final a ter uma programação normal
de qualquer emissora, com horários determinados para o noticiário e a música”.
Dias depois, na quinta-feira, 31 de agosto, começam as
irradiações em outras línguas. O noticiário vai incluir textos
em inglês, francês, espanhol, italiano e árabe. A rede já conta,
então, com dezenas de emissoras retransmitindo o seu sinal. O
movimento ganha, mais ou menos por aí o seu hino, com letra
de Lara de Lemos e música de Paulo César Pereio.
De um dia para o outro, o número de emissoras integrantes
passa de quatro para 114. Pelas ondas do rádio, o movimento
em prol da posse de João Goulart vai crescendo. Assim, por
volta das 23h40 de 1° de setembro, a Rede Nacional da Legalidade pode anunciar:
– A partir deste instante, o doutor João Goulart é o presidente da República. Todos os cidadãos do Brasil deverão submeter-se
à ordem do comandante supremo da Nação, no cumprimento
da Constituição. Como primeiro magistrado, é ele comandante
em chefe das Forças Armadas e responsável pelo destino do
povo do Brasil, defendendo os direitos da Constituição. Nesta
noite, termina a longa peregrinação de João Goulart da China
até o Brasil, dando tempo às articulações políticas para garantir
a constitucionalidade. Às 20h25 do dia 5, o novo presidente
desembarca, finalmente, na capital federal. Em Porto Alegre,
pela última vez Brizola usa o microfone da Legalidade, agradecendo o apoio do povo do Rio Grande do Sul, mas reiterando
sua discordância com a mudança do sistema de governo de
presidencialista para parlamentarista. No que fora a Cidadela da
Legalidade, não há mais mobilização popular. Ante as hesitações
A CADEIA DE LEGALIDADE
iniciais logo após a chegada de Jango ao estado, a frustração
substituíra a esperança. Sob uma forte chuva, dispersou-se o
povo que rasgava faixas aos gritos de covarde e traidor. No porão
do Palácio Piratini, improvisado em locutor, o subsecretário do
Ensino Técnico do governo do estado, João Brusa Neto, que
vinha exercendo o controle político das irradiações, encerra as
transmissões da Rede Nacional da Legalidade:
– No momento em que o presidente constitucional do Brasil, doutor João Goulart, chega a Brasília, enviamos daqui, do
subterrâneo da Legalidade, um abraço a todos os brasileiros
que nos acompanharam em defesa da ordem, da legalidade e
das instituições do Brasil.
No dia seguinte, um ofício do governador Leonel Brizola
informa ao diretor da Rádio Guaíba, Arlindo Pasqualini, que a
emissora pode voltar a transmitir normalmente. Duas semanas
depois, a estação da família Caldas recebe, ainda, uma indenização de Cr$ 750 mil, quase o preço de um Simca Chambord,
então um dos automóveis mais caros produzidos no país e vendido, conforme os anúncios do Correio do Povo, jornal ligado
à emissora, a Cr$ 800 mil.
O PROTAGONISTA DA RESISTÊNCIA NA FAB
(Comendador Caetano Ângelo Vasto)
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
AGOSTO DE 1961 – RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS
RIO GRANDE DO SUL
BRIZOLA E O GRITO DA LEGALIDADE
Eu, Caetano Ângelo Vasto, Suboficial da Aeronáutica, reformado, vou narrar em seguida o que ocorreu em agosto
de 1961 e, os dias subsequentes que vivi, (vivemos) quando
servia na Base Aérea de Gravataí hoje Base Aérea de Canoas
e, na Sub Unidade o 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação,
que tem como sigla o 1º/14º G. Aviação. Meu nome de guerra
Vasto, na graduação, Suboficial Vasto.
Desde o final do mês de Maio de 1961, após voltarmos
de manobras e treinamento conjunto com a Força Aérea da
Argentina, em Buenos Aires, passei a ser o Suboficial mais
antigo de toda a Vª Zona Aérea e, quiçá de toda a FAB. Desde a alguns anos essa área da Aeronáutica, que abrange Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, agora se denomina
Quinto Comando Aéreo Regional, 5º COMAR. Praça, aluno da
A.T.Av. São Paulo em 28/jan/1944, Em 10 de agosto de 1944
fim do curso e graduado 3º Sargento (3S), não tinha ainda
18 anos, em 1947 e 1949 promovido a 2º e 1º Sargento, ambas por merecimento e finalmente promovido a Suboficial em
outubro de 1953, tinha na época 27 anos que, com 9 (nove)
anos de serviço era o mais novo Suboficial da Aeronáutica.
Assim graduado em 2º lugar em 10/ago/1944, na minha especialidade pude escolher a unidade para servir, escolhi o Rio
Grande do Sul.
Assim sendo, para esta narrativa, dou como início o dia
25 de agosto de 1961. Agora completando 50 anos, passado
então meio século. Já nos dias anteriores a esse 25, os jornais vinham publicando notícias que estavam gerando certo
clima de descontentamento e insegurança tanto nas altas esferas políticas civis, como militares, pois o então Presidente da
República, Sr. Jânio Quadros teria condecorado com a GRÃCRUZ DA ORDEM DO CRUZEIRO DO SUL, nossa mais
alta condecoração, um “ministro” de Cuba, braço direito de
Fidel Castro que, para muitos dos brasileiros seria nada mais
A CADEIA DE LEGALIDADE
nada menos que um mercenário pois nem cubano era, mas
sim, um assassino executor de centenas de cubanos, sendo
que os “castristas” se intitulavam “os libertadores da tirania
norte-americana”.
Esse condecorado era ninguém mais que ERNESTO GUEVARA o CHE. As fotos da condecoração foram publicadas
em diversos jornais.
Por outro lado já, se sabia que o Presidente Jânio Quadros
não estava agradando a nação, tendo em vista diversos procedimentos seus, diziam não aprovar que as “cariocas” usassem
biquínis, proibiu rinhas de galo e outras baboseiras, enquanto
isso, na família, “na FAB” sabíamos que o presidente tomava
porres homéricos, tanto em suas viagens como nas noites no
Palácio, assistindo filmes de “bang-bang”, tomando caipirinhas
com uísque de 12 ou 18 anos,
Nessa data, o Presidente Sr. Jânio Quadros apresentou sua
renúncia.
Então, na manhã desse dia, ao chegarmos a nossa unidade, Base Aérea de Canoas, sendo que a mesma agrega outras unidades, como Esquadrões, Esquadrilhas e Companhias,
como Companhia de Infantaria de Guarda, que guarnece a
proteção da Unidade BASE AÉREA em seu total território,
quando então deparamos com um muito esquisito espetáculo,
no pátio de estacionamento dos aviões de transporte, inúmeros
C-47, conhecidos no mundo civil e nas empresas de transportes aéreos que tínhamos na época VARIG, VASP e outras,
como DC3 e que, naquele momento estavam sendo carregados
com, moveis, utensílios domésticos, engradados de galinhas,
cães e as empregadas domésticas dos oficiais que moravam no
conjunto de ótimas casas situadas junto ao Q.G. em Canoas,
estranho quadro que despertou muito nossa curiosidade. Por
que aquelas mudanças repentinas de tantos Oficiais com suas
famílias? Após o café, cada um se dirigiu à sua unidade e, eu
como mais outros fomos para o nosso Esquadrão, ou seja, o
1º/14º G. Aviação.
Para mim é o glorioso, pois servia no mesmo desde sua
fundação, quando recebemos em 1947 os “famosos P 40” sendo que, muitos, ou todos, já eram bem voados na guerra da
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Birmânia, onde eram conhecidos como Tigres Voadores, na
verdade sua pintura lembrava mais um tubarão. Quando na
minha chegada em outubro de 1944, mesmo tendo sido o 2º
lugar ao ser promovido, escolhi para servir em Porto Alegre.
Naqueles dias estavam chegando nessa Base umas esquadrilhas
de A 20, chamados na época de combate e bombardeiros leves
esses AVOC – 20. O campo era chamado de Air France, só
existia a pista propriamente dita a torre de controle um pequeno hangar as demais instalações que eram todas de madeira
e já bem antigas, sem nenhuma comodidade como alojamentos, refeitório e instalações sanitárias, tudo foi improvisado
utilizando-se o que já existia.
Recebemos então os Bombardeiros A-20, para formar o
1º/10º Grupo de Bombardeiros Leves. Durou até o fim de
1946. Na época ainda era chamado de 3º R.Av. (Denominação
do Exército). Voltando ao dia 25 de agosto, dia do Soldado.
Ao entrarmos em nossas seções, já sentimos o clima pesado, proveniente da oficialidade.
Minha seção, de Equipamentos, era comandada pelo 1º
Ten. Reinisch e tinha como meu auxiliar o 1º Sarg. Lorenzoni
e mais dois soldados, nossa especialidade, paraquedas, capacetes e vestimentas (macacões muito especiais) e oxigênio para
as máscaras de voo, e todo o equipamento de sobrevivência.
Antes do fim do dia, foi dada a informação de que a Base
e todas as Unidades da 5ª Zona Aérea estavam de prontidão.
Não haverá saída de pessoal em hipótese alguma.
Um dia cheio de tensões, falsas notícias e notícias desencontradas, até que finalmente notícias passadas de Sargento
a Sargento, vinda diretamente do posto rádio, pavilhão do
comando, ficamos sabendo dos acontecimentos em Brasília,
Rio e São Paulo.
Dia 26 de agosto de 1961 – Sábado, alvorada, café da
manhã, dia tenso, urgente manutenção para maior disponibilidade de nossos aviões.
Dia 27 de agosto – Domingo. Logo após o café da manhã,
urgente e chamada na pista, assim então, tão logo chegamos às
nossas seções, recebemos ordens para preparar todos os aviões,
os devidos equipamentos para os pilotos afim de missões de voo
A CADEIA DE LEGALIDADE
e, por sua vez a seção de armamentos já havia sido ordenada
para “municiar” esses aviões, os Gloster Meteor F8, assim, os
aviões receberam cada um duas bombas de 500 libras e, em
seus quatro canhões Hispano Suiso a munição de 20 milímetros, traçantes, perfurantes e explosivas. Minha seção, fomos
equipar os assentos, ejetáveis com seus respectivos paraquedas
e cilindros de oxigênio.
Quando ficamos sabendo, no círculo dos Suboficiais e
Sargentos que, Jânio Quadros, então Presidente da República
havia renunciado em 25 de agosto e que já se encontrava em
Cumbica, Base Aérea de São Paulo e que o então presidente
da Câmara dos Deputados, Sr. Raniere Mazzili havia tomado posse da Presidência da Republica sendo que os militares
não deixariam que o Vice-Presidente João Goulart assumisse,
nesses dias ele se encontrava na China, aonde fora a convite
do governo daquele país, daí a situação complicada de, por
estar ausente, diante do acontecido, com a renúncia de Jânio,
os militares não admitiam que o mesmo na sua volta tomasse
posse como presidente.
Nota: O 1S Lorenzoni, meu auxiliar, tinha e vendia, os
mini-radinhos de uma só pilha, que existiam naqueles dias,
assim de posse desses radinhos, ouvíamos e sabíamos de todo o
noticiário e o que estava se passando, tanto aqui como no Rio
e Brasília. Dessa forma, soubemos que, veladamente por ordem
do então ministro da Aeronáutica Brigadeiro GRUN MOSS, era
nosso Esquadrão que deveria silenciar o Governador Leonel
Brizola, que, no palácio do Governo em Porto Alegre, apelava pela LEGALIDADE, ou seja, que fosse empossado como
Presidente o Sr. João Goulart que, já tinha chegado da China
e teve que se refugiar em nosso vizinho Uruguai. Soubemos
então que, junto, ou defronte o Palácio do Governo, na Praça
da Matriz muito mais de 300 homens, receberam revolveres,
pistolas e munição, que o Governador havia requisitado das
fábricas Taurus e do arsenal da Brigada militar, assim como
outras guarnições a proteger o Palácio de Governo e adjacências do provável bombardeio que havia sido ordenado pelos
ministros Militares.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
(Na esquerda: Suboficial Vasto, Alipio e o 5º e o Suboficial Renan; a direita, o 1º é Suboficial Adão D. Mello o 2º é Suboficial
Francisco F. Figueiredo.)
Nessa altura dos acontecimentos, tendo em vista os noticiários, já prevíamos o que poderia acontecer. Estavam nossos
aviões totalmente municiados e, prontos para a terrível missão.
Bombardear o palácio Piratini, calando a boca do Governador
Leonel de Moura Brizola, que “insistia” na expressão:
LEGALIDADE, POSSE AO VICE-PRESIDENTE JOÃO
GOULART.
Como disse acima, dos ministros militares em Brasília,
ordens para tal já haviam sido recebidas.
COMEÇA ENTÃO NOSSA ODISSEIA.
A narrativa a seguir, foi vivida por mim e meus colegas, cujos nomes dou posteriormente e, totalmente dentro do
1º/14º G.Av., ou seja, no âmago, cerne dos acontecimentos
desse agosto de 1961 que nos coube, independente do que
ocorria dentro da Base Aérea propriamente dita.
Nesse dia, pela manhã, muito cedo havia chegado mais
um C-47 que estacionou defronte a Esquadrilha Extra, seus
tripulantes já estavam em reunião com o Comandante da Base
A CADEIA DE LEGALIDADE
e do 1º/14º, pelo que soubemos, traziam ordens direta do alto
comando de Brasília.
Nosso hangar, refiro-me ao do 1º/14º, Um pavilhão com
toda estrutura de aço e alvenaria, com direção Norte e Sul e,
suas laterais Leste e Oeste internamente são todas com construções de alvenaria as salas e salões, aonde estão instaladas as
diversas seções que compõem o Esquadrão de Caça, no térreo
logo abaixo da escada, a direita de quem entra, era a minha
seção, de equipamentos, em seguida a seção de armamentos
e a esquerda o almoxarifado, no andar superior todas as salas
de comando, cujo acesso é pela entrada na lateral onde está
situada a escada, estavam localizadas todas as dependências de
comando, desde o gabinete do comandante, sala de “briefing”,
ajudância, enfim, todas as dependências necessárias para gerir
um comando, dessa forma, para entrada na hangar, a não ser
pelos grande portões Norte e Sul existia somente essa porta
lateral.
Quando desce então, um dos oficiais vem a minha procura, assim que me encontrou entregou-me uma prancheta
dizendo, Sub. Vasto por ORDEM DO COMANDANTE DO
1º/14º, relacione todos os mecânicos e os demais auxiliares
que deverão ir para São Paulo a fim de receber nossos aviões.
Essa prancheta, que eu deveria preencher com o nome
dos mecânicos de todas as especialidades a fim de receberem os aviões após o voo, era (é) um procedimento normal
obrigatório, todavia era dada sempre ao Suboficial chefe das
equipes de mecânicos de pista, nunca a mim, pois como mais
antigo (graduado) do esquadrão e na minha especialidade eu
faria a escala de quem iria. Estranhei, visto já estar relacionado, escrito à máquina, meu nome, Equipamento – SO Vasto
(Nunca aconteceu antes, visto que, como já disse, por ser o
mais graduado, eu determinaria de minha especialidade quem
deveria ir atender a missão, mas, toda vez que determinada
missão tinha como destino São Paulo ou Rio, eu me “escalava”
junto com o (os) auxiliares que quisessem ir, isso era sabido
e conhecido, missões para o norte, eu não ia.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
De posse dessa prancheta, convoquei todos os Suboficiais
e os sargentos mais antigos e, dialogando concluímos que o
que se estava prevendo passava a ser a realidade:
Eu, o primeiro a se expressar disse, pessoal, como já estávamos prevendo, as notícias são verdadeiras, o Palácio vai ser
bombardeado e depois os aviões vão para São Paulo
POR MIM DIGO, EU NÃO VOU E NEM OS AVIÕES
DECOLAM,
Quando o suboficial ALIPIO, da seção de armamentos
disse, VASTO eu e o pessoal da minha seção, de armamentos,
concordamos contigo (*) pois sabemos que assim carregados
como estão esses aviões, de acordo com as “Ordens Técnicas
vigentes” eles não poderão aterrissar, aqui está a OT, o Comandante deve ter conhecimento mas, por via das dúvidas,
e entregou-me essa OT, a fim de que, se o Comandante me
questionasse a respeito, teria eu o argumento e justificativa em
mãos, então com essa OT de número 384 (número aqui fictício) dizia em uma de suas cláusulas ou seja, um dos artigos,
que, com esse tipo de bomba, os aviões não podem aterrissar,
visto serem sobras da 2ª guerra e que seu detonador é ativado
com o choque, então você tem toda a justificativa e argumento
para dizer o porque esses aviões não poderão decolar, se de
fato não forem “bombardear” algum alvo e, pelo que estamos
sabendo, é o Palácio Piratini do Gov. Brizola.
Completando suas palavras disse-me ainda: Mas já providenciamos o travamento de todos os “cabides” das bombas
e os canhões não darão nem um tiro ainda estão travados.
Em unanimidade os Suboficiais e Sargentos concordaram
com a resolução que tomei me apoiando, todavia também
imaginando nas consequências que adviriam dessa resolução,
visto que nos já estávamos longe de nossas famílias a alguns
dias, com nossos uniformes, macacões sem serem mudados,
mesmo tomando banho não tínhamos roupas limpas, novas etc.
Agora, para simples ilustração dos que lerem esta, vou
lembrar o que aconteceu quase no fim da 2ª guerra.
Certa manhã, voando em um pequeno avião, estava sendo
levado de Londres para Paris o grande “Band Lider” Maestro
GLEN MULLER, e muitos de seus músicos, que para lá se
A CADEIA DE LEGALIDADE
dirigiam a fim de reger aquela famosíssima orquestra, em um
acampamento de soldados norte-americanos e, como o tempo
estava “fechado” nosso jargão, esse avião estava voando em
baixa altitude e sob nuvens, ainda sobre do canal da mancha
mas, coincidentemente no mesmo instante estavam retornando
diversas esquadrilhas de bombardeiros LANCASTER, aviões
ingleses que sediados em bases de somente aviões ingleses
e, sendo que alguns ainda lhes restavam algumas bombas,
então aproveitando aquela área “vazia” despejaram suas bombas restantes no então canal da mancha uma vez que não
poderiam aterrissar com ditas em seus “ventres”, assim então
alguns procederam.
O avião de Glen Muller não desceu em Paris, nunca mais
se soube de seu paradeiro, mas muito tempo depois o mundo
ficou sabendo do ocorrido, um dos bombardeadores contou
que, certo dia após sua missão de bombardeio sobre “tal” cidade alemã, no retorno, ao passar sobre o Canal da Mancha,
despejou as bombas restantes e admirou-se pois ouviu logo
abaixo umas explosões, não fazia sentido naquela área. Matada
a charada.
Voltando ao item anterior, nessa pequena reunião, estavam
presentes os Suboficiais, Alípio (baita amigão) da seção de
armamentos, Adão Dorneles da pista, Figueiredo, (Fefe) do
controle de voo, Renan rádio os “cobras” do hangar Sargentos, Máia, Victor Hugo, Cunha, Breda, Squifini, Haag, Baiano, Custódio, Ruduite, Ed, Cesáre, Mirándola, Lucas, Souza,
Arruda(pão de milho), Polônio, Rubem, Marinônio, Castro,
José Lúcio (biela) e, da minha seção, meu auxiliar direto o
1S. Lorenzoni, não me recordo quem mais. Expus os fatos e
suas possíveis consequências, poderíamos no futuro responder um conselho de guerra e, sabe-se lá o que poderíamos
sofrer, não obstante, todos me apoiaram e se dispuseram a
tudo o que pudesse acontecer. Quanto aos Cabos, auxiliares
desses sargentos, bem como alguns soldados, os S1 (soldados
engajados) alguns não nos apoiaram, também não estavam
presentes na reunião mas souberam do que se tratava então
alguns se bandearam para o lado dos oficiais.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Como disse, a Base já estava em regime de prontidão a
mais de três dias e, as outras subunidades, principalmente
a IG (Infantaria de Guarda) todos os sargentos, já estavam
armados, com pistolas e revolveres SW/45 e metralhadoras
INA, acompanhando as notícias e muito atentos ao que se
passava dentro do hangar do 1º/14, sabendo de nossa resolução nos apoiavam integralmente, uma vez que nós estávamos
confinados, não podendo sair do hangar sem licença o que
não seria concedida de maneira nenhuma, tanto que, desde o
dia anterior, para irmos ao rancho ao café da manhã, almoço
e janta, eu comandava o pessoal em forma, estando ao lado
um ou dois dos oficiais, sempre um capitão, então todo o
pessoal da Base observava e sentiam o que poderia estar acontecendo dentro do Esquadrão da Caça. Nas oportunidades eu
conversava com outros graduados e passava as notícias, como
também me informavam do que estaria havendo na Base, que
não era pouca coisa.
Alguns minutos depois, aquele Oficial voltou a minha
procura pedindo a prancheta com os nomes do pessoal que
“deveria” ir a São Paulo “esperar” os aviões, entreguei a ele a
prancheta em branco e, olhou vendo até meu nome riscado e
perguntou-me porque eu não estava cumprindo a ordem do
Comandante do Esquadrão, respondi:
TENENTE, INFORME AO SR. COMANDANTE QUE
NINGUÉM VAI PARA SÃO PAULO E, NESSA SITUAÇÃO
NEM OS AVIÕES VÃO DECOLAR.
Correndo, subiu as escadas em direção às salas de
comando.
Minutos depois tocou a sirene ordenando uma formatura
e, pelo alto falante informava que seria para todo o pessoal
subalterno, junto ao portão Sul e que o Comandante do Esquadrão, MAJOR CASSIANO iria falar.
Imediatamente reuni todos, Suboficiais e Sargentos não
incluindo os Cabos e soldados em formatura, junto ao portão
sul e aguardamos a chegada do Comandante.
A CADEIA DE LEGALIDADE
Alguns segundos depois chegou o Comandante e mais
alguns Oficiais, todos armados com suas pistolas Colt no coldre
sendo que o 1º Ten. Pinto chegou ainda com uma submetralhadora Thompson 45, junto ao peito:
Apresentei-me, e toda a tropa em forma.
O Major CASASIANO estava pálido, nervosíssimo, com
a prancheta nas mãos perguntou-me porque não acatei suas
ordens de “escalar” o pessoal para a missão e,
QUE HISTÓRIA ESSA DE NÃO IR NINGUÉM E NEM
OS AVIÕES?
Respondi: Sr. Comandante, estamos sabendo das ordens
vindas dos Ministérios militares para bombardear o Palácio
Piratini, onde está o Sr. Governador do Estado Dr. Leonel
Brizola, apelando pela LEGALIDADE, afim de dar posse ao
Vice-Presidente Dr. João Goulart.
Comandante: De quem veio essa informação a vocês de
que tenho ordens para bombardear o Palácio do Governo deste
Estado ?
Eu: Sr. Comandante soubemos direto da seção rádio, que
foi decodificada essa ordem, bem como de todos os noticiários
das rádios de Porto Alegre estão transmitindo essa notícia
veementemente e repetidamente
Comandante: Pois a ordem que recebi é só para levar todos os aviões para São Paulo, e vocês, é só cumprirem minhas
ordens sem questionar.
Disse então: Sr. Comandante, o senhor deve estar sabendo,
perfeitamente que os aviões não poderão aterrissar com essas
bombas, então mostrando aquele documento disse, conforme
reza essa ORDEM TÉCNICA, Nº 384 NENHUMA AERONAVE PODERÁ ATERRISSAR PORTANDO ESSES TIPOS DE
BOMBAS EM SEU VENTRE OU NOS CABIDES DAS ASAS
(Nota, o texto não é esse mas o que se entendia era exatamente
isso) E, COMO ELES ESTÃO TOTALMENTE MUNICIADOS,
SE NÃO FOR PARA ALGUMA MISSÃO DE BOMBARDEIO
OU ATAQUE? PORQUE O COMANDANTE QUER VOAR,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
SABENDO QUE ASSIM MUNICIADOS ESTARÃO IMPEDIDOS DE ATERRISSAREM EM QUALQUER CAMPO.
(*) Na nossa reunião éramos somente cinco Suboficiais,
todos do 1º/14º e mais de uma dezena de Sargentos, os mais
antigos e confiáveis, então analisando a situação facilmente se
concluiu, DISSE ENTÃO, TODOS SABEMOS O QUE PODERÁ ACONTECER SE ESSES AVIÕES LEVANTAREM PARA
A MISSÃO ORDENADA e concluindo, POR MIM ELES NÃO
DECOLAM, quando então o Suboficial ALIPIO, encarregado
da seção de armamento me informou: VASTO, COM ESSAS
BOMBAS ESSES AVIÕES NÃO PODERÃO ATERRISSAR,
MAS NÓS, RAMALHO, CUSTÓDIO (e todo o pessoal da
seção de armamento) JÁ PROVIDENCIAMOS A TOTAL INOPERÂNCIA, OS CABIDES ESTÃO TRAVADOS, AS BOMBAS SEM OS DETONADORES ATIVADOS E OS CANHÕES
COM SISTEMA ELÉTRICO TAMBÉM DESATIVADO, NÃO
SAI UM TIRO.
Comandante: QUERO DE IMEDIATO, EM DEZ MINUTOS A RELAÇÃO DOS QUE IRÃO PARA SÃO PAULO E,
PRONTOS PARA A VIAGEM.
Eu. SR. COMANDANTE, JÁ DISSEMOS, NINGUÉM VAI
E NEM OS AVIÕES VÃO DECOLAR.
Comandante. Aos gritos, VOU INDICIAR TODOS VOCÊS AO ESTADO MAIOR, PARA UM CONSELHO DE
GUERRA.
Tenente Pinto, com a THOMPSON na minha cara, Comandante vou chumbar os dentes do Sub. “eu o Suboficial
que estava no comando”.
Estávamos vivendo o clímax dessa nossa história, tanto
o Major Cassiano como os demais Oficiais, pilotos, sentiam
ser o momento decisivo para a solução da ordem dada pelo
Comandante: Se ele dissesse que estaríamos todos presos, de
nada adiantaria, única ação provável seria dar um tiro, para
o alto, ou em alguém, o Ten. Pinto uma rajada da Thompson
45, para cima? Certamente não surtiria efeito, então, SERIA
EU O ALVO, JUSTAMENTE QUEM ESTAVA LIDERANDO A
REBELIÃO, quem sabe, provavelmente amedrontaria a tropa e,
será que os demais iriam obedecer? Logicamente não, imagino
A CADEIA DE LEGALIDADE
que uma atitude tão violenta com tantas testemunhas revoltaria
mais ainda esse pessoal, mesmo lembrando que todos nós
estávamos totalmente desarmados a “mercê” daqueles homens
que estavam sendo afrontados por seus subordinados, ferindo
frontalmente seu sentimento de superioridade, sua vaidade
de ser, o que eram. Um Comandante e demais superiores
hierárquicos, como costumo dizer.
Mas, como sabemos, tudo acontece no momento exato
e, NADA É POR ACASO, então, naquela fração de segundo
é que o portão Sul se abriu e apareceu todo o pessoal da IG
e mais alguns Suboficiais e Sargentos de outras subunidades
juntamente com mais de 40 Cabos e Soldados, todos bem
armados com fuzis e pistolas e metralhadoras INA que, ouvindo as ordens dadas pelo alto falante e sabendo de nossa
situação, pois além de estarmos fechados e desarmados dentro
do hangar, não teríamos como reagir, pois os Oficiais estavam
todos muito bem armados, resolveram então entrar no hangar
gritando e gesticulando muito, a fim de chegarem próximos à
nós, demonstrando apoio nossa resolução. Estávamos a poucos
metros desse portão Sul.
Foi uma correria, tanto o Comandante, como todos os
oficiais que lá estavam, correram para as salas superiores também aos gritos e assustados.
Assim, praticamente nos sentimos liberados, pudemos sair
do hangar e nos dirigir aos alojamentos e demais instalações da
Base, onde encontrando demais colegas pude contar a todos o
acontecido e nossa final resolução. Sentimos o apoio de todos.
Pouco tempo depois fiquei sabendo que um Jeep havia
saído, com os Sargentos Éric que era da tesouraria, Calixto
da garagem e o 1S Paluskewski “o Polaco”, estavam indo para
o Palácio Piratini para dizer ao Governador Brizola que a
situação na Base estava sob “nosso” controle, nenhum avião
sairia para bombardear o Palácio. De fato poucas horas depois,
pelas rádios soubemos que o governador Brizola já estava ao
par dessa situação.
Mesmo assim, todo o pessoal da Base estava bastante nervoso e, diziam que os pilotos iriam tentar decolar a
qualquer custo. Mas, aí durante o almoço o Suboficial Mauri,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
encarregado da seção de bombeiros, nos informou que a pista
estava toda cheia de tonéis, espalhados em posições estratégicas com um carro tanque “pipa” e um contra incêndios
na cabeceira. Seria difícil decolarem. Mas, os Oficiais tinham
muitos Cabos e Soldados como seus aliados, poderiam tentar.
Após o almoço, voltamos todos para nossas seções. Na
minha seção, eu e o 1S Lorenzoni vimos entrar no vestiário o
Major PEIXOTO, que já havia sido o Comandante do 1º/14º
anteriormente, boa praça e muito simpático com todo o pessoal
e gostava de um futebol com os Sargentos, (no gramado, as
canelas não tinham divisas nem galões todos eram jogadores
iguais), então vendo que o Major estava trocando de roupa,
mandei chamar urgente o Suboficial Renan, segundos depois
ele apareceu, entramos no vestiário e fui logo dizendo, MAJOR,
A SITUAÇÃO ESTÁ TENSA DEMAIS, ESTAMOS TODOS
COM OS NERVOS À FLOR DA PELE, O MAJOR CASSIANO
PODE TENTAR UMA LOUCURA, RESISTIREMOS, ENTÃO
A SOLUÇÃO QUE PROPOMOS É QUE O SENHOR ASSUMA O COMANDO DO ESQUADRÃO, ASSIM DESARMAMOS OS AVIÕES E PODERÃO IR PARA SÃO PAULO OU
RIO “SANTA CRUZ”, QUE O PESSOAL PODERÁ RECEBER
OS AVIÕES SEM PROBLEMAS, QUANTO AO NOSSO PESSOAL, NINGUÉM QUER IR PARA SÃO PAULO OU RIO.
(Em Santa Cruz, RJ existia outro esquadrão com aviões
iguais aos nossos “Gloster Meteor F8” e, poderiam receber e
atender perfeitamente).
Disse-nos então: NÃO POSSO, ELE É MAIS ANTIGO
(entenda-se, ambos majores, eram da mesma turma, porém
o MAJ PEIXOTO era mais novo), E ISSO IMPLICARIA EM
UMA TOTAL REBELIÃO MINHA E EU ESTARIA SUJEITO
A UM CONSELHO DE GUERRA, NÃO VOU FAZER.
O Peixotão (como também era conhecido) gostava quando
diziam ser ele muito parecido com o Clark Gable, um grande
galã de cinema naquela época, de fato existia uma semelhança.
Assim, caiu por terra uma esperança nossa, evitar o grande
desastre que, felizmente não aconteceu.
Nas salas superiores, ouvia-se grande barulho, gritos, vozes
e correrias, não se imaginava o que poderia estar acontecendo,
A CADEIA DE LEGALIDADE
quando ao final da tarde o Suboficial Figueiredo (o Fefe, seu
nome todo Francisco Furtado Figueiredo) me procurou e disse,
Vasto tem um jeito de acabar com as esperanças deles tentarem
decolar, vamos tirar um pouco de ar de um dos pneus e eles
sabem que não poderão decolar. Assim foi feito, o pessoal
de hidráulica, a quem estava afeto também os pneumáticos,
esvaziaram um pouco de um só pneu de cada avião e fim,
“sumiram” com a chave que ligava compressor, que era muito
especial, o motor era de 440 Volts e, igualmente a outra chave
que estava no almoxarifado, esse foi o trabalho do Sargento
almoxarife: Dessa forma pudemos ir dormir um pouco mais
tranquilos, o que não fazíamos há alguns dias.
Ainda nessa mesma tarde, vi quando o 1º Ten. JAEKEL
que estava entrando no alojamento dos oficiais, cheguei até ele,
pedi sua licença, vendo-o um tanto amedrontado, temeroso
com minha presença disse. Tenente, por favor não tenham
medo, nada de mal vai acontecer com os Oficiais, nada pessoal, se preciso fosse eu traria minha família como refém para
garantir nossa boa intenção. Só não queremos que o Palácio
do Governo seja o alvo do bombardeio, O senhor pode imaginar as consequências posteriores. Nada disse, aceitou minha
retirada, fui! (Se esse Oficial ler irá se lembrar dessas minhas
palavras. A 2 ou 3 anos atrás em uma das reuniões, aniversário
do 1º/14º G.Av. estava eu presente quando vi o então, hoje
TENENTE BRIGADEIRO DO AR JAEKEL a maior patente da
Aeronáutica, e soube que também seu sempre companheiro,
que foi chefe de minha seção, 1º Ten REINISH, é igualmente
TENENTE BRIGADEIRO DO AR. Foi bonito ver e gostei de
saber até onde aqueles moços chegaram. Do AR, no posto
de Brigadeiro só os pilotos são). Estávamos exaustos, noites
anteriores sem dormir, um bagaço.
Na alvorada, 06:00 horas, ficamos sabendo que uma tropa do Exército, comandada por um Major, “ETCHEGOYEN”
(soubemos depois ser ele filho do GENERAL ETCHEGOYEN(?), de muita projeção no alto comando do Exército)
estava chegando à nossa Base, por ordem o Comandante do
III Exército, Gen. JOSÉ MACHADO LOPES e que esse Major
era a favor da LEGALIDADE ou seja, a favor da posse do Sr.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
JOÃO GOULART. Foi assim que se apresentou, francamente
não me pareceu.
(Eis o Gloster Meteor inglês. Este é o modelo F8, para um só
piloto. Este aparelho veio servir a FAB em 1952. Base Aérea de
Gravataí. O local era um antigo aeroporto, onde pousavam aviões
de grande porte (voos internacionais), pois o antigo Aeroporto de
São João, área do hoje Salgado Filho, não comportava receber
aeronaves maiores tendo em vista suas dimensões serem reduzidas
e sua pista ser inadequada para pouso de aviões pesados. O fim
da pista da Base Aérea é bem próximo do Rio Gravataí, por isto
talvez o nome de Aeroporto de Gravataí e depois, Base Aérea
de Gravataí. O Quartel General – QG – localizado em Canoas,
conhecido como Base Aérea de Canoas. O local da Base Aérea
de Gravataí era no bairro conhecido por Chácara Barreto.)
Posteriormente fiquei sabendo que um jornal noticiou que
essa tropa vinha a pedido dos Sargentos da Base; Não me
consta nada disso, que eu saiba, ninguém poderia ter feito
esse pedido. Mas...
Assim que a tropa chegou, foi recebida pelo MAJ. MÁRIO OLIVEIRA que, nessa situação estava no comando da
Base, visto o Cel. Honório teria ido se apresentar ao GEN.
MACHADO LOPES.
Com uns 60 (sessenta) homens, Cabos e soldado e como
Oficiais, só o Major Etchegoyen e um CAPITÃO QAO, de
Infantaria e uns 10 (dez) Sargentos, nenhum Subtenente.
Em seguida o Major Etchegoyen reuniu-se com os Oficiais
da Base e, então esse Capitão QAO distribuiu os Sargentos com
A CADEIA DE LEGALIDADE
os Soldados, para fazerem uma vistoria em toda a Base. Após
um curto espaço de tempo, pudemos nos entender com os
Sargentos dessa tropa eu e mais uns Suboficiais falamos com
o tal Capitão QAO (Quadro Auxiliar de Oficiais). Soubemos
que no caminho o Maj. Etchegoyen vinha dizendo, doutrinando seu pessoal, que os Sargentos da Base haviam destruído
instalações, danificado muitos aviões e, possivelmente haveria
alguns mortos e feridos, devido a desavenças e brigas entre
Oficiais e Sargentos, partidários de um lado e outro. Como
não viram nada que se parecesse com o que lhes havia sido
passado, então esse pessoal do Exército, se chegaram a nós e
começamos a trocar informações, quando soubemos que o Maj.
Etchegoyen, após a saída da tropa de sua unidade, foi “ou se”
agregou a essa tropa como Comandante, pois era Major e o
outro um Capitão? Só muito depois é que ficamos sabendo.
De fato, essa tropa foi escolhida, por ordem do Gen. Machado Lopes, e mandada a fim de apaziguar os ânimos (?)
acalmando a situação, assim então, após a reunião dos Oficiais
do Comando, todo o “corpo” da Base, fora o pessoal de serviço na hora, foi reunido na lateral de um dos pavilhões da
I.G. quando o Maj. Etchegoyen pediu para que entregassem as
armas que estavam em mãos dos soldados e Sargentos, tanto
da IG como de outras subunidades, a fim de evitar qualquer
“acaso” que pudesse acontecer. Mais adiante na verdade sentimos que éramos prisioneiros dessa tropa comandada pelo
Maj. Etchegoyen. do Exército.
Em seguida, um dos nossos Oficiais, muito querido e respeitado Major Aviador, Mario Oliveira, referendou esse pedido, todavia ainda existia alguma dúvida, foi quando o Major
Mário Oliveira vendo que eu estava bem à frente do pessoal
e, sabendo quem era eu, entendeu que eu queria falar e, me
deu a palavra;
Subi na plataforma é uma elevação existente nos fundos
desse pavilhão, que era um dos alojamentos de soldados da
I.G. apresentando-me, todavia todos já me conheciam, disse
que acreditássemos na palavra do Maj. Mario Oliveira, (era
um Oficial com quem servi alguns meses, quando ainda era
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Capitão e ajudante do Comandante da Base e eu, fui um de
seus auxiliares nessa ajudância) então, dizendo acreditar em
suas palavras, recomendei que entregassem as armas ao armeiro no paiol da IG. de onde foram retiradas e, não mais
necessárias, pois a Base estava em paz e sob boas ordens.
Ao anoitecer, quando me dirigia ao alojamento, um soldado veio ao meu encontro e perguntando-me se era eu o
Sub. Vasto, disse-me ter uma informação, perguntei qual seria?
disse então, Sub. Mandaram dizer para o senhor que pode
ficar sossegado porque lá em cima do morro tem uma dúzia
de “boca de fogo apontadas para a pista” e nenhum avião
poderá decolar. Deu o recado e sumiu.
Qual a Unidade do Exército, próxima de nós tem esses
canhões? Porque nunca foi comentado? Tem gente que duvida,
gostaria que alguém se pronunciasse confirmando minha versão. Nunca foi mencionado esse episódio só dentro do Exército
é que podemos saber.
Mais um dia depois e soubemos de novas ordens do Gen.
MACHADO LOPES que permitiu a decolagem dos Caças.
Então “desentupida” a pista, desarmados os aviões, e prontos
para sua decolagem, O C47 decolou, mas ninguém foi para
São Paulo a fim de recebê-los e, por sua vez nos F8 foram
instalados os “Belly-tank”, um tanque adicional sob a fuselagem,
ventre, dobrando sua capacidade de combustível, querosene,
aumentando sua autonomia o suficiente para chegarem até o
Rio de Janeiro, Santa Cruz, onde existia outro esquadrão com
aviões iguais aos nossos, como já disse anteriormente.
Esse trabalho foi feito pelos Cabos e soldados, auxiliares
dos Sargentos especialistas desses aviões e que eram partidários dos Oficiais “golpistas”. Mas antes disso, no hangar, toca e
sirene, reunido todos os Suboficiais, Sargentos e alguns Cabos,
então o Comandante, MAJOR CASSIANO fez sua despedida,
sua fala foi mais dirigida a mim, pois como me cabia, estava
eu no comando desse pessoal, então COM UMA PISTOLA
COLT 45 NA SUA MÃO DIREITA, VERMELHO DE RAIVA
E ACINTOSAMENTE, FOI DIZENDO DO “CRIME” QUE
COMETEMOS E QUE ELE NÃO IRIA ESQUECER E QUE,
CERTAMENTE NO FUTURO, MUITO PRÓXIMO, NOS
A CADEIA DE LEGALIDADE
ENCONTRARÍAMOS. Poucas palavras mas bem claras e entendidas essas ameaças.
Poucos minutos depois comandei uma formatura geral,
com todo o pessoal da Base, defronte a pavilhão de comando
ficamos algumas horas nesta formatura, agora reconhecendo
a situação de prisioneiros do Major Atchegoyen, assistimos a
decolagem dos caças, voaram que sobre nós e dando diversos
rasantes, rasantes de muito poucos metros sobre nossas cabeças
e seguiram seu destino. Norte.
Nas extremidades dessa formatura, início e fim estavam
nos esperando já posicionados, um Sargento artilheiro e uns
3 ou 4 soldados, municiadores com metralhadoras ponto 30.
Muito estranho me foi dito pelo Sargento do primeiro grupo, o que estava próximo de mim: Atenção SUB, SE DEREM
UM TIRO SE ATIREM NO CHÃO. Observei a mira daquele metralha e constatei que estava apontada para os Oficiais
que estavam na entrada do prédio do Comando que tem um
avançado coberto, com uns 3 metros avançados, onde estava,
bem a frente o Maj. Etchegoyen.
Todavia, ficamos nessa posição umas boas duas horas quando os aviões passaram sobre nos em rasantes se despedindo.
Soubemos depois que em outras Unidades, o QG 5, por
exemplo, também teve problemas com as oficialidades e os
subalternos que, sabendo o que se estava passando no 1º/14º
se solidarizaram conosco. Muita coisa aconteceu também fora
do 1º/14º, discussões entre Oficiais, das diversas patentes, o que
não faltava era Oficiais que apoiavam o bombardeio do Palácio,
até mesmo um Capitão IG, que não conseguiu contar com
seus homens, Sargentos e Soldados da Infantaria de Guarda.
Deixo bem claro que, nada e ninguém estranho ao nosso
Esquadrão, teve qualquer influência EM NOSSA DECISÃO,
não obstante o que estava acontecendo entre Oficiais na Base.
Então, revendo diversos jornais desses dias, vi que um
deles, ÚLTIMA HORA, havia publicado, no dia 28 de agosto,
em manchete 1ª página
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
OS SARGENTOS DA FAB IMPEDIRAM ONTEM O BOMBARDEIO DO
PALÁCIO PIRATINI.
Na página interna o texto era um pouco diferente, SARGENTOS DA FAB IMPEDIRAM OFICIAIS DE BOMBARDEAR PIRATINI!
Sem os aviões, vivemos uns dias com muita apreensão, vazios porém inquietos, lendo nos jornais os acontecimentos com
as autoridades em Brasília e no resto do país.
Sem muita certeza digo que, somente após bem mais de
um mês os nossos F8 retornaram, porém com um novo Comandante, o Ten. Cel. Alberto Bins Neto que, anteriormente
havia sido Comandante desse 1º/14º G. Aviação, quando ainda
era Major. Os pilotos também não eram todos os que partiram.
A CADEIA DE LEGALIDADE
Sem nenhuma abertura ou sorriso a situação era algo tensa
por muito tempo, tanto que ainda em dezembro desse mesmo
ano, certa manhã o ônibus que nos trazia, nos deixou diretamente em nosso hangar e, conforme ordens fomos direto para
a pista e fizemos todo o trabalho de pré-voo, então tendo eu
concluído meu trabalho, fui até o rancho tomar o café matinal
e na volta fiquei sabendo que eu havia tido uma chamada e eu
não estava presente. No fim do expediente fiquei sabendo que
no Boletim Reservado, constava uma punição:
DETENÇÃO: A 14 Dez 61 (Boletim Reservado nº 39) foi
público haver sido aprovada a punição imposta pelo Comandante do 1º/14º Grupo de Aviação, por haver se afastado do
local de serviço, sem que para isso estivesse autorizado (cita o nº
do Art etc. com atenuantes, transgressão leve) ficou detido por
02 dias. Permanece no BOM COMPORTAMENTO. A presente
punição foi a contar de 14 de Dez 61.LIBERDADE: A 15 Dez 61 (Boletim Reservado nº 39) foi
público mandado pôr em liberdade, por conclusão da punição,
o dia 16 Dez 61.- Fui eu então o primeiro a ser punido.
Em 1963??? Veio transferido para a Base Aérea, um Capitão,
com uma cara muito amarrada, a fim de dar prosseguimento
ao IPM relativo ao acontecido em 1961. Logo em seguida foi
promovido a Major, seu nome! MAX ALVIM, aquela cara amarrada com aspecto de brabo, muito cedo se desfez. O inquérito
durou muito tempo, todo pessoal da Base, Suboficiais e Sargentos das demais Subunidades foram inquiridos, estranhamente
eu fui o último.
Resultado, acabou se mostrando meu Amigo e protetor,
impedindo por duas vezes minha transferência para outras Unidades, mesmo quando chegou um outro Suboficial para me
substituir na Seção de Equipamentos.
Foi quando por seu aconselhamento disse-me: Vasto! Se
você já tem tempo para passar para a reserva, peça, porque o
que te espera, eu não sei, mas? Imagino.
Resultado do IPM, infelizmente (certo é dizer, felizmente) só
3 Sargentos foram cassados, justamente os que foram com o jeep
dar a notícia ao Governador Brizola, que nós impedimos que o
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Palácio fosse bombardeado. O 2S ÉDIO ÉRIC, o 2S CALIXTO
e o 1S PALUSKEWSKI, não recordo sua seção ou função.
Situação desses militares após os acontecimentos:
Os 3 Sargentos que foram cassados em 64, ou logo após,
por um tempo não tiveram vida fácil, mas, com a anistia.....é
a seguinte: Após a plena anistia hoje:
O 2S Ney Moura Calixto – Sua seção era viaturas (garagem) Em 2006 ou 2007 foi finalmente promovido a Capitão
com vencimentos integrais de Major, tendo recebido atrasados.
O 2S Édio Eric (era da tesouraria) – Foi promovido a Tenente Coronel a mais de dez anos. Por similaridade com seu
colega de turma???
O 1S Paluskewiski (Não estou lembrado a que seção pertencia) – Hoje está em situação idêntica a do Ney Moura Calixto,
só que foi promovido há algum tempo antes daquele colega.
Os Suboficiais, éramos cinco:
SO, Caetano Ângelo Vasto, passei para a Reserva Remunerada somente como SUBOFICIAL, com vencimentos de 2º
Ten. pelo beneficio da Lei 1.156/50 (Decreto 10.490-A/1942)
não considerada a Lei 2.370/54 no seu Art. 51) Totalmente
prejudicado pela Lei 4.902/65.
SO Alípio Jaeger, passou para e RR como 1º Ten. Art. 51
da Lei 2.370/54 e 1.156 (D.10.490-A)
SO Adão Dorneles de Mello, (falecido) passou para a RR
como 1º Ten. Art 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D. 10.490-A)
SO Francisco Furtado Figueiredo, (falecido) passou para a
RR como 1º Ten. Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D. 10.490-A)
SO Renan Cavalcante Albuquerque, (falecido) passou para a
RR como 1º Ten. Art. 51 da Lei 2.370/54 e 1.156 (D.10.490-A)
amparado ainda pelo Art. 58 da Lei 4.902/65.
Os 4 Suboficiais, Alípio, Adão, Figueiredo e Renan, embora
mais novos na graduação de Suboficial, tinham mais tempo
(anos) de serviço que eu, daí gozarem dos benefícios de Leis
anteriores, a que “me” prejudicou em 1965, foi a malfadada Lei
“CASTELO BRANCO” a 4.902/1965.Em abril de 1985, estando em visita a este Estado, o escritor
OSVALDO FRANÇA JUNIOR, no dia 18 concedeu uma entrevista ao jornal ZERO HORA e, lembrou que em 61 era um
A CADEIA DE LEGALIDADE
dos Oficiais, 1º Ten. Av. daquele 1º/14º G. Aviação dizendo que
era um dos que não iria bombardear o Palácio do Governo...
tararí tarará.. dia 18.04.85 2º caderno pag. 5.
Lendo aquela entrevista e não aceitando a versão do escritor, que como disse acima, era ele um dos pilotos do 1º/1’4º
Esquadrão, procurei a redação daquele jornal e dei minha versão
dos fatos daquela época: ZERO HORA dia 23.04.85, 2º caderno.
Ao encerrar essa narrativa, fiquei a meditar por muito tempo,
não seguidamente, mas em flashes de lembranças, pensamentos,
reflexões, as noites no travesseiro, muitos dias, porque, afinal, o
acontecido a cinquenta anos atrás não foi pouca coisa, lembreime então de um conto, cujo autor Paulo Coelho em seu livro O
ALQUIMISTA. Livro que ganhei de meu irmão Alexandre, que
me disse, leia com atenção, pois este autor é bastante místico e
está arrebentando com seu modo de contar histórias, tem uma
maneira muito interessante, cativante e agradável. Isso aconteceu muitos anos atrás, mesmo assim, também a muito tempo
depois de 61, síntese:
CERTA OCASIÃO, O MOMENTO, NOS APRESENTA
UMA CHANCE, OPORTUNIDADE, SEM SABER, DE ALTERARMOS NOSSO PRÓPRIO DESTINO, FUTURO, POR
QUÊ? MAS PODEMOS FAZER. FIZ!
Com o acontecido, o meu NÃO, certamente fez com que
fosse mudada a história do Rio Grande do Sul, não esquecendo
que nessa história estaria inserida minha vida, logicamente, de
minha família, demais parentes, amigos e de toda a nação, muito
mais desse povo que vivia neste rincão do Brasil.
Vejam as notícias, até a Marinha mandou um contingente,
destino deveriam desembarcar em Torres, mas até São Pedro
nos ajudou, o mau tempo impediu essa manobra. Então o risco
que eu corri não foi pequeno, poderia ter levado um balaço ou
uma rajada, tudo bem (?) mas e o futuro?
O que seria de todos, e o que aconteceria em nosso BRASIL, se houvesse tido um banho de sangue? Certamente iríamos
para uma revolução fratricida; VALEU, MAS VALEU MESMO!
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
A IRONIA: 30 dias antes de nossa rebelião foi publicado
em Boletim interno.
ELOGIO INDIVIDUAL: A 27 Jul 61, foi público haver
sido aprovado o elogio consignado pelo Maj Av CASSIANO
PEREIRA, Comandante do 1º/14º Grupo de Aviação, nos seguintes termos: — É com grande satisfação que este Comando
se manifesta para louvar a capacidade profissional e o comportamento do SO Q AT PA CAETANO ANGELO VASTO,
por ter permitido ao 1º/14º Grupo de Aviação se desincumbir
com sucesso das missões que lhe foram atribuídas durante as
manobras da EAOAer, na Base Aérea de São Paulo e alcançar
média significativa por ocasião da instrução de tiro terrestre do
corrente ano, na Base Aérea de Santa Cruz.
E depois do acontecido, qual o julgamento certo:
Teríamos nós empanado, deslustrado o brilho de nosso Esquadrão? A existência do glorioso 1º/14º?; Vão contestar nossa atitude? Pois eu digo por todos meus companheiros, NÓS
EVITAMOS QUE O GLORIOSO 1º/14º TIVESSE HOJE UMA
GRANDE NÓDUA DE SANGUE, SANGUE DE NOSSOS IRMÃOS. E A HISTÓRIA SERIA BEM DIFERENTE DA QUE
ESTAMOS VIVENDO. CUMPRIMOS NOSSO DEVER (vejam
o que estava reservado a esse pequeno grupo de homens, tamanha missão para com nossa Pátria?), RESPEITANDO A CONSTITUIÇÃO, EVITANDO UMA REVOLUÇÃO FRATICIDA,
FAZENDO COM QUE FOSSE DADA POSSE AO LEGÍTIMO
HERDEIRO DO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA
SR. JOÃO GOULART. ENTÃO, DEVER CUMPRIDO.
Após juntar todos os rabiscos, anotações daquele episódio
de 1961, vejo, estamos no mês de fevereiro do ano 2011 e, a
maior autoridade na ativa, TENENTE BRIGADEIRO DO AR
JUNITI SAITO que, há um tempo também foi um dos Comandantes desse nosso Glorioso 1º/14º Grupo de Aviação, é hoje o
COMANDANTE DA AERONÁUTICA.
Lembro mais uma vez! NADA É POR ACASO. Até este
momento da minha vida, e já são passados 50 anos, vivemos
até umas gerações.
NADA MAIS ME SURPREENDE!
A CADEIA DE LEGALIDADE
RÁPIDO CURRÍCULO
Caetano Ângelo Vasto, nascido em São Paulo, capital, em
02 de setembro de 1926, Praça (dia em que se entra para uma
das FFAA) em 28 de janeiro de 1944, na Escola Técnica de
Aviação, vinda dos EEUU, Graduado 3º Sargento em 10 de
agosto de 44, com nota 83,58. Mesmo sendo o 2º, pelo valor
da nota, escolhi servir em Porto Alegre, preterindo Rio e Norte
total. Tendo chegado as 20:50 horas de dia 03 de outubro de
1944, noite chuvosa e, admirado ao ver um BONDE, passar
ao lado da composição férrea e com mais velocidade. Chegamos na Estação da Ferroviária, na “Volunta”, após 74 horas
e 50 minutos de São Paulo. Vim servir no 1º/10º Grupo de
Bombardeiros Leves, os A-20, aviões bimotor. Promovido a
2º Sargento em 1947 e a 1º Sargento em 1949, ambas por
merecimento e a Suboficial em 23 de outubro de 1953. Ainda
com 17 anos de idade, era autoridade, militar graduado, com
menor idade, o mais novo Sargento em idade, assim como
o mais novo Suboficial, com 27 anos de idade e com menos
tempo de serviço, nove anos de caserna.
Sou Maçom membro da Casa Real dos Pedreiros Livres
da Lvsitânia, cidadão brasileiro e tenho a honra de ter recebido a Comenda Cruzeiro do Sul por serviços prestados ao
povo brasileiro e a Medalha do Cinquentenário da Legalidade
das mãos do Presidente da Assembleia Legislativa, deputado
Adão Vilaverde.
Me orgulho!
Caetano Ângelo Vasto
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
EM REUNIÃO PERMANENTE
Sábado, 25 de agosto de 1961
MANIFESTAÇÃO DE SOLIDARIEDADE A JÂNIO
REGISTRADAS NO PLENÁRIO
A Assembleia Legislativa, logo após tomar conhecimento dos fatos resultantes da renúncia apresentada pelo sr. Jânio
Quadros, aprovou um requerimento no sentido de se manter
em sessão permanente. Pouco antes das 16 horas, o sr. Cândido Norberto ocupou a tribuna ao ensejo da discussão de um
projeto, e anunciou ao Plenário os acontecimentos, que estavam
se verificando ainda de forma não definida, emprestando desde
logo a sua solidariedade ao sr. Jânio Quadros.
O sr. Mariano Beck, falando em nome do PTB, anunciou
que a bancada trabalhista iria apresentar um requerimento para
que a Assembleia se reunisse permanentemente, até se decidir a atual situação. O requerimento deu ensejo a que vários
A CADEIA DE LEGALIDADE
pronunciamentos fossem registrados, pelos representantes de
todas as bancadas.
Aprovado o requerimento, o sr. Hélio Carlomagno deu
conhecimento ao Plenário do texto da mensagem do sr. Jânio
Quadros apresentando a sua renúncia. Pronunciou após as seguintes palavras:
“Proclamo a necessidade de mantermos a Assembleia Legislativa em sessão permanente. O momento é de indisfarçável
importância a esta Casa, pelas suas tradições e pelas tradições
do povo rio-grandense, na sua legalidade, na defesa da Constituição, esta Casa não poderá cerrar suas portas enquanto não
se desanuviar o panorama brasileiro. Neste instante espero, portanto, que cada representante do povo, somados, na vontade
inabalável de mantermos tanto quanto possível o funcionamento
do regime e da defesa da constituição, possamos retirar forças
morais do seio do povo para que assim defendamos o poder
Civil a Constituição, a liberdade pública e garantir as franquias
democráticas. O momento é de cautelas, de zelo, de meditação
e, acima de tudo, de desprendimento. O Rio Grande está unido,
neste ponto comum, em defesa da Constituição, das liberdades
e da democracia”. Ao concluir, suspendendo a sessão da tarde até que fosse sentida a necessidade de voltar a se reunir o
plenário, a qualquer momento, o sr. Carlomagno disse que: “A
Assembleia permanecerá de portas abertas, no simbolismo, no
desejo da nossa disposição de mantermos em funcionamento
o Parlamento, porque um povo sem parlamento é um povo
escravo”.
O deputado Cândido Norberto, que foi o primeiro a mencionar no Plenário os acontecimentos envolvendo a administração
do sr. Jânio Quadros, disse que o presidente vinha sendo objeto
de duras críticas e da pressão de conhecidos grupos “que tem
todo o interesse em fazer com que este país viva divorciado
da realidade do mundo e que não exerça a sua soberania em
sua plenitude. Qualquer que tenha sido a origem, qualquer que
tenha sido a fonte de pressão contra o presidente da República,
contra a sua independência, como titular do Executivo deste
país, a ela dirijo o meu repúdio e ao lado do presidente que
renuncia, especialmente na hora que renuncia, eu me coloco”.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
MANIFESTAÇÕES DO PTB
O deputado Mariano Beck, pronunciou-se em nome do
PTB lamentou a ocorrência: “Nós, que fomos adversários do
sr. Jânio Quadros nas últimas eleições, queremos neste instante
reafirmar a nossa posição indefectível na defesa da Constituição
e das instituições democráticas”. Levando a solidariedade ao sr.
Jânio Quadros, o sr. Mariano Beck formulou votos para que a
renúncia do presidente não seja o prenúncio de dias sombrios
para a nacionalidade. “Há muito tempo ultrapassamos a fase do
caudilhismo e do regime de força. Neste instante certamente,
os homens de bem, aqueles que desejavam uma pátria livre e
forte, devem ter sua atenção voltada para os acontecimentos, a
fim de impedir que volte o país para um regime que não seja
a legalidade e do Direito”.
O sr. Mariano Beck anunciou a apresentação de requerimento, pela bancada trabalhista, no sentido de que a Assembleia
se mantivesse em sessão permanente, “a fim de que esta Casa
guardiã das liberdades públicas, representante do povo gaúcho,
sempre altaneira e indômita, se disponha, se necessário, a dar
o último dos seus esforços, para que sobreviva, entre nós a
Democracia, o regime da dignidade e da honra”. Após falou o
deputado Adaury Filippi em nome do PSP.
POSIÇÃO DA ASSEMBLEIA
No dia 25 de agosto, às 21 horas, o sr. Hélio Carlomagno reabriu os trabalhos da Assembleia Legislativa que haviam
sido suspensos às 18 horas. Nessa oportunidade informou que
à tarde, no Gabinete da Presidência, antes mesmo de tomar
conhecimento do pedido de renúncia do sr. Jânio Quadros, a
Assembleia havia deliberado tomar posição em defesa da Constituição e do regime democrático. Posteriormente, conhecida
a renúncia do sr. Jânio Quadros, em nova reunião os líderes
deliberaram que a Assembleia faria um pronunciamento ao Rio
Grande demonstrando a sua confiança em que os fatos que
pudessem se desenrolar no cenário da República fossem todos
eles cercados daquela legitimidade e autenticidade que somente
o respeito à Constituição oferece. E para expressar a opinião da
A CADEIA DE LEGALIDADE
Assembleia deu a palavra ao deputado Paulo Brossard. O líder
do Partido Libertador, falando em nome de todas as bancadas,
disse o seguinte: “Senhor Presidente e senhores Deputados. Quem
tem a ventura e o ônus de desempenhar, ainda que transitória
e fugazmente o mandato popular deve estar, cotidianamente a
refletir a sua transitoriedade e a fugacidade do poder que exerce, atividade parece que mais do que todas tempora e efêmera.
Os homens, como os Governos, passam; não passa, entretanto
a Pátria, porque é eterna. A Pátria, entretanto, não é apenas a
expressão material do país, a sua dimensão territorial, a vastidão
ou a pequenez do seu território. A Pátria seria algo muito pobre
e inexpressivo, se fosse apenas isto. Eh mais do que isto, entretanto; é muito mais, porque é a lei, porque é a liberdade, porque é
a democracia. Pátria sem lei, pátria sem liberdade. Pátria sem
democracia, é algo que não chega a exprimir, e, verdade, a ideia
de pátria. Pensando assim, colocando as nossas vistas um pouco
acima do horizonte dos dias que passam, buscando nas trevas do
presente um ideal mais alto, mais permanente, mais real, é que
nesta hora e inquietação e de incerteza, a Assembleia, sem cujo
funcionamento normal e pleno não se poderá dizer que existe a
Lei, a liberdade, a democracia, pensa exprimir em poucas palavras,
em breve palavras, o seu pensamento, não apenas o seu, mas o
pensamento daqueles que ela representa, que ela corporifica, com
o qual ela se identifica e resume-o, e o sintetiza desta forma. A
Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul manifesta a sua convicção de que, na grave crise desencadeada, há de
continuar sem intermitência nem recuos o regime democrático,
com a democracia e pela democracia, porque fora da democracia
não há salvação. Apenas isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados”.
REAFIRMA A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA SUA POSIÇÃO
EM DEFESA DA LEGALIDADE
Durante toda a tarde do dia 25 de agosto, foram registradas
no Plenário da Assembleia Legislativa manifestações a respeito
dos acontecimentos que se verificaram no país e particularmente
tendo em vista a atitude do Governo do Estado e das Forças
do III Exército e da Zona Aérea. Desde sexta-feira Assembleia
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
está em sessão permanente, tendo nesse período havido reuniões
plenárias sábado e domingo à noite. Todas essas reuniões foram
assistidas por grande número de populares, particularmente a
de ontem, quando as dependências junto ao Plenário ficaram
lotadas, permanecendo ainda centenas de pessoas ouvindo as
manifestações dos deputados através de alto-falantes.
Todos os pronunciamentos feitos ontem à tarde foram em
defesa da Legalidade no país, havendo também manifestações de
solidariedade ao Governador Leonel Brizola e aos comandantes
do Terceiro Exército e 5ª Zona Aérea.
No início da sessão o deputado Adalmiro Moura sugeriu
que a Assembleia convidasse a vir ao Plenário o Governador,
os comandantes do Exército e da Zona Aérea, convite que seria
feito através de uma comissão especialmente designada pela
presidência.
(Aspecto colhido durante a movimentada reunião que realizou
ontem a Assembleia Legislativa e na qual mais de uma dúzia de
deputados desfilaram pela tribuna, reafirmando todos sua confiança na manutenção do regime democrático e no respeito à
constituição do país)
A CADEIA DE LEGALIDADE
O Sr. Hélio Carlomagno, declarando aprovada a proposição, diante dos aplausos do Plenário, anunciou que estenderia
o convite ao Presidente do Tribunal de Justiça, e diante de
uma sugestão da Sra. Suely de Oliveira, o convite foi também
extensivo ao Arcebispo Metropolitano. Durante toda a tarde
houve gestões para a fixação do horário de uma sessão especial para receber as autoridades citadas, mas pouco depois
das 17 horas, quando a comissão visitava o Comandante do
III Exército, o Sr. Carlomagno anunciou que não seria possível ainda confirmar a presença dos convidados, em virtude
especialmente dos compromissos do Governador e dos chefes
militares que estavam atentos aos acontecimentos.
Durante toda a sessão que a Assembleia Legislativa realizou
na tarde de ontem, e que foi assistida por grande massa popular, desfilaram pela tribuna deputados de todas as bancadas,
havendo manifestações unânimes pela manutenção do regime
constitucional vigente no país, houveram manifestações de repúdio ao desajustamento à realidade brasileira e à consciência
civil deste País pelos Ministros militares que, em Brasília, de
modo intolerante, insistiram em rasgar a Constituição.
Ultimamente, após a mobilização de todas as forças que
a Legalidade Constitucional contava no Rio Grande do Sul,
lideradas pela Assembleia Legislativa, pelos estudantes, pelas
classes trabalhadoras, pelos homens do campo, por todos os
cidadãos deste Estado, após esses acontecimentos tomou posição, de modo inequívoco e definitivo, o III Exército, com
jurisdição nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina
e Paraná, e a 5ª Zona Aérea, com base em Gravataí, com sede
em Porto Alegre; a atitude dos soldados do Terceiro Exército,
chefiados pelo patriótico General Machado Lopes, e a atitude
dos aviadores da 5ª Zona Aérea, comandados pelo Brigadeiro Aureleano Passos, vem dar um reforço inestimável e uma
colaboração decisiva a todos aqueles que desejam de coração,
de espírito e de consciência a manutenção da Constituição, tal
como ela existe, em seu texto puro e original, sem a deformação que o espírito golpista desejava introduzir na pureza
de seu contexto.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Ao mesmo passo que estes acontecimentos ocorrem no Rio
Grande do Sul, honrando suas tradições admiráveis de civismo
e lealdade, outros estados estão aderindo ao movimento.
A Assembleia Legislativa reafirmou a sua posição de repúdio um Congresso que funcionasse em bases de farsa, que
o Congresso funcionasse como força auxiliar do golpe, que
o Congresso funcionasse para caracterizar uma imposição.
Jamais nós admitiríamos uma figura caricata de Poder Legislativo Brasileiro, e que seria provável, então, que o Partido
Social Democrático, ali representado pela pessoa do Sr. Hermes
Pereira de Souza, Raimundo Chaves, Willy Frolich e Amaral
Peixoto, fossem até o presidente Rainieri Mazzilli e lhe pedisse,
definitivamente, que tomasse a atitude de levar à demissão
os ministros que se insurgiram contra a Constituição e que
quiserem, eles que assumissem a responsabilidade de implantar
a ditadura militar no Brasil e que também aguentassem as
consequências de uma guerra civil que fatalmente se instalaria
no território nacional.
(Da esquerda para a direita a deputada Suely de Oliveira e os deputados Sereno Chaise, Adelmiro Moura e Ataíde Pacheco. Abaixo,
também da esquerda para a direita, os deputados Porcínio Pinto,
Jairo Brum. Sinval Guazelli e Aristo Jaeger)
A CADEIA DE LEGALIDADE
Assim se passaram os fatos. As gestões continuaram e continuaram até este momento. Os srs. Deputados Victor Issler e
outros, acompanhados daquele valoroso mineiro que é o Sr.
Tancredo Neves em contato, há poucos momentos com o Sr.
Governador do Estado, anunciaram que partiriam também para
o Palácio do Planalto, a fim de comunicar a posição do Rio
Grande do Sul, a posição de todos os cidadãos livres deste extremo sul e deste país, para comunicar ao presidente provisório
da República, o apoio da Câmara dos Deputados ao movimento
pela Legalidade.
Relata o Deputado Moab Caldas, que o Governador na resistência pela Legalidade e pelo direito. Afirmou ter visto então
no Palácio Piratini a grandeza da alma do povo rio-grandense, a
angústia retratada em cada face, o valor da Brigada Militar, que
se revelou fiel às tradições que recebeu dos antepassados, que
honraram aquela corporação com a coragem do gaúcho. Referiuse a coragem demonstrada pelos elementos da Polícia Civil e
formulou votos para que “o senso dos homens que dispõem
da força neste país os conduza a realizar a superação da crise,
dentro da legalidade”. Mas se não fosse assim, que saiba o Brasil,
que os políticos do Rio Grande do Sul que realizam através da
palavra e pregação do civismo e da legalidade, realizarão através
dos atos a defesa desse sistema. A mim que me orgulho de ter
nascido no Rio Grande, é com verdadeira e sincera emoção que
vivo estes movimentos históricos, sentindo que os jovens, os
operários, os trabalhadores, enfim, estão todos unidos...
No mesmo sonho de recuperação da tranquilidade, mas
decididos a lutar pela legalidade. É de justiça, acrescentou, que
se reconheça, nesta hora, em que mais uma etapa foi vencida
nessa crise árdua que se desenrola, que o capitão da vitória foi
o Sr. Leonel de Moura Brizola, Governador do Estado do Rio
Grande do Sul.
Continuaremos a divergir pelo futuro, sempre que em torno
de problemas de interesse coletivo adotarmos soluções e métodos diversos. Parece-me que há uma palavra neste instante que
explica essa união, que diz a sua razão de ser. Esta palavra é
a Legalidade, é a Constitucionalidade. Com estas palavras iniciou a sua intervenção o orador seguinte, Deputado Cândido
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Norberto. Acrescentou ser preciso explicar o que se entende
pela legalidade e essa explicação está no texto constitucional,
artigo 141 que diz: “Todos são iguais perante a Lei”.
É essa igualdade que estamos defendendo é evidente que
ela está muito acima de pessoas, de indivíduos, de cidadãos. Os
nomes nos interessam apenas na medida em que representam
estes direitos escritos na Constituição. Temos sido e continuaremos a ser implacáveis inimigos do culto da personalidade
que também não conduz à democracia, mas que a democracia,
por vezes, é a própria negação. O Sr. Cândido Norberto citou
ainda outros preceitos constitucionais.
(Da esquerda para a direita, deputados Getúlio Marcantônio, Ortiz Borges e Gudbem Castanheira. Abaixo, também da esquerda
para a direita, os deputados Guilherme do Vale, Paulo Brossard
e Cândido Norberto)
MOVIMENTADA REUNIÃO
Continuando as manifestações, pronunciou-se Deputada
Suely de Oliveira: “Precisamos prestar muita atenção, pensando
na procuração que nos foi dada pelo povo. Já há alguns dias
as liberdades estão sendo cerceadas, evidência o pendor do
A CADEIA DE LEGALIDADE
brasileiro para a vivência do regime democrático. Precisamos
fazer a nossa parte, resistir pelo cumprimento da Constituição”.
O sr. Deputado Marcantônio declarou que o povo brasileiro não sabia ainda ao certo se o sr. Jânio Quadros deixou
o Poder porque quis, e assim fez decepcionando aos milhões
de brasileiros que nele votaram, ou se por ato de coação. Não
sabendo ao certo, o povo brasileiro ainda esperava que amplas
e cabais explicações desse o sr. Jânio Quadros. Havendo dúvida quanto à posição do sr. Jânio Quadros, um detalhe era
certo: a Constituição deve ser mantida e preservada, porque
representa a estrutura jurídica do país. O sr. João Goulart é
o Vice-Presidente da República, eleito pela maioria do povo
brasileiro, em pleno livre e memorável e portanto, em respeito
à constituição, deve ser empossado, disse o sr. Marcantônio.
MENSAGEM CONTRA OS MINISTROS MILITARES
O deputado Ortiz Borges registrou os dramáticos momentos que viveu juntamente com outros deputados, na Assembleia ou no Palácio Piratini, elogiando a posição assumida
pelos srs. Leonel de Moura Brizola. Referiu-se ao episódio que
resultou no fechamento das rádios Gaúcha e Farroupilha, após
a transmissão da mensagem do sr. Leonel Brizola.
Após o deputado sr. Guilherme do Vale pronunciou-se
propondo o envio de um telegrama ao Presidente em exercício,
o sr. Ranieri Mazzillie, com o seguinte teor: “O Rio Grande do
Sul, pela palavra do seu povo, expressada na Assembleia Legislativa, exige de sua consciência cívica e espera a sua coragem
democrática, a imediata exoneração dos Ministros Militares, se
eles não souberem obedecer, guardar e honrar a Constituição
do Brasil na pureza de seu texto atual”.
A proposta do telegrama foi aprovada, em seu texto, pelos
deputados presentes no Plenário.
PRONUNCIAMENTO DO LÍDER DO PSD
O deputado Ariosto Jaeger ocupou a tribuna e disse que
a bancada do PSD desde o primeiro momento da crise, talvez
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
a mais grave vivida pelo país, de natureza político-jurídicoconstitucional, reafirmou que a única posição compatível com
o mandato de que os parlamentares eram portadores, ou seja
a intransigente defesa dos princípios constitucionais, do respeito à lei e às decisões dos órgãos da Justiça Eleitoral, no que
diz respeito aos mandatos obtidos pela votação popular. O sr.
Ariosto Jaeger destacou, a seguir, que ocupava a tribuna em
circunstâncias especiais; é que falava em nome da unanimidade
da bancada do PSD.
Lembrou, então, as divergências existentes no seio da bancada pesedista, no último pelito, quando a maioria votou no
sr. Jânio Quadros para Presidente enquanto outros apoiaram
o candidato sr. Teixeira Lott.
Finalizou afirmando: “Que se cumpra a Constituição, que
se cumpra a lei”.
A PALAVRA DA UDN
O deputado Sinval Guazzelli manifestou o pensamento
da bancada da UDN, confirmando intervenções já feitas após
a eclosão da crise na administração do país. E continuou:
“Nascido e criado o nosso Partido exatamente com o desejo
e a vontade de trazer para o povo brasileiro e para a Pátria a
garantia das franquias democráticas, nós que, através da luta e
do esforço podemos legar ao Brasil e aos brasileiros um texto
constitucional garantindo a vigência do sistema democrático,
jamais poderíamos nesta hora desmentir as nossas lutas e o
nosso passado. Somos mais do que nunca pelo respeito aos
dispositivos constitucionais. Queremos, mais do que nunca e
em qualquer época, que a lei seja respeitada, que a lei seja
cumprida, para que a nossa democracia não retroceda, um
passo se quer, mas antes se afirme no conceito das Nações”.
Acrescentou o sr. Guazzelli, que empossado na Presidência
o sr. João Goulart, impõe-se que ele perquira das verdadeiras
razões que determinaram a renúncia do sr. Jânio Quadros.
Finalizando seu pronunciamento disse: “Não queremos e
não quer também o povo brasileiro que vencida mais esta crise
política na sua história, volta amanhã a acontecer o mesmo
A CADEIA DE LEGALIDADE
episódio”. Concluiu dizendo que a Assembleia Legislativa do
Rio Grande do Sul, estava se mantendo ao lado da Constituição.
DISCURSO DO LÍDER DO PTB
O sr. Sereno Chaise iniciou a sua intervenção aplaudindo
a conduta que vinha tendo o sr. Governador Leonel de Moura
Brizola na condução de uma solução democrática para a crise
política, que ameaça o povo brasileiro. Pouco antes criticara o
ministro da Guerra, pela sua disposição de arbitrária prender
o sr. João Goulart, em seu regresso ao país. Iria manifestar a
sua maior homenagem ao Terceiro Exército, aos soldados do
Rio Grande que se colocaram ao lado da lei e da Constituição.
Disse: “O Exército e a Aeronáutica, sediados no Rio Grande do
Sul, realmente fizeram jus ao nosso apreço, ao nosso respeito,
ao nosso aplauso. O ilustre General Machado Lopes é, sem
dúvida, nesta hora, uma das figuras mais queridas no coração
de todos os rio-grandenses”. O sr. Chaise desaprovou a manchete de um vespertino segundo a qual o Terceiro Exército
havia aderido ao sr. Brizola. “No meu entender o Terceiro
Exército não aderiu a ninguém, apenas se definiu a favor da
Lei, da Constituição e do povo rio-grandense.”
O líder trabalhista sugeriu também, que fosse enviado ao
sr. Sérgio Magalhães, presidente da Câmara dos Deputados, o
seguinte telegrama: “A Assembleia Legislativa do Rio Grande
do Sul, unanimemente, confia em Vossa Excelência, autêntico
líder em defesa da Constituição vigente, permanecerá, pelo bem
do Brasil, irredutível na sua patriótica posição de não receber,
não encaminhar, nem despachar emenda que, tentando alterar
o texto constitucional, esbulhará a manifestação soberana do
povo brasileiro, golpeando frontalmente a consciência democrática e constitucional do povo rio-grandense”.
POSIÇÃO DO PARTIDO LIBERTADOR
O líder libertador, deputado sr. Paulo Brossard, disse que a
posição inicial da Assembleia não mudou, o que mudou foram
os fatos, pois uma crise política inicialmente limitada assumiu
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
a gravidade de todos conhecida. Um fato era até ontem tão
obscuro como no primeiro dia, o que diz respeito à renúncia
do sr. Jânio Quadros. Afirmou que das várias leituras que
fez da mensagem do sr. Jânio Quadros, não encontrou nelas
as razões para a renúncia. Disse: “Eu penso que o presidente
da República Jânio Quadros efetivamente renunciou, embora
esse documento que tenho diante dos olhos e divulgado como
seu não me ajude a compreender a renúncia”. O sr. Brossard
disse a seguir, que: “O que me espanta, o que me confrange
e perturba, o que me deixa perplexo e triste, é que se ponha
em dúvida a Lei. A Lei que iguala os desiguais, a Lei que
impera sobre aqueles que se não igualam. É a única garantia,
é a única custódia, é o único escudo que a sociedade tem, é
a única garantia que tem o indivíduo desarmado, só, inerme.
No dia em que a Lei não proteger um homem, nenhum homem tem garantia”. O orador disse que quem deve substituir
ao presidente é o vice-presidente, não importando seu nome
e nem sua orientação política. É a solução legal e se estamos
em um regime de leis e não de homens, e se o regime legal
é o que prepondera, ele deve ser observado. Ao concluir o
sr. Brossard afirmou que essa não é a primeira e nem será a
última crise do regime presidencialista.
Em seguida o deputado sr. Gudbem Castaneira disse que
os motivos que levaram à renúncia do sr. Jânio Quadros ainda
não estavam esclarecidos. Mas consumado o gesto da renúncia,
o que cabe, agora, é unicamente o Congresso Nacional cumprir a norma legal. Disse ainda: “Por que, se vivemos dentro
da lei, se a nossa forma de governo é inspirada sob a égide
da Legalidade, por que tamanho alvoroço para cumprir um
dispositivo Constitucional?”.
O sr. Castanheira lembrou as suas divergências ideológicas
com o sr. João Goulart e acrescentou que acima das paixões
político-partidárias deveria vigorar a norma legal e o preceito
constitucional. O representante libertador elogiou a posição
do governador sr. Brizola e a atitude do Terceiro Exército,
manifestando a esperança de que seja imitada pelas demais
unidades militares da Pátria.
A CADEIA DE LEGALIDADE
A PALAVRA DO PTB
O deputado sr. Guilherme do Valle disse igualmente da
sua surpresa diante da renúncia do Sr. Jânio Quadros. Perguntou de que valeu o voto dado pelo povo brasileiro, se sete
meses depois o primeiro magistrado da Nação renuncia alegando que foi vencido pela reação, por grupos internos e do
exterior. Esclareceu o parlamentar trabalhista que estava em
viagem quando tomou conhecimento do fato, regressando à
Assembleia para ficar ao lado dos seus colegas e do governador, acrescentando que estava de acordo com a exigência
apresentada no sentido de que o sr. Jânio Quadros explique as
verdadeiras causas da renúncia, adiantando a sua opinião de
que as forças que lutaram contra o sr. Jânio Quadros foram
as mesmas que agiram contra o Presidente Getúlio Vargas.
Fez uma referência especial à Brigada Militar e à Polícia Civil pela posição que assumiram durante a crise. O sr.
Guilherme do Vale anunciou que era portador de mensagem
de solidariedade dos sindicatos de trabalhadores e entidades
estudantis de Caxias do Sul e leu manifesto de artistas e homens de letras em favor da Legalidade.
O deputado sr. Ataíde Pacheco repetiu o apelo para que o
sr. Jânio Quadros explique à Nação as causas da sua renúncia,
já que se essas forças não forem conhecidas poderão provocar
nova intranquilidade para a Nação. O parlamentar trabalhista
congratulou-se com a Brigada Militar, com a Polícia Civil, que
se colocaram ao lado da Legalidade e disse que os parlamentares e o Governo do Rio Grande do Sul, o Terceiro Exército,
a Quinta Zona Aérea, desejam é o respeito da lei.
O deputado sr. Porcínio Pinto, último orador da sessão,
disse que no último pleito apenas uma vitória havia sido verificada, a da Democracia. Acrescentou que após tanto defender
a Constituição, não seria agora que iria trair a sua posição e
inclusive o próprio juramento que prestou ao assumir o mandato na Assembleia. Para o sr. Porcínio Pinto, só há um caminho
a seguir: a posse imediata do sr. João Goulart, substituto legal
do presidente da República. Concluiu apelando para a união
de todos em defesa das instituições democráticas.
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SESSÃO NOTURNA
Segunda-feira dia 28 de agosto de 1961, das 21,30 às 23,30
horas esteve mais uma vez reunido o plenário da Assembleia
Legislativa. Foram feitas várias proposições de apoio ao Governador Leonel Brizola e a manutenção da Ordem Constitucional
a qualquer preço. Vários deputados de diversos partidos se
manifestaram, dentre eles os deputados José Záchia, Alcides
Costa, José Vecchio e Moab Caldas, todos se manifestando pelo
cumprimento dos dispositivos constitucionais e pela posse do
sr. João Goulart. Nova sessão foi convocada para as nove horas
do dia 29 de agosto de 1961, terça-feira, mas é provável que
somente às 14 horas venha e se reunir o Plenário.
“UMA VERDADEIRA TORRENTE DE CIVISMO”
Hélio Carlomagno
“Durante 18 dias, vivemos momentos de inigualável civismo. Estávamos dispostos a tudo, inclusive pegar em armas.”
“Foi o maior movimento cívico ocorrido dentro das fronteiras gaúchas desde a Revolução de 30”, afirma Hélio Carlomagno l Foto:
reprodução livro Legalidade, 25 anos
A CADEIA DE LEGALIDADE
O Poder Legislativo teve uma intensa participação no
Movimento pela Legalidade. Enquanto o Congresso Nacional
dedicava-se a estudar a discutível emenda parlamentarista.
Em intermináveis sessões extraordinárias que viravam a
noite, os parlamentares gaúchos assumiam uma posição decidida em favor da Constituição. Na época, a Assembleia Legislativa
gaúcha era presidida pelo deputado Hélio Carlomagno, do PSD,
que cumpria seu terceiro mandato e foi o primeiro a assumir
uma posição firme de apoio à Legalidade. Como lembrança
daqueles dias, Carlomagno guarda um pequeno exemplar da
Carta Magna do Brasil com a dedicatória ao “defensor da
Constituição”, que recebeu em praça pública no dia 20 de setembro de 1961. Cassado em 1964, Carlomagno é advogado
e promotor público aposentado e tem 67 anos.
A importância do Movimento Pela Legalidade: Foi o
maior movimento cívico ocorrido dentro das fronteiras gaúchas desde a Revolução de 30 e, de certo modo, se equiparou
aos atos que culminaram na fundação da República do Piratini que, longe de defender ideias separatistas, quis instalar a
República no país.
Acredito que foi a maior mobilização popular já vista no
Rio Grande do Sul, uma verdadeira torrente de civismo.
A Assembleia decidiu apoiar o movimento: A Assembleia Legislativa desde o primeiro momento declarou-se em
sessão permanente. Foi uma decisão unânime dos deputados.
Durante 18 dias, vivemos momentos de inigualável civismo,
predicando junto com o governador Leonel Brizola a defesa
da Constituição. Ao lado do poder Executivo, envidamos todos
os esforços na defesa do princípio constitucional que conferia
ao vice-presidente o direito de assumir a Presidência na vacância do cargo. Estávamos dispostos a tudo, inclusive pegar
em armas. Por isso, foram formadas as milícias populares,
cumprindo à Assembleia Legislativa o papel de coordenar o
movimento de resistência e dar sustentação unânime à ação
corajosa do governador Brizola.
As providências que a Assembleia tomou para apoiar
diretamente a legalidade: Através da Rádio Gaúcha, que a
Assembleia transformou em seu órgão oficial, iniciou-se a
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
chamada ronda das Câmaras de Vereadores. Durante dia e
noite era feita a comunicação com as casas legislativas do interior do estado. E as assembleias de todo o país passaram a
se solidarizar com as nossas posições.
A Assembleia
Legislativa na História
do Rio Grande do Sul
“Nossa homenagem aos deputados, homens e mulheres de
coragem e valor, que hoje continuam a obra de construção de
um Rio Grande melhor, e de uma sociedade com Liberdade,
mais Justa, mais humana, mais Igual e mais Fraterna, honrando
as tradições do Legislativo Riograndense.”
Ao longo de sua história, a Assembleia Gaúcha tem sido
celeiro de líderes cuja projeção frequentemente ultrapassou os
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
estreitos limites das fronteiras de nosso Estado. Para o bem
e para o mal, em diversos momentos tormentosos da vida
brasileira, os rumos da política nacional foram decisivamente
influenciados por homens públicos vindos do Casarão Rosado
da Rua Duque de Caxias e, mais recentemente, do Palácio
Farroupilha.
1889-1930: Com a Proclamação da República, o PRR de
Júlio de Castilhos chega ao poder. Elaborada conforme os preceitos positivistas, a Constituição promulgada em 14 de julho
de 1891 outorga ao Presidente do Estado a prerrogativa de
editar as leis; a Assembleia (então denominada “Assembleia
dos Representantes”) reúne-se apenas dois meses por ano,
exclusivamente para:
Votar o orçamento do Estado e dispor sobre tributos. A
asfixia política leva à eclosão da Revolução de 1893, na qual
chimangos (castilhistas) e maragatos (monarquistas e republicanos não positivistas, sob a liderança de Gaspar Silveira Martins) banham em sangue os campos do Rio Grande.
Júlio de Castilhos sufoca a revolta e consolida seu governo,
durante o qual nenhum maragato ocupa um cargo público
e nenhum Deputado oposicionista é eleito à Assembleia dos
Representantes ou ao Congresso Nacional. Em 1923, Borges
de Medeiros vence J. F. de Assis Brasil (que fora o primeiro
Deputado do PRR à Assembleia Provincial) e conquista seu
quinto mandato. Os maragatos alegam fraude e levantam-se
em armas contra o governo. O Pacto de Pedras Altas sela
a paz, mediante o compromisso de revisão da Constituição
castilhista e de que o Presidente do Estado não concorreria a
um sexto mandato. Getúlio Vargas sucede a Borges e pacifica
o Estado sob a bandeira da Frente Única Gaúcha, reunindo
chimangos e maragatos.
1930-1945: Após haver unido o Rio Grande, Getúlio
agrega o apoio de Minas Gerais e Paraíba e lança-se candidato à Presidência da República pela Aliança Liberal, nas
eleições de 1929. Derrotado, deflagra em 3 de outubro de
1930 um movimento revolucionário que, um mês depois, o
empossa como chefe do Governo Provisório da República.
Em 1932, Borges de Medeiros e Raul Pilla apoiam no Estado
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
a Revolução Constitucionalista de São Paulo. Embora vencida
militarmente, a revolta leva Getúlio a convocar eleições para a
reconstitucionalização do país. A Constituição Federal de 1934
manda convocar eleições para as Assembleias Constituintes
dos Estados, as quais devem transformar-se em Assembleias
Legislativas assim que elaboradas as respectivas Constituições.
Instalada com poderes constituintes em 12 de abril de 1935, a
Assembleia Gaúcha é fechada no dia 10 de novembro de 1937,
com a decretação do “Estado Novo”. O Plenário do Casarão
Rosado permanece em silêncio até o fim da ditadura de Vargas.
Em 8 de julho de 1947, a Assembleia Gaúcha atrai a atenção
do Brasil inteiro ao promulgar uma Constituição parlamentarista. Nove dias depois, o Supremo Tribunal Federal suspende a execução dos dispositivos parlamentaristas da Carta
do Estado, obrigando a Assembleia Legislativa a adequá-la ao
modelo presidencialista vigente na União. Durante o período, o PSD (Partido Social Democrático) gaúcho afasta-se da
tradição getulista representada pelo PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro) e alinha-se com PL (Partido Libertador) e UDN
(União Democrática Nacional).
A CÂMARA MUNICIPAL
Comícios populares frente à Prefeitura
Pouco depois das 18 horas no Largo da Prefeitura, por
iniciativa de representantes de entidades sindicais e estudantis, com a participação também de vereadores, realizou-se
um comício de apoio à política externa do presidente Jânio
Quadros e defesa da Constituição. Sucederam-se na tribuna
vários oradores, entre os quais o vereador Alberto Schroeter,
vereador Edson Medeiros, de Canoas srs. Adamastor Bonilha
e Fúlvio Petracco. Após esse ato, os manifestantes desfilaram
por várias ruas até atingirem o Palácio Piratini, à frente do
qual voltaram a falar os srs. Álvaro Ayala, Alberto Schroeter
e Fúlvio Petracco, seguindo-se com a palavra o governador
Leonel Brizola. Rumaram da sede do Governo do Estado
para a Assembleia Legislativa, onde falou o deputado Hélio
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Carlomagno, voltando os manifestantes, daí, novamente para o
Largo da Prefeitura, local em que se fizeram ouvir o prefeito
Loureiro da Silva, o presidente da Câmara De Vereadores o
vereador Alpheu Barcellos, deputados Jairo Brum e Manoel
Braga Gastal, Alberto Schoeter, Plauto Rocha e Álvaro Ayala
entre outros.
Declarações do Prefeito
Falando em frente do prédio da Municipalidade, no comício, o sr. Loureiro da Silva voltou a pronunciar-se sobre os
acontecimentos, fazendo as seguintes declarações:
“Tenho a impressão de que vamos atravessar momentos
muito difíceis, de muita confusão. É necessário que os homens
que tem uma parcela de poder público, qualquer que seja o
seu grau, políticos do executivo e do legislativo, os militares
e policiais, a Maçonaria e a Igreja, reflitam com calma, com
a cabeça fria, desapaixonadamente, a fim de não precipitarem
acontecimentos que podem trazer a desordem ao país e o caos.
Mais do que nunca precisamos estar firmes nos nossos postos,
para enfrentarmos as vicissitudes e traçarmos uma orientação
segura ao povo O Brasil já venceu crises e saberá passar por
esta, para o engrandecimento da Pátria que tanto amamos”.
A Palavra do Presidente da Câmara Municipal
Presente também na oportunidade, e solicitado a manifestar-se, o vereador Alpheu Barcellos, presidente da Câmara
Municipal, disse:
“O momento é de extrema intranquilidade para toda a
Nação. Necessário se faz que os homens que atualmente a
dirigem tenham bastante sensatez para debelarmos esta crise,
a fim de que o país possa, dentro do clima democrático, sair
desta para um futuro melhor. Acreditamos, e mais uma vez
repisamos, no bom senso dos brasileiros, que não se deixando levar por ideais extremistas, encontrem soluções para os
problemas cruciais da atualidade”.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
Câmara Municipal de Porto Alegre – Nota Oficial
A Câmara Municipal de Porto Alegre, em perfeita sintonia
com os mais espontâneos e leais sentimentos do Povo, que
representa e interpreta, manifesta sua surpresa e profunda preocupação diante dos graves acontecimentos que culminaram
com a renúncia do Sr. Presidente da República Jânio Quadros.
Com a responsabilidade que tem e deseja honrar, mais do
que nunca, declara-se pela manutenção, a qualquer preço, da
Constituição e das franquias democráticas que dela emanam.
Por outro lado, entendendo ser a vontade do Povo, dirige
veemente apelo ao Congresso Nacional para que esteja vigilante na sua augusta missão, fazendo cumprir as prerrogativas
constitucionais vigentes.
Porto Alegre, 26 de agosto de 1961.
Alpheu M. R. Barcellos
Presidente
A POSIÇÃO DA IGREJA
Declaração do Cardeal Câmara sobre a crise que vive o
país
Sobre a situação política o cardeal Dom Jaime Câmara,
fez a seguinte declaração (Rio de Janeiro, dia 28 de agosto
de 1961):
“No momento atual nada é mais necessário do que a
calma para refletir o amor à Pátria, para que não haja
motivo de arrependimento tardio e quiçá, por isto mesmo,
inútil por já não conseguir reparar as danosas e funestas
consequências de atitudes precipitadas. Conservemos todos
a necessária calma e confiança nos destinos do Brasil, que
tem sido, no decurso de sua vida, tão abençoado por Deus”.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Disse o cardeal Dom Jaime, manifestando-se a respeito
das palavras de Dom Carlos Carmelo Mota, arcebispo de São
Paulo, afirma que a situação criada pela renúncia do presidente Jânio Quadros não deve servir de pretexto para qualquer
alteração da ordem pública.
Disse textualmente: “Rege-nos uma Constituição Federal
que temos que respeitar. A ordem deve ser conservada, assim
como a tranquilidade das famílias e o bem-estar geral do povo.
Somos brasileiros e patriotas. Devemos colocar a Pátria acima
dos interesses partidários”.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
NOTA OFICIAL
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como órgão cultural, educacional e social a que incumbem altas responsabilidades perante a Pátria e o bem coletivo, sente-se no
dever de lamentar a renúncia do Excelentíssimo Senhor Doutor
Jânio Quadros à Presidência da República e, juntamente com
as circunstâncias em que esta se verificou, e o clima de inquietação que se veio ao País, exprimindo o voto de que, no
mais breve possível, mantidas a ordem e as instituições, com
a união de todos os brasileiros, reencetemos a marcha normal
da vida democrática.
A Cadeia da Legalidade – Relato Histórico
“A morte é melhor que a vida sem honra, sem dignidade e sem
glória.” (Leonel Brizola)
Quando o Presidente Jânio Quadros renunciou, em 1961,
ministros militares em Brasília ameaçaram não permitir a posse
do vice-presidente João Goulart. Aqui no Rio Grande do Sul,
sob o comando do governador Leonel Brizola, iniciou-se um
movimento armado para defender a legalidade constitucional
da posse do vice-presidente eleito.
No dia 27 de agosto de 1961, Brizola requisitou os transmissores da rádio Guaíba de Porto Alegre, e através das ondas
médias e curtas do rádio fazia pronunciamentos a todo país,
conclamando o povo a defender a legalidade.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Em seguida, as demais emissoras de Porto Alegre e as
emissoras do interior do Estado, uniram-se à Guaíba, formando
a grande Rede da Legalidade.
A Rede Radiofônica da Legalidade funcionava 24 horas por
dia, nos porões do Palácio Piratini, Sede do Governo Estadual
e onde estava montada a Cidadela da Legalidade. Contava com
a participação de jornalistas, radialistas e técnicos de todas as
emissoras. O alcance foi tanto que em determinados momentos
ela tinha 100% de audiência no estado.
Com o aumento da abrangência, chegou a ter 104 emissoras em cadeia no Brasil e nos países vizinhos, foram transmitidos boletins noticiosos em diversos idiomas, como inglês,
espanhol e alemão.
Este foi sem dúvida um dos momentos mais históricos e
importantes do rádio brasileiro. Em nenhuma outra ocasião
se usou este meio de comunicação de maneira tão singular
e primordial a ponto de influenciar os destinos de toda uma
nação.
Foi com base nestes acontecimentos que o grupo decidiu
entrevistar três personagens que influenciaram de modo decisivo naqueles momentos históricos da radiodifusão nacional:
O radialista Lauro Hagemann, que na época apresentava
o Repórter Esso, emprestou sua voz inconfundível à causa
legalista, conseguindo a adesão de diversos companheiros.
O técnico Holmes Aquino, da Rádio Guaíba, sob a orientação do engenheiro Homero Simon, foi um dos responsáveis
em manter a Rede da Legalidade no ar por 24 horas, em
condições na maioria das vezes peculiares e desfavoráveis; o
ex-governador do estado, Leonel Brizola, foi o homem que
iniciou esta série de acontecimentos e durante todos os momentos esteve no centro deles. Não é por acaso que a sua voz
era sem dúvida a mais esperada e a mais ouvida na chamada
Rede da Legalidade.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
A REDE DA LEGALIDADE
(Leonel Brizola)
No dia 27 de agosto de 1961, domingo de inverno, depois
de ter ouvido do governador Leonel Brizola a manifestação de
que o governo do Rio Grande do Sul ficaria com a Constituição, o comandante do IIIº Exército, general Machado Lopes,
trocou a seguinte mensagem por rádio com o ministro da
Guerra Odílio Denys:
Machado Lopes: “Governador Brizola declarou-me resistirá contra ação impeça posse João Goulart. Coordena ação BL
nesse sentido. Tenho percebido grande número de oficiais ideai
ser mantido princípio constitucional, inclusive Comandante 3ª
DI e 1ª DC. Todas unidades cumprindo ordens manutenção
ordem pública. Situação tensa, porém calma todo IIIº Exército”.
Odílio Denys: “Elementos comunistas Congresso estão
perturbando encontro solução legal crise decorrente renúncia Presidente. Mal. Lott envolvido por tais agitadores lançou
manifesto subversivo forçando Ministro Guerra determinar sua
prisão. Ministro pretende defender instituições e manter a lei e
ordem em todo país mesmo que para isso tenha que impedir
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
posse de Jango. Conveniente chamar e reter qualquer pretexto
Comandante 3º DI e 1º DC Porto Alegre”.
Machado Lopes: “Entendido. Vou providenciar. Situação
Porto Alegre muito tensa. Governador Brizola organizou defesa Palácio e parece ter distribuído armamento civis seus
adeptos. Estou vigilante manutenção da ordem. Seria de todo
conveniente encontrar solução legal”.
Nesse mesmo dia o marechal Henrique Teixeira Lott fez
um manifesto à Nação, em defesa da ordem e da Constituição:
Aos meus camaradas das Forças Armadas e ao Povo
Brasileiro. Tomei conhecimento, nesta data, da decisão do
Sr. Ministro da Guerra, mal. Odílio Denys, manifestada ao
governador do Rio Grande do Sul através do deputado Rui
Ramos, no Palácio do Planalto, em Brasília, de não permitir que o atual presidente da República, Dr. João Goulart,
entre no exercício de suas funções e, ainda, de detê-lo no
momento em que pise o território nacional. Mediante ligação
telefônica, tentei demover aquele eminente colega da prática
de semelhante violência, sem obter resultado.
Embora afastado das atividades militares, mantenho o
compromisso de honra com a minha classe, com a minha
pátria e com as instituições democráticas e constitucionais.
E, por isso, sinto-me no indeclinável dever de manifestar o
meu repúdio à solução anormal e arbitrária que se pretende
impor à Nação.
Dentro desta orientação, conclamo todas as forças vivas
da Nação, as forças da produção e do pensamento, dos estudantes e intelectuais, operários e o povo em geral, para tomar
oposição decisiva e energética pelo respeito à Constituição e
preservação integral do regime democrático brasileiro, certo,
ainda, de que meus nobres camaradas das Forças Armadas
saberão portar-se à altura das tradições legalistas que marcam
a história nos destinos da Pátria.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
Henrique Lott.
Após tomar conhecimento da mensagem do marechal
Lott, o governador Leonel Brizola determinou ao secretário
de justiça, João Caruso, que redigisse um ato requisitando a
Rádio Guaíba, para que a mesmo passasse a comandar uma
rede de emissoras que estariam unidas na defesa da Legalidade.
Requisitada pelo governo do estado, que assim a transformou em emissora oficial, a partir das primeiras horas da tarde
de domingo, a Rádio Guaíba está transmitindo diretamente
do Palácio Piratini, sob a responsabilidade do governo gaúcho,
notas, informações e manifestações do povo brasileiro sobre a
crise político-administrativa que desde sexta-feira última afeta
o país.
Por volta das 12 horas de domingo, um grupo de choque
da guarda civil, armado de metralhadoras, ocupou os estúdios
da Rádio Guaíba, situados no segundo andar do edifício da
Cia. Jornalística Caldas Júnior.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
(Brigada Militar, símbolo da resistência)
O Dr. Gabriel Obino, secretário da Fazenda, apresentou
à direção daquela emissora um ofício assinado pelo próprio
governador do estado, Sr. Leonel Brizola, e no qual comunicava que a partir daquele momento a Rádio Guaíba passara
à disposição da Secretaria de Segurança Pública. Acrescentava
que a emissora passaria a ser operada diretamente da sala de
imprensa do Palácio Piratini, determinando que para esse fim
fosse estabelecida ligação direta entre a sede do governo e o
transmissor da rádio na Ilha da Pintada.
Logo após terem sido tomadas as providências determinadas pelo governo e uma vez desligados os estúdios de rádio
com a instalação de microfones e de equipamento de controle
no Palácio do Governo, a força policial se retirou, seguindo
para o transmissor instalado na Ilha da Pintada, onde ainda
permanece, montando guarda.
Um dos mais destacados locutores da Cadeia da Legalidade foi o nosso dileto amigo e Ir∴ Abel Gonçalves, destacado
jornalista e homem de princípios e de bravura, mais tarde veio
a ser Ven∴ Mestre da Loja Philantropia e Liberdade.
É o próprio governador Brizola que relata o que houve a
partir daquele momento:
“Em pouco mais de uma hora já estávamos irradiando
do Palácio Piratini e pedi que, de imediato, anunciassem
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
que o governador tinha uma importante e urgente comunicação a fazer ao povo gaúcho e à opinião pública do País”.
Nas primeiras horas do dia 28 e agosto, uma segundafeira, um rádio amador, cuja antena de grande alcance estava
instalada nos fundos de sua casa, transmitiu ao Palácio Piratini o que havia escutado de uma comunicação do general
Orlando Geisel com o IIIº Exército, por ordem do marechal
Denys, determinando que fosse o governo do Rio Grande do
Sul compelido ao silêncio, com o emprego da força e do bombardeio da aviação, se necessário.
A mensagem enviada pelo gabinete do Ministério da Guerra ao IIIº Exército, às 6 horas da manhã de 28 de agosto dizia
o seguinte:
1 – O gen. Orlando Geisel transmite ao gen. Machado
Lopes, comandante do IIIº Exército, a seguinte ordem do Ministro da Guerra:
O III Exército deve compelir imediatamente o Sr. Leonel
Brizola a pôr termo à ação subversiva que vem desenvolvendo
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
e que se traduz pelo deslocamento e concentração de tropas
e outras medidas que competem exclusivamente às Forças
Armadas.
O governador colocou-se assim, fora da legalidade. O comandante do III Exército atue com a máxima energia e presteza.
2 – Faça convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do
Rio Grande do Sul que julgar conveniente, inclusive a 5ª DI,
se necessário.
3 – Empregue a Aeronáutica, realizando inclusive o bombardeio, se necessário.
4 – Está a caminho do Rio Grande do Sul uma forçatarefa da Marinha.
5 – Qual o reforço de tropa que necessita?
6 – Aqui há um boato de que o gen. Muricy viria ao Rio:
o Ministro da Guerra não quer acreditar nesta notícia e julga
que o momento não é mais para parlamentar, mas requer ação
firme e imediata.
7 – O Ministro da Guerra confia em que a tropa do III
Exército cumprirá o seu dever.
Às 11 horas da manhã de 28 de agosto, segunda-feira,
o governador Leonel Brizola ocupou o microfone da Cadeia
da Legalidade para fazer o seu anunciado pronunciamento, o
qual viria a ser publicado na íntegra pelo Correio do Povo,
na edição do dia seguinte, 29 de agosto, terça-feira.
“Falei de improviso e sob grande tensão”, disse Brizola, ao recordar o acontecimento. Revelou também que
nunca tivera oportunidade de ouvir uma gravação desse
pronunciamento.
“Não sei mesmo se existe, ou se alguma pessoa possui
esta gravação. Gostaria de ouvi-la. Somente há pouco tempo, depois de 33 anos, é que consegui ler uma transcrição
da imprensa da época.”
O PRONUNCIAMENTO DE BRIZOLA
“Peço a vossa atenção para as comunicações que vou fazer.
Muita atenção. Atenção Rio Grande do Sul! Atenção Brasil!
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
Atenção meus patrícios, democratas e independentes, atenção
para essas minhas palavras!
Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Porto Alegre. Fechem todas as escolas. Se alguma estiver aberta,
fechem e mandem as crianças para junto de seus pais. Tudo
em ordem. Tudo em calma. Tudo com serenidade e frieza. Mas
mandem as crianças para casa.
Quanto ao trabalho, é uma iniciativa que cada um deve
tomar, de acordo com o que julgar conveniente. Quanto às repartições públicas estaduais, nada há de anormal. Os serviços
públicos terão o seu início normal e os funcionários devem comparecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará
qualquer falta que, porventura, se verificar no dia de hoje.
Hoje, nesta minha alocução, tenho os fatos mais graves a
revelar. O Palácio Piratini, meus patrícios, está transformado em
uma cidadela que há de ser heroica, uma cidadela da liberdade,
dos direitos humanos, uma cidadela de civilização, da ordem
jurídica, uma cidadela contra a violência, contra o absolutismo,
contra os atos dos senhores, dos prepotentes. O Palácio Piratini,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
além da minha família e de alguns servidores civis e militares
do meu Gabinete, há um número bastante apreciável, mas apenas daqueles que nós julgamos indispensáveis ao funcionamento
dos serviços da sede do Governo. Mas todos os que aqui se
encontram estão de livre e espontânea vontade, como também,
grande número de amigos que aqui passou a noite conosco e
retirou-se hoje, por nossa imposição.
Aqui se encontram os contingentes que julgamos necessários,
da gloriosa Brigada Militar, o Regimento Bento Gonçalves e outras forças. Reunimos aqui o armamento de que dispúnhamos.
Não é muito, mas também não é pouco para aqui ficarmos
preocupados frente aos acontecimentos.
Queria que os meus patrícios do Rio Grande e toda a população de Porto Alegre, todos os meus conterrâneos do Brasil
e todos os soldados da minha terra querida pudessem ver com
meus olhos o espetáculo que se oferece. Aqui nos encontramos
e falamos por esta estação de rádio que foi requisitada para o
serviço de comunicação, a fim de manter a população informada
e, com isso, auxiliar a paz e à manutenção da ordem. Falamos
aqui do Serviço de Imprensa. Estamos rodeados de jornalistas
que teimam, também, em não se retirar, pedindo armas e elementos necessários para que cada um tenha oportunidade de
ser também um voluntário, em defesa da legalidade.
Esta é a situação! Fatos os mais sérios quero levar ao conhecimento dos meus patrícios de todo o país, da América Latina
e de todo o mundo. Primeiro: ao me sentar aqui, vindo diretamente da residência, onde me encontrava com minha família, acabava de receber a comunicação de que o ilustre general
Machado Lopes, soldado do qual tenho a melhor impressão, me
solicitou uma audiência para um entendimento. Já transmitem
aqui mesmo, antes de iniciar minha palestra, que logo a seguir
receberei S.EXA.
Com muito prazer, porque a discussão e o exame dos problemas é o meio que os homens civilizados utilizam para solucionar os problemas e as crises.
Mas, pode ser que esta palestra não seja uma aliança entre
o poder militar e o poder civil, para a defesa da ordem constitucional, do direito e da paz como se impõe neste momento,
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
como defesa do povo, dos que trabalham e dos que produzem,
dos estudantes e dos professores, dos juízes e dos agricultores,
da família. Todos, até as nossas crianças desejam que o poder
militar e o poder civil se identifiquem nesta hora para vivermos
na Legalidade. Pode significar, também, uma comunicação ao
Governo do Estado de sua deposição. Quero vos dizer que será
possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que
eu, nem deste Serviço, possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à população.
Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, consequências muito sérias. Porque nós
não nos submeteremos a nenhum golpe. A nenhuma resolução
arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem!
Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio!
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura
contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto
aqui como nos transmissores.
O certo, porém é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes
contingentes da Brigada Militar.
DESTRUIÇÃO
Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios ficarão
sabendo por que esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida
pela destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E
quero vos dizer porque penso que chegamos a viver horas decisivas. Muita atenção, meus conterrâneos para essa comunicação.
Ontem à noite o Sr. Ministro da Guerra, marechal Odílio
Denys, soldado que no fim de sua carreira, com mais de 70
anos de idade e que está adotando decisões das mais graves, as
mais desatinadas, declarou através do Repórter Esso que não
concorda com a posse do Sr. João Goulart, que não concorda com
que o Presidente Constitucional do Brasil exerça suas funções
legais! Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável,
isso significa uma opção entre comunismo ou não. Isto é pueril,
meus conterrâneos! Isso é pueril,
Meus patrícios!
Nós nos encontramos neste dilema. Que vão essas ou aquelas doutrinas para onde quiserem. Nós nos encontramos entre
uma submissão à União Soviética ou aos Estados Unidos. Tenho
uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho aquilo que falta
a muitos anticomunistas exaltados deste País, que é a coragem
de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus
monopólios e trustes, vão espoliando e explorando esta Nação
sofrida e miserabilizada. Penso em independência.
Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso
pelo Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e independente. Não um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e
monopólios norte-americanos. Nada remos com os russos. Mas
nada temos também com os americanos, que espoliam e mantêm nossa Pátria na pobreza, no analfabetismo e na miséria.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
Estes que muito elogiam a estratégia norte-americana querem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. Mas
isso foi dito pelo ministro da Guerra. Isso quer dizer que S.EXA.
tomará todas as medidas contra o Rio Grande.
Estou informado que todos os aeroportos do Brasil, onde
pousam aviões internacionais de grande porte, estão guarnecidos
e com ordem de prender o Sr. João Goulart, no momento da
descida. Há pouco falei, pelo telefone, com o Sr. João Goulart,
em Paris, e disse a ele que todas as nossas palestras de ontem
foram censuradas. Tenho provas. Censuradas não nos seus efeitos, mas a rigor. A companhia norte-americana dos telefones
deve ter gravado e transmitido os termos de nossas conversas
para essas forças de segurança.
(Brizola e Jango ao telefone)
Hoje eu disse ao Sr. João Goulart: decide de acordo com
o que julgares conveniente. Ou deves voar, como eu aconselho,
para Brasília, ou para um ponto qualquer da América Latina,
A decisão é tua! Deves vir diretamente a Brasília, correr o risco
e pagar para ver. Vem. Toma um dos teus filhos nos braços.
Desce sem revólver na cintura, como um homem civilizado.
Vem para um País culto e politizado como é o Brasil e
não como se viesse para uma republiqueta, onde dominem os
caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas. Voa
para o Uruguai, então esta cidadela da liberdade, aqui pertinho
de nós, e aqui traça os teus planos, como julgares conveniente.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Vejam, meus conterrâneos, se não é loucura a decisão do
ministro da Guerra. Vejam, soldados do Brasil, soldados do III
Exército! Comandante, general Machado Lopes! Oficiais, sargentos
e praças do III Exército, guardiões da ordem da nossa pátria.
Vejam se não é loucura. Este homem está doente! Este homem
está sofrendo de arteriosclerose, ou outra coisa. A atitude do marechal Odílio Denys é uma atitude contra o sentimento da Nação.
Contra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra
os trabalhadores, contra os professores, juízes, contra a Igreja.
Ainda há pouco, conversando com S.EXA.REVMA., Arcebispo
Dom Vicente Scherer, recebi a comunicação de que todos os
cardeais do Brasil haviam decidido lançar proclamação pela
paz, pela ordem legal, pela posse a quem constitucionalmente
cabe governar o Brasil, pelo voto legítimo de seu povo. Essa
proclamação está em curso pelo País. As igrejas protestantes,
todas as seitas religiosas chamam por paz, pela ordem legal.
Não é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos.
Queremos ordem civilizada, ordem jurídica, a ordem do respeito
humano. É isso.
DESATINO E LOUCURA
Vejam se não é desatino. Vejam se não é loucura o que
vão fazer. Podem nos esmagar, num dado momento. Jogarão o
País no caos. Ninguém impedirá que este País, por todos os seus
meios, se levante lutando pelo poder. Nas cidades do interior
surgirão as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade,
contra o que um louco e desatinado está querendo impor ‘a
família brasileira. Mas, confio, ainda, que um homem como o
general Machado Lopes, que é soldado, um homem que vive de
seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do Exército,
como esta sargentada humilde, sabe que isso é uma loucura e
um desatino e que cumpre salvar nossa pátria.
Tenho motivos para vos falar desta forma, vivendo a emoção deste momento, que talvez seja, para mim, a última oportunidade de me dirigir aos meus conterrâneos. Não aceitarei
qualquer imposição.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
ORDEM SÓ INTERESSA A BRIZOLA
Desde ontem, organizamos um serviço de capacitação de
notícias por todo o território nacional. É uma rede de radioamadores, num serviço organizado.
Passamos a contar, aqui, as mensagens trocadas, mesmo
em código e por teletipos, entre o III Exército e o Ministério da
Guerra. As mais graves revelações quero vos transmitir. Ontem
por exemplo, vou ler rapidamente porque talvez isto provoque
a destruição desta rádio, o ministro da Guerra considerava que
a preservação da ordem ‘só interessa ao governador Brizola’.
Então, o Exército é agente da desordem, soldados do Brasil?! É
outra prova da loucura! Diz o texto: ‘É necessário a firmeza do
III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial’.
Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo considerado inimigo meus patrícios, quando só o que queremos é
ordem e paz.
Assim como este, uma série de outros rádios foi captada
até no Estado do Paraná, e aqui os recebemos por telefone, de
toda a parte. Mais de cem pessoas telefonaram e confirmaram.
(Barricada armada pela população defronte ao Palácio Piratini)
Vejam o que diz o general Orlando Geisel, de ordem do
marechal Odílio Denys, ao II Exército: ‘Deve o comandante do
III Exército impedir ação que vem desenvolvendo o governador
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Brizola. Deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratem de restituir o respeito ao Exército.
O III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza.
Faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande
do Sul que julgar conveniente. A Aeronáutica deve realizar o
bombardeio, se for necessário. Está a caminho do Rio Grande
uma força-tarefa da Marinha de Guerra e mande dizer qual o
reforço de que precisa’. Diz mais o general Geisel: ‘Insisto que
a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da situação
do Rio Grande do Sul, por não terem, ainda, sido cumpridas
as ordens enviadas para coibir a ação do governador Brizola’.
Era isto, meus conterrâneos. Estamos aqui prestes a sofrer a
destruição. Devem convergir sobre nós forças militares para nos
destruir, segundo determinação do ministro da Guerra.
(Barricada armada pela Brigada Militar na Rua da Praia)
Mas tenho confiança no cumprimento do dever dos soldados,
oficiais e sargentos, especialmente do general Machado Lopes,
que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha. Assuma,
aqui, o papel histórico que lhe cabe.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
Imponha a ordem neste País. Que não se intimide ante
os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra a
população civil, contra as autoridades. É uma loucura.
CHACINA
Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul!
Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste
Palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura
e este desatino. Venham, e se quiserem cometer esta chacina,
retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim.
Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído.
Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos
civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o
nosso protesto, lavando a honra desta Nação.
Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos
civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o
nosso protesto, lavando a honra desta Nação.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os
jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa
da fome e do sacrifício do povo! Joguem estas armas contra este
povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norteamericanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia,
nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!
Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais,
será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente.
O nosso adeus! Mas aqui estaremos a cumprir o nosso dever.”
UM DEPOIMENTO PARA A HISTÓRIA
“A manhã do dia 28 de agosto, segunda-feira, começou
com os generais do III Exército reunidos no QG da Rua dos
Andradas. A tensão no Piratini aumentava e Brizola fazia
um pronunciamento patético à Nação, através da Cadeia da
Legalidade.
Brizola ainda não encerrara o pronunciamento e eu saía
da redação com alguns companheiros e nos dirigíamos ao
Piratini. Da rua Sete de Setembro, sede da Última Hora, até
a Praça da Matriz, assistimos a cenas inenarráveis. Dezenas de
pessoas chorando nas ruas. Mulheres com os filhos no colo,
jovens e velhos subiam às pressas a Rua da Ladeira dispostos
a resistir ou morrer com o governador do Rio Grande.
Embora credenciados, não conseguimos entrar no Palácio.
Todas as portas de acesso estavam fechadas e guarnecidas por
elementos da Brigada Militar fortemente armados. Alguém
na multidão deu um grito que poderia ter determinado uma
tragédia: ‘Ali estão os golpistas’.
O general Machado Lopes, comandante do III Exército,
à frente de um grupo de oficiais, se aproximava do Palácio
Piratini lentamente. A massa começou a deslocar-se na direção
dos militares. Foram segundos da mais alta dramaticidade.
O Hino Nacional brotando da garganta de milhares de
pessoas, petrificou os oficiais. Eles pararam e cantaram com
o povo. Machado Lopes estava emocionado e trêmulo. O III
Exército estava aderindo à Legalidade.”
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
ADESÃO DO IIIº EXÉRCITO
Num misto de patriotismo, amor ao Brasil e devotamento
à Pátria e sua constituição, o General Machado Lopes teve a
coragem, a hombridade, a grandeza de aderir a um movimento
popular que clamava pelo cumprimento da lei.
Em meio a esta crise toda a UDN e seus aliados civis e
militares tentaram, via Congresso Nacional, votar o “impeachment” do presidente Jango, apesar de toda a mobilização
deste poderoso grupo, apoiado por boa parte da imprensa do
centro do país, este foi derrotado por 300 votos contra 12, uma
esmagadora maioria. Esta decisão dos deputados fortaleceu a
resistência no Rio Grande do Sul, pois com a adesão do IIIº
Exército tudo ficaria mais fácil.
A DEFESA DA CAPITAL
Porto Alegre estava pronta para resistir até o último homem, militares e civis estavam coesos, unidos em torno da
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
bandeira de legalidade, era a força gaúcha que clamava pelo
cumprimento da constituição.
O Parque Farroupilha se transformou num palco de guerra,
lá foram instalados os canhões antiaéreos e foi montado um
grande acampamento militar, dali partiria a resistência.
(Parque da Redenção – IIIº Exército preparado para entrar em cena)
Em Santa Maria o general Pery Bevilácqua atendendo ao
apelo do general Machado Lopes, mobilizou seus comandados
e deslocou para Porto Alegre seu armamento pesado, canhões,
caminhões, pela Viação Férrea, pois Santa Maria era na época
a capital do transporte ferroviário.
Meu sogro, Dejanir Antonio Tesser de Vargas, que na
época trabalhava no Departamento de Manutenção da Rede
Ferroviária, me relatou que a movimentação de material bélico
foi muito grande.
A REAÇÃO DO GENERAL DENYS
O General Denys imediatamente preparou um contra
ataque, estava disposto a aniquilar as tropas militares do Rio
Grande do Sul, não lhe importava quantas vidas seriam necessárias para cumprir com a sua vontade. Das duas uma este
homem era um insano ou um grande jogador. Ou se tratava de
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
uma loucura ou de um blefe. O fato é que as tropas chegaram
a marchar contra os seus próprios companheiros de caserna,
contra o seu próprio povo.
A adesão do IIIº Exército, a mobilização popular e a
opinião pública brasileira fizeram com que o General Denys
repensasse sobre suas decisões e decidisse desistir do golpe
militar que estava sendo executado e desistiram da ação bélica
contra o povo do Rio Grande do Sul e a favor da Constituição
e da Legalidade.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
A POSSE DE JOÃO GOULART
Via Uruguai, João Goulart chegou a Porto Alegre no dia 1º
de setembro de 1961. No dia seguinte, foi aprovada a emenda
parlamentarista. Devidamente aconselhado por Tancredo Neve,
João Goulart concordou em assumir a Presidência nos limites
traçados por um parlamentarismo de emergência. Por outro
lado, a emenda marcava uma data para um plebiscito com a
finalidade de ver se o povo aprovava ou não o novo sistema.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
No dia 5 de setembro, Jango chegou a Brasília e no dia 7,
dia da Independência, prestou juramento perante o Congresso.
No dia 8 de setembro, Jango enviou ao Parlamento brasileiro a indicação de Tancredo Neves para primeiro-ministro e os
nomes para compor o ministério. O nome de Tancredo Neves,
ex-ministro de Vargas, foi aprovado por 259 votos contra 22.
Os outros ministros, por 246 contra 10. Um liberal conservador e simpático, PSD mineiro, favorável a algumas reformas,
desde que a terra não fosse tocada; Tancredo Neves deu, sem
dúvida, uma margem de respeitabilidade para o novo regime.
Quanto ao seu ministério, destacamos os nomes de Santiago Dantas, ex-integralista que aderira ao PTB, defensor da
política externa independente; Gabriel Passos, ministro de
Minas e Energia, UDN, porém nacionalista; Moreira Salles,
ministro da Fazenda e homem de confiança do capital financeiro internacional, etc.
Contrariada em suas intenções de subir ao poder, a UDN
fez uma intransigente oposição a João Goulart desde o início,
embora ele, na prática, fosse o rei que reina e não governa.
Tal oposição se dava através de jornais como a Tribuna da
Imprensa, Estado de São Paulo e O Globo. Economicamente, o
país atravessava um impasse, sem reformas de base o modelo
industrial não progrediria.
O dólar passara de $ 250 para $ 800 cruzeiros e a dívida
externa subira para US$ 3,4 bilhões de dólares. Moreira Salles
sugeriu que Jango fosse conversar com o presidente Kennedy
para reescalonar a dívida.
Jango foi e, em abril de 1962, conversou com Kennedy em
Washington, porém de nada adiantou. O preço exigido foi alto,
ruptura com Cuba, liberdade na remessa de lucros, não reatamento com os países socialistas, etc. O presidente não podia
concordar com tudo isso, feria diretamente os seus projetos.
O PLEBISCITO
A campanha para que o povo comparecesse às urnas foi
intensa. Os defensores do parlamentarismo não podiam exatamente defender um sistema que só acumulara fracassos em
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
dois anos, por isso, se limitaram a advertir que colocar o poder
nas mãos do presidente significaria abrir espaços ao esquerdismo. Quando computados os votos plebiscitários, 10 milhões
tinham votado contra o parlamentarismo e apenas 2 milhões
tinham votado a favor. Vencera o presidencialismo com cinco
sextos dos votos. Desse modo, no dia 23/01/1963, foi revogado o chamado ato adicional número 4 e o país retornava aos
parâmetros da Constituição de 1946. Mais uma vez a fração
direitista, incluindo a UDN e seus aliados no setor militar e
político, com base no capital estrangeiro, tinham perdido a
parada. O governo João Goulart ainda teria uma sobrevida,
mas isto é assunto para outro livro.
A CADEIA DA LEGALIDADE – CONCLUSÃO
Há 50 anos, uma rede não comercial de rádio, com estúdios nos porões do Palácio Piratini, foi a principal arma da
população para evitar um golpe de Estado. Entre 27 de agosto
e 5 de setembro de 1961, jornalistas, radialistas e políticos
revezaram-se em frente aos microfones desta emissora com um
único objetivo: manter a população mobilizada para garantir
a posse do vice-presidente João Goulart. “Ainda temos que
analisar muito daquele episódio”, diz Lauro Hagemann, um
desses radialistas e que se tornou a “Voz Oficial” dessa rádio,
a Rádio da Legalidade. “Não foi um acontecimento local, tinha
muitos interesses envolvidos, inclusive internacionais”.
Eram os anos da Guerra Fria, a da disputa pelo domínio
do mundo entre Estados Unidos e União Soviética. Mas a causa
imediata da formação da “Rede da Legalidade” foi a renúncia
do presidente brasileiro Jânio Quadros, dia 25 de agosto de
1961. Naquele tempo, não se votava em chapa para presidente
e vice. Eram votos separados e o resultado da eleição de 1960
dera a vitória de Jânio apoiado pela UDN e PTN e o cargo de
vice a Jango, pelo PTB. Isto é, o presidente era de um partido,
o vice de oposição.
Isso já era complicado, mas não era tudo. Jânio nunca
teve grandes ligações com partidos políticos e quando se tornou presidente pouco ligou a seus apoiadores. Um deles era o
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
governador do estado da Guanabara (hoje Rio de Janeiro) e
jornalista Carlos Lacerda, que logo se transformou num crítico
feroz do presidente. Só que não era a favor do vice. Não. Ao contrário, apesar de fazendeiro bem-sucedido, Jango era visto como
um esquerdista, um político que poderia implantar o comunismo no Brasil, desequilibrando a América a favor dos soviéticos
(que tinham acabado de conquistar Cuba) na Guerra Fria.
Jânio renunciou no Dia do Soldado, enquanto Jango fazia
uma visita oficial na Ásia, e a solução natural era que o vice
assumisse.
Porém, os ministros militares, que na época mandavam na
política, eram contra. O presidente da Câmara Federal, Ranieri
Mazzili, assumiu interinamente a presidência.
A notícia da renúncia chegou a Porto Alegre na mesma
manhã, numa cerimônia militar a que o governador Leonel
Brizola assistia. Era uma sexta-feira fria e chuvosa. Depois da
cerimônia, o governador procurou se informar direitinho sobre
o que estava acontecendo, e a cada telefonema ficava mais tenso.
Última Hora, jornal de Samuel Weiner e historicamente ligado
ao trabalhismo, publicou uma edição extra de oito páginas ao
final do dia 25, com uma capa que já apontava dificuldades
em breve. Na metade direita da página, uma foto de Jango,
na metade esquerda, debaixo do título “IMPOSIÇÃO DA LEGALIDADE”, está a reprodução do artigo da Constituição que
garantiria a posse do vice. E no rodapé, como uma legenda em
corpo enorme o texto: “Segundo se informa, o sr. João Goulart, novo Presidente da República, regressará amanhã ao País,
procedente de Hong Kong, onde se achava em missão oficial,
para assumir a Suprema Magistratura da Nação. A chegada do
novo Presidente da República está prevista para as 13 horas”.
Mais que uma notícia, era um desejo e uma forma de pressão, porque o que acontecia nos bastidores e abertamente em
Brasília resultaria por atrasar essa chegada em uma semana.
Os ministros militares, tendo à frente o general Odilo Denys, do Exército, eram contra a posse de Jango e colocaram os quartéis em prontidão. A edição de
sábado refletia a tensão. Manchete: “Jango a UH: ‘Meu
dever é assumir’ ”. Embaixo, sob os títulos ontem, hoje,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
amanhã, fotos de Jânio, Mazzili e Jango. Editorial do jornal: “Ao povo: pela ordem e pelo regime”. Manchete na
página central: “Armas nas ruas pela paz de Porto Alegre”.
Naquele sábado, o governador só saiu do Palácio para a abertura da Exposição agropecuária realizada no bairro Menino
Deus (a precursora da Expointer). Atendeu telefonemas de
jornalistas de outros estados, falou com aliados, conversou com
Jango por telefone, implorando que viesse. Mas a situação se
agravava. Às 3 horas da manhã de domingo, 27, direto dos
porões do Palácio Piratini, na Assessoria de Imprensa, falou
através das rádios Farroupilha e Gaúcha. Depois de citar a
renúncia de Jânio como irreversível e defender a legalidade
da posse de Jango, denunciou:
“Entretanto, a politicagem, os sentimentos inferiores e
golpistas de alguns círculos dessa República vêm entendendo
que não se deve dar posse ao vice-presidente da República, ou
melhor, que se deve impedir que o presidente constitucional
do Brasil, que no momento é o sr. João Goulart, exerça suas
funções”.
Depois, assegurou não aceitar “quaisquer golpes, não
assistiremos passivamente quaisquer atentados às liberdades públicas e à ordem constitucional”. Brizola ainda pediu
que “cada um” tomasse medidas contra o golpe e encerrou: “Defendemos a ordem legal, defendemos a Constituição, defendemos a honra e dignidade do povo brasileiro”.
Às 11h38min da manhã de domingo as rádios Farroupilha e
Gaúcha (que eram empresas diferentes) foram fechadas por
ordem federal. Ao meio-dia, Brizola recebeu o comandante
do III Exército, general Machado Lopes, que anunciou apoio
à Legalidade.
O governo gaúcho requisitou a rádio Guaíba, para fazer
novo pronunciamento. Às 14h23 ele anunciou que a partir daquele momento aquela era a “emissora oficial” que iria transmitir os comunicados do governo. Vinte e cinco anos depois, em
depoimento ao livro “Legalidade 25 anos”, da editora Redactor,
ele recordou: “Falei de improviso e sob grande tensão, medindo, tanto quanto possível, as minhas palavras. Demonstramos,
perante a população, o desatino em que estavam incorrendo
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
as autoridades de Brasília”. “A partir deste momento, começou
a funcionar a Rede da Legalidade, com a integração de uma
quantidade crescente de pequenas emissoras às transmissões da
rádio Guaíba. Centenas de jornalistas, nacionais e estrangeiros,
sob a coordenação de Hamilton Chaves, desenvolveram um
admirável trabalho que sensibilizou o povo brasileiro, civis e
militares, por todos os quadrantes da Nação.”
Voz oficial:
Na segunda-feira, Lauro Hagemann apresentou-se para
participar da Rede da Legalidade. Ele era o locutor do Repórter Esso, o noticiário de rádio mais bem conceituado. Tinha
credibilidade.
“Quando ouviram a voz do Repórter Esso na Rádio da
Legalidade, as pessoas deram mais crédito”, acredita. Ele estava
em casa, ouvindo a emissora, quando decidiu: “É uma avaliação subjetiva minha. Mas estava faltando profissionalismo. Os
locutores liam os comunicados sem emoção.
Eu achava que se continuasse assim a coisa ia degringolar.
Estava muito lúdico”.
Depois dele, vieram outros: Ênio Lantieri, Gonçalves Júnior e Petrôneo Cabral foram alguns que se destacaram. Antenor Modula, um dos pseudônimos de João Aveline no jornal,
registrou na sua coluna “TV e rádio” de 30 de agosto: “São
tantos locutores voluntários que a escala não dá mais de meia
hora para cada um”.
Lauro Hagemann considera que este foi um grande momento dos radialistas: “Foi uma atitude da categoria, que se
engajou no movimento. Aquilo foi uma coisa nova por aqui.
Em outros lugares já acontecia isso de rádio servir para mobilizar, mas aqui foi a primeira vez”.
Na segunda-feira, 29, um grupo de bacharéis em jornalismo – Lauro Hagemann, Cipriano Ferreira Bernd, Iara Bendatti,
Circe Mara Citro, Álvaro Val e Nestor Fedrizzi – anunciou
apoio a Legalidade e declarou-se em “reunião permanente”.
Paulo César Pereio e Iara de Lemos, integrantes do Comitê de Resistência Democrática dos Intelectuais, fizeram o
Hino da Legalidade (ele, a letra, ela, a música). Peréio reuniu um grupo de 20 pessoas no estúdio da rádio Farroupilha
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e gravaram o hino, que tocava constantemente na Rede.
A esta altura, o movimento no Palácio era intenso. O governador tinha requisitado alguns revólveres para armar correligionários em caso de um ataque anunciado pelo Exército
Nacional. Montaram-se barricadas nas ruas, em torno do Palácio. No dia 29, em outro pronunciamento, Brizola anunciou:
“O golpe não será dado pelo telefone”. O general Machado Lopes anunciou que não receberia mais ordens de Odilo
Denys e 98 emissoras integravam a Rede da Legalidade. “O
Congresso e o povo do Brasil inteiro têm que saber que, no Rio
Grande, o povo, o governo e o III Exército estão lado a lado”.
Em Porto Alegre, grupos de operários e estudantes faziam
caminhadas pelas ruas, pelo Interior, organizavam-se comitês
de resistência democrática.
Enquanto isso, Jango deslocava-se em direção ao Brasil,
em escalas: de Cingapura para Paris, de Paris para Nova York,
dali para Buenos Aires e então para Montevidéu, onde chegou
em 31 de agosto. Sempre trocando informações com Brizola
e outros líderes políticos do País. No dia 30, os militares lançaram um manifesto contra a posse dele. Em Porto Alegre,
os presidentes do Inter, Luiz Fagundes de Mello, e do Grêmio, Pedro da Silva Pereira, entregaram no Palácio Piratini
documento manifestando “solidariedade ao governador pela
posição assumida em defesa dos princípios democráticos de
nossa Carta Magna”.
Antenor Modula reclamava que está com pouco serviço
(costumava criticar a programação das rádios e até comerciais): “A Rede de Radiodifusão da Legalidade continua no ar,
funcionando com o que há de melhor em matéria de locução. Muito dobrado, muita palavra, especialmente, de ordem”.
No dia 1º de setembro, Última Hora mostrava que a paciência com Jango estava se esgotando: “O Brasil está a sua
espera, presidente”, era a manchete de capa de um editorial que exigia que o presidente retornasse logo: “Volte e
caminhe tranquilo, presidente. Caminha tranquilo para o
posto que o povo lhe conferiu”. Ele estava em Montevidéu,
tinha declarado “A Legalidade sou eu”, mas queria assegurar-se de que sua chegada ao Brasil não geraria conflitos.
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NA HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL
À noite, saiu um Caravalle de Montevidéu, com Jango, líderes
políticos e 300 jornalistas em direção a Porto Alegre. Assim que
está no ar, o avião apaga todas as luzes e voa baixo para não ser
interceptado pela FAB. Às 21h, Lauro Hagemann, pela Rádio
da Legalidade anunciou: “Nesse momento, um carro conduzindo o presidente João Goulart percorre as ruas da cidade”.
O carro chegou 20 minutos depois. Setenta mil pessoas, assegura a Última Hora, estavam na praça. Queriam ouvir Jango,
mas ele apenas acenou para a multidão.
A Rádio da Legalidade ampliava-se: passa a transmitir
também em espanhol, francês e inglês.
Jango não falou também no domingo e a manchete da
página central da edição de segunda, dia 4, registrava: “Povo
não concordou com o silêncio do presidente”. A manchete de
capa, “Legalidade foi traída”, manifestava a opinião do jornal
sobre a emenda que instalava o parlamentarismo no País. Solução que os militares aceitaram para permitir a posse de Jango.
Ainda houve uma tentativa de se votar o impeachment de
Goulart, mas a proposta teve 12 votos a favor e 300 contra.
No dia 5, Jango decidiu embarcar rumo a Brasília. Foi
chamado de voo-suicida, porque havia ameaça de oficiais da
Aeronáutica atacarem o avião quando tentasse pousar na capital. Mas não houve o atentado.
Este foi também o último dia da Rede da Legalidade.
Depois que Jango viajou, a mobilização foi diminuindo, as
pessoas voltando para suas casas. Leonel Brizola falou à noite,
elogiou a participação do povo gaúcho, falou na defesa das
liberdades democráticas e do trabalho de locutores, redatores
e radiorrepórteres que trabalharam na Rede da Legalidade.
“O encerramento foi lacônico. Não houve muita conversa”,
registrou Antenor Modula, na coluna do dia 6.
A Rede da Legalidade encerrou as atividades à meia-noite,
ficando em alerta, como defensora da Constituição Brasileira!
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A História Viva
do Rádio
A narrativa que vem a seguir foi feita por César Celente
e registrada por mim, Marcelo Celente, seu neto, César foi
testemunha ocular e participante ativo da história dos tempos
de Ouro do Rádio Brasileiro e de sua influência política e
social nos fatos marcantes do nosso Brasil que trazem grande
influência até os dias de hoje.
A MORTE DE GETÚLIO VARGAS E O FIM DO DIÁRIO
DE NOTÍCIAS
Era o ano de 1954, uma manhã de sol fresquinha, um bom
tempo. Havia em Porto Alegre algumas emissoras de Rádio,
sendo as principais: Rádio Farroupilha, Rádio Difusora, Rádio
Guaíba. Os jornais eram o Correio do Povo e o principal, o mais
lido era e um jornal chamado “Diário de Notícias”, do grupo
Chateaubriand. Este Diário de Notícias e a rádio Farroupilha
faziam oposição sistemática ao governo federal, falavam mal do
presidente e o atacavam. Ficaram por isso muito impopulares,
marcados e manchados por este posicionamento.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Getúlio Vargas, como poucos, soube utilizá-lo no seu governo,
conquistando brasileiros em todos os cantos do país
Em agosto de 1954, eu trabalhava em uma fábrica de joias,
já era um apaixonado pelo rádio e enquanto trabalhava sempre
escutava as emissoras do momento. Lá pelas 10 horas da manhã, o rádio deu a notícia, era o Repórter Esso, era o Lauro
Hagmann, que anunciou: “O presidente da república acaba de
morrer, suicidou-se”.
Na fábrica todos pararam de trabalhar, ficamos chocados
com a notícia, e aí cada um se armou como podia, pedaço
de ferro, faca, facão, largamos o trabalho, saímos todos para
a rua, em direção ao centro da cidade. Era um dia de sol,
mas todos sentiam no ar uma profunda dor, uma amargura
e tristeza como uma nuvem pairava sobre o ar. Era como se
o mundo estivesse prestes a acabar. Na frente da prefeitura
municipal foram se aglomerando uma multidão de pessoas,
de todo o tipo e idade, todos tristes e revoltados. Em frente,
ao lado da casa Guaspari, tinha um comitê do PTB tocando
música fúnebre, era o J. Pires, e tocando marcha fúnebre e
lendo a carta do Getúlio, e comentava a morte do presidente.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Em Porto Alegre, haviam três jornais: Correio do Povo,
Folha da Tarde e o Diário de Notícias. Algumas rádios: Farroupilha, Difusora, Guaíba... Mas a rádio Farroupilha e o Diário
de Notícias, atacavam o presidente e o seu partido sempre
que podiam, por isso, foram ficando impopulares. No dia da
morte do Getúlio, o povo vinha de todos os bairros, e foram
se aglomerando em frente à prefeitura.
Sem saber o que fazer, Diz-se que alguns então arriscaram
um palpite: “Vamos quebrar a Farroupilha!” A Farroupilha
pessoal! Todos gostaram da ideia, era uma forma de extravasar
o ódio e a tristeza pela morte de um líder, correram todos
até a rádio.
A Rádio Farroupilha era forte, tinha um grande auditório,
uma orquestra sinfônica, um bom departamento de radioteatro,
cantores, entre outras coisas. Lembro de um tenor: Luís Germont, aquela multidão enraivecida invadiu então a rádio, ela
ficava em frente ao porto, e eu ali estava observando. Ouviu-se
uma barulheira ensurdecedora, de coisas sendo quebradas. Da
sacada do primeiro andar, começaram a jogar: máquina de
escrever, telefones, papéis, instrumentos da orquestra.
Lembro que uma máquina de escrever foi jogada, mas
apanhada por um rapaz que sai correndo com ela, muitos gritaram: “Quebra mas não rouba!”. Mas ele saiu e levou embora.
Um homem apareceu na sacada, com um bumbo na mão,
com um ferro pontudo, furou o bumbo e o jogou para baixo.
Em seguida, vieram empurrando um piano de cauda, da
orquestra, o piano foi lançado de forma espetacular, o velho
piano bateu na calçada e soltou um som que soou como um
gemido de dor.
Todos que viam aquela cena ficaram em silêncio, por
alguns momentos. Quando terminaram de quebrar a rádio,
saíram sorridentes. A partir daquela data, nunca mais a farroupilha alcançou popularidade, era, portanto, o seu fim. Mais
tarde foi vendida.
Dali a multidão teve outra ideia: Vamos quebrar o Diário de Notícias, para completar. Em marcha acelerada, foram
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
todos para a Rua da Praia, nas ruas, não se avistava nenhum
policial, nenhuma autoridade.
Entregue nas mãos do povo, era histeria coletiva. Pararam
em frente à porta do Diário, e de repente, arrombaram a cortina e entraram. Ouvia-se de longe o barulho de máquinas que
eram quebradas por paus e ferros. Alguns elementos saíram de
dentro do Diário com as mãos cheias de papel, e alguém ali
colocou fogo, e entraram com fogo nas mãos, alguns gritavam:
— Não queimem! Não queimem! Mas o fogo cresceu logo. As
chamas lamberam tudo o que puderam, em um instante, ali
nas cinzas, ficou enterrado o Diário de Notícias. Mais tarde
o Diário tentou se reerguer na avenida São Pedro, mas não
teve mais público.
Depois de destruir a rádio e o jornal, saíram os populares
pelas ruas, numa espécie de arrastão. De repente, avistaram
a Importadora Americana, embora os americanos talvez não
tivessem nada a ver com a morte do presidente, a firma foi
arrombada, lembro que alguém enfiou uma faca no pneu de
uma moto, foi um estouro e todos correram, sem saber o
que era.
Eu voltei ao abrigo dos bondes, já era entardecer. Aí então
apareceu o exército, na cavalaria, dispersando a multidão que
aos poucos foi se retirando.
Então subiram a Borges, tomaram o bonde e foram indo
para casa. Eu fiquei pensando, enquanto pegava o bonde Glória,
em tudo aquilo que havia acontecido.
Era o fim da Rádio e de um Jornal, pelo ódio do povo
que, exaltado, havia se vingado da morte de seu líder. Getúlio
Vargas: o popular “homem do povo”, que todo dia 1º de maio
aumentava o salário, “trabalhadores do Brasil”, aí o salário era
aumentado.
Fica por aqui a história do fim da rádio Farroupilha e
do Diário de Notícia. A rádio mais tarde foi comprada por
Maurício Sirotski, e hoje é uma das líderes das emissoras de
Porto Alegre. Temos uma grande audiência com Zambiasi e
Gugu. Zambiasi é um craque em ajudar as pessoas, e Gugu
também. Os dois formam uma grande dupla em Porto Alegre
e em todo o Rio Grande do Sul.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Sobre Getúlio Vargas sei de algumas pérolas do seu folclore político:
Tenório Cavalcanti, udenista e adversário político de Vargas, foi ao catete numa comissão de deputados. Andava nas
manchetes dos jornais por causa de suas estripulias em Caxias,
na base da “Lurdinha” (metralhadora) e da capa preta. Getúlio o cumprimentou, olhou bem para o volume do revólver
embaixo do braço esquerdo, sob o paletó:
— Deputado, o senhor está armado?
Tenório ficou vermelho, mas não perdeu a bote:
— Sim, presidente, armado de admiração por Vossa
Excelência.
Getúlio Vargas era presidente da República, em 43, foi a
São Paulo, participou das comemorações na 2.ª Região Militar,
comandada pelo general Mascarenhas de Morais. Houve um
campeonato de “tiro aos pombos”.
Participava o campeão nacional, um major da 2.ª Região,
que nunca errava uma: o pombo voou ele derrubava. Naquele
dia o major estava de azar. Vou o primeiro pombo, “paaaa”.
Errou. Vou o segundo, “paaaa”. Errou. Voou o terceiro, “paaaa”.
Errou de novo. O major foi ficando encabulado, vermelho,
aflito, desistiu.
Getúlio tirou o charuto da boca, consolou o major:
— Major, não se incomode. O senhor atira bem. Os pombos é que voam mal.
Getúlio Vargas nomeou um amigo para a alfândega e
avisou:
— Quando quiserem corromper você, me avise.
Meses depois, recebe uma carta:
“Presidente Getúlio Vargas, por favor me demita urgente.
Os homens estão chegando no meu preço”.
Getúlio Vargas tinha oito anos, já estava lá em São Borja
semeando espertezas. Num dia de conversa fiada, o pai quer
saber o que ele já estava pensando da vida:
— O que você quer ser quando crescer?
— Militar.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
— Por que militar? Meu filho, você sabe que o militar se
arrisca muito? Você sabe que o militar está sempre exposto a
ser morto pelo inimigo?
— Então, eu quero ser o inimigo.
Em 45, um dos militares mais ativo na conspiração para
a derrubada de Getúlio foi o general Newton Cavalcanti. Em
50, Vargas vence as eleições e o general Newton, como chefe
da Casa Militar do presidente Dutra, vai lá acertar os detalhes
da posse. Getúlio está sentado na cadeira de balanço, pernas
estiradas, os olhos semicerrados, fumando seu charuto, entra o
general Newton, ele nem abre os olhos sonolentos:
— Veio me prender, general?
Padre Olímpio de Melo, nome de rua larga em São Cristóvão, duas vezes prefeito da cidade (nomeado e eleito), era o
decano dos políticos cariocas.
Estava no Catete, conversando com Getúlio, foi tirar o lenço
do bolso da batina, caiu um pequeno punhal de prata. Ficou
encabulado, Getúlio sorriu:
— Reverendo, seu rosário caiu.
Em 49, em São Borja:
— O que é que o senhor pensa do general Góis Monteiro?
— Tem uma memória extraordinária. Só esquece os favores
recebidos.
— E o que o senhor está achando da campanha contra a
sua volta?
— Meus inimigos estão de ovo virado. Depois que eu for
eleito, lá estarão todos eles, sorridentes, virando tapete para que
eu passe por cima.
Estava no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, entra Barreto
Pinto.
— Barreto, estás engordando muito.
— Quanto mais trabalho, mais engordo, presidente.
— Nada disso. É o cartório que te dei, Barreto. Cartório
engorda muito.
Osvaldo Aranha, em 53, foi convidado por Getúlio a assumir o Ministério da Fazenda. Os jornais falavam em “posto de
sacrifício”, “salvar o regime”. Aranha foi lá no Catete:
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
— Getúlio, a situação é calamitosa. Não vejo possibilidade
de equilibrar a receita e a despesa.
— Osvaldo, e se nós arrecadássemos a despesa e gastássemos a receita?
Dona Alzira Vargas do Amaral Peixoto era secretária do pai.
Depois do almoço, no Palácio, Getúlio descansava, ele lembrou:
— Pai, tu tens que ir hoje a uma solenidade.
— Por que tu tens, minha filha? Eu não tenho nada. E vou
se quiser. Eu sou o presidente.
E não foi.
Getúlio tinha uma admiração pela poetisa Rosalina Coelho
Lisboa, mulher de um dos diretores da Cia. Sul América de seguros. Um dia, conversava com Agrippino Grieco, o crítico feroz:
— Tu não achas, Agrippino, que a Rosalina é maior poetisa
do Brasil e da América do Sul?
— Da América do Sul não direi, presidente, mas com toda
a certeza ela é a maior da Sul América.
Osvaldo Aranha foi visitar Getúlio no Palácio Guanabara.
Alzirinha mostrou-lhe a cadeira do pai vazia, porque Getúlio
passeava pelo salão:
— Sente, doutor Osvaldo.
— Não, Alzira – disse Getúlio lá do fundo. – Nessa cadeira,
não. Ela é minha e muito macia. O Osvaldo pode sentar se e
tomar gosto. Com o poder não se brinca.
Osvaldo Aranha sentou-se em outra cadeira. Getúlio ficou
mais dez anos no poder. E na cadeira macia.
O repórter vai ao Catete entrevistar Getúlio:
— Presidente, para vencer na política o que é preciso?
— Muita coisa. Boa memória, por exemplo. Em política é
como água no feijão. O que não presta flutua. O que é bom
repousa no fundo.
O RÁDIO NO RIO GRANDE DO SUL
Um locutor carioca de grande fama, que se intitulava Príncipe Baby, foi contratado certa vez para trabalhar na Rádio Farroupilha, de Porto Alegre-RS, lá pela década de 50. Um dia,
ao ocupar o microfone para anunciar o chorinho Enxame de
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Abelhas, de Benedito Lacerda, não teve dúvidas. Leu Encha-me
de Abelhas.
Noutra ocasião, ao anunciar a música Les Cloches de Comeville (Os Sinos de Comeville), disse, com a mesma empáfia:
acabamos de ouvir As conchas de...
Engraçado? Certamente. Na época, porém, ao cometerem
gafes dessa ordem, os locutores precisavam de muito jogo de
cintura para não virar motivo de absoluta piada entre o público
e, pior, entre os próprios colegas.
Historietas tragicômicas como essas integram a parte folclórica de uma ainda prematura história do rádio no Rio Grande
do Sul. Uma trajetória, entretanto, cheia de peculiaridades e
de personagens antológicas, alguns heroicos e aventureiros, responsáveis pela transformação do rádio gaúcho num dos mais
respeitados do Brasil.
Uma história que, comemora grandes datas: A Rádio Pelotense, a mais antiga emissora comercial do Estado e terceira mais
antiga do Brasil, criada em 1925, está a completar 81 anos. A
Gaúcha, de 1927, faz 77, enquanto a Guaíba comemora 47 anos.
São aniversários que devem ser festejados. Até porque a programação e o perfil dessas emissoras têm conseguido acompanhar
os tempos de mudança, os fatos e, principalmente, mantido a
audiência cativa do ouvinte. De quebra, sobretudo a Gaúcha e
a Guaíba têm estabelecido padrões de referência para dezenas
de emissoras brasileiras.
“Nós somos o único Estado, por exemplo, que faz duplex.
Ou seja: que transmite os jogos de futebol ao mesmo tempo,
quando a dupla Grenal jogo no mesmo horário. Em Minas
Gerais, eles estão tentando fazer isso”, salienta João Garcia, o
experiente radialista da Band AM.
Sobre possíveis diferenças entre o radiojornalismo feito aqui
e o produzido em outros Estados, Garcia é taxativo: existem
diferenças, sim.
— O nosso radiojornalismo é de opinião. O de São Paulo
também tem opinião, mas tem muito mais informação, enquanto
o rádio do Rio é informativo.
Mas o tipo de rádio que nós fazemos é realmente único.
Se a gente observar, a maioria das nossas entrevistas é ao vivo,
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
e as intervenções dos repórteres são rápidas. Em emissoras do
Rio e de São Paulo é diferente: há muita entrevista gravada.
Essa é uma característica que distingue o nosso rádio, além do
forte viés investigativo – pontua.
Para Armindo Antônio Ranzolin, diretor-geral da Rádio
Gaúcha, os diferenciais do rádio daqui se explicam, também, pelo
viés cultural: — É uma questão que herdamos da vizinhança.
Ao longo das décadas de 20 e 40, ouvimos muito as emissoras
argentinas. Hoje, o rádio argentino já não tem a mesma qualidade, mas durante muito tempo foi referência, e isso certamente
nos influenciou.
Glênio Reis, lendário apresentador e showman da Gaúcha
e da Farroupilha desde a década de 50, acredita que aqui, realmente, as coisas são diferentes: — Aqui, o rádio faz parte das
nossas vidas, muito mais do que nos outros lugares. Muitas
pessoas deixam o rádio ligado sempre, onde quer que estejam.
É uma mania.
De fato, para muitos, o rádio é um verdadeiro chiclete para
os ouvidos. Há pessoas que não conseguem trabalhar desligadas
do aparelho, enquanto, para muitos ouvintes, se um determinado
radialista ou comentarista não menciona alguma informação, é
porque não se trata de algo importante, tamanha a credibilidade
que certos nomes alcançaram.
O fato é que, amados ou odiados, não podemos falar de
uma “breve história do rádio no Estado”, sem mencionar profissionais como Enio Rockenbach, Rogério Mendelsky, Manoel
Braga Gastal, Lasier Martins, Ivan Castro, César Celente, Gerson
Luiz, Lauro Quadros, Ruy Carlos Ostermann, Flávio Alcaraz
Gomes, Lauro Hagemann, Cândido Norberto, Armindo Antônio Ranzolin, Milton Jung, Walter Galvani, Fernando Veronezi,
Amir Domingues, Sérgio Zambiazi, entre tantos, tantos outros.
Todos já passaram por poucas e boas. As passagens são
muitas, e algumas precisam ser relembradas.
UMA BELA HISTÓRIA
Tudo começou em 1924, quando um grupo de radioamadores trouxe de Buenos Aires a Porto Alegre um aparelho
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
transmissor e inaugurou a Rádio Sociedade Riograndense, nos
mesmos moldes da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, criada
um ano antes por Roquette Pinto e Henrique Morize.
Na noite de lançamento, estranhas engenhocas atraíam os
espectadores. Eram as galenas, muito semelhantes aos fones
de ouvido, que, ligadas a baterias, captavam o som. Alguns
aparelhos tinham também cornetas acopladas para amplificar
o áudio.
A Rádio Sociedade Riograndense deveria manter-se por
meio de mensalidades de 5 mil réis dos cerca de 300 associados,
mas poucos pagavam. Sem fôlego para sustentar os custos de
operação, encerrou melancolicamente as suas atividades antes
de completar dois anos de vida.
Pouco tempo depois, o rádio já chegava a Pelotas, e é
de lá a primeira emissora organizada em moldes comerciais,
registrada, inclusive, como uma sociedade anônima. Era a Rádio Pelotense, até hoje em atividade. Com o seu prefixo POP,
baseava a sua programação nas emissoras de Buenos Aires e
Montevidéu. Tanto o estúdio quanto o transmissor ficavam
no interior do Palácio dos Cristais, tradicional loja do centro
da cidade, que tinha seus produtos oferecidos em reclames
animados transmitidos pelo sistema.
Mas eram poucas as famílias que dispunham do aparelho.
Astutamente, os donos do empreendimento passaram a alugar
rádios receptores mediante a taxa de 25 mil réis mensais. E
assim o negócio foi estruturando-se.
De olho no sucesso alcançado pela Pelotense, o empresário
Carlos Ribeiro de Freitas seguiria o exemplo e faria a primeira
transmissão da Rádio Gaúcha, apresentada à sociedade por
meio do prefixo PRA-Q, A Voz dos Pampas, mais tarde mudada para PRC-2.
Os estúdios e o transmissor ficavam no 6º andar do Grande
Hotel, na Rua dos Andradas, em frente à Praça da Alfândega.
A aparelhagem constituía-se de uma vitrola a manivela, um
microfone e uma enorme corneta, que servia para a propagação das músicas e da voz do speaker, como era chamado o
locutor, além de alguns discos de acetato.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
A potência de 50 watts era inexpressiva, comparada aos
100 quilowatts atuais. Mas, para a época, tratava-se de um
ambicioso empreendimento.
Tanto que a direção se preocupou em criar um departamento comercial, em que os locutores muitas vezes se transformavam em corretores de anúncios. Não demorou que o
rádio se tornasse febre, transformando-se no primeiro veículo
de comunicação de massa do país.
Assumido como veículo de integração nacional, o rádio
foi criando uma base sólida de ouvintes. No Rio Grande do
Sul, a crescente audiência abriu caminho para o surgimento
das rádios Difusora e Farroupilha em meados da década de 30.
A Difusora, “transmitindo diretamente do seu salão grená”,
surgiu em 1934, sob o prefixo PRF-9, graças à visão comercial
de Arthur Pizzoli, proprietário da Casa Coates e representante
dos rádios Philco. O seu objetivo era, evidentemente, o de
vender receptores de rádio, discos, além dos próprios instrumentos musicais e eletrodomésticos.
Já a Rádio Farroupilha, PRH-2, surgiu em 1935 e o seu
nome era uma homenagem ao centenário da Revolução Farrapa. Com potência única no Brasil de 25 quilowatts, instalada
em morro da Bela Vista, era conhecida, por isso, como a mais
poderosa.
Os amplos estúdios ficavam no alto da Borges de Medeiros
com a Duque de Caxias e ali permaneceram até 1954, quando
foram incendiados por populares inconformados com a morte
de Getúlio Vargas.
O ESPAÇO DO DESPORTO
O Desporto sempre atraiu a atenção do público. E tradicionalmente, é a melhor fonte de renda das emissoras. Aliás,
quando falamos de desporto, estamos a falar de futebol. E se
hoje, como sustentou João Garcia na abertura da reportagem,
as emissoras gaúchas são referência por fazerem o duplex, ou
seja, a transmissão simultânea de jogos, até poucas décadas
era difícil a simples veiculação de um único jogo.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
No final dos anos 30, Amaro Júnior e Rui Vergara Corrêa,
da Farroupilha, transmitiam os jogos através de uma linha
telefônica.
Foi na mesma emissora que Luiz Mendes começou a destacar-se como narrador, assim como Rafael Merolino. Ênio
Melo era o comentarista.
Em 1951, Mendes Ribeiro estreava como narrador desportivo, não tardando a ocupar a chefia do Departamento de
Desportos da Rádio Gaúcha. Criou o bordão Deus não joga,
mas fiscaliza. Com a inauguração da Guaíba, migrou para lá,
auxiliado por Milton Ferreti Jung, repórter de campo, e pelo
legendário e carismático Pedro Carneiro Pereira, que também
era piloto de corridas. Walter Galvani conta como foi o seu
último e inesquecível encontro com o colega, em 1973, ano
em que Pedrinho, como era chamado, morreu num acidente
automobilístico:
— Em uma sexta-feira, eu estava no gabinete do Francisco
Antônio Caldas, filho do Dr. Breno Caldas e vice-presidente
da empresa. Aí chegou o Pedro Carneiro Pereira, que o Dr.
Breno queria que fosse diretor da TV2 Guaíba, em implantação. Nesse dia, o Francisco Antônio disse: Pedrinho, nós
não podemos correr o risco de tu continuares praticando o
automobilismo, que tu sabes que é um desporto de risco. Aí
o Pedrinho disse: Domingo vai ser a minha última corrida.
Eu vou me sagrar campeão gaúcho. Basta pontuar. Eu corro
domingo, ganho o campeonato e, segunda-feira, anuncio o meu
afastamento. No dia em que vocês quiserem, estarei pronto
para assumir a direção da TV.
E aquela foi a última corrida dele.
Muitos e muitos jornalistas e comunicadores passaram
pelo desporto. Cândido Norberto foi um deles.
No ano de 1958, a Guaíba se consolidava como a emissora
líder no desporto, ao transmitir da Suécia a Copa do Mundo
de futebol, com fidelidade de som até então jamais alcançada em irradiações de grande distância. O feito deveu-se aos
engenheiros Homero Simon, Alcides Krebs e Hélio Custódio,
depois que Flávio Alcaraz Gomes, chefe da equipe, conseguiu
do centro de comunicações de Berna as condições necessárias
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
às transmissões. Mendes Ribeiro teve, assim, a oportunidade
de fazer o público não apenas gaúcho, como de outros Estados, manter-se ligado aos receptores de rádio, acompanhando
com som praticamente instantâneo os jogos da Copa em que
o Brasil se sagraria campeão.
Hoje, talvez mais do que nunca, o desporto representa
para as emissoras fatia importante das suas programações. Os
espaços mais nobres, por exemplo, são destinados ao futebol,
enquanto já existem emissoras dedicadas exclusivamente aos
desportos, como é o caso da Rádio Pampa AM.
A Pampa opera, inclusive, em duas frequências, e tem
dado oportunidade aos ouvintes de se manifestarem sobre os
seus clubes, dando opiniões por telefone.
OUTROS TEMPOS
A aquisição da Gaúcha marcou o início da construção da
RBS, hoje o maior império de comunicação do sul do Brasil
e um dos maiores do país.
A Rádio Gaúcha é um braço forte da rede, podendo ser
sintonizada nas regiões mais distantes do país e também, em
ondas curtas, na Europa e em toda a América.
Quando veio o satélite, passamos a ter um som mais puro,
vencendo distâncias. Logo depois, chegamos ao telefone celular, que teve a mesma importância que a portabilidade do
rádio representou num primeiro momento, para enfrentar a
televisão. E, agora, vem aí o rádio digital, que vai melhorar
o sinal. Assim, o som AM passará a ter a qualidade do som
FM, enquanto o FM vai ficar igual ao som de um CD. Ou
seja, o rádio vem aproveitando magnificamente a evolução
tecnológica A Gaúcha por exemplo, coordenada por Ranzolin,
reestruturou-se ao longo dos anos, adotando um viés essencialmente informativo.
O seu conteúdo são reportagens, entrevistas e opiniões
quase ininterruptamente. Na maioria das vezes, com um tom
coloquial e improvisado. Para Cândido Norberto, no entanto,
esse viés da improvisação, presente em várias emissoras brasileiras, constitui uma espécie de tendão de Aquiles do rádio:
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
— É que os comunicadores abusam do direito de improvisar,
o que põem risco a qualidade das informações que os ouvintes
recebem.
Eu, que sempre dei muito valor ao texto, o que significa
dizer menos improviso, se pudesse, teria tido uma equipe de
redatores de rádio maior do que a que eu consegui juntar na
Gaúcha. Entre eles, estavam talentos como Sérgio Jockymann
e José Paulo Bisol.
O rádio realmente ajudou a formar alguns dos mais respeitados comunicadores gaúchos, como Jayme Copstein, que
comanda um dos programas de maior sintonia do rádio sulino,
o Brasil na Madrugada, Lauro Quadros, dono de um carisma incomum, e Ruy Carlos Ostermann, o professor, um dos
melhores entrevistadores do rádio brasileiro e comentarista
desportivo que faz a diferença.
O RÁDIO TEATRO
Certamente não existe brasileiro acima de certa idade e
com certa vivência cultural que não tenha ouvido uma peça
de radioteatro. Foi sob a direção do carioca Peri Borges e de
Estelita Bell que o “teatro do invisível” começou no Estado,
no final da década de 30.
(César Celente ao vivo no estúdio da Rádio Gaúcha)
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Inicialmente, eram os sketches, interpretados por pequeno
elenco da Farroupilha que desde cedo tinha como galã Valter
Ferreira. Ele estava na maioria das histórias, geralmente extraídas integralmente de revistas ou de livros, como é o caso
d’A Estalagem Maldita, grande êxito da época.
O sucesso dos radioteatros era tanto que, num único dia,
a Farroupilha chegou a apresentar cinco montagens. Somente
nos seis primeiros anos, foram 278 peças. Entre as grandes
audiências, títulos como Em Busca da Felicidade, Um Rosário
e Uma Saudade, Anoiteceu, Descansa Coração, O Impostor,
A Dama das Camélias.
NOVELAS DE SUCESSO:
Entre outras: Hotel do luar, com Adroaldo Guerra, César
Celente, Aida Terezinha – nessa novela os personagens moravam embaixo da ponte, e Adroaldo Guerra era um milionário
que saia para a rua para viver como mendigo, e vivia com os
outros embaixo da ponte.
O homem da Casa vermelha, com César Celente (Hermer,
o mordomo da casa), Valter Ferreira, Pepeu Ornes, onde o
personagem principal casava e matava suas esposas.
Segundo cálculos da própria emissora, em 1939, mais de
23 mil ouvintes acompanharam as interpretações, um índice e
tanto para a época. Outro dado: no início dos anos 50, eram
12 novelas semanais.
E não porque eram boas, mas porque não havia nada
melhor e, além disso, eram sempre garantia de centenas de
ouvintes.
Ernani Behs, por exemplo, chegou a interpretar nove
personagens simultaneamente: numa peça era cego; na outra,
político, fazendeiro, escritor, médico, advogado, presidiário,
boêmio, paralítico. Sobre a sua experiência como ator, contou certa vez ao amigo Sérgio Dillenburg uma passagem, no
mínimo, rocambolesca:
— Em determinado capítulo, dois homens duelavam pelo
amor de uma donzela. Era um duelo ao ar livre. E como eram
ruídos dirigidos à vida rural, tínhamos sons de folhas secas,
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
de pássaros cantando, sons de tiro ao ar livre, havia também
mugido de vaca, relincho de cavalo, tinha de tudo. O operador, que era um sujeito muito competente, marcava os ruídos
que a gente usaria com uma fita durex. Mas, naquele dia, ele
não marcou. Bem, estávamos no meio do duelo, viramos de
costas, contamos 15 passos e ficamos esperando o tiro. Mas
aí veio: Muuuu!!! Quando entrou aquilo, foi um horror no
estúdio. O operador, nervoso, desligou tudo. Então, o Valter
Ferreira, sem saber que o microfone estava desligado, gritou:
Não te escondas atrás da vaca, covarde! Depois, disse outras
asneiras. Mas isso não estava no ar. Quando voltou, contam
que eu estaria dizendo: Não vá me matar a vaca! Depois,
todos caímos na risada.
O radioteatro era, sim, uma garantia de sucesso, mas o
veículo também tinha de se virar para surpreender o ouvinte.
E aí vieram as mais variadas maluquices, como a transmissão
de corrida de automóveis, feitas por Ernani Behs, que também
saltou de paraquedas e mergulhou no cais do porto, ocasião
em que levou o maior susto, quando começou a entrar água
pelo equipamento.
Eu gostava de radioteatro, então fui estudar na Escola Mário Ornes, que ficava nas dependências da Rádio Farroupilha.
Um dos criadores da Escola era Mário Ornes, que também
trabalhava como professor, Valter Broda, e mais alguns que
não me lembro agora.
Ali eu me formei e fui trabalhar na Rádio Gaúcha, ela
tinha boa audiência e muitas e novelas: a da uma, das três,
das seis, das oito e por aí lá vai. O Diretor do radioteatro era
Valter Ferreira, Pepê Ornes dirigia novelas
Nas novelas trabalharam: Rena Ceriana e Leonor de Souza,
Pepê Ornes, Luiz Sandin, Airton Duarte, Rosalina Corrêa, Jane
Macedo, Adroaldo Guerra, José Fontes, Gerson Luiz, Carlos
Augusto, Lídia Zuch, TIa Eva, Sanches Neto, Aida Terezinha,
Linda Gay, a bela Rochele Hudson, Moacir Ribeiro, na contrarregra, Luiz Bittencourt, na sonoplastia, As novelas vinham
da Rádio Nacional, o script e aqui era copiado e distribuído.
Tem muitos outros nomes do radioteatro, que não me lembro
agora, é difícil.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
(Elenco do Rádio Teatro: César Celente, Pepê Órleans, Sanches
Neto, Tia Eva, Esther Castro, Luiz Sandin, Carlos Nobre)
A Rádio Gaúcha ia bem, programação variada, audiência
fiel e integral, um dia fomos todos chamados para uma reunião
no auditório, todos os funcionários e atores reunidos com
muito borburinho, neste dia nos foi apresentada a pessoa que
iria mudar o rumo da comunicação no Sul do Brasil, Maurício
Sirotski (que era Maurício Sobrinho) e Arnaldo Bauvê os quais
tinham comprado a rádio e informaram a todos os presentes
que vinham para alavancar e marcar época no rádio brasileito.
Tive a oportunidade de ver nascer o movimento tradicionalista, por obra de Paixão Cortes, Darcy Fagundes e Dimas
Costa.
(César Celente & Dimas Costa)
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
No programa de variedades apresentado por mim ao vivo
no Edifício União, conheci e trabalhei com Dimas Costa, um
dos baluartes do nativismo. Naquela época pouco se falava em
tradições gaúchas, mas pouco a pouco o novo movimento de
retorno às origens foi tomando força e vigor. Hoje o amor às
tradições gaúchas está presente em todos os rincões de nossa
terra. Vejam a beleza do acampamento Farroupilha que a cada
ano fica mais atuante.
Conduzida pelas mãos e pela voz de Maurício Sobrinho a
rádio Gaúcha cresceu, tínhamos também a presença de Carlos Nobre, o maior humorista que o Rio Grande já teve. Ele,
Nobre, era natural de Guaíba e por longos anos foi o dono
da coluna mais tradicional do jornal situada na última folha
de ZERO HORA, hoje ocupada por um homem que faz jus
ao seu talento: Paulo Santana.
(Fortunato Ferreira, Fábio Silveira, Carlos Nobre, Ivan Castro, César
Celente, Sanches Neto, Luiz Sandin, Domingos Terra e Carlos
Augusto)
Carlos Nobre, era um dos principais humoristas da rádio
Gaúcha, escrevia e dirigia programas de humor. Depois foi
trabalhar na rádio TV Gaúcha, jornal do almoço, etc. Quando a TV foi se popularizando, o rádio diminuiu, o elenco de
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
radioteatro fechou e os atores foram indenizados, justamente
pelo Mauricio que sempre foi amigo de seus empregados.
Ivan Castro fazia o Show do Gordo, que acabou quando uma tragédia causou várias mortes na Avenida do Forte,
quando estava indo para o programa.
(César Celente, Luiz Sandin, Ivan Castro)
Futebol em três tempos tinha um comentarista para cada
time Eu falava sobre o Juventude, Carlos Nobre (que também
editava o programa) sobre Inter e Grêmio, Fabio Silveira tinha
um programa a meia-hora, tipo o que Zambiasi tem hoje, onde
fazia broncas aos causadores de problemas a sociedade, mas se
empolgou demais dando bronca, que morreu do coração, era
muita gente pobre, doente, mal de vida, que ele ajudava, mas
acabou não aguentando. Teve em estúdio e em auditório. Com
auditório, Luis Sandin era o juiz, Leonor de Souza era a miss
copa, e cada um ia caracterizado com a camisa de cada time.
O maior foi no cinema castelo que era enorme ficou lotado.
Outro personagem marcante era Jota Bronquinha (que era
o Fábio Silveira), trabalhava no humorismo e tinha um programa de rádio com uma audiência fantástica. Neste programa ele
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
ajudava os menos favorecidos e trabalhava para corrigir injustiças. Hoje no rádio moderno podemos identificar a sua figura
com a de Sérgio Zambiasi, também um radialista formidável.
(Fábio Silveira o J. Bronquinha a voz do povo no rádio)
Um dos programas de maior sucesso na rádio daquela época
foi o “Futebol em três tempos”, que era dirigido e escrito pelo
Carlos Nobre. O programa de maior sucesso aqui no Rio Grande
do Sul. Ia ao ar todos os domingos e era apresentado ao vivo,
com a presença de grande público, era apresentado no cinema
Castelo na Av. João Pessoa quase com a Azenha e reunia os
mais famosos atores do rádio sul-rio-grandense.
Maurício foi contratando mais artistas para engrandecer
o elenco. Veio aí Paulo Ricardo trabalhar junto, e ficamos por
muito tempo trabalhando e atuando com muita vontade, com
muito prazer, aquilo tudo para nós era a melhor coisa do mundo,
encontrar as pessoas na rua, dar autógrafos, falar das novelas,
dos personagens... até que apareceu a televisão e o departamento
de radioteatro foi encerrado.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Hoje a programação é outra, o rádio mudou, adaptou-se
aos novos tempos, um programa de hoje que tem origens no
rádio antigo é o do nosso amigo Sérgio Zambiasi.
Estudei radioteatro, e aí entrei para o teste da Rádio Gaúcha,
11º andar, edifício 1, Maurício Sirotski ainda não havia comprado
a rádio. Ali tinha auditório e radioteatro, a TV aquele tempo
não aparecia, existia no Rio e São Paulo. Fiz curso na escola
Mário Ornes, irmão do Pepê Ornes, funcionava na Farroupilha.
Ao me formar, me deram chance em outra rádio, a Rádio
Gaúcha. Aí passei a trabalhar no radioteatro, dirigiam Pepê
Ornes, Valter Ferreira, e mais alguém que não me lembro. Aí
apareceu Maurício Sirotski, e Arnaldo Bauvê, compraram a Rádio Gaúcha. Fizeram uma reunião, pelo ano de 55, no auditório,
para apresentar o Maurício, novo dono, e o pessoal estava todo
lá. Maurício era muito comerciante, em seguida ele contratou
pessoal da Farroupilha, como se contrata um jogador hoje.
O Carlos Nobre fazia humorismo, como Fábio Silveira, Ester
Castro, Ivan Castro. E eu César Celente, programa de auditório,
“Futebol em três tempos”, e mais uns: “Balança mas não cai”, e
programa que vinha de Rio e São Paulo, que era interpretado
do script, tudo ao vivo (naquele tempo se gravava só novela,
em fim de ano quando tinha férias).
A rádio Gaúcha, com Maurício subiu, desenvolveu-se, tornou-se líder de audiência e a Farroupilha passou para segundo
lugar. Além dessas, havia a Rádio Difusora, que era 3º lugar.
(César Celente & Fábio Silveira – Rádio Gaúcha ao vivo no auditório)
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
AUDITÓRIOS E GRANDES FESTAS
Se os radioteatros e as esquisitices inventadas pelos repórteres procuravam atrair a audiência e provocar uma balbúrdia saudável entre o público, o que dizer dos programas
de auditório?
O primeiro que se tem notícia, o A Hora do Bicho, era
animado por Antônio Amábile, mais conhecido como Piratini.
O programa era apresentado semanalmente na Difusora, entre
o final dos anos 30 e meados da década de 40.
A fórmula para lotar o auditório da Rua 7 de Setembro
era simples: sorteio de brindes, conjuntos musicais, cantores
convidados ou amadores, além das indefectíveis piadas. Piratini, entretanto, optou por largar o rádio e cuidar do seu
comércio, uma joalheria.
Depois dele, começaram a aparecer programas de auditório em todas as emissoras. Na Difusora mesmo, havia o
humorístico Serões da Dona Generosa, escrito por Érico Kraemer, também conhecido como Roberto Lys, que era o mais
sintonizado.
Já a Farroupilha dos anos 50 e 60 tinha o talento de Ary
Rêgo, que apresentava o Clube do Guri, programa que revelou
a genialidade precoce de Elis Regina. Mas foi Maurício Sirotsky
Sobrinho quem marcou a época dos grandes programas de
auditório.
Já em 1939, em Passo Fundo, dava os primeiros sinais de
vocacionado comunicador. Trabalhando no Serviço de AltoFalantes Guarany, convenceu o proprietário a lançar um programa de calouros por meio dos alto-falantes. Projeto aprovado,
Maurício colocava um microfone na janela do prédio onde
estava a cabine de locução, enquanto centenas de pessoas, de
pé, junto à Praça Marechal Floriano, participavam.
O sucesso da brincadeira motivou o convite, por parte de
Arnaldo Balvé, para que Maurício trabalhasse com corretagem de anúncios para as Emissoras Reunidas. Isso em Passo
Fundo mesmo.
Seguiu no ofício, até que se mudou para Porto Alegre.
Na capital, consagrou-se com o Programa Maurício Sobrinho.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Veiculado pela Gaúcha diretamente do antigo Cinema Castelo,
então um dos maiores da cidade, o programa se transformaria
no maior acontecimento radiofônico desse gênero. Entre os
astros e estrelas convidados, nomes como Lúcio Alves, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Marlene, Agostinho dos Santos,
Emilinha Borba e Dircinha Batista, todos com cachês pagos.
“O programa do Maurício constituiu o antes e o depois do
rádio rio-grandense”, enfatiza Ênio Rockenbach. E relembra:
— No final das audições, eu e Salimen Júnior embarcávamos no reluzente Chevrolet do Maurício e íamos para o centro
bebericar na Confeitaria Indiana. Muitas vezes, ficávamos os
três sentados, eu e o Salimen ouvindo o Maurício falar sobre os
seus projetos e sonhos. Ele fazia sempre um misterinho sobre
determinada tacada que pretendia dar. Um desses mistérios,
depois ficamos sabendo, era a compra da Rádio Gaúcha, do
Arnaldo Balvé.
A programação era parecida com a de hoje: Havia noticiário, programa esportivo (de futebol, com Mendes Ribeiro, que
saiu da Farroupilha para a Gaúcha), mais muitas novelas, tinha
até locutor que gaguejava. A programação era o dia inteiro.
Maurício Sobrinho tinha programa de auditório e era
animador na rádio, programa de calouros, Elis Regina surgiu
num programa de auditório da rádio. Um dia estávamos lá
em cima, num café, Elis estava junto, pois não era famosa
naquele tempo, mas era cantora, ela estava com uns livros
que ela estudava, então perguntei: — Elis, o que é a felicidade
para você? Ela respondeu: “É a capacidade de adaptação ao
meio-ambiente, isto é a felicidade”. Um cantor que estava surgindo era Teixeirinha, logo ganhou fama, começou cantando
na rádio Gaúcha.
Gaúcha de Porto Alegre, Elis nasceu em 17 de março de
1945. Aos 7 anos fez sua estreia como cantora em um programa de rádio chamado Clube do Gurí.
Durante 2 anos, dos 9 aos 11 anos, cantou semanalmente
nesse programa, tornando-se famosa na cidade como cantora
mirim.
Desde aquela época já se notava o que seriam suas marcas
registradas de personalidade: insegurança e nervosismo.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Elis carregou consigo essas características por toda a sua
vida e nunca reconheceu em si mesma o que todos reconheciam: ela era a maior cantora do Brasil.
Antes dos 14 anos assina seu 1º contrato com uma estação
de Porto Alegre, a Rádio Gaúcha.
Apesar das resistências da mãe, ela prossegue na carreira
e, em pouco tempo, já está sustentando a família.
Aos 15 anos grava seu 1º LP (Brotolândia). Rapidamente
se sucedem mais 2 discos...
Em 1959 o primeiro contrato profissional, com a Rádio
Gaúcha de Porto Alegre, para se apresentar no Programa Maurício Sobrinho de Maurício Sirotsky Sobrinho.
Grava para a Continental um compacto simples com as
músicas: Dá sorte e Sonhando.
Cursa seis meses de clássico no Colégio Estadual Júlio de
Castilhos e transfere-se para o curso normal da Escola Diogo
de Souza. Grava o primeiro LP para a Continental: “Viva a
Brotolândia”, produção de Nazareno de Brito. 6 de dezembro:
Com uma grande festa, Elis é coroada “Rainha do Disco Clube”, em Porto Alegre.
Em 1962 grava o segundo LP para a Continental: “Poema”.
31 de dezembro: Recebe no Salão de Atos da PUC, em Porto
Alegre, o prêmio de melhor cantora do ano.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Depois Grava, para a CBS, O LP “O Bem do Amor”, produzido por Evandro Ribeiro. Abandona o curso normal ao
terminar o segundo ano.
Em março de 1964, Elis transfere-se para o Rio de Janeiro.
Assina contrato com a TV Rio, onde participa do programa
Noites de Gala, Trio Iraquitã, Jorge Ben e Wilson Simonal.
“Amo a música, acredito na melhora do planeta, confio
em que nem tudo está perdido, creio na bondade do ser
humano se intuo que loucura é fundamental. Agora só me
faltam carneiros e cabras pastando no meu jardim. Viver
é ótimo.”
Elis
Também atuava em teatro. A melhor lembrança que tenho
foi da peça “Os Passos de Jesus”, escrita e dirigida pelo saudoso Procópio Ferreira, encenado no Teatro São Pedro, toda
a minha família atuou nesta peça. Mais tarde para assistir
tive de ir na casa de um vizinho. Não se ganhava muito, por
volta de 2 salários.
Poucos tinham carro, a turma, por brincadeira, olhava o
carro por trás: O que tinha mais sinaleiras era o mais rico.
César Celente & Dulce Pereira Dias (atriz)
Das mulheres, lembro de Rochele Hudson, atriz, uma das
estrelas, Aida Terezinha era a ingênua e a Leonor de Souza
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
trabalhava junto dela, fazendo a Dama Central, a Linda Gay,
tinha Mariza Fernanda, também.
Em resumo, o radioteatro era programas de auditório,
música, humor, esporte e novelas.
Os programas caipiras faziam grande sucesso, pois buscavam raízes no povo do interior do Brasil e com muito bom
humor e criatividade encantavam o povo gaúcho.
O RÁDIO E A TV
De repente, apareceu alguém para fazer um circuito fechado de televisão, a televisão ficava lá embaixo na rua, o
aparelho receptor. O Maurício então gostou da TV, que tinha
na Rádio Farroupilha, no morro Piratini. Um técnico dos bons,
conseguiu criar um circuito por conta própria, o Maurício
se entusiasmou, arrumou um sócio e abriram uma TV, onde
agora é a RBS.
Como ainda não era popular, por poucos possuírem o
aparelho de TV, o forte ainda era o rádio.
Com o surgimento da televisão, o rádio teve que, progressivamente, encontrar outros espaços.
Na sala das pessoas, o rádio perdeu lugar para a TV. E
quando isso aconteceu, percebeu-se que ele não podia ser mais
um receptor estático.
Tinha de ser um receptor portátil. Enquanto o rádio procurava alternativas para se manter, a TV, por outro lado, ia se
apropriando e adaptando a programação radiofônica ao seu
formato. É lícito dizer que a maioria dos primeiros programas
de TV era totalmente inspirada no parente mais velho. Aliás,
grande parte dos apresentadores desse novo veículo também
vinha do rádio.
E, se muita gente, acostumada às imagens por vezes estonteantes exibidas na televisão, vê no rádio um veículo limitado
devido ao fato de ele, justamente, não trabalhar com imagens,
o veterano Cândido Norberto faz a justa defesa dos sons e
das palavras: — Eu sustento a tese de que o rádio tem as
imagens mais bonitas que se pode dispor. É aquela história
da imagem criada pela imaginação de cada um dos ouvintes,
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
ao toque mágico desta coisa fantástica chamada palavra. A
palavra deflagra o processo da criatividade.
E o ser humano, por mais humilde, por mais ignorante
que seja, tem imaginação que extrapola, que supera a melhor
imagem da TV. Cada ouvinte faz a sua bela mulher, que pode
ser alta, magra, esguia, gordinha...
E é informando ouvintes, fazendo companhia a centenas
de milhares de pessoas e sugerindo que podem ser as mais
sublimes imagens, que o rádio tem não apenas se mantido e
se superado, como conquistado admiradores e ouvintes dentro
e fora do Estado.
O MUNDO DO RÁDIO
Comunicação Verbal
O Surgimento do Rádio
Para que fosse possível existir a radiodifusão nos moldes
que conhecemos hoje, foi necessária uma série de fatos como:
– O surgimento do telégrafo elétrico em maio de 1844
– A previsão das ondas de rádio feita por James Maxwel em
1860, que só foram realmente descobertas em 1887 por Hertz.
No início da década de 1880, surgiu o telégrafo sem fio,
possibilitando a comunicação entre lugares mais distantes, em
1896 o primeiro sistema de radiocomunicação foi registrado
em 1897, ocorreram as primeiras transmissões marítimas e a
radiotelefônia possibilitou a transmissão da voz humana pela
primeira vez às vésperas do natal de 1906, que só foi possível,
com a utilização da válvula elétrica de Lee Forest, melhorando
e possibilitando a radiodifusão.
A primeira vez em que se levantou a possibilidade do
rádio ser usado como um veículo de comunicação de massa,
foi quando David Sarnoff enviou um memorando para seus
superiores, após ter transmitido notícias sobre o naufrágio do
Titanic, e com isso ter notado que o público deu grande atenção.
Depois disso levaram aproximadamente 10 anos para que
se tornasse um fato real o rádio como meio de comunicação
de massa. Também em 1919, instalou-se uma emissora experimental em New York, mas o rádio só tornou um meio
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
de comunicação de massa anos depois, ganhando grande
popularidade.
Rádio no Brasil
No fim da década de 1890, um padre brasileiro, Roberto Landell, conseguiu transmitir sinais que ultrapassaram as
transmissões conseguidas anteriormente. Essa transmissão foi
realizada na avenida Paulista, próxima ao Trianon e pode ser
ouvida em um raio que atingiu Santana, mas sendo tachado
de padre espírita, teve seus aparelhos destruídos.
Depois disso foi para os Estados Unidos onde patenteou
seus aparelhos: transmissor de ondas, o telefone sem fio e
o telégrafo sem fio.
“Pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo
progresso do Brasil”
A primeira transmissão oficialmente registrada no Brasil,
ocorreu em 1922, fazendo parte das comemorações do centenário da independência, através de equipamentos cedidos
pela Westinghouse e instalados no morro do Corcovado, e a
primeira pessoa a utilizar o microfone foi o presidente Epitácio Pessoa. Embora essa data não possa ser considerada o
início do rádio no Brasil, ela foi importante, pois despertou
o interesse em pessoas como Roquette Pinto, considerado
o pai da rádio brasileira, que se juntou a amigos e fundou
a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, tendo sua primeira
transmissão em 20 de abril de 1923.
Como o próprio nome diz, era uma sociedade de pessoas
que pagavam uma determinada taxa para a sua manutenção.
A programação era elitizada, dando um grande enfoque para
a educação, músicas eruditas e notícias, tendo como slogan:
“Pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso
do Brasil”.
A qualidade do som era ruim, sendo prejudicada pela
falta de pessoas qualificadas para trabalhar e por isso, transmitia algumas horas de programação ao dia. Devido a essa
falta de qualidade na transmissão, quando surge a segunda
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
estação de rádio, A Rádio Clube do Brasil em 1924, é necessário que haja uma divisão da transmissão, sendo que
uma delas transmitia às segundas, quartas e sextas-feiras e a
outra às terças, quintas e sábados, sendo que aos domingos
não havia programação.
Um grande poder político
Nessa nova fase, o rádio adquiriu um grande poder político, principalmente utilizado na campanha de Getúlio Vargas
e Júlio Prestes. Getúlio Vargas foi quem consagrou o poder
político do rádio, utilizando-se desse meio para seus pronunciamentos. Em seu governo surgiu o DOP (Departamento
Oficial de Propaganda), este mesmo órgão, que legalizou as
propagandas, instituiu a Hora do Brasil que passou a ser
veiculação obrigatória em todas as rádios, diariamente e no
mesmo horário – este programa existe até hoje.
Com a profissionalização e melhoria dos serviços do rádio
fez com que aumentasse a venda de receptores e consequentemente houve a popularização e interesses dos anunciantes.
Daí surgiram os jingles (inicialmente eram versinhos, que
mais tarde o apresentador Casé teve a ideia de musicá-los).
Foram introduzidos em um bom momento da economia,
por isso fizeram muito sucesso, sendo o primeiro jingle exibido no programa Casé, o seu criador).
Programas de Calouros atraem Grande massa
Como o meio já atingia uma grande massa, começou
a ocorrer uma disputa entre emissoras, que começaram a
diversificar sua programação para conseguir uma maior audiência. Essa diversificação também foi possível devido aos
recursos arrecadados com as propagandas.
Nos anos 30 começaram as transmissões esportivas com
jogos de futebol e corridas de cavalo. Surge também na mesma década os programas humorísticos, com adaptações de
peças, que tem seu auge na década de 40.
Na mesma época surgem os programas de calouros, cuja
população mais pobre vê uma forma de ascensão social e ao
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
mesmo tempo uma forma de lazer, este tipo de programa
obteve seu auge nas décadas de 40 e 50. Neste período surge
a caitituagem, que consiste no fato de astros pedirem aos
locutores para divulgarem suas músicas. Outra novidade é a
crítica jornalística que comentava fatos ocorridos e músicas.
Repressão incrementa Indústria Fonográfica
Com a popularização, o rádio começa a exercer forte influência, incomodando o governo federal, que começa a supervisioná-lo, e este ato partiu principalmente dos
contrarrevolucionários.
Essa grande influência chamou a atenção da indústria
fonográfica, que comprou várias estações de rádio, para usar
como um modo de divulgação.
Uma das evidências da consolidação do rádio foi quando
empresários do ramo começaram a formar associações para
a defesa de seus direitos. A primeira delas surgiu em 1933
com o nome de Associação Brasileira de Rádio, a ABR, que
formou uma rede de emissoras indo ao ar diariamente. Logo
depois surge a Sociedade Paulista de Rádio, hoje chamada
de Associação das Emissoras de Rádio.
Começaram a surgir os conglomerados de comunicação,
compostos inicialmente por jornais, rádios e posteriormente
pela televisão.
Um exemplo desses conglomerados foi aquele feito por
Chateaubriand, que formou uma rede nacional com emissoras
de rádio e os jornais Diários Associados.
Nesta época entrou em ação o DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda), que predeterminava os assuntos
transmitidos nas rádios, e as partes mais afetadas foram o
jornalismo e o humorismo.
Radionovela
Iniciou-se na década de 40 um gênero muito popular: as
radionovelas, ocupando principalmente o horário noturno, e
obtiveram seu auge na década de 50.
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
Americanização dos costumes
Nesta mesma década uma figura de sucesso foi o Repórter Esso, que fazia um radiojornalismo objetivando integrar
pessoas, rádio e informação.
Também começaram a surgir revistas especializadas em
rádio, que falavam sobre a vida dos astros, e modelos que
reforçavam sua posição inatingível, as principais foram: Radiolândia e a Revista do Rádio.
Na década de 50 surgiu a era do populismo, com uma
grande inserção de músicas estrangeiras na programação,
principalmente americanas. A programação começou a evidenciar um modo de vida urbano, sendo o rádio um veículo ideológico e de estimulação do consumo. Ocorreu uma
americanização dos costumes.
Este período foi a era de ouro da Rádio Nacional, (um
elemento de integração nacional, ouvida em todo o país), e
também dos seus programas de auditório, um exemplo era
o programa César de Alencar, com um público de maioria
feminina, apelidadas de “macacas de auditório”, as transmissões da Copa do Mundo de 1950 e 1954 consagraram os
programas esportivos.
Nesta mesma época chega ao Brasil a TV, que mesmo
pegando muitos profissionais do rádio, não alterou muito
sua estrutura e nem sua popularidade, pois ocorreu o mesmo que ocorreu com a chegada do rádio, o alto preço do
aparelho elitizava o veículo, mas causou uma dúvida quanto
ao futuro do rádio.
Embora a televisão não tenha prejudicado a existência
do rádio, este teve que se adaptar a uma nova situação não
mais hegemônica, entre elas o fim dos programas ao vivo.
Praticamente tudo começou a ser gravado, foi quando
surgiram os disque jóqueis, que tocavam vários programas
de música.
O rádio manteve-se como meio de comunicação de massa, até os dias atuais com poucas adaptações para o mercado.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Curiosidades
No Rio de Janeiro, os cinemas deixavam de exibir as matinês dos sábados, face à concorrência do Programa César de
Alencar.
Emilinha Borba (Programa César de Alencar) e Marlene
(Programa Manoel Barcelos) foram as rainhas do rádio.
Sarita Campo produziu programas femininos, e muitos
afirmam que ela tenha dado início ao movimento pelos direitos das mulheres.
Abelardo Barbosa, ficou conhecido como Chacrinha, a
partir de um programa da rádio Fluminense que era localizada
em uma chácara.
Atualidades do rádio
As rádios brasileiras são muito heterogênias. As diferenças já começam nas transmissões AM e FM que atingem um
público muito distinto. Mesmo dentro de cada onda existem
diferenças de acordo com os ideais de cada emissora.
As rádios comunitárias tentam enfocar uma determinada
região para que possa interagir com a comunidade, sem fins
lucrativos a serviço do social. Essas rádios não seguem o mesmo
padrão estético das rádios comercias. Os seus locutores, por
exemplo, apresentam diferentes sotaques, pois o importante é
a identificação com seu público e não um som padronizado.
Já as rádios pertencentes à igreja, utilizam deste meio para
pregar suas concepções religiosas. Mesmo aquelas que não o
fazem diretamente, acabam embutindo seus ideais de alguma
forma dentro da programação.
Há também as rádios pertencentes a políticos, mesmo não
podendo influenciar diretamente a população, acabam fazendo
de alguma forma discreta.
E finalmente as rádios com caráter apenas comercial mantém uma programação voltada para o lucro imediato.
É importante destacar, que a lei está do lado das rádios
comerciais.
As rádios comunitárias quando são descobertas perdem
todos os seus equipamentos e são fechadas, isso acaba com a
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
concorrência e consequentemente decai a qualidade da programação das rádios em geral.
Tendências
Atualmente existem novas tendências que estão se expandindo, como por exemplo, a transmissão de rádios através de
canais de televisão por assinatura, e também principalmente
a rádio na Internet que muitos afirmam ser o presente e o
futuro da rádio difusão.
Os pontos comuns entre todos os tipos de rádio, estão na
comunicação ágil e instantânea, na influência que exerce sobre
seu público e seus hábitos de consumo, na interação com o
público, nas prestações de serviços à população, e no fato da
grande maioria oferecer uma programação variada.
A ERA DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL
Expansão do Ciberespaço
No livro “Teorias da Comunicação de Massa”, o estudioso
Melvin de Fleur propõe a divisão da história do ser humano
em etapas referentes à evolução da capacidade deste de trocar,
difundir e registrar informações, ao contrário da tradicional
distinção calcada nos graus de desenvolvimento tecnológico
e/ou político alcançados. A proposta, inovadora, interessa
especialmente pela constatação de que foram os avanços na
comunicação os principais responsáveis pelo atual nível de
progresso em que se encontra a humanidade.
EXPANSÃO:
A Internet foi criada na década de 1960, como ferramenta
de uso do governo dos Estados Unidos – e, pouco mais tarde,
como instrumento de pesquisas e trocas científicas entre universidades desse mesmo país – e assim permaneceu até os anos
90, mais precisamente a partir de 1995, quando começou seu
processo de popularização – no qual a concepção da World
Wide Web (www) teve papel fundamental.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Os números do crescimento da rede mundial de computadores são fabulosos, e processam-se em uma velocidade
muito superior ao de outros veículos de comunicação de massa,
quando do surgimento destes.
Dos 30 milhões de usuários da Internet no planeta, em
janeiro de 1996 (cerca de 0,73% da população mundial), chegou-se a mais de 1 bilhão de pessoas em abril de 2010.
No Brasil, os dados ainda são mais impressionantes: 67,5
milhões de internautas segundo o Ibope/Nielsen em dezembro
de 2009. Em setembro eram 66,3 milhões. Ou seja: em apenas
3 meses surgiu 1,2 milhão de novos brasileiros e brasileiras
com mais de 16 anos na internet. O Brasil é o 5º país com o
maior número de conexões à Internet.
A Internet e as perspectivas de aprimoramento da
democracia
A configuração dominante na esfera política da atualidade
é a forma triangular mídia-pesquisa-eleições, onde cada ponto reforça o anterior – as sondagens reforçam o pleito, que
reforça a mídia, que reforça as pesquisas – em uma estrutura
fechada. Os eleitores formam a base sobre a qual o triângulo
apoiam-se sem, contudo, participarem de maneira efetiva ou
interferirem no processo político que o envolve.
Assim, as questões colocadas nas pesquisas eleitorais chegam prontas, cabendo ao entrevistado respondê-las negativa ou
afirmativamente. A outra ponta do triângulo é a das eleições,
onde cada um que vota ajuda a balança a pender para um
ou outro lado – utiliza-se, nesses casos, uma espécie de poder
de massa para que um político, ou um programa de governo,
ascenda ao poder.
Não há, nessa estrutura, nada que trabalhe a inteligência
ou a percepção individual das pessoas. A individualidade é
apagada, a singularidade é desconsiderada – e nem poderia
ser de outro modo, dada a configuração vigente. É a democracia massificada.
A Era da Comunicação Virtual fornece, portanto, os meios
de restauração de uma democracia direta em grande escala
A HISTÓRIA VIVA DO RÁDIO
– que antes só poderia funcionar em um círculo limitado
de pessoas. Essa seria uma forma de democracia diversa do
sistema de representação – cuja organização política remete a
um centro de decisão, e se torna “obsoleta na medida em que
é tecnicamente obsoleto que as decisões sejam centralizadas”.
Há que ser feita uma ressalva a respeito dessas considerações no campo da política. Embora existam tanto os meios
tecnológicos quanto as formulações teóricas para essa evolução
da democracia, o modelo proposto ainda está muito longe de
tornar-se realidade.
Trata-se, ao menos no momento, de uma utopia. Não obstante, a inclusão desse item nesta pesquisa encontra-se justificada no que se refere às possibilidades de mudanças surgidas
com a Internet.
A Internet em contraposição ao Modelo da Espiral do
Silêncio
O Modelo da Espiral do Silêncio foi elaborado pela estudiosa Elizabeth Neuman, na Alemanha, a partir de análises sobre
campanhas eleitorais entre 1965 e 1972, quando foi constatada
uma significativa diferença entre as intenções de voto captadas
pelas sondagens e a vitória de um partido político.
Dessa forma, o modelo formulado trata da tendência
ao silêncio de pessoas que constatam ser minoritária a sua
opinião – diante de uma ideia majoritária, elas estarão mais
propensas a se calar, evitando o isolamento e se associando
aos conceitos dominantes.
A opinião minoritária entra, então, em um movimento
espiral descendente, rarefazendo-se cada vez mais. Os estudos
desse modelo surgiram, principalmente, a partir da difusão
maciça da televisão e do reconhecimento do conceito de “opinião pública”. Consequentemente, foram formulados com vistas
à atuação dos meios de comunicação de massa que, como já
foi dito, concentram o poder de comunicar e informar – o
modelo “Um e Todos”.
A descentralização desse poder ocasionada pela Internet
derruba o Modelo da Espiral do Silêncio. A rede estabelece
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
interconexões entre pessoas dos mais diferentes lugares do
planeta, facilitando, portanto, o contato entre elas e a busca
por opiniões e ideias convergentes. Há, ainda, a possibilidade
de se criar, sem custos ou conhecimentos técnicos superiores,
páginas a respeito dos mais diversos temas, o que acaba por
estabelecer comunidades virtuais sobre determinado assunto –
que pode ou não ser minoritário na totalidade da população.
Como Prova da eficiência da Internet em construir esse
novo ideal de difusão de opiniões está na multiplicidade de
temas que podem ser encontrados dentro dela. Além dos sites,
merecem consideração as listas de discussão e as redes sociais,
que agregam pessoas interessadas em um dado assunto.
A heterogeinização promovida pela rede de computadores
tende, dessa forma, a acabar com a consonância (a maior circulação de mensagens semelhantes que diferentes) e a acumulação (a criação e manutenção da relevância de um tema pelos
massa media) estudadas no Modelo da Espiral do Silêncio.
Encerramento
HOMENAGEM A TEREZINHA DIAS
Faço aqui uma homenagem a uma mulher dona de uma
voz encantadora, que era capaz de levantar aplausos de uma
plateia que de pé grita bravo! Ninguém me contou, eu assisti
uma massa vibrando com uma voz que só podia ser um dom
divino.
Hoje ela canta e encanta na grande Rádio Celestial, onde
os músicos estão misturados com os anjos.
(Terezinha Dias & Plauto Cruz)
Música é cultura, principalmente a boa música, aquela
ligada aos valores da nossa terra, por esta razão estamos homenageando esta cantora premiada do Rádio Gaúcho e Brasileiro.
Trata-se de Terezinha Dias.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
TEREZINHA DIAS, cantava desde os 12 anos. Uma das
mais premiadas artistas dos antigos programas de auditório do
rádio gaúcho, era talvez a mais afinada cantora de choro do
Rio Grande do Sul. Considerada a grande cantora dos anos
de ouro da música brasileira.
Foi homenageada em 2002, recebeu o reconhecimento de
seu trabalho pelo Sindicato dos Músicos do Rio Grande do
Sul, por sua contribuição à cultura musical da nossa terra.
Dentre outros locais, ela se apresentou: Teatro São Pedro,
Teatro Renascença, Teatro de Arena, Auditório Dante Baroni
– Assembleia Legislativa, Casa Godoy, Auditório Araújo Viana, Casa de Cultura Mário Quintana, DC Navegantes, Projeto
Trensurb.
Seu repertório era bem variado, incluindo principalmente
os clássicos dos grandes compositores de nossa música., tais
como: O Tango e o Samba – Assis Valente, Doce de Côco –
Jacob do Bandolin, Camisa Listrada – Assis Valente, Mareny
– Plauto Cruz / Ela disse que tem – Assis Valente, A Hora
do Calouro – Ney Lopes / Sem Compromisso – Terezinha
Dias, O que vier eu traço – Jacob do Bambolim, Vou vivendo
– Plauto Cruz / Apanhei-te cavaquinho – Ernesto Nazareth,
Roseira branca – Assis Valente, Embarcação do amor – Assis
Valente, Doce ternura – Plauto Cruz / Pedacinhos do céu –
Valdir Azevedo, Brasileirinho – Valdir Azevedo.
Cantava acompanhada por profissionais de alto nível, pelos
também pelos conhecidos músicos:
PLAUTO CRUZ é considerado pela crítica especializada
um dos maiores flautistas do país, ao lado de Altamiro Carrilho.
Ganhador de inúmeros prêmios como o melhor instrumentista em festivais, tem a fama de uma rara capacidade de
improvisação.
Também acompanham CHICO PEDROSO no cavaquinho e GUARACY GOMES no violão e ANDRÉ ROCHA na
percussão.
Está registrada a homenagem a esta cantora, que cantava
e encantava a plateia que teve o privilégio de assisti-la.
Terezinha, que Deus te abençoe e proteja!
ENCERRAMENTO
DEDICATÓRIA
Meu nome de batismo é Darcy Celente, mas meu nome
artístico pelo qual sempre quis ser conhecido é César Celente,
tanto que quando nasceu meu filho registrei-o com este nome,
para não ficar idêntico ao meu e quem sabe herdar os defeitos do pai, adicionei Antônio, nome que também me agrada
muito, significa Vanguarda. Então, onde neste livro falar em
César Celente saiba que estão falando de mim. Dedico esta
obra a meu pai Alfredo, minha mãe Regina, a meu irmão Pedro Paulo, com quem gostaria de ter convivido mais, a minha
cunhada Ana, a minhas sobrinhas “as alemoas”, minha mulher
e companheira de jornada Dulce, meus filhos Rosângela, Paulo
Ricardo, Antônio César meu parceiro e escritor desta obra,
Kátia Adriana a caçula, também aos netos e netas, aos meus
irmãos de jornada e a outros tantos que tenho por aí, vejam
só quanta gente.
(César Celente – Edifício União – sede da Rádio Gaúcha)
Também aos meus companheiros de rádio, locutores, repórteres, sonoplastas, contrarregras, radioatores, humoristas e
tantos outros personagens do rádio romântico de tempos que
não voltam mais. Ainda hoje quando adormeço posso escutar
aquelas vozes fantásticas de pessoas maravilhosas dos deuses
da arte da comunicação de massa.
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NO AR! O Bombardeio do Piratini em 1961 – A vitória de Brizola e a legalidade
Posso ouvir o Maurício Sobrinho, o Fábio Silveira (J. Bronquinha) meu companheiro de grandes jornadas, a Esther Castro, a Rochele Hudson uma voz encantadora, o Ivan Castro,
o Carlos Nobre, o Sandim, o Jorcely Marques, o enigmático
Pinguinho, aos locutores da Cadeia da Legalidade principalmente ao Lauro Hagmann (Repórter Esso), Abel Gonçalves
e aos que fazem do rádio um veículo eterno como o grande
amante do rádio, que fez dele um sacerdócio, Derli Queiroz
e tantos outros que estão gravados no meu coração, mas que
a memória me trai.
Deixo o recado o para as novas gerações, não deixem o
rádio acabar, a sua missão é de aproximar as pessoas dos mais
diversos recantos do planeta. Aos estudantes de comunicação
o meu apelo, usem o seu talento a favor do povo, o rádio
é formador de opinião e vocês representam o presente, trabalhem pela Liberdade de imprensa e pela Igualdade e pela
Fraternidade dos povos.
Sinto que a vida valeu a pena, foram anos e anos envolvidos
com a Magia do Rádio, onde vivi momentos imemoriáveis,
onde pude viver com toda a intensidade, onde conheci pessoas, fiz amigos, enfim participei deste verdadeiro movimento
social chamado rádio.
Este livro tem por objetivo deixar gravado um pouco do
sentimento daquela época, talvez eu não esteja por aqui para
ver este livro publicado, mas podem ter certeza que onde eu
estiver estarei feliz por você está lendo estas linhas que retratam
um passado de glórias e projetam um futuro com esperança
para o povo brasileiro.
ENCERRAMENTO
EPÍLOGO
Meus diletos leitores, na história do rádio não há epílogo,
cada radialista representa a continuidade do trabalho de outro
que o antecedeu. O rádio é o meio de comunicação de massa mais importante da humanidade, por isso teve seu início,
porém seu final é indeterminado, enquanto existir vida neste planeta algum radialista estará trabalhando para informar,
instruir e fazer a notícia chegar aos lugares mais distantes,
trabalhando em prol da construção de um mundo melhor,
mais justo e mais fraterno.
ALDEIA GLOBAL
“Haverão dias em que não mais existirão fronteiras, barreiras, discriminação, racismo e tantas outras chagas que afligem
a humanidade, neste dia haverá uma nova ordem planetária
o Reino da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.”
Até Logo!
Antônio César Celente
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