MÉTODO BABILÔNICO PARA RESOLUÇÃO DE EQUAÇÕES
QUADRÁTICAS
Michely Lais de Oliveira
Universidade Estadual do Centro-Oeste
[email protected]
Karolina Barone Ribeiro da Silva
Universidade Estadual do Centro-Oeste
[email protected]
Resumo:
Este trabalho trata de resultados parciais de um projeto de iniciação científica em andamento, que tem
como objetivos específicos determinar algumas maneiras de se resolver uma equação quadrática sem
utilizar a fórmula “de Bhaskara”, a partir de métodos desenvolvidos por diferentes povos ou pessoas
específicas no decorrer da história; pesquisar problemas que originaram tais procedimentos e verificar
se livros didáticos utilizados na educação básica apresentam algum destes outros métodos de
resolução. Para cumprir os dois primeiros objetivos, recorreu-se à pesquisa bibliográfica. Oito das
onze fontes consultadas citam os babilônios envolvidos na solução do que hoje chamamos de equações
quadráticas e revelam alguns problemas resolvidos por eles seguindo um procedimento comparável ao
que chamamos de fórmula “de Bhaskara”. Espera-se que este trabalho faça com que se reconheça que
os babilônios já utilizavam métodos comparáveis à fórmula resolutiva para a equação do segundo
grau, conhecida pelos estudantes desde a educação básica, muito antes do nascimento de Bhaskara, no
século XII.
Palavras-chave: Equações quadráticas. Ensino de matemática. História da matemática.
Introdução
Desde a educação básica os alunos aprendem nas aulas de Matemática que as raízes de
equações quadráticas podem ser determinadas pela fórmula geral para a resolução deste tipo
de equação, denominada erradamente de fórmula de Bhaskara (CELESTINO, 2010; SILVA,
2006?; RIBEIRO, CIANI e SCHERER, 2013). Contudo, no decorrer da história, diferentes
métodos foram desenvolvidos para resolver tais equações. Um dos mais antigos data de
aproximadamente 2000 a.C. e deve-se aos babilônios (EVES, 2004).
Algumas questões se colocam neste momento: além do uso da fórmula estudada na
educação básica, de que outras maneiras pode-se resolver uma equação do segundo grau? Que
povos ou pessoas específicas desenvolveram tais métodos? Que problemas originaram estes
procedimentos?
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Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014
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Como este trabalho trata de resultados parciais de um projeto de iniciação científica
em andamento, optou-se por relatar e discutir informações que algumas obras de referência
em história da matemática trazem a respeito de como os babilônios resolviam problemas que
hoje gerariam o que chamamos de equações do segundo grau.
Metodologia
Uma das modalidades de pesquisa mais comuns em história da matemática é a
pesquisa bibliográfica, que foi empreendida no projeto mencionado anteriormente.
A pesquisa de cunho bibliográfico, por suas características, possibilita efetivar um
estudo de caráter correlacional, haja vista que
[...] explica um problema, fundamentando-se apenas nas contribuições
secundárias, ou seja, nas informações e dados extraídos de livros de leitura
corrente e de referências, de revistas impressas e virtuais, material audiovisual,
entrevistas, documentos, etc. de diferentes autores que versam sobre o tema
selecionado para o estudo (REIS, 2008, p. 51).
A finalidade da pesquisa bibliográfica, segundo Padua (2004, p. 55), é “colocar o
pesquisador em contato com o que já se produziu e registrou a respeito do seu tema de
pesquisa”.
As seguintes fontes foram consultadas para verificar se e como eram apresentadas
informações a respeito de métodos de resolução de equações quadráticas, distintos da fórmula
“de Bhaskara”, que tivessem sido desenvolvidos por diferentes povos ou pessoas específicas
ao longo da história: Almeida (2011), Ball (1960), Berlingoff e Gouvêa (2008), Boyer (1974),
Contador (2006, v.1 - 3), Cajori (2007), Eves (2004), Garbi (2006), Joseph (1991), Katz
(1998) e Roque (2012).
Resultados e discussões
No decorrer da história muitos foram os envolvidos na resolução de equações
quadráticas. No QUADRO 1 estão informações que os relacionam com as fontes consultadas.
QUADRO 1 – Relação de envolvidos com as equações quadráticas, segundo as fontes
(Continua)
Fonte
Almeida (2011)
Povo, ou pessoa específica
Babilônios.
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Berlingoff e Gouvêa (2008)
Babilônios;
Robert Recorde (1510-1558);
Michael Stifel (1486-1567) e Pedro Nunes (1502-1578);
Al-Khwarizmi (século IX);
Thomas Harriot e René Descartes (por volta do século
XVII);
Girolamo Cardano (por volta de 1545).
Ball (1960)
Euclides (c. 300 a.C.);
Diofanto (c. 200-284);
Aryabhata (476-550);
Bhahmagupta (598-660);
Al-khwarizmi (c. 830).
Boyer (1974)
Babilônios (Antiguidade);
Pitagóricos (c. 500 a. C.);
Hindus (séc. VI);
Stifel (1487-1565);
Brahmagupta (1611-1685);
Al-Khwarizmi (780-850);
Viète (1540-1603);
Descartes – (1596-1650);
Fermat (1601-1665).
Cajori (2007)
Egípcios;
Hipócrates (séc. V a.C.);
Euclides (c. 300 a. C.);
Brahmagupta (depois do séc. II a.C.);
Hindus (S’hidhara);
Al-Khwarizmi (séc. IX).
Contador (2006, v.1, v.2 e
v.3)
Babilônios (Antiguidade);
Euclides (c. 300 a.C.);
Diofanto (c. 250 d.C.);
Al-Khwarizmi (780-850);
Brahmagupta (c. 628 a.C.);
Rafael Bombelli (séc. XVI);
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Euler (1707-1783).
Eves (2004)
Babilônios (2000 a. C.);
Pitágoricos (c. 580 a.C);
Diofanto de Alexandria (por volta do séc. III);
Hindus;
Euler (1707-1783);
Al-Khwarizmi (c. 780-850);
Luca Pacioli (c. 1494).
Garbi (2006)
Babilônios (aprox. séc. XVIII a. C.);
Pitágoricos;
Sridhara (1020).
Joseph (1991)
Babilônios (Antiguidade);
Euclides (c. 300 a. C.);
Pitágoras;
Aryabhata I (476-550 d.C.);
Mahavira (c. 850 d. C.);
al-Khwarizmi (c. 790-850);
Sridhara (c. 870-930);
al-Khayyam (c. 1040);
Chineses (entre 1261 e 1275).
Katz (1998)
Babilônios (Antiguidade);
Euclides (c. 300 a.C.);
Diofanto (c. 200-284);
Chineses (por volta do séc. XII);
Brahmagupta (598-670);
Al-Khwarizmi (c. 790-850).
Roque (2012)
Diofanto (c. 250 d.C.);
Indianos (a partir de meados do primeiro milênio);
Brahmagupta (c. 628);
Diofanto e Al-Khawarizmi (Antiguidade e Idade Média);
Viète (séc. XVI).
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A partir do QUADRO 1 foram escolhidos alguns métodos para estudo, de forma que
estivessem distribuídos pela história da humanidade. Neste trabalho o foco será apenas o
método babilônico, presente em oito das onze fontes consultadas.
Por meio de documentos e fontes históricas constatou-se que provavelmente os
primeiros a resolverem o que hoje conhecemos como equações quadráticas foram os
babilônios.
Segundo Garbi (2006) eles já resolviam equações quadráticas por volta do séc. XVIII
a. C., sendo que nada era provado, apenas apresentavam a resolução na forma de “receitas”, o
que é confirmado por Eves (2004), que também afirma que eles resolviam essas equações
pelo método de completar quadrados.
Contador (2006, v.1, p.132) apresenta um problema de equações quadráticas dos
babilônios: “Somei quatro vezes o lado do meu quadrado e uma vez a sua área, encontrei 21,
quanto vale o lado?” e como resolução o procedimento apresentado é “multiplique quatro por
quatro e some com o resultado de quatro vezes 21, extraia a raiz quadrada, subtraia 4 e depois
divida por 2, resultado igual a 3”.
Se fôssemos comparar essa resolução com a atual teríamos, denotando por x o lado do
quadrado, teríamos que resolver a equação
, considerando
babilônica afirma que a solução da equação é
. A “receita”
, o que está correto e é
exatamente a solução positiva que se obtém hoje utilizando a chamada fórmula “de
Bhaskara”.
Contador (2006, v.3) cita o método babilônico para a resolução de equações
quadráticas do tipo
. Inicia-se somando
em ambos os membros, assim:
(I)
E caso o coeficiente de
em questão.
seja diferente de 1, basta dividir a equação pelo coeficiente
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Note que ao aplicar este método ao problema anterior sobre a determinação do lado do
quadrado, como
e
, tem-se
, o mesmo resultado
obtido anteriormente.
O procedimento citado por Contador (2006, v.3) é também apontado por Boyer
(1974), que apresenta de forma direta a mesma expressão (I) para o cálculo de
.
Já Almeida (2011) cita o mesmo método detalhadamente e descreve também um
problema pertencente ao tablete1 Yale, envolvendo a resolução de equações quadráticas,
citado também por Joseph (1991, p. 154, tradução nossa), que o apresenta com uma
linguagem matemática mais simples, afirmando que ²“o comprimento de um retângulo excede
sua largura por 7. Sua área é de 1,00. Encontrar o seu comprimento e largura”.
O enunciado do problema e a solução encontrada no tablete são descritos em termos
da notação sexagesimal, explicada pelo mesmo autor, que comenta que no sistema de
numeração babilônico a base utilizada era 60. A utilização do (;) neste sistema significa que
se deve separar a parte inteira de um número de sua parte fracionária. Seguem alguns
exemplos:
Fonte: JOSEPH, 1991, p. 139.
De acordo com a notação explicada, a seguir é apresentada a resolução do problema de
determinar as dimensões do retângulo.
(a) Reduzir pela metade 7, que é o que excede o comprimento, resultado: 3;30.
1
Tabletes são placas feitas de argila
² “The length of a rectangle exceeds its width by 7. Its area is 1,00. Find its length and width.”
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(b) Multiplique 3;30 por 3;30: resultado 12;15.
(c) Adicione 1,00 em 12;15: resultado 1,12;15.
(d) Encontre a raiz quadrada de 1,12;15: resultado 8;30.
(e) Deite-se 8;30 e 8,30. Subtraia 3;30 a partir de uma (8;30) e adicioná-lo para o outro
(8;30)
(f) 12 é comprimento, a largura é 15.
Reescrevendo a solução do problema no sistema indo-arábico atual segue que:
(a) Reduzir pela metade 7, que é o que excede o comprimento, resultado: ;
(b) Multiplique por
: resultado
;
(c) Adicione 60 (na notação sexagesimal correspondia a 1,0) a
(d) Encontre a raiz quadrada de
(e) Tome duas vezes o
, o resultado será
. Na primeira, subtraia
, tendo agora
;
;
e na segunda adicione o mesmo
valor.
(f) O resultado será 12, que é o comprimento e 5, a largura.
Utilizando a notação atual, denotando a largura por
e
. Assim,
e o comprimento por , tem-se
, ou seja,
. Assim
. Por (I),
.
Joseph (1991) afirma que os babilônios resolviam diferentes tipos de equações
quadráticas, mas, dois deles eram os mais utilizados:
,
sendo a fórmula utilizada
,
,
,
e
,
de forma que
,
.
Katz (1998) apresenta o método dos babilônios no problema de determinar o
comprimento
e a largura
de um retângulo de área c e perímetro 2b conhecidos. O autor
afirma que o comprimento pode variar de forma que
, a largura
.
Cabe aqui um esclarecimento não fornecido por Katz. Como o perímetro é 2b, então
. Assim, somando uma quantidade z em ambos os membros da equação anterior,
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tem-se
. Logo,
e
, de forma que se pode tomar
.
Katz (1998) continua sua explicação, dizendo que a área c é igual a
, logo,
, por consequência
e
.
Berlingoff e Gouvêa (2008, p.11) apresentam um exemplo de problema babilônico,
contudo não trazem qualquer detalhe a respeito da solução. O enunciado diz que
Um campo trapezoidal. Eu corto uma vara e uso-a como medida. Enquanto
ainda não estava quebrada, eu ainda 1 três vintenas de passos ao longo de
seu comprimento. Sua sexta parte se quebrou para mim, eu caminhei 72
passos seguindo seu comprimento. Novamente 1/3 da vara se quebrou. Em
três vintenas de passos eu percorri a largura superior. Eu estendi a vara com
aquilo que (no segundo caso) se tinha quebrado e fiz largura inferior e 36
passos. A superfície é de 1 bur. Qual é o comprimento original da vara?
Considerações Finais
Os babilônios deixaram muitas contribuições para a Matemática, dentre elas o sistema
sexagesimal, presente até hoje na maneira como contamos a passagem das horas, minutos e
segundos. No que diz respeito à resolução de equações quadráticas, foram encontrados alguns
problemas resolvidos pelo método babilônico, comparável ao que chamamos de fórmula “de
Bhaskara”, com o cuidado de descartar a raiz negativa, que não faz sentido nos problemas de
determinar medidas dos lados de um retângulo.
Espera-se que este trabalho faça com que se reconheça que os babilônios já utilizavam
procedimentos comparáveis à fórmula resolutiva para a equação do segundo grau, conhecida
pelos estudantes desde a educação básica, muito antes do nascimento de Bhaskara, no século
XII.
Agradecimentos
À Fundação Araucária, pelo auxílio financeiro,
À professora Karolina Barone Ribeiro da Silva, pela orientação e sugestão do tema do
projeto.
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Referências
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o alvorecer da história. Curitiba: Progressiva, 2011.
BALL, W. W. R. A short account of the history of mathematics. USA: Dover Publications,
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BERLINGOFF, W. P.; GOUVÊA, F. Q. A matemática através dos tempos: um guia fácil e
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Paulo: Edgard Blücher, 2008.
BOYER, C. B. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. São Paulo: Edgard
Blucher, 1974.
CAJORI, F. Uma história da matemática. 1.ed. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2007.
CELESTINO, K. G. Bhaskara: algumas evidências. In: ENCONTRO REGIONAL DE
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CONTADOR, P. R. M. Matemática: uma breve história. 2.ed. São Paulo: Ed. Livraria da
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KATZ, V. J. A history of mathematics: an introduction. Addilson Wesley, 1998.
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REIS, L. G. Produção de monografias: da teoria à prática. – 2. ed. – Brasília: SENAC,
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RIBEIRO, D. M.; CIANI, A. B.; SCHERER, A. C. S. Equação do segundo grau,
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