UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO:
DESENVOLVIMENTO OU RETROCESSO DOS DIREITOS
E GARANTIAS FUNDAMENTAIS SOCIAIS?
NÁDIA AHMAD OMAR ALI
Canoas, 2006.
2
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO:
DESENVOLVIMENTO OU RETROCESSO DOS DIREITOS
E GARANTIAS FUNDAMENTAIS SOCIAIS?
NÁDIA AHMAD OMAR ALI
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Luterana
do Brasil para obtenção do título
de Mestre em Direito
Orientador: Dr. Wilson Steinmetz
Canoas, 2006.
Dedico, aos meus filhos Camila, João e
Alaian, companheiros de bravas batalhas,
pelo amor, carinho e estímulo que me
ofertaram, dedico-lhes essa conquista como
gratidão.
Agradeço, sinceramente a ajuda prestimosa
de meu orientador, Dr. Wilson Steinmetz,
pela paciência, carinho e maestria com que
sempre me acolheu;
Agradeço a meus professores, que sempre
honraram
a
docência
com
suas
aulas
inesquecíveis;
Agradeço a meus colegas pelo convívio,
apoio e estímulo.
RESUMO
Investigaram-se as Convenções Coletivas de Trabalho, sua evolução histórica e
legislativa, abordando aspectos relevantes que levam a uma reflexão sobre o papel
destas convenções no Brasil contemporâneo, enfatizando seu impacto concreto para os
interesses das classes trabalhadoras: avanço ou retrocesso dos direitos e garantias
sociais. Faz menção ao papel dos direitos fundamentais como princípios norteadores,
para a mantença de direitos e aceitação de novas condições de trabalho, bem como
analisa a possibilidade de incorporação das cláusulas normativas aos contratos
individuais de trabalho. Enfatiza, também, a autonomia privada coletiva como meio de
um Estado Democrático de Direito desenvolver suas relações laborais, econômicas e
pessoais. Para o desenvolvimento da pesquisa em tela, foi empregado o método
dedutivo, que após exaustivo estudo doutrinário, legal e jurisprudencial, logrou alcançar
algumas conclusões assertivas acerca da matéria proposta. Apesar de todo o histórico da
evolução das leis trabalhistas demonstrarem um alicerce no princípio da proteção ao
empregado, hodiernamente a tendência que se mostrou presente neste trabalho foi a
flexibilização das leis trabalhistas. Flexibilização deve ser compreendida no sentido de
equilíbrio das relações entre empregados e empregadores, com a participação ativa das
partes interessadas, gerando normas a partir das convenções coletivas sem detrimento
das normas anteriormente vigentes.
Palavras-chave: Convenção coletiva de trabalho - Relações de emprego - Direitos
fundamentais sociais - Autonomia privada coletiva - Negociação coletiva Flexibilização trabalhista.
ABSTRACT
The current assignment is about Collective Working Conventions and their legislative
and historic evolution. Relevant aspects are approached, leading to a reflection about the
role of these conventions in modern Brazil and emphasizing their impact on work
force’s interests: either progressive or retrogressive Social Guarantees and Rights.It
mentions the role of Fundamental Rights as a principle to the Right maintenance and the
acceptance of new work conditions as well. It also analyses the possibility of
incorporation of normative clauses related to individual work contracts. There is an
emphasis on the collective private autonomy as a way to enhance labor, economical and
personal relation in a Democratic State.For screen research development, a deductive
methodology was used, and after some legal and jurisprudential studies some assertive
conclusions have been reached.Even though all the history of labor laws has shown
principles of protection to employees, nowadays there is a tendency to a labor law
flexibility.Flexibility may be understood as a balance between employers and employees
relationship, including an active participation of all involved members, producing rules
from collective conventions, never disregarding the previous ones.
Key-words: Collective Conventions – Fundamental Rights – Collective Private
Autonomy
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 8
I CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO.................................................................. 12
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................................... 12
2 CONCEITO....................................................................................................................... 15
2.1 TERMINOLOGIA ........................................................................................................... 16
2.2 EVOLUÇÃO DO CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO NO BRASIL ................ 17
3 DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO COLETIVO E CONVENÇÃO COLETIVA
DE TRABALHO ............................................................................................................... 19
4 PROBLEMATIZAÇÃO: INCORPORAÇÃO DAS CLÁUSULAS NORMATIVAS
NOS CONTRATOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO ................................................. 23
4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS COLETIVAS
(CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS) .............................................................. 26
4.2 VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DAS NORMAS COLETIVAS DE
TRABALHO: UMA QUESTÃO DE APLICABILIDADE DAS MESMAS
(ACORDOS COLETIVOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO) ........... 30
4.2.1 Validade ....................................................................................................................... 31
4.2.2 Vigência ....................................................................................................................... 33
4.2.3 Eficácia......................................................................................................................... 35
4.2.4 Aplicabilidade das normas coletivas .......................................................................... 36
4.3 INCORPORAÇÃO DAS CLÁUSULAS NO CONTRATO INDIVIDUAL
(TEORIAS)...................................................................................................................... 40
II ULTRATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVAS COMO MEIO DE
POSTERGAR A VIGÊNCIA DAS NORMAS COLETIVAS FACE A NOVA
NEGOCIAÇÃO COLETIVA.......................................................................................... 47
1 NOÇÕES GERAIS ........................................................................................................... 47
1.1 ALTERAÇÕES IN MELLIUS E IN PEJUS DAS CONVENÇÕES COLETIVAS
E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................... 48
2 FUNÇÃO DO ESTADO NAS RELAÇÕES PRIVADAS, SUPORTE PARA A
DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .............................................................. 51
2.1 RESPONSABILIDADE DO ESTADO ........................................................................... 57
3 IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
PRIVADAS FACE A CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO EM
CONFRONTO COM A LEI ............................................................................................ 58
4 FUNÇÃO, TUTELA E FORÇA JURÍDICA DOS PRECEITOS RELATIVOS
AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS............................................................................... 61
5 AUTONOMIA PRIVADA INDIVIDUAL E AUTONOMIA PRIVADA
COLETIVA: UMA SINGELA DISTINÇÃO.................................................................. 64
5.1 AUTONOMIA PRIVADA COMO FONTE DE DIREITO E O LIMITE
CONSTITUCIONAL....................................................................................................... 67
5.1.1 Autonomia privada e autonomia da vontade ............................................................ 73
5.1.2 “Status” constitucional das convenções coletivas...................................................... 74
5.2 DESREGULAMENTAÇÃO OU FLEXIBILIZAÇÃO: FORMAS DE GARANTIR
OU EXTINGUIR OS DIREITOS SOCIAIS? .................................................................. 78
5.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO LIMITES ÀS CONVENÇÕES
E ACORDOS COLETIVOS, UMA VEZ AUTORIZADOS PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL ......................................................................................... 85
6 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO...................................................................................... 90
6.1 NORMAS COLETIVAS AQUÉM E ALÉM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ....... 91
6.2 NORMAS COLETIVAS NOS LIMITES DA INDISPONIBILIDADE RELATIVA
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ........................................................................... 95
6.3 NORMAS COLETIVAS NOS LIMITES DA INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ........................................................................... 97
6.4 AS CONVENÇÕES COLETIVAS COMO MEIO DE OPERACIONALIZAR E
POTENCIALIZAR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................. 98
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 103
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 106
INTRODUÇÃO
Existem várias formas de composição dos conflitos trabalhistas na legislação
brasileira. Em primeiro lugar é interessante salientar que os conflitos podem ser
resolvidos a nível individual ou coletivo. Sendo que no individual as partes em litígio
podem compor a lide extrajudicialmente através de negociações, acordos ou outros
meios que as próprias partes elegerem, e também de forma processual, provocando o
Estado para que exerça o seu papel jurisdicional, decidindo “suprapartes” e impondo sua
decisão, uma vez que as partes envolvidas não conseguem, sozinhas, resolver seus
conflitos laborais.
Os conflitos trabalhistas também podem ser resolvidos a nível coletivo, daí a
necessidade de representantes para as categorias econômicas e profissionais, através de
seus respectivos sindicatos. É verdade que, em se tratando de acordos ou convenções
coletivas, a empresa poderá pactuar diretamente com os empregados ou representantes
de comissões de empregados, no caso de acordos e, no caso de convenções, ambos serão
representados por seus sindicatos respectivos. De forma diferente ocorre para os
dissídios coletivos, onde as partes legítimas devem estar representadas por seus
sindicatos respectivos, além de provocarem a prestação jurisdicional, conforme
disciplina a lei brasileira.
Os conflitos a nível coletivo podem ser resolvidos na forma autocompositiva ou
heterocompositiva. Na primeira forma de composição da lide os litigantes podem valerse de acordos coletivos ou convenções coletivas. Na segunda forma podem valer-se da
arbitragem ou dissídios coletivos. Em qualquer delas, visam encontrar um ponto de
equilíbrio entre os dois pólos, com interesses normalmente antagônicos.
Este trabalho de pesquisa pretende demonstrar a validade das normas coletivas
face aos direitos fundamentais, abordando ao menos dois aspectos enfrentados acerca
das convenções coletivas, que são: a incorporação das cláusulas normativas (normas
9
coletivas) nos contratos individuais de trabalho; e o desenvolvimento ou retrocesso do
conteúdo normativo face aos direitos fundamentais.
Para tanto, foi necessário o estudo das diversas espécies de cláusulas oriundas de
uma negociação coletiva, além do posicionamento doutrinário, constitucional e
jurisprudencial dos nossos tribunais laborais.
É sabido que a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 114, outorga
poderes à criação de normas coletivas no âmbito particular das categorias, através das
negociações coletivas, e, após esgotadas as tratativas negociais, autoriza o uso da
arbitragem ou da instauração de dissídios coletivos quando inexitosas as tratativas
negociais. Em quaisquer dessas formas em que a doutrina as classifica em autônomas ou
heterônomas, as cláusulas acordadas têm força de lei, como disciplinam os artigos 611,
611 § 1º, da CLT e art. 114 § 2°, da Constituição Federal. Assim, na segunda hipótese, a
Constituição outorga poder legiferante aos Tribunais Regionais do Trabalho e ao
Tribunal Superior do Trabalho, dada sua competência jurisdicional, sempre que as
negociações coletivas resultem inexitosas e as partes, através de seus sindicados
instaurem dissídios coletivos. O Poder Judiciário possui atribuição normativa de acordo
com preceito constitucional, forte em seu artigo 114 § 2º da CF/88 antes da E.C. n. 45,
e após a mesma, no mesmo diploma, embasada no modelo corporativista italiano,
“Carta del Lavoro”de Mussolini, Lei italiana nº 563/26, art. 13 .
Pode parecer um absurdo, mas inúmeras vezes cogitou-se da possibilidade do
Poder Judiciário criar direitos em fase de primeiro grau, mais especificamente nas
sentenças proferidas pelas Varas do Trabalho, à semelhança do que ocorre
nas
sentenças normativas, principalmente com relação aos dispositivos constitucionais de
eficácia limitada (ou reduzida), que carecem de legislação complementar. Poder-se-ia
perquirir acerca da responsabilidade do Estado, pela ausência de tutela aos seus
cidadãos, quando da demora da criação de Lei que resolva de imediato tantos problemas
emergentes, e, aparentemente, sem solução imediata. Reforça-se esta indagação, quando
é sabido que o Poder Executivo legisla por meio das medidas provisórias. Se o Poder
Executivo pode, por que não o Poder Judiciário com precedente nas sentenças
normativas?
É bem verdade que o que foi dito acima demonstra exatamente o oposto da
tendência do sistema jurídico brasileiro, pois o mesmo acentua-se progressivamente num
sistema pluralista e descentralizador, apesar de suas raízes fortes no sistema estatutário,
no qual assegura tutela mínima aos empregados.
10
O sistema pluralista admite a inserção de vários outros tipos de ordenamentos
jurídicos, em especial, peculiar às convenções coletivas, a saber, a autonomia privada
coletiva, com respaldado num sistema democrático de direito. Através da República
Federativa do Brasil em sua expressão constitucional assegura a todos os cidadãos os
direitos fundamentais, que por muitas vezes se torna ineficaz, em sua tutela, por falta de
legislação complementar que assegure o exercício real de um direito fundamental,
oriundo, a exemplo de uma norma constitucional programática, ou de eficácia limitada
(ou reduzida).
Daí o porquê da necessidade das categorias, de um lado empregador e de outro
empregado, acordarem sobre novas condições de trabalho, que incorporarão (ou não) aos
contratos individuais de trabalho, resolvendo bilateralmente questões de ordem social,
econômica e laboral de uma forma mais eqüitativa.
Esses direitos criados por meio do processo negocial estão diretamente
assegurando o exercício de direitos fundamentais de segunda geração, por estarem
relacionados à matéria de ordem salarial, e portanto, substancial para as pessoas.
Desta forma se estaria afastando a intervenção do Estado, permitindo às partes
diretamente uma composição mais satisfatória e particularizada para cada empregador, e
seus respectivos empregados, ou integrantes de uma determinada categoria, devidamente
autorizados pelo Estado (seu papel democrático).
Observa-se ainda que o nosso sistema legislativo teve por base o sistema romanogermânico, que na antigüidade demonstrou a forma “sui generis” de aplicar o direito
através da análise dos casos concretos, proferindo muitas sentenças constitutivas do
próprio direito, o que foi largamente estudado nas Institutas Justinianéias, no período
romano do dominato (27 aC - 565).
Diferentemente, aplica-se esta matéria quando fala-se em países que adotam o
sistema anglo-saxão, pois nestes, a partir das decisões, o direito passa a ser largamente
aplicado a casos semelhantes. Assim, possuem as Cortes poder originário para orientar a
solução do conflito.
Este trabalho analisa a evolução do Direito Coletivo do Trabalho, bem como o
papel dos direitos fundamentais no desenvolvimento dessas normas. Seja face ao poder
negocial e constitutivo do direito, seja pelo papel norteador dos direitos fundamentais na
criação das normas coletivas, e posteriormente demonstrar posicionamento doutrinário e
jurisprudencial acerca da incorporação ou não dessas cláusulas aos contratos individuais
11
de trabalho, bem como alterações in mellius e in pejus, tendo como marco a Constituição
Federal de 1988.
Demonstra e analisa os conflitos existentes entre autonomia privada coletiva e
direitos fundamentais, bem como a taxinomia da autonomia privada coletiva do ponto de
vista constitucional.
A importância da autonomia privada coletiva como fonte normativa frente a um
sistema predominantemente estatutário, democrático e capitalista.
Finalmente, a tendência evolutiva das normas coletivas no século XXI.
12
I CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO
1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Este capítulo destina-se inicialmente ao conceito de contrato coletivo,
terminologia utilizada no Brasil, distinção entre contrato e convenção coletiva, formas
de solução dos conflitos coletivos, possibilidade de incorporação das cláusulas
normativas nos contratos individuais, natureza jurídica de tais normas, entre outros
pontos afins.
O Direito Coletivo do trabalho se presta para a criação de novas condições de
trabalho que se agregam aos contratos individuais do trabalho. As formas de solução dos
conflitos coletivos de trabalho dividem-se em: formas autônomas e formas heterônomas.
Na hipótese das formas autônomas, encontram-se as convenções e os acordos
coletivos de trabalho, que segundo a doutrina 1 possuem cláusulas de natureza contratual
e obrigacional 2, ambas com força normativa, devidamente autorizadas pelo Estado.
Posiciona-se a jurisprudência no sentido de que as cláusulas contratuais vigem no prazo
assinado (E. 277 do TST). Entretanto, as cláusulas de natureza obrigacionais, no dizer
de Sérgio Pinto Martins, incorporariam aos contratos individuais de trabalho.
Há que se observar que o Estado abre espaço para a autonomia privada coletiva
criar novas condições de trabalho, fazendo as vezes da lei, considerando-se que o Poder
Legislativo não consegue acompanhar a evolução da sociedade. Salienta-se para tanto,
no âmbito trabalhista, as mudanças decorrentes da economia, robótica, globalização,
entre outros, onde freqüentemente há substituição do homem pela máquina, gerando
desemprego em índices altíssimos.
Este contexto coloca em risco o direito dos trabalhadores ao emprego e a
garantirem a sua subsistência, além dos direitos fundamentais assegurados pela Carta
Magna, que devem ser exercitados para assegurar-se um Estado Democrático de Direito.
1
2
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 159.
Posiciona-se na mesma orientação MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: Atlas,
2005. p. 834.
As cláusulas obrigacionais, também denominadas por RUSSOMANO contratuais, constituem, segundo
referido autor, “o objeto secundário da negociação, mesmo que, eventualmente, adquiram notória
relevância”. (RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 153).
13
Há que se considerar outro aspecto relevante para a evolução dos direitos
fundamentais e principalmente para seu exercício, evitando que figurem apenas no
papel, que é a mudança do papel sindical no Brasil. No modelo anterior à Carta Magna
de 1988, tinha-se um modelo de sindicato que atendia à vontade do Estado exercendo a
longa manus, onde o Estado regia os sindicatos, manipulando-os para obtenção de suas
metas e políticas governamentais à semelhança do modelo fascista italiano de
Mussoline.
Para a criação de uma entidade sindical, era necessário que a mesma fundasse
uma associação profissional, para depois transformá-la em sindicato, com a autorização
do Estado, através da famosa carta de investidura sindical, outorgada pelo Ministério do
Trabalho. Sem isso, as associações profissionais não eram consideradas entidades
sindicais e tampouco poderiam representar os interesses da categoria.
O constituinte, em 1988, resolveu alterar este modelo, afastando o Estado do
processo de reconhecimento das entidades sindicais, proibindo a intervenção estatal para
a criação, organização e funcionamento das entidades sindicais, concedendo-lhes
autonomia privada coletiva para a criação de novas condições de trabalho, que
atendessem as reais necessidades das categorias profissionais, observado o equilíbrio,
expresso nas possibilidades das categorias econômicas.
Assim, o Estado abdica de seu papel legiferante, reservando-se ao controle das
condições mínimas, asseguradas constitucionalmente, a todos os trabalhadores.
Observam-se no mínimo dois aspectos positivos: primeiro, que os direitos fundamentais
básicos estão assegurados pelo Estado; segundo, que as negociações coletivas
proporcionam condições para a regulamentação de normas programáticas ou normas de
eficácia limitada (ou reduzida) 3, que se assim não fosse, não passariam de simples
escrituras no papel.
Agora, verificam-se os aspectos negativos: primeiro, até mesmo os direitos
fundamentais básicos, assegurados pelo Estado, podem sofrer flexibilizações, sempre
que o texto constitucional estabelece uma regra, e em seguida uma exceção, por
exemplo: artigo 7°, inciso VI, da CF (irredutibilidade salarial, salvo acordo ou
convenção coletiva); artigo 7°, inciso XIV, da CF (jornada de seis horas para o trabalho
realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva). Observase que aos poucos o Estado vem afastando o seu papel normativo tutelar, fragilizando,
3
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.
103-134.
14
desta forma, os direitos fundamentais dos trabalhadores. Segundo: delega competência
para os particulares estabelecerem regras, exatamente para equilibrar estas lacunas,
porém impõe prazos de vigência de tais normas, não reconhecendo a lei, em sua
plenitude, a incorporação das mesmas aos contratos individuais de trabalho, salvo na
hipótese da nova redação dada ao artigo 114, § 2°, inserida pela E. C. n° 45, e orientação
jurisprudencial n° 41, da SDI, do TST, recentemente, pronunciadas pelo Egrégio
Tribunal Superior do Trabalho 4.
Acertadas algumas arestas, poder-se-ia dizer que o Estado vem afastando aos
poucos a sua ingerência na elaboração das normas trabalhistas, concedendo aos
particulares força para tanto, concretizando de certa forma, os ideais de um Estado
Democrático de Direito.
Na hipótese das formas heterônomas, encontram-se a arbitragem e a prestação
jurisdicional 5. No Brasil a arbitragem é facultativa. Por isso, quando as partes não obtêm
êxito na negociação coletiva podem instaurar dissídios coletivos. Há quem defenda que
o Poder Normativo dos Tribunais Laborais reflete resquício do poder fascista do Estado
nas relações privadas, razão pela qual existe forte apelo para a extinção do poder
normativo dos tribunais trabalhistas.
Nesse diapasão, estuda-se a relevância da E. C. N° 45, em especial no artigo 114,
§ 2°, da CF, pois com a nova redação, o que se entende é que enquanto as partes não
acordam ou conveniam novas condições de trabalho, em decorrência da expiração do
prazo de vigência de tais instrumentos normativos, vigem as cláusulas anteriores.
Numa nova orientação, a Constituição assegura a vigência das cláusulas
normativas anteriores, enquanto a categoria não resolve o conflito coletivo, afastando
4
5
OJ n° 41, SDI do TST: “Preenchidos todos os pressupostos para a aquisição da estabilidade decorrente de
acidente ou doença profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o empregado de
estabilidade mesmo após o término da vigência deste.” Observam Jouberto de Quadros Cavalcante e
Francisco Ferreira Jorge Neto,“a matéria, como se visualiza, é polêmica. Entendemos, em respeito à
autonomia privada coletiva, que a integração é pelo prazo do instrumento, não interagindo de forma
definitiva com os contratos individuais, exceto quando for o caso de vantagem individualmente adquirida
(como é o caso da estabilidade pela norma coletiva). Talvez fosse melhor que a matéria fosse legislada,
dirimindo-se as dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais.” CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa;
JORGE NETO, Francisco Ferreira. Manual de direito do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
p. 1578.
Há quem arrole como formas heterônomas: a arbitragem, a jurisdição, a conciliação e a mediação. Vide
comentários de Delgado, nota de roda-pé n° 197 e sua abordagem sobre o tema: “Há autores que consideram
a conciliação e a mediação meios autocompositivos, reservando a heterocomposição apenas a jurisdição e a
arbitragem. Afinal nas duas primeiras figuras não se entregaria ao terceiro o poder d e decidir o litígio, ainda
que sendo inegável sua participação na dinâmica compositiva.” (DELGADO, Mauricio Godinho. Direito
coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 205).
15
dos tribunais, competência funcional para legislar através de suas sentenças normativas,
quando se tratar de matéria negociável.
2 CONCEITO
Para conceituar contrato coletivo de trabalho, mister referir que a expressão foi
inserida em nosso ordenamento jurídico com a Carta Magna de 1937, mais
especificamente no artigo 137, a e b. Ao se aprovar a CLT, com o Decreto-lei n°
5.452/1943, foi mantido o nome contrato coletivo em seu artigo 611. “Entendia-se por
contrato coletivo de trabalho o convênio de caráter normativo em que dois ou mais
sindicatos representantes das categorias econômicas e profissionais estabeleciam
condições para reger as relações individuais de trabalho, no âmbito de suas
representações.” 6 Nesta época, o conteúdo dos contratos coletivos de trabalho obrigava
apenas os associados do sindicato, podendo ser estendido a toda a categoria por ato do
Ministério do Trabalho.
Amauri Mascaro Nascimento define contrato coletivo de trabalho dizendo:“é um
instrumento normativo negociado. Porém, mais amplo. É negociado pelas cúpulas
sindicais e empresariais, as centrais, as confederações, as federações etc.” 7
Sérgio Pinto Martins faz uma referência à Recomendação da OIT, Organização
Internacional do Trabalho de nº 91, de 1951, afirmando que a mesma define os contratos
coletivos como:
Todo o acordo escrito relativo às condições de trabalho ou emprego,
celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou várias
organizações de empregadores, por um lado, e, por outro, uma ou várias
organizações representativas de trabalhadores ou, na falta delas, por
representantes dos trabalhadores interessados, devidamente eleitos e
autorizados por ele, de acordo com a legislação do respectivo país. 8
6
7
8
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.789.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 27. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 552.
MARTINS, op. cit., p. 678.
16
Conforme depreende-se da leitura do artigo 611, com redação originária dada
pelo Decreto-lei 5.452/43, o texto legal refere-se ao contrato coletivo como convênio. 9
Dito convênio só poderia ser celebrado entre sindicatos.
Como observa Carlos Alberto Gomes Chiarelli,
o que se evidencia, num exame final, é que o contrato coletivo, malgrado o
princípio de sua unidade, apresenta-se fragmentado interiormente, detendo, na
área negocial, os efeitos de natureza obrigacional [...] Os efeitos de natureza
normativa, no entanto, [...] atestam um pressionar do interesse coletivo sobre o
particular [...].10
2.1 TERMINOLOGIA
Para Orlando Gomes, a terminologia adotada para esta figura varia de acordo com
os ordenamentos jurídicos. Convenção Coletiva de Trabalho é a denominação mais
aceita na França, Bélgica e Luxemburgo. Contrato Coletivo, na Itália, onde outras
denominações foram propostas, como Concordato di Tarifa (Messina), Regolamento
Corporativo (Costamagna),
Trattato intersindicale
e
outras.
Na
Alemanha
a
denominação clássica é o Tarifvertrag, contrato de salários, adotado, também, nos países
de língua germânica. Uma espécie é o chamado Betriebsvereibarung, acordo de
estabelecimento, estipulado entre o empresário e o pessoal da empresa. Nos países
anglo-saxônicos, predomina a Expressão collective bargaining, pela primeira vez usada
em 1891, por Sydney Webb.
Na Espanha franquista e Portugal salazarista, pelas características políticas desses
países, não era praticada a convenção coletiva, substituída que estava pelas
regulamentações oficiais; entretanto, lei recente na Espanha, regulando as convenções
coletivas, sugeriu a um autor a denominação de Contrato Coletivo Intra-Sindical
(Botija).
9
10
11
11
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
576. O autor destaca que o convênio só poderia ser celebrado entre instituições sindicais, com fundamento
no artigo 138, da Constituição de 1937.
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTR, 1990. v. 2, p. 139.
GOMES, op. cit., p. 587-88.
17
No Brasil, ficamos entre as duas expressões: contrato coletivo de trabalho e
convenção coletiva de trabalho. A primeira expressão inserida na Constituição de 1937 e
a segunda expressão, inserida com a Constituição de 1946 retomando a Constituição de
1934.
2.2 EVOLUÇÃO DO CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO NO BRASIL
Em meados de 1932, surgiu no Brasil, pela primeira vez, a denominação
“convenção coletiva de trabalho”, com o Decreto n° 21.761, de 23/08/32.
As convenções coletivas de trabalho foram reconhecidas originariamente pela
Constituição de 1934, em seu artigo 121, I, § 1°, “j” 12. Tinham como finalidade
estabelecer condições mínimas de trabalho para os contratos individuais de trabalho.
O contrato coletivo de trabalho foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro
com a Constituição de 1937, sob a denominação de contrato coletivo de trabalho, e no
artigo 611, da CLT denominado por convênio coletivo de trabalho.
Observa-se que em 1937 os contratos coletivos de trabalho, pactuados entre
associações devidamente reconhecidas pelo Estado, obrigavam a todos os seus
associados, conforme previsão no artigo 138, da Constituição de 1937, ao contrário da
Carta Del Lavoro, referida por Sérgio Pinto Martins, que já previa que os contratos
coletivos de trabalho tinham aplicação a toda a categoria. 13
Referidos contratos coletivos de trabalho poderiam ser estendidos a todos os
membros das respectivas categorias por ato do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, conforme artigo 612, da CLT, com redação daquela época, ou seja, do
governo de Getúlio Vargas, inspirado no regime fascista italiano, de cunho
eminentemente corporativista.
A Constituição de 1946 repete a Constituição de 1934, utilizando novamente a
expressão convenções coletivas de trabalho, conforme artigo 157, XIII. Com o Decreto
n° 229, de 28/02/67 os artigos 611 a 625, da CLT ganham nova redação, eliminando a
expressão contrato coletivo. Juntamente com a adoção da expressão convenção coletiva
de trabalho, o Decreto n° 229/67 também cria os chamados acordos coletivos de
12
13
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 809.
Ibidem, p. 789.
18
trabalho, distinguindo entre ambos, principalmente os sujeitos convenentes ou
acordantes. As convenções coletivas de trabalho referem-se aos acordos de caráter
normativo celebrados entre sindicatos de empregados e empregadores a respeito de
novas condições de trabalho, ao passo que os acordos coletivos são os acordos de caráter
normativo celebrados entre o sindicato da categoria profissional e uma ou mais
empresas, a respeito de novas condições de trabalho. 14
A Constituição de 1967, e o artigo 165, XIV, da EC n° 1, de 1969, mantêm a
expressão convenção coletiva de trabalho.
Porém, em fevereiro de 1988, a CUT
apresenta à FIESP uma pauta de reivindicações, estabelecendo novas regras a respeito
da negociação, com a possibilidade de ajustes por níveis, tanto no setor econômico,
regional ou da instalação fabril, assim como as formas de composição dos conflitos
coletivos de trabalho, prazo de vigência, conteúdo e renúncia bilateral do poder
normativo da Justiça do Trabalho. A essas regras deu-se o nome de contrato coletivo de
trabalho. 15
A Constituição Federal vigente, em seu artigo 7°, inciso XXVI, reconheceu as
convenções e os acordos coletivos de trabalho.
Em que pese existir oscilações no emprego das expressões ‘contrato coletivo de
trabalho´ e ‘convenção coletiva de trabalho´, ambas indiscutivelmente pertencem ao
ramo do direito coletivo do trabalho. Para Amauri Mascaro Nascimento direito coletivo
“é o ramo do direito do trabalho que estuda os sindicatos, as demais organizações
sindicais, a representação dos trabalhadores nas empresas, os conflitos coletivos de
trabalho e suas formas de solução, inclusive, as convenções coletivas e a greve”.16
Conceituando ainda direito coletivo do trabalho, leciona Octávio Bueno Magano:
“Direito coletivo é a parte do direito do trabalho que trata da organização sindical, da
negociação e da convenção coletiva de trabalho, dos conflitos coletivos do trabalho e
dos mecanismos de solução dos mesmos conflitos”. 17
Constitucionalmente o instituto foi reconhecido nas constituições de 1934 (art.
121, I, §° 1°, “j”); de 1937 (art. 137); de 1946 (art. 157, XIII); de 1967 (art. 165, XIV);
de 1969 (art. 166) e de 1988 (art. 7°, inciso XXVI). 18
14
15
16
17
18
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 27. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 55051.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 790.
NASCIMENTO, op. cit., p. 58.
MAGANO, Octávio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr,
1993. p. 11.
TEIXEIRA JUNIOR, João Régis. Convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1994. p. 31.
19
3 DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO COLETIVO E CONVENÇÃO COLETIVA
DE TRABALHO
Segundo Sérgio Pinto Martins, “contrato coletivo de trabalho estaria ligado aos
mecanismos de autocomposição, que prevaleceriam sobre os de tutela, na solução dos
conflitos coletivos de trabalho, ou que seria uma forma de contratação a nível nacional,
que iria passando a níveis inferiores visando à solução das controvérsias coletivas de
trabalho”. 19
O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Gelson Azevedo, em participação
realizada no livro do juiz Georgenor de Sousa Franco Filho 20, tece algumas
considerações acerca da matéria. Considera que países mais adiantados ou de nível
socioeconômico semelhante ao do Brasil adotam os dois sistemas legiferantes
predominantes que são: I- O Sistema Estatutário, oriundo da lei; II- O Sistema Negocial,
oriundo da manifestação de vontade individual ou coletiva, para disciplinar as relações
de trabalho.
Em nosso país vige o sistema estatutário (lei), onde a maioria dos direitos e
obrigações que se estabelecem entre empregados e empregadores são diretamente
determinados por lei, deixando em segundo plano a eficácia da autonomia da vontade
coletiva, com espaço menor, impondo sua limitação. 21
A expressão “contrato coletivo” retrata um aspecto civilista ao falar em contrato,
reportando-se à expressão utilizada pela Constituição de 1937. Hodiernamente, entendese que o contrato coletivo de trabalho vai além do conteúdo contratual, abrangendo
também o caráter normativo e obrigacional, referindo-se nesse especial, Sérgio Pinto
Martins cita as convenções e os acordos coletivos.22 Muito embora, o que se deve
observar, segundo o Ministro Gelson de Azevedo, é a diferenciação existente entre as
duas figuras, os contratos e as convenções, a partir da análise desenvolvida pelo mesmo,
19
20
21
22
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 653.
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de direito coletivo do trabalho: estudos em homenagem ao
Ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: LTr, 1998. p. 322 et seq.
“A limitação, de regra, é tão grande que, na prática, pouco resta à liberdade de manifestação, seja individual,
seja coletiva. Nesse sistema estatutário, quando as relações trabalhistas se estremecem, são levadas, de
regra, ao poder judiciário para sua composição; (II) e o sistema negocial, em que a maioria dos direitos e
obrigações trabalhistas é estabelecida pela vontade dos contratantes, empregados e empregadores. Ou seja,
cientes esses de seus reais problemas, de suas necessidades e dificuldades para minorá-las ou supera-las,
estabelecem, por manifestação de vontade, as regras que passam a reger seu relacionamento, sem prejuízo,
por certo, da existência de uma regulamentação legal oficial mínima.” (Ibidem, p. 322).
MARTINS, op. cit., p. 791.
20
sob dois enfoques: o primeiro de natureza cultural-ideológica; e o segundo de natureza
técnico-instrumental.
Afirma o Ministro Gelson Azevedo:
Relativamente à primeira, se remontarmos a história do sindicalismo
no Brasil, vamo-nos defrontar com um modelo que foi copiado do sistema
facista italiano. Lá, como aqui, o que se pretendeu com certo modelo de
estruturação e organização sindicais, retirando-lhes a autonomia, foi criar
sindicatos que pudessem servir ou não atrapalhar os propósitos ideológicos do
Estado.
Em que medida, do ponto de vista prático, isto foi estabelecido?
Vamos relembrar: para criar-se um sindicato, até 04.10.88, era preciso, antes,
criar-se uma associação profissional, preencher uma série de requisitos e,
apresentando inúmeros documentos, requerer ao Ministério do Trabalho a
outorga da Carta Sindical. A concessão desta, por sua vez, dependia de uma
autoridade inserida em estrutura executiva própria, com a faculdade de
protela-la ou mesmo indeferí-la, segundo critérios nem sempre objetivos. [...]
Já a análise técnico-instrumental permite visualizar, organizacionalmente, um
sistema de representação bilateral, por categorias profissionais e econômicas
ou por profissões, restrita a sindicato e unívoca no mesmo âmbito geográfico
e, instrumentalmente, a expressão do resultado da negociação coletiva frutífera
limitada ao acordo e à convenção coletiva. [...] Embora formalmente parecido
com o acordo coletivo e com a convenção coletiva, o contrato coletivo de
trabalho deles se diferencia substancialmente. [...] No aspecto subjetivo,
acordo e convenção estão limitados pela representação por sindicato,
federação ou confederação, sucessivamente, observada sempre a bilateralidade
referida. No contrato coletivo, os sujeitos acordantes poderiam extrapolar o
estrito limite da representação sindical por categorias ou por profissões,
abrindo espaço, exemplificativamente, para entidades tais como centrais
sindicais ou outras que viessem a ser criadas ou, ainda, para acordos
intercategoriais profissionais e econômicos diferentes, mas com interesses
inter-relacionados. 23
O contrato coletivo de trabalho poderia ser considerado de âmbito nacional ou de
natureza interprofissional. Já a convenção coletiva de trabalho forma-se através da
relação entre sindicatos que representam respectivamente os integrantes de uma
determinada categoria na esfera profissional e econômica.
O contrato coletivo nos moldes da Constituição de 1937 era aplicado
especialmente aos associados do sindicato. A convenção coletiva, segundo legislação em
vigor, é aplicada a todos os integrantes da categoria, desde que atinja o quorum mínimo
para sua aplicabilidade e seja deliberado em Assembléia Geral. Razão pela qual a CLT a
define como o acordo de caráter normativo, celebrado entre sindicatos representativos
de categorias econômicas e profissionais, no âmbito das respectivas representações.
23
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de direito coletivo do trabalho: estudos em homenagem ao
Ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: LTr, 1998. p. 323-24.
21
Faz-se necessário referir-se aos acordos coletivos de trabalho, como sendo esta
uma modalidade que permite ajustes mais estreitos entre sindicatos profissionais e uma
ou mais empresas. Neste caso, a norma obriga apenas as partes acordantes, pacta sunt
servanda, respeitando de certa forma o estado democrático de direito, e devolvendo aos
acordantes o respeito ao Princípio da Igualdade, num setor de tantas desigualdades
econômicas.
O legislador foi sábio ao criar os acordos coletivos de trabalho, pois desta forma
não estaria obrigando todas as empresas a cumprirem as mesmas regras, haja visto a
desigualdade econômica entre os empregadores. Assim, empregadores interessados
ganharam a liberdade de pactuar diretamente com seus empregados, representados pelo
sindicato, interesses “sui generis”, observada a regra mais favorável ao empregado, uma
vez estabelecida em convenção coletiva, mesmo que posteriormente, conforme previsto
no artigo 620, da CLT.
Apesar da Constituição Federal de 1967 alterar a nomenclatura referente ao
resultado das negociações coletivas, para convenção coletiva e acordo coletivo, observase que remanesce nos textos legais a expressão “contrato coletivo de trabalho”, como
por exemplo, no artigo 444, da CLT, referido em nota de roda-pé n° 24. Outros
exemplos, podem ainda ser citados, tais como: a Lei n° 8.630, de 25/02/1993, que regula
as atividades nos portos, também passou a se referir ao contrato coletivo nos artigos: 18,
parágrafo único, 19, I, 22,28,49 e 57, § 1°.
O inciso IV do artigo 83 da Lei
Complementar n° 75/93, que estabelece a competência do Ministério Público do
Trabalho, para propor ação que declare a nulidade de cláusula de contrato, convenção e
acordo coletivo.
Independentemente da nomenclatura a ser adotada, a questão a ser desenvolvida
em outro item está relacionada à validade, vigência e eficácia de tais normas coletivas
face ao Sistema estatutário, dominante em nosso país. Muito embora o que se percebe
com a globalização, é que o Estado vem dando espaço às relações privadas, mesmo que
coletivas, permitindo às partes, diretamente, criar novas condições de trabalho,
reservando-se ao papel eminentemente tutelar. Para tanto, observa-se a força dos
dispositivos legais contidos nos artigos 9° e 444, da CLT.24
24
BRASIL. “Artigo 9°: Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir
ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação. E artigo 444: As relações contratuais
de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às
disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das
autoridades competentes.”
22
Nesse diapasão, Orlando Gomes preleciona,
o princípio da liberdade contratual na estipulação do conteúdo da convenção
coletiva está limitado pela regra prevista nos artigos 9° e 444 da CLT
(disposições contrárias às disposições de proteção ao trabalho), pelas
disposições contrárias à ordem pública, à moral (Código Civil) e à liberdade
sindical. Seria, portanto inadmissível uma cláusula convencional coletiva do
tipo da closed shop, union shop ou de exclusão de ingresso de empregados. 25
Traço importantíssimo foi dado pela própria CLT, ao definir tais acordos
coletivos, como sendo de caráter normativo. Assim, evidenciam a natureza normativa de
tal instituto, mesmo tratando-se de contratos que expressem a autonomia da vontade
coletiva, 26 sendo a autonomia privada um princípio fundamental do direito privado, bem
como do direito civil.
Relevante destacar ainda que o contrato coletivo de trabalho não se encontra
conceituado em nossa legislação, tratando-se de um instrumento normativo negociado,
porém mais amplo. É negociado pelas cúpulas sindicais e empresariais, as centrais, as
confederações, as federações etc. Nesse ponto, não se confunde com a convenção
coletiva e o acordo coletivo, que são instrumentos normativos das bases sindicais, e não
das cúpulas. Assim, afirma Amauri Mascaro Nascimento, ”desse modo a situação legal
dessa figura está indefinida. Diante desse quadro, no plano geral, o contrato coletivo de
trabalho é um corpo sem rosto, enquanto o Congresso Nacional não enfrentar a fundo a
questão”. 27
Considerando-se que as normas coletivas devam ser criadas a partir das entidades
sindicais, e aplicadas no âmbito de suas representações, o que prevalece do ponto de
vista negocial são os acordos coletivos e as convenções coletivas disciplinados pela CLT
e assegurados constitucionalmente, conforme artigo 7°, inciso XXVI. Pelo menos
enquanto prevalecer o Princípio da Unicidade Sindical e for atribuída à entidade sindical
a legitimidade para representar os interesses
25
26
27
coletivos ou individuais da categoria,
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
585-86.
“Na verdade, o contrato coletivo não vai ter um conteúdo estritamente contratual, mas normativo e
obrigacional , (grifo nosso), assim como ocorre com o acordo e a convenção coletiva, em certo período, a
respeito de condições de trabalho” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas,
2006. p. 791).
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 27. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 552.
23
inclusive em questões judiciais ou administrativas, conforme artigo 8°, inciso III, da
Constituição Federal vigente.28
As palavras firmes de Mauricio Godinho Delgado demonstram a não
institucionalização do contrato coletivo de trabalho, na negociação coletiva trabalhista. 29
Godinho, ainda, apresenta algumas dubiedades decorrentes da utilização da
expressão contrato coletivo de trabalho, como a seguir transcreve-se:
Na verdade, a denominação contrato coletivo de trabalho tem se
mostrado algo equívoca na história do Direito brasileiro. A CLT já utilizou a
expressão, antes da reforma de 1967, para designar o diploma negocial
coletivo que tipificava, correspondendo ao que hoje se chama convenção
coletiva do trabalho (artigos 611 e seguintes da CLT, regulando pacto entre
sindicatos econômicos e profissionais). Pelo Dec.-lei n° 229, de 1967,
abandonou-se a denominação contrato coletivo.
Passou-se, então, a diferenciar em dois os diplomas da negociação
coletiva: a convenção coletiva de trabalho (que substituía o antigo contrato
coletivo) e o recém-criado acordo coletivo de trabalho.
A expressão ‘contrato coletivo de trabalho também já foi utilizada na
doutrina para designar certa modalidade de contrato componente do Direito
Individual do Trabalho´- o contrato plúrimo (como o contrato de equipe, por
exemplo). [...] Em conseqüência, deve-se reservar a expressão contrato
coletivo de trabalho como designativo de figura do Direito Coletivo do
Trabalho, situada, do ponto de vista doutrinário, ao lado das duas congêneres
tipificadas na CLT, convenção e acordo coletivo de trabalho. 30
Por isso, a partir de agora, o estudo se direciona às normas coletivas de trabalho,
de forma mais objetiva aos acordos coletivos e às convenções coletivas.
4 PROBLEMATIZAÇÃO: INCORPORAÇÃO DAS CLÁUSULAS NORMATIVAS
NOS CONTRATOS INDIVIDUAIS DE TRABALHO
A problematização, que esta dissertação aborda, está vinculada à incorporação
das cláusulas de acordos ou convenções coletivas nos contratos individuais de trabalho,
28
29
30
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
515. “Unicidade Sindical significa o reconhecimento pelo Estado, ou pela categoria profissional contraposta,
de apenas um sindicato, como representante de toda uma profissão.”
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 1387. “O
contrato coletivo de trabalho é, no Brasil, ainda hoje, figura não institucionalizada na negociação coletiva
trabalhista, em contraponto às duas figuras tradicionais existentes, que foram objeto de estudo nos itens III e
IV, anteriores (Acordos e Convenções Coletivas). A lei não a tipificou e regulou, nem os seres coletivos
trabalhistas tiveram interesse ou força organizativa para implementar, costumeiramente, sua presença no
âmbito social. Não tem tido, por isso, aplicação prática na dinâmica justrabalhista do país”.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 1387-388.
24
vistas como fontes normativas formais autônomas, reconhecidas pela Constituição
Federal vigente, muito embora haja entendimento de que suas cláusulas vigem no prazo
assinado, conforme Súmula n° 277 do TST.
Referido entendimento encontra-se prejudicado pela nova redação dada ao artigo
114 § 2°, da Constituição Federal, face à Emenda Constitucional n° 45, mesmo que
referindo-se unicamente às sentenças normativas.
O artigo 114, § 2°, da CF dispõe que “a Justiça do Trabalho, ao decidir o conflito,
respeitará as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as
convencionadas anteriormente”. 31
No Direito Coletivo do Trabalho, soluciona-se os conflitos coletivos a partir da
negociação coletiva, na qual as categorias, através de seus respectivos sindicatos,
deverão comparecer, para a realização de Assembléia Geral (artigo 612, da CLT).
Os sindicatos só poderão celebrar convenções ou acordos coletivos de trabalho
por deliberação em Assembléia Geral especialmente convocada para esse fim consoante
o disposto nos respectivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do
comparecimento e votação. O quorum mínimo está previsto em lei, para deliberação de
acordos ou convenções coletivas.
A distinção entre ambas refere-se, entre outros elementos, aos sujeitos integrantes
da negociação e a extensão da aplicação ou abrangência da norma coletiva.
Os acordos coletivos são celebrados entre os sindicatos representativos das
categorias profissionais e uma ou mais empresas da correspondente categoria
econômica, que estipulam condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou
das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho.
As convenções coletivas de trabalho são celebradas entre dois ou mais sindicatos
representativos de categorias econômicas e profissionais que estipulem condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de
trabalho.
31
BRASIL. “O § 2° do artigo 114 da Constituição teve nova redação determinada pela Emenda Constitucional
n° 45/04. A Justiça do Trabalho pode decidir o dissídio coletivo, respeitadas as disposições mínimas legais
de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. Assim, as disposições convencionadas
anteriormente em convenções ou acordos coletivos passam a integrar o contrato de trabalho e não podem ser
modificadas nos dissídios coletivos. Haverá, contudo, a possibilidade de redução ou supressão em posterior
acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho, mas não por dissídio coletivo. O citado dispositivo vem
confirmar, analisando-o a contrario sensu, o que já era previsto na Súmula 277 do TST” (MARTINS, Sérgio
Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 818).
25
Assim, os acordos coletivos alcançam apenas as empresas acordantes, enquanto
que as convenções coletivas se estendem a todos os integrantes da categoria, observadas
as respectivas representações.32
Os acordos e as convenções coletivas são formas autônomas de solução dos
conflitos coletivos. Não havendo êxito na negociação coletiva, a autocomposição não
será possível. Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 114, § 2°, faculta às partes,
quando inexitosa a conciliação, eleger a arbitragem ou instaurar dissídios coletivos de
natureza econômica, conhecidas como formas heterônomas de solução dos conflitos
coletivos de trabalho, face a intervenção de um terceiro (pessoa física ou jurídica e o
Estado respectivamente), para a solução do conflito. 33
Embora cancelada a Instrução Normativa n°4 /93 do TST, para a instauração do
dissídio coletivo, se faz necessário esgotar as tentativas conciliatórias. 34
Assim, observa-se que o processo para a solução dos conflitos coletivos é linear,
pois segue passo a passo o previsto na legislação, até que se alcance o objetivo final,
qual seja: buscar um equilíbrio entre as necessidades de uma categoria profissional e as
possibilidades da respectiva categoria econômica, criando novas condições de trabalho,
respeitadas as disposições legais mínimas de proteção e as convencionadas
anteriormente.
Revela-se de outra banda aspectos relevantes, quanto ao papel do Estado, que ora
assegura normas de tutela mínimas, e, ao mesmo tempo abre espaço para o campo da
autonomia coletiva privada criar novas condições de trabalho, que ficam cercadas dentro
de limites mínimos e máximos para sua criação.
Nas palavras de Wagner D. Giglio,
o resultado da autocomposição dos conflitos coletivos depende da liberdade da
negociação, e essa liberdade requer igualdade de situação, que já não existe
mais. A pressão exercida pelas condições da economia atual, de desemprego
generalizado, sem perspectiva de melhora, torna ineficazes as formas
tradicionais de composição dos conflitos: a negociação direta, a mediação e a
32
33
34
As respectivas representações correspondem à base territorial de representação das entidades sindicais que
participam do processo negocial, respeitado o Princípio da Unicidade sindical. “Entretanto, manteve o
sistema de unidade sindical (art. 8°, II, CF/88), [...]” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do
trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 1331).
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2004. p.
733. “As formas de solução dos conflitos coletivos podem ser: a) autocompositivas, como os acordos
coletivos, as convenções coletivas e a mediação;b) heterocompositivas, como a arbitragem e a jurisdição.”
“A ação coletiva trabalhista tem por pressuposto objetivo e essencial a ocorrência de tratativas conciliatórias
prévias ou a recusa à negociação ou à arbitragem, segundo disposição expressa dos artigos 114, § 2°, da
Constituição Federal e 616, § 4°, da CLT, que de modo cabal deve ser comprovado pelo suscitante (TST,
RO-DC 54.189/92.1, Ursulino Santos, Ac. SDC 207/93).
26
conciliação delas resultantes. Como conseqüência das condições atuais, o
resultado dessas formas de autocomposição dos conflitos coletivos têm sido
bastante desfavoráveis aos trabalhadores: na melhor das hipóteses, são
mantidos os direitos anteriores e garantidos, temporariamente, os empregos: na
pior, reduzem-se benefícios, negociam-se rescisões contratuais e generaliza-se
a insatisfação, que vai eclodir nas etapas seguintes de negociação.35
O artigo 615, da CLT, prevê que “o processo de prorrogação, revisão, denúncia
ou revogação total ou parcial de Convenção ou Acordo ficará subordinado, em qualquer
caso, à aprovação de Assembléia Geral dos Sindicatos convenentes ou partes acordantes,
com observância do disposto no artigo 612”. Daí, depreende-se que qualquer alteração,
somente terá validade se condicionada à Assembléia Geral.
O TST já manifestou-se sobre a questão em julgado RODC 53/2004, bem como
no teor da Orientação Jurisprudencial n° 41 da SDI-1 do TST. Os quais serão analisados
no item 4.3, adiante.
4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS COLETIVAS (CONVENÇÕES E
ACORDOS COLETIVOS)
Para explicitar a natureza jurídica das convenções coletivas, mister referir as
teorias que a fundamentam. Entre elas destacam-se, na visão de Luiz Fernando Basto
Aragão: a Teoria do Mandato, Gestão de Negócios, Estipulação em Favor de Terceiro,
Personalidade Moral Fictícia, Solidariedade Necessária, Representação Legal e Pacto
Social.
36
Observa-se, que o autor supra citado, elenca as teorias integrantes do grupo
das teorias civilistas ou contratuais.
35
36
GIGLIO, Wagner D. Solução dos conflitos coletivos: conciliação, mediação, arbitragem, resolução oficial e
outros meios. Revista LTr, São Paulo, v. 64, n. 3, p. 307 et seq., mar. 2000.
ARAGÃO, Luiz Fernando Basto. Noções essenciais de direito coletivo do trabalho. São Paulo: 2000, p. 979. Referidas teorias são mencionadas na obra de Mauro Medeiros, como teorias integrantes do grupo das
teorias civilistas ou contratuais. Existindo, ainda, teorias que pertencem ao grupo da transição ou mistas e
teorias jurídico-sociais ou regulamentares. MEDEIROS, Mauro. A interpretação da convenção coletiva de
trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 33-40. Explica, ainda o autor, na mesma obra que: a) a teoria civilista ou
contratual é oriunda dos conceitos clássicos de Direito Civil, tendo sua esteira no Princípio da Autonomia da
Vontade; b) a teoria de transição ou mista referindo-se às teorias extracontratuais, destacando o autor a do
pacto social, a da solidariedade necessária, a do uso e costume industrial; c) as teorias jurídico-sociais
repelem a idéia de contrato e os princípios clássicos de Direito Civil. São elas: a da instituição corporativista
e a da lei delegada.
27
Vejamos do que trata cada uma das teorias supra mencionadas:
TEORIA DO MANDATO: sustentam que os sindicatos, ao celebrarem contratos
coletivos, agem como mandatários dos associados do sindicato, como se os associados
dessem ao sindicato uma procuração para agir em seu nome e, por isso, se obrigam pelo
que o sindicato deliberar. O que acontece é que o sindicato age em nome próprio, o que
acaba por invalidar tal teoria.
GESTÃO DE NEGÓCIOS: na gestão de negócios uma pessoa administra o
negócio de uma outra que se encontra ausente, sem antes ter recebido consentimento
para administrar. Ora, há consentimento expresso para a celebração da convenção
coletiva, o que bem demonstra que a teoria da gestão de negócios é inaceitável a
propósito das convenções coletivas.
ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO: segundo esta teoria, o sindicato
age como estipulante, fixando cláusulas em favor de seus associados, que são os
beneficiários da estipulação. Sucede que a estipulação em favor de terceiro é um tipo de
contrato pelo qual um dos contratantes deve pagar, etc., alguma coisa a uma terceira
pessoa, o que não acontece nas convenções coletivas, em que os integrantes da categoria
profissional beneficiada pelo contrato nada recebem de qualquer dos sindicatos que os
assinam.
PERSONALIDADE MORAL FICTÍCIA: segundo esta teoria, a validade dos
contratos coletivos decorre de a personalidade do sindicato confundir-se com a de seus
associados. Entre nós, contudo, como a lei reconhece aos sindicatos uma personalidade
diversa daquela de seus associados, a teoria torna-se imprestável.
SOLIDARIEDADE NECESSÁRIA: funda-se na subordinação do interesse
individual ao da maioria do grupo, por necessidade social. A subordinação existente,
porém, é ao interesse coletivo e não à vontade da maioria. A intervenção do Ministério
do Trabalho, onde se processa o depósito de uma via da convenção, não importa em
policiamento do convencionado.
REPRESENTAÇÃO LEGAL: pela teoria da representação legal, amplamente
aceita na Itália, o sindicato tem poderes de representação concedidos pela lei para
celebrar convenções coletivas em nome de todos os membros da categoria profissional,
que ficam obrigados, da mesma forma que, em direito civil, o representado fica obrigado
pelos atos praticados por seu representante legal. Essa é uma das teorias mais aceitas
quando o sindicato tem realmente poder de representação de toda a categoria.
28
PACTO SOCIAL: de acordo com essa teoria, os empregados e empregadores, ao
ingressarem em seus respectivos sindicatos, estão celebrando com estes um pacto pelo
qual se obrigam a aceitar, antecipadamente, as deliberações da maioria dos associados.
Daí ser obrigatório o cumprimento das convenções coletivas. Os adversários dessa teoria
dizem que ela é inaceitável porque acarreta renúncia incompatível com a liberdade
contratual. Essa objeção, parece-nos precária, uma vez que, seja qual for o motivo pelo
qual têm validade as convenções coletivas, elas estão acima dos contratos individuais,
que devem adaptar-se ao que nelas está contido.
A natureza jurídica da convenção coletiva, para Octavio Bueno Magano,
trata-se de negócio jurídico resultante da autonomia das partes convenentes.
Vale dizer que se particulariza como negócio jurídico bilateral, ou, mais
especificamente, como contrato normativo. É contrato porque expressa o
mútuo consenso das partes convenentes, a respeito de um objeto e é normativo
em virtude de sua aptidão para determinar o conteúdo dos contratos
individuais. A normatividade inerente à convenção coletiva de trabalho
provém do poder transferido ao sindicato ou outro agrupamento legitimado a
celebrá-la, pelos indivíduos que se inserem na organização. 37
Para José Martins Catharino,
as normas convencionadas ou acordadas, extintas, “revogadas” ou
“denunciadas”, para o futuro, já incorporadas, mais contratos de emprego,
continuam vigindo, residual e contratualmente, na esfera individual e
subjetiva. Assim, como a norma criada não tem aplicação retroativa (CF, art.
153, § 3°), e sim imediata ou não, a norma de destruição está na mesma
situação temporal: não pode prejudicar “o direito adquirido” e o ato jurídico
perfeito. 38
Segadas Vianna 39, assim como Mauro Medeiros 40, referem os três grupos der
teorias que tentam explicar a natureza jurídica das convenções coletivas, quais sejam: As
teorias civilistas são: a do mandato, a da gestão de negócio, a da estipulação em favor de
terceiros e a da personalidade moral fictícia e representação legal; as teorias
extracontratuais são: teoria do pacto social, da solidariedade necessária e do uso e
costume industrial; as teorias jurídico-sociais são: teoria da instituição corporativa e a
37
38
39
40
MAGANO, Octávio Bueno. Manual de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1986. v. 3.
CATHARINO, José Martins. Tratado elementar de direito sindical. 2. ed. São Paulo: LTr, 1982.
VIANNA, Segadas. Negociação coletiva de trabalho: instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo:
LTr, 2000. p. 1173.
MEDEIROS, Mauro. A interpretação da convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 21, diz:
“A definição eleita por nós é a de Magano, acima mencionada, pois, consoante o próprio mestre afirma, opta
pela síntese e contém o gênero próximo (negócio jurídico) e a diferença específica (condições de trabalho),
assim obedecendo às regras da lógica formal.”
29
teoria regulamentar, também conhecida por teoria da lei delegada.41 Posicionam-se
Vianna e Mauro Medeiros, pela teoria da lei delegada. Concluindo que a solução
extracontratual e da lei delegada parece inevitável. Primeiro por tratar-se de convenção;
e segundo porque a convenção obriga a todos inominadamente, e mesmo não tendo
poder de derrogar leis estatais, pode ampliar os benefícios que, nessas, são condições
mínimas, e crias novas condições de trabalho.
Segundo Délio Maranhão 42 a natureza jurídica da convenção coletiva é definida
pela teoria do contrato-regra, “juridicamente, é um ato jurídico, próprio do Direito do
Trabalho, de natureza ao mesmo tempo normativa e contratual: contrato-ato-regra”.
Para Süssekind:
As relações jurídicas diretas que da convenção coletiva possam
nascer entre os sindicatos convenentes são de inegável natureza contratual,
entrando no esquema clássico da figura do contrato. Este, porém, supõe uma
relação individual. Ora, a convenção coletiva estabelece normas que vão reger
as relações individuais dos integrantes das categorias a que tais normas se
aplicam. Quem as estabelece? – as próprias categorias. [...] Se o conflito de
interesses, que se soluciona por meio de uma convenção coletiva, é coletivo e
envolve, por isso, interesses abstratos dos grupos interessados, dessa natureza
coletiva dos interesses em conflito há de decorrer, necessariamente, o caráter
normativo da solução convencional. A convenção, pois, como ato-regra no
plano coletivo, preenche a mesma finalidade do contrato no plano individual:
atividades de cooperação para solucionar conflitos de interesses. A função
social é a mesma, o que muda é a natureza dos interesses em jogo. 43
Para Délio Maranhão, segundo sua obra intitulada “Direito do Trabalho”, o autor
faz uma digressão sobre a natureza jurídica das convenções coletivas, e por certo não
deixa de mencionar a frustração das teorias da contratualidade e extracontratuais, que
isoladamente não se bastam, razão pela qual defende o caráter dualista da natureza
jurídica das convenções coletivas, afirmando: “O ato jurídico é um só. Mas não é só
contrato, nem só ato-regra. É, por isso, uma figura jurídica sui generis: normativa, por
um lado, contratual, por outro.Um contrato normativo, que não se enquadra nos moldes
clássicos do contrato, como nos moldes clássicos da sentença não se enquadra a sentença
normativa.” 44
41
42
43
44
VIANNA, Segadas. Negociação coletiva de trabalho: instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo:
LTr, 2000. p. 1171-77.
MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1993. p. 40.
SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2001. v.2, p. 1175.
MARANHÃO, op. cit., p. 333. O autor faz referência à sua conclusão, partindo de estudos feitos sobre a
classificação dos atos jurídicos segundo Duguit. Vide DUGUIT, Leon. Traité de droit constitucionel. Paris: Boccard,
1927. v. 1, p. 322. “Vê-se aparecer uma primeira categoria de atos jurídicos, os que são feitos com a intenção de
produzir uma modificação nas regras de direito. São os que chamamos atos-regra. Tem um caráter objetivo...”
30
4.2 VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DAS NORMAS COLETIVAS DE
TRABALHO: UMA QUESTÃO DE APLICABILIDADE DAS MESMAS (ACORDOS
COLETIVOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO)
Para Wilson Steinmetz, a vinculação dos particulares a direitos fundamentais
trata-se de um problema de eficácia jurídica. 45 Considerando-se que as normas coletivas,
em especial os acordos e as convenções coletivas expressam a vontade dos integrantes
de uma determinada categoria, e para tanto, têm-se regras de eficácia e aplicabilidade a
observar, faz-se pertinente o estudo da eficácia das normas coletivas, para que através da
autonomia privada coletiva (autonomia privada é princípio fundamental do direito
privado) 46 respeitem-se e assegurem-se direitos fundamentais aos trabalhadores e
empregadores.
Os direitos sociais estão previstos no artigo 7° da Constituição Federal vigente,
em seus 34 incisos (um amplo rol de direitos dos trabalhadores) 47 cujo catálogo não é
apenas taxativo, admitindo-se outros direitos fundamentais, por intermédio da cláusula
de abertura propiciada pelo artigo 5°, § 2°, da CF.
O Estado, através da Constituição Federal, que retrata o Estado Democrático de
Direito, reconhece a vontade do povo, desde que observadas regras mínimas, que visam
o equilíbrio entre os particulares, assegurando-lhes o exercício da cidadania.
Para um melhor aproveitamento do tema, faz-se necessário a distinção entre os
conceitos de vigência, validade e eficácia, observando-se que há confusão entre eles,
entre os constitucionalistas, e não por menos na área trabalhista.
45
46
47
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 40.
Ibidem, p. 189.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003. p. 73-4.
31
4.2.1 Validade
Para J. H. Meirelles Teixeira, citado por Wilson Steinmetz, validade é “a
propriedade da conformidade (adequação, compatibilidade) da norma jurídica a normas
de hierarquia jurídica superior.” 48
Observada a nota de n. 46, a validade formal das convenções coletivas, estaria
exemplificativamente, na observância de realização de Assembléia Geral, quorum e
legitimidade das entidades sindicais. E, a validade material, expressaria-se na
observância do conteúdo entre as normas constitucionais e infraconstitucionais, sempre
para beneficiar o trabalhador, v. g., artigo 7°, incisos XIII e XVI, da CF (prevê adicional
de no mínimo 50% para as horas extras) e cláusulas de convenções coletivas que
normalmente prevêem um adicional maior para as horas extras, v.g., adicional de 50%
para as duas primeiras horas extras e adicional de 100% para as subseqüentes. O que não
poderia acontecer, seria a norma coletiva prever um adicional inferior ao mínimo
previsto na Constituição.
Para João de Lima Teixeira Filho, o principal requisito de validade dos
instrumentos normativos autocompositivos é que sejam subscritos por entidades
sindicais, com existência legal. Refere-se o autor aos atos constitutivos, devidamente
registrados em Cartório, tendo em vista a prerrogativa constitucional
Sindicato no artigo 8°, VI, da CF.
conferida ao
49
Ao estabelecer os princípios que norteiam o direito sindical, a Constituição
Federal em seu artigo 8°, I, preestabeleceu o Princípio da Autonomia Sindical. Dito
Princípio proíbe ao Estado autorizar a fundação de um sindicato, bem como veda ao
Poder Público a interferência e a intervenção na Organização Sindical.
48
49
TEIXEIRA apud STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 41. Argumenta ainda, Steinmetz: “Distingue-se entre conformidade formal e
conformidade material. Daí por que o uso das expressões “validade formal” e “validade material”. A
validade formal é determinada pela observância das competências pessoal, procedimental e material –
fixadas por norma(s) de hierarquia jurídica superior (sobretudo por normas constitucionais de competência)
– para a criação e introdução da norma no sistema jurídico passivo. A validade material é determinada pela
não-contradição entre o conteúdo da norma inferior e o de norma(s) superior(es). A propriedade da validade
jurídica caracteriza a pertinencialidade de uma norma jurídica a um dado sistema jurídico, isto é, “a relação
de pertinência da norma com o sistema [jurídico positivo]”. Vide nota n. 33, da obra referida.
SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2001. v. 2, p. 1181.
32
O artigo 612, da CLT, estabelece os requisitos de validade das normas coletivas,
dizendo: [...] dependendo a validade da mesma do comparecimento e votação, em
primeira convocação, de 2/3 (dois terços) dos associados da entidade, se se tratar de
Convenção, e dos interessados, no caso de Acordo, e, em segunda, de 1/3 (um terço) dos
membros.
50
Uma vez atendidos o quorum para comparecimento e votação, tais normas
deverão ser depositadas e registradas em órgão competente, qual seja: Ministério do
Trabalho e Emprego, conforme preceituam os artigos 613 e 614, da CLT 51, passando a
viger a partir do terceiro dia do depósito, realizado dentre os oitos dias destinados à
assinatura do instrumento normativo.
Observa-se, posicionamento contrário, referente à validade das normas coletivas
condicionadas ao prazo de depósito e publicação, defendido por João de Lima Teixeira
Filho,
H – Registro. O artigo 614 da CLT também tornou-se letra morta. O contexto
dentro do qual brotou já feneceu definitivamente. O Ministério do Trabalho
não é mais a longa manus estatal para controlar o sindicato e os atos por ele
produzidos, nos seus relacionamentos internos ou externos. Nenhuma
conseqüência jurídica produzirá o arquivamento do acordo ou da convenção
coletiva após o oitavo dia de sua assinatura. Trata-se de ato de depósito,
despojado de conteúdo homologatório. Nem sanção administrativa há. Ao
Ministério do Trabalho está “vedada a apreciação do mérito” dos instrumentos
50
51
“A limitação do direito de votos aos “interessados” no acordo é sustentada em lógica irretorquível: os
empregados de outras empresas, ainda que da mesma categoria profissional, não têm de se manifestar sobre
o resultado de uma negociação aplicável apenas aos empregados de uma única empresa. Só os empregados
desta, isto é, aqueles detentores de interesse direto nas condições negociadas, devem deliberar pela
aprovação ou rejeição da contraproposta. A interferência de estranhos no âmbito de eficácia da norma
autônoma compromete sua validade.” (SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19.
ed. São Paulo: LTr, 2001. v.2, p. 1181).
BRASIL. “Artigo 613, da CLT: As convenções e os acordos deverão conter obrigatoriamente: I- designação
dos sindicatos convenentes ou dos sindicatos e empresas acordantes; II- prazo de vigência; III- categorias ou
classe de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispositivos; IV- condições ajustadas para reger as
relações individuais de trabalho durante sua vigência; V- normas para a conciliação das divergências
surgidas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos; VI- disposições sobre o
processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus dispositivos; VII- direitos e deveres dos
empregados e empresas;
VIII- penalidades para os sindicatos convenentes, os empregados e as empresas em caso de violação de seus
dispositivos. Parágrafo único. As convenções e os acordos serão celebrados por escrito, sem emendas nem
rasuras, em tantas vias quantos forem os sindicatos convenentes ou as empresas acordantes, além de uma
destinada a registro.” “Artigo 614, da CLT: Os sindicatos convenentes ou as empresas acordantes
promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da convenção ou acordo, o
depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em
se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgão regionais do Ministério do
Trabalho nos demais casos. § 1°. As convenções e os acordos entrarão em vigor 3 (três) dias após a data da
entrega dos mesmos no órgão referido neste artigo.”
33
normativos autônomos “e dispensada sua publicação no Diário Oficial. (art. 1°
da Portaria MTb n° 865, de 14.9.95).52
A lei estabelece a forma escrita dos instrumentos normativos, sem emendas nem
rasuras.
As convenções e os acordos coletivos têm aplicação circunscrita ao “âmbito das
respectivas representações” (art. 611). Assim, os acordos ou convenções celebrados
entre sindicatos que não participem da negociação, ou que mesmo participando
transcendam os rígidos limites do enquadramento sindical estatal, não terão validade.
4.2.2 Vigência
Novamente, para Steinmetz vigência é “a possibilidade que torna exigível a
observância (obediência) da norma jurídica (exigibilidade ou obrigatoriedade da norma
jurídica), em um determinado espaço a partir de um determinado tempo, enquanto a
norma jurídica não for declarada inválida (Lex prima facie valet) ou não for abrogada”.53
Quanto à vigência das normas coletivas, o artigo 614, § 3°, da CLT, disciplina
que: “Não será permitido estipular duração de acordo ou convenção superior a 2 (dois)
anos”.
João de Lima Teixeira Filho entende que é perfeitamente possível estabelecer
prazo superior a dois anos, “apenas a limitação de sua vigência estará restrita ao que
permite a lei”. 54
“Condição imprescindível para a vigência dos acordos e convenções coletivas é
que tenham a necessária publicidade para conhecimento dos interessados”. 55
Disciplina a CLT, que a vigência das normas coletivas autônomas, inicia-se três
dias após o depósito das mesmas, no órgão do Ministério do Trabalho (regional ou
nacional, conforme o caso) devidamente assinadas, conforme artigo 614, § 1°, da CLT.
52
53
54
55
TEIXEIRA FILHO apud SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo:
LTr, 2001. v. 2, p. 1183.
Vide nota n. 29, STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 40-1.
TEIXEIRA FILHO, op. cit., p. 1184.
TEIXEIRA FILHO, loc. cit.
34
José Augusto Rodrigues Pinto 56, chama a atenção para o fato que tal disposição
infraconstitucional não foi recepcionada pela Constituição Federal vigente, e diz,
“nenhuma formalidade se antepõe à eficácia da Convenção Coletiva, uma vez assinada
pelas partes legitimadas à celebrá-la, nada impedindo seu registro público para efeitos
de emprestar-lhe validade erga omnes, por efeito da publicidade”.
Contudo, o mesmo autor admite existir tendência jurisprudencial recente do
Tribunal Superior do Trabalho, nada referindo sobre existência ou não, de antinomia
entre a regra da CLT e o Princípio da Autonomia (art. 8º, inciso I, da CF). Apontando
ilustrativamente, o sentido da Orientação Jurisprudencial 34 da Secção de Dissídios
Coletivos daquela Corte.57
Para Mauricio Godinho Delgado,
ressalta-se, porém, que, mesmo considerando-se obrigatório o depósito
administrativo do diploma autônomo, ele preserva seu caráter de documento
comum às partes (sejam as partes coletivas, sejam apenas empregado e
empregador, individualmente considerados). Nessa qualidade, sua prova em
juízo pode ser feita mesmo em fotocópia simples, não autenticada (Orientação
Jurisprudencial 36, Seção de Dissídios Individuais do TST) Logo, cabe àquele
que alegar a irregularidade administrativa, comprová-la com a respectiva
certidão negativa do órgão público depositário.58
A seguir, transcreve-se as Orientações Jurisprudenciais referidas, para fins
didáticos:
OJ 34 da SDC (TST): “É desnecessária a homologação, por tribunal trabalhista,
do acordo extrajudicialmente celebrado, sendo suficiente, para que surta efeitos, sua
formalização perante o Ministério do Trabalho (art. 614 da CLT e art. 7°, inciso
XXXVI, da Constituição Federal)”.
OJ 36 da SDI-1 (TST): “O instrumento normativo em cópia não autêntica possui
valor probante, desde que não haja impugnação ao seu conteúdo, eis que se trata de
documento comum às partes”.
Têm-se por vigência de uma norma coletiva, a observância da base territorial de
representação sindical e o prazo de vigência estabelecido em cláusula, no próprio
documento. Vaticina o artigo 114, § 2°, da CF que após o término de vigência das
56
57
58
RODRIGUES PINTO, José Augusto. Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 22021.
RODRIGUES PINTO, loc. cit.
Idem. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 146.
35
normas coletivas, deverão ser respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao
trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Depreende-se da leitura do texto constitucional, que após o término da vigência
de uma norma coletiva, a mesma poderá prorrogar-se no tempo, temporariamente.
Adriana Carrera Calvo, interpretando o artigo constitucional supra referido, nos
diz, “de fato, se a Justiça do Trabalho: (a) só atua quando não há convenção coletiva em
vigor; e (b) tem de respeitar disposições convencionais mínimas, (c) só se pode concluir
que as cláusulas convencionais continuam agarradas aos contratos individuais, mesmo
depois do prazo da convenção”. 59
4.2.3 Eficácia
Ao abordar a temática sobre a eficácia das normas coletivas, Orlando Gomes
levanta uma questão relevante defendida por Chiarelli no 1° Congresso Internacional de
Direito Social, 60 que ora transcreve-se:
[...] afirmou que o problema da eficácia da convenção coletiva não é
seu, mas de sua fonte de validade. Sua eficácia e validade derivam de norma
do ordenamento jurídico que, expressa ou tacitamente, faz da convenção
coletiva fato de produção jurídica. Sua solução não pode derivar da análise do
modo de formação e do conteúdo da convenção coletiva, em si mesmos
considerados, que permanecem na sua estrutura um ato de formação bilateral,
uma “convenção”, entendido como tal o momento do cumvenire in idem
placitum das posições inicialmente opostas. 61
Diz Orlando Gomes: “a eficácia da convenção coletiva é regulada pelo
ordenamento jurídico”. 62
Steinmetz leciona: 63 “a eficácia, por sua vez, é o predicado da norma que se
refere à capacidade técnica de produzir efeitos jurídicos. Assim, norma jurídica eficaz é
59
60
61
62
63
CALVO, Adriana Carrera. A ultratividade das convenções coletivas e acordos coletivos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 644, 13 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6449>
Acesso em: 20 mai. 2006.
GOMES; Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
nota n° 39, p. 584.
GOMES; GOTTSCHALK, loc. cit.
GOMES, GOTTSCHALK, loc. cit.
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 40 et seq.
36
aquela que pode ou deve ser aplicada porque está apta a produzir os efeitos técnicos
previstos ou dela esperados. A eficácia não se confunde com a vigência e a validade”.
Renato Rua de Almeida, ensina que
são as cláusulas normativas que apresentam a questão da eficácia
ultracontraente da convenção coletiva de trabalho. Tanto na convenção
coletiva de trabalho de eficácia limitada (ao obrigar apenas os associados das
partes contratantes) quanto na convenção coletiva de trabalho de eficácia erga
omnes ou geral (ao obrigar pessoas estranhas aos quadros associativos), os
efeitos são ultracontraentes. O direito positivo brasileiro adota a eficácia geral,
ao prescrever no artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho que a
convenção coletiva de trabalho é um acordo de caráter normativo, celebrado
por sindicatos representativos das respectivas categorias econômicas e
profissionais, que estipulam condições de trabalho, aplicáveis no âmbito das
respectivas representações, às relações individuais de trabalho. A Constituição
de 1988 acolheu a representação da categoria econômica ou profissional por
uma única organização sindical da mesma base territorial (art. 8°, II),
reconhecendo e recepcionando, portanto, a eficácia geral da convenção
coletiva de trabalho (art. 7°, XXVI).64
A questão da eficácia geral da convenção de trabalho acaba por obrigar
associados e não associados. Razão pela qual poder-se-ia afirmar que a eficácia geral da
convenção coletiva de trabalho (e não a eficácia limitada) afrontam a autonomia privada
coletiva (Convenção 98 da OIT) e a liberdade sindical (Convenção 87 da OIT). Nesse
sentido afirma Renato Rua de Almeida,65 “a eficácia geral das convenções coletivas de
trabalho se reveste de importância peculiar, pois as cláusulas normativas regulam todos
os contratos individuais de trabalho no âmbito das categorias representadas e não apenas
os contratos firmados pelos associados”.
4.2.4 Aplicabilidade das normas coletivas
Magano e Mallet tratam da aplicabilidade dos direitos sociais afirmando que “o
problema da aplicabilidade das normas constitucionais relaciona-se com a possibilidade
de sua atuação”. Referidos autores endossam o dizer de José Afonso da Silva.66
64
65
66
ALMEIDA, Renato Rua de. Das cláusulas normativas das convenções coletivas de trabalho: conceito,
eficácia e incorporação nos contratos individuais de trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 60, n. 12, p. 1602605, dez. 1996.
Ibidem, p. 1602-605.
MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1993. p. 28. Ver também, SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas
constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 63-6.
37
Segundo Kelsen, “não se confundindo com o tema da eficácia social da norma
(conduta humana verificável na ordem dos fatos)”. 67
Steinmetz corrobora com a questão, quando diz:
ainda com relação à eficácia, para efeito de exclusão da ambigüidade, faz-se a
distinção entre eficácia jurídica e eficácia social. A eficácia jurídica, como
escrito, refere-se à propriedade técnica de produção de efeitos jurídicos. A
eficácia social refere-se à observância e, por conseguinte, à realização fática
da norma jurídica. É o que se denomina efetividade das normas jurídicas. A
eficácia é potencialidade técnico-jurídica; a efetividade é potencialidade já
consumada ou materializada em resultados empiricamente verificáveis. [...]
Estabelecidas as devidas definições e distinções, já é possível argumentar em
favor da tese de que a expressão “eficácia das normas de direitos fundamentais
nas relações jurídicas entre particulares” descreve de forma mais clara e
rigorosa o problema da vinculação dos particulares a direitos fundamentais. 68
Magano ressalta em sua obra: “a eficácia diz respeito à aplicação ou execução da
norma jurídica, conceito que se não confunde tampouco com o de validade, quer dizer,
força imponível, nem com o de vigência, isto é, tempo de atuação da norma. A
aplicabilidade – repita-se – não corresponde senão à possibilidade de atuação da
norma”. 69
Destacando ainda, a classificação norte-americana das normas constitucionais
em: (normas auto-aplicáveis e normas não auto-aplicáveis).
José Afonso da Silva classifica as normas constitucionais quanto a eficácia e
aplicabilidade em: “(1) normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e
integral; (2) normas de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas
possivelmente não integral; (3) normas de eficácia limitada, a) declaratórias de
princípios institutivos ou organizativos, e b) declaratórias de princípio programático”.70
Retomando o conceito de norma eficaz e apta para produzir efeitos, passa-se a
análise do dispositivo constitucional contido no artigo 7°, inciso XI, da CF (participação
nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente,
participação na gestão da empresa, conforme definido em lei). A lei n. 10.101, de 19 de
dezembro de 2000, prevê que o benefício será concedido aos trabalhadores, mediante
67
68
69
70
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 3. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. p. 71-2.
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 46.
MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1993. p. 28. Ver também, SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas
constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 28.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.
86.
38
negociação. Nesse caso, além da disposição constitucional, há regramento em lei, ambas
válidas e vigentes. Porém, nem a norma constitucional, nem a lei são suficientes para a
aplicabilidade da norma jurídica pertinente à participação nos lucros e resultados da
empresa. Referida norma carece de eficácia, pois não há como aplicá-la sem o
procedimento negocial, que no caso em tela, é o requisito formal e material para que
produza os efeitos técnicos. Assim, conclui-se que as convenções coletivas também se
prestam para dar eficácia à norma jurídica. A lei n. 10.101 é vigente e válida, só não tem
eficácia (efeito), enquanto não for objeto de negociação coletiva entre sindicatos.
Ao tratar do rol dos direitos sociais, Ingo Wolgang Sarlet questiona sobre o não
enquadramento ao catálogo de direitos fundamentais, o artigo 7°, inciso XI, da CF. Data
máxima vênia, não se pretende opor aos ensinamentos de Sarlet, mas entende-se
perfeitamente possível uma reflexão acerca da matéria. Considerando-se que o trabalho
e o salário são direitos fundamentais, e que todo trabalhador tem direito à um salário
justo e digno, que por óbvio não pode ser satisfeito pelo salário mínimo. É bastante
aceitável, que através de complementos salariais busque um nível de vida digno,
assegurado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, a participação
nos lucros e resultados é uma forma lícita de empregados alcançarem um salário justo
(respeitada a condição de que a PL não constitui, ao menos tecnicamente, a
remuneração). A Constituição Federal, no artigo 7°, inciso IV, assegura ao salário
mínimo, reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo. O salário representa
a subsistência do trabalhador, assim a PL estaria alcançando um direito digno da pessoa
humana.
Crê-se nessa possibilidade, face ao catálogo dos direitos fundamentais serem
abertos e não taxativos como refere Sarlet.71
Fortalecendo a tese da eficácia, Steinmetz afirma, “é possível a existência de
norma jurídica vigente e válida sem eficácia. 72
Salienta-se, por oportuno, a tese da separação entre “eficácia” e “aplicabilidade”,
muito embora haja entendimento de que possam ser tratadas como sinônimos. 73
Sob outro enfoque, acerca dos direitos fundamentais e o antagonismo de
interesses, no que concerne a participação dos lucros e resultados, aprecia-se a fala de
71
72
73
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003. p. 73
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 42.
A título de ilustração: Ibidem, p. 43, notas 41-43.
39
Luiz José Guimarães Falcão, ninguém discorda de que todos devem ter direito à vida, à
intimidade, à honra, ao trabalho. O consenso termina ou começa a se modificar quando a
vida em sociedade exige dos homens que se despojem de bens materiais, que abandonem
o sentimento de propriedade. A participação dos empregados nos lucros ou resultados da
empresa provoca esse tipo de reação, pois a primeira sensação do empresário é a de que
o lucro de seu negócio é algo de sua propriedade, que não deve ser compartilhado com
ninguém mais, salvo se sócio do empreendimento. [...] Nesse aspecto, o que se verifica é
a luta de alguém (o proprietário da terra) contra todos os que pretendem dela se
adonar, ainda que seja sob a proteção da lei e conseqüentemente do Estado. A lei
sempre é tida como injusta pelo dono da terra. Não é fácil a solução para tal tipo de
problema, pois o que existe forte e muito marcante é o sentimento de propriedade e de
posse contra a necessidade de sobrevivência daqueles muitos que necessitam da terra
para trabalhar e viver. Nesse aspecto, o quadro revela a luta de um contra todos, situação
de difícil solução equânime de parte do legislador.74
No enfoque supra referido, existem dois direitos fundamentais em questão: a
propriedade e a participação nos lucros e resultados. Conforme ensinamentos de
Steinmetz, 75a questão se converge para o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
Independentemente da teoria a ser adotada (absoluta ou relativa)
para a adoção do
princípio da proporcionalidade, em que pese suas críticas opositoras. O que se
vislumbra, no caso em tela, é a inteligência do legislador, ou a solução encontrada para
ficar “em cima do muro”, quero dizer: legisla sobre os dois direitos fundamentais
(propriedade e participação nos lucros e resultados) como forma de exercício do
princípio da dignidade da pessoa humana, entretanto vincula a eficácia da lei que
regulamenta a participação nos lucros e resultados à negociação coletiva .
Assim, transfere para a autonomia da vontade, a efetividade da lei n. 10.101, sem
que afronte imediatamente o direito de propriedade dos empresários.
A autonomia privada coletiva (na expressão do conteúdo em acordos coletivos e
convenções coletivas), garante os direitos fundamentais, não obstante a iniciativa
privada versus trabalho.
74
75
RODRIGUES, Aluísio. Direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. v. 2, p. 268.
STEINMETZ, Wilson. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001. p. 160-63.
40
4.3
INCORPORAÇÃO
DAS
CLÁUSULAS
NO
CONTRATO
INDIVIDUAL
(TEORIAS)
As cláusulas de acordos ou convenções coletivas podem ser de natureza:
obrigacional ou normativa.
As cláusulas obrigacionais, em tese, extinguem-se com o término da vigência
normativa. Já as cláusulas normativas aderem aos contratos individuais de forma
definitiva, justificam que as novas condições de trabalho não podem vir a prejudicar o
empregado consoante o artigo 468, da CLT 76. Vide OJ n° 41, da SDI-1, do TST e
comentários de Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa
Cavalcante. 77
As cláusulas obrigacionais extinguem-se com o término da vigência da norma
coletiva. 78 A dúvida ocorre justamente quanto às cláusulas normativas. Na doutrina
existem duas correntes a analisar o tema: a primeira justificando a incorporação das
cláusulas normativas no contrato de trabalho e a segunda ponderando pela não
incorporação.
A seguir, elenca-se argumentos à favor e contra a incorporação das cláusulas
normativas nos contratos individuais de trabalho.
Teoria da incorporação: argumentos:
a) Alegam que as novas condições de trabalho não podem vir a prejudicar o
empregado, encontrando respaldo no artigo 468, da CLT; 79
76
77
78
79
CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. Manual de direito do
trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 1577.
OJ n° 41, SDI do TST: “Preenchidos todos os pressupostos para a aquisição da estabilidade decorrente de
acidente ou doença profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o empregado de
estabilidade mesmo após o término da vigência deste.” Observa o autor: “A matéria, como se visualiza, é
polêmica. Entendemos, em respeito à autonomia privada coletiva, que a integração é pelo prazo do
instrumento, não interagindo de forma definitiva com os contratos individuais, exceto quando for o caso de
vantagem individualmente adquirida (como é o caso da estabilidade pela norma coletiva). Talvez fosse
melhor que a matéria fosse legislada, dirimindo-se as dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais.”
CAVALVANTE apud JORGE NETO, Francisco Ferreira. Manual de direito do trabalho. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 1578-79.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 815.
BRASIL. Artigo 468, da CLT: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou
indiretamente,prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
41
b) Que a convenção coletiva tem caráter normativo (611, da CLT); 80
c) Que as disposições do contrato individual não podem contrariar disposição de
convenção coletiva ou acordo coletivo (619, da CLT);81
Considera-se que as vantagens habitualmente concedidas ao empregado não são
suscetíveis de supressão. Vide Súmulas 45, 60, 63, 172 e 241 do TST. 82
d) Produzem direito adquirido 83, artigo 5°, inciso XXXVI, da CF. 84
e) Produzem os efeitos da Súmula 51, do TST. 85
80
81
82
83
84
85
BRASIL. Artigo 611, da CLT: “Convenção coletiva de trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual
dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.” Diz
Valentim Carrion, comentários ao artigo 611, da CTL: “A distinção fundamental entre o contrato individual
de trabalho e a convenção coletiva lato sensu, é que, enquanto o primeiro cria a obrigação de trabalhar e de
remunerar, a convenção coletiva prevê direitos e obrigações para os contratos individuais em vigor ou que
venham a celebrar-se; como se diz, é mais uma lei do que um contrato. Tem a vantagem de descer a
minúscias e, melhor que a lei, adaptar-se às circunstâncias específicas das partes, do momento e do lugar.”
(CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000).
BRASIL. Artigo 619, da CLT: “Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie
normas de convenção ou acordo coletivo de trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo
considerada nula de pleno direito.”
Súmulas do TST, n. 45: “Serviço suplementar. A remuneração do serviço suplementar, habitualmente
prestado, integra o cálculo da gratificação natalina prevista na Lei n. 4.090, de 13 de julho de 1962.”
Súmula n.. 60: “Adicional noturno. Integração no salário e prorrogação em horário diurno. (incorporada a
Orientação Jurisprudencial n° 6 da SDI-1) I- O adicional noturno, pago com habitualidade, integra o salário
do empregado para todos os efeitos. (ex- Súmula 60 – RA 105/1974, DJ 24-10-1974) II- Cumprida
integralmente a jornada no período noturno e prorrogada esta, devido é também o adicional quanto às horas
prorrogadas. Exegese do artigo 73, § 5°, da CLT. (ex- OJ 6 – inserida em 25-11-1996)”. Súmula n. 63:
“Fundo de garantia. A contribuição para o fundo de garantia do tempo de serviço sobre a remuneração
mensal devida ao empregado, inclusive horas extras e adicionais eventuais.” Súmula n. 172: “Repouso
remunerado. Horas extras. Cálculo. Computam-se no cálculo do repouso remunerado as horas extras
habitualmente prestadas. Ex-prejulgado n. 52.” Súmula n. 241: “Salário-utilidade. Alimentação. O vale
para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do
empregado, para todos os efeitos legais.”
“Saliente-se, ainda, o teor do Enunciado n° 51 do TST, bem como a própria figura do direito adquirido. Para
os que negam a incorporação, a justificativa repousa no argumento de que as condições ajustadas nos
instrumentos normativos somente são válidas pra o respectivo prazo de vigência (arts. 613, IV e 614, §°,
CLT)”. (CAVALVANTE apud JORGE NETO, Francisco Ferreira. Manual de direito do trabalho. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 1578).
BRASIL. Artigo 5°, inciso XXXVI, da CF: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada;”
Súmula n. 51, do TST: “Norma regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Artigo 468 da
CLT. (incorporada a orientação jurisprudencial n° 163 da SDI-1) I- As cláusulas regulamentares, que
revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a
revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula 51 – RA 41/1973, DJ 14/06/1973}. II- Havendo a
coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito de renúncia
às regras do sistema do outro. (ex- OJ 163 – inserida em 26-03-1999}. Redação determinada pela Resolução
n° 129, se 05 de abril de 2005.
42
f) Aplicação do Princípio da proteção nas relações de trabalho 86.
g) Aplicação da E. C. n. 45, alterando o disposto no artigo 114, § 2° , da CF. 87
Teoria da não incorporação: argumentos
a) A autonomia coletiva é o aspecto objetivo da liberdade sindical.88
b) Não aplicabilidade do artigo 468, da CLT, nos contratos coletivos.89
c) Ausência de legitimidade para os sindicatos criarem normas.90
86
87
88
89
90
“17. Significado: O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho
pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um
amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante
preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a
preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção,
alcançar-se um a igualdade substancial e verdadeira entre as partes.” (RODRIGUES, Américo Plá.
Princípios de direito do trabalho. Tradução Wagner Giglio. São Paulo: LTr, 1978. p. 27). Lembre-se que o
artigo 8°, da CLT dispõe que na ausência de disposições legais ou contratuais, as autoridades
administrativas e a Justiça do Trabalho, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por
equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho.
“O § 2° do artigo 114 da Constituição leva o intérprete a entender que a Justiça do Trabalho pode
estabelecer normas e condições em dissídios coletivos de natureza econômica, respeitadas as disposições
mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. As condições legais
mínimas são as previstas na Constituição e na legislação ordinária, como, por exemplo, adicional de horas
extras de 50%, aviso prévio de 30 dias etc. Já que as disposições convencionais não podem ser modificadas
pela Justiça Obreira, pode-se pensar que haveria a incorporação das convenções ou acordos coletivos aos
contratos de trabalho, havendo, assim, o entendimento de que as cláusulas da convenção ou acordo
anteriores ao julgamento, por serem garantias mínimas dos trabalhadores, irão se incorporar ao contrato de
trabalho. O Poder Judiciário não poderá elimina-las, o que ficará a cargo das próprias partes interessadas,
em razão da autonomia privada coletiva que possuem, o que poderá ser feito em novo acordo ou convenção
coletiva, mas não por meio de dissídio coletivo.” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São
Paulo: Atlas, 2006. p. 817). Orlando Gomes fala do efeito da “ultra-atividade” da convenção coletiva, para
explicar a sua vigência após o prazo de duração, enquanto as partes discutem a elaboração de uma nova. As
cláusulas ajustadas anteriormente, já radicadas nos usos das empresas pela sua prolongada execução,
subsistem até a emanação de novo convênio coletivo. Vide GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson.
Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 589.
“Ora, diante da liberdade “contratual” existente, somado à igualdade das partes no momento da negociação,
é forçoso reconhecer que o ajustado tem eficácia plena.” (TEIXEIRA JUNIOR, João Régis. Convenção
coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1994. p. 74-5). Depreende-se da leitura, que as partes são livres para
pactuar acerca do prazo de vigência das normas coletivas, não havendo óbice, se assim entendessem, em
pactuar sobre a incorporação das cláusulas normativas. Entretanto, não estabelecendo-se esta regra, o
contraponto está previsto no texto legal que estipula prazo de vigência limite, na própria lei, sendo que o
mesmo resta fixado em cláusula convencional.
Referido dispositivo celetista é próprio dos contratos individuais de trabalho, que por sua natureza
distinguem-se dos contratos coletivos de trabalho. O primeiro alcança apenas as partes contratantes,
enquanto o segundo é aplicável a todos os integrantes de uma determinada categoria.
“É possível afirmar que os sindicatos não têm poder normativo algum! [...] É preciso ressaltar que as
entidades sindicais têm a prerrogativa de firmar “Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho”, refletindo
o poder e a vontade das categorias representadas. Considerando a natureza contratual dos instrumentos
normativos, e sendo contrato-norma (Kelsen), não resta qualquer dúvida quanto ao efeito obrigacional das
cláusulas avençadas, que não se confunde com o poder normativo do Estado.” (TEIXEIRA JUNIOR, João
Régis. Convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1994. p. 76-7.). A afirmativa do autor é sustentada,
entre outros argumentos, na mudança de modelo sindical, anterior à Constituição e posterior à mesma, no
que tange ao poder de ingerência do Estado na criação, organização e funcionamento de uma entidade
sindical. Segundo ele, com a Constituição de 1988, desapareceu a figura dos sindicatos como “exercentes de
funções delegadas do Estado”. A partir da Constituição de 1988, os sindicatos passaram a personalidade
jurídica de direito privado.
43
d) Caráter temporário das convenções coletivas, com vigência temporal
limitada. 91
e) Desmotivação das categorias para a negociação coletiva. 92
f) Contraponto ao direito adquirido.
Os ensinamentos de Maurício Godinho Delgado, apontam três correntes
principais, para explicar a aderência das regras coletivas aos contratos coletivos de
trabalho. São elas: a aderência irrestrita; posição interpretativa e aderência limitada por
revogação.
“A primeira (aderência irrestrita) sustenta que os dispositivos de tais diplomas
ingressam para sempre nos contratos individuais, não mais podendo deles ser
suprimidos. Na verdade, seus efeitos seriam aqueles inerentes à cláusulas contratuais,
que se submetem à regra do artigo 468, CLT”.93 Enfraquecida a partir da Constituição de
1988, que impulsionou a negociação coletiva no Brasil.
A segunda (aderência limitada pelo prazo), refere:
Que considera que os dispositivos dos diplomas negociados vigoram
no prazo assinado a tais diplomas, não aderindo indefinidamente a eles
(aderência limitada pelo prazo). Aplicar-se-ia, aqui, o mesmo critério do
Enunciado 277, TST (embora este se dirija à sentença normativa, como se
sabe). Tal vertente tem tido prestígio significativo na jurisprudência dos
últimos anos, certamente pelo fato de ter assimilado o caráter de norma
jurídica hoje inerente aos dispositivos convencionais. 94
A terceira corrente, defende a (aderência limitada por revogação):
Para esta posição intermediária, os dispositivos dos diplomas
negociados vigorariam até que novo diploma negocial os revogasse. É óbvio
que a revogação consumar-se-ia não apenas de modo expresso, podendo
também se passar tacitamente (tal como acontece com qualquer norma
jurídica). A revogação tácita ocorreria, por exemplo, em virtude de o novo
diploma regular o conjunto da matéria omitindo preceitos da velha convenção
ou acordo coletivo, independentemente de haver efetiva incompatibilidade
entre dispositivos novos e antigos; ocorreria também se despontasse
incompatibilidade entre os preceitos confrontados.95
91
92
93
94
95
“[...] Entretanto, assinala-se o caráter temporário das convenções coletivas, com vigência temporal limitada,
de maneira a se impossibilitar a sua integração aos contratos individuais” (BATALHA apud TEIXEIRA
JUNIOR, João Régis. Convenção coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 1994. p. 78.).
“A tese da incorporação das cláusulas da norma coletiva traz desestímulo à negociação coletiva, em razão de
que o empregador não irá querer a integração no contrato de trabalho de algo que será permanente e não
mais poderá ser negociado.” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
p. 819).
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 156.
Ibidem, p. 157.
DELGADO, loc. cit.
44
Com certeza, a terceira posição retrata maior equilíbrio e responsabilidade por se
harmonizar aos interesses do Direito Coletivo, visa regulamentar provisoriamente os
interesses das partes convenentes, aperfeiçoando as condições laborais. A seguir
demonstra-se três casos de aplicabilidade possíveis, conforme corrente referida
anteriormente.
Primeiro caso
Recentemente o TST julgou neste sentido (aderência limitada por revogação),
considerando a nova redação do artigo 114, §°, da CF. A Justiça do Trabalho pode
decidir o dissídio coletivo, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao
trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. No RODC 53/2004, TST aplica
Emenda Constitucional 45 e mantém cláusula preexistente de dissídio. 96
Neste caso, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu manter, em dissídio
coletivo, cláusulas preexistentes referentes à participação nos lucros e resultados e
abono salarial único. As duas cláusulas foram estabelecidas em dissídio coletivo, de
2003, do Sindicato das Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento de Minas
Gerais e o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo
Horizonte, Região e Outros, e mantidas pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais (3ª Região) no dissídio coletivo de 2004.
No recurso, o sindicato patronal contestou “o deferimento, nas mesmas condições
do ano anterior, de parcela referente à participação nos lucros e resultados, bem como de
abono salarial, porque essas vantagens, mais do que quaisquer outras, realmente somente
podem decorrer de livre negociação coletiva.” Também alegou que houve a
recomposição dos salários pelo índice total do INPC do período, não se justificando o
acréscimo do abono.
A lei que trata da participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da
empresa (n° 10.101/2000) condiciona esse benefício à negociação entre as partes,
mediante a constituição de uma comissão paritária ou celebração de acordo coletivo, o
que, segundo Barros Levenhagen, “se traduz na imprescindibilidade da negociação entre
os protagonistas das relações coletivas de trabalho”.
96
O relator ministro Barrros Levenhagen ressaltou que a objeção do sindicato patronal ao abono foi suplantada
pela evidência de que a categoria profissional já havia recebido esta verba anteriormente, acumulado com a
recomposição salarial, “sem que houvesse demonstração contundente da inviabilidade financeira da sua
revalidação em sede de dissídio coletivo” (BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. RODC 53/2004.
Notícias do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, 20 abr. 2005. Disponível em:
<http:://www.tst.gov.br>).
45
No caso, porém, trata-se de cláusulas preexistentes, cuja manutenção é prevista
na Emenda Constitucional n° 45, disse o relator,“esse comando já se achava
subentendido na antiga redação do parágrafo 2° do artigo 114, que assinalava caber à
Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições
convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.
Segundo caso
A Orientação Jurisprudencial n° 41 da SDI-1, do TST, assegura estabilidade aos
empregados que sofrerem acidente ou doença profissional, atendidos os requisitos
legais, ainda durante a vigência do instrumento normativo, não perdendo a condição de
estável, após o término da vigência deste.
Renato Rua de Almeida, citado por Francisco Ferreira e Jouberto de Quadros,
explica o que chama de vantagem individualmente adquirida,
no entanto, há uma exceção ao princípio da não incorporação definitiva das
cláusulas normativas nos contratos individuais de trabalho. Trata-se da
hipótese que o direito francês convencionou chamar de vantagem
individualmente adquirida por força da aplicação de cláusula normativa. Essa
exceção foi consagrada no direito francês pela Lei Auroux, de 13 de novembro
de 1982 (Código do Trabalho, artigo L, 132-8, alínea 6), que serve, inclusive,
de elemento para o juiz brasileiro decidir, aplicando a incorporação definitiva
da cláusula normativa no contrato individual de trabalho, diante da falta de
disposição legal expressa, com efeito amplo, por ser o direito comparado um
método importante de integração do direito, conforme, aliás, previsto pelo
artigo 8° da CLT. As vantagens individuais, no dizer de Gerard Couturier, são
aquelas diretamente relacionadas ao empregado, distinguindo-se das vantagens
coletivas dirigidas à representação eleita ou sindical dos trabalhadores na
empresa (Convenção 135 da OIT), que no caso do direito brasileiro seria, por
exemplo, alguma vantagem especial dos representantes eleitos pelos
empregados para a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA’s),
prevista pelo artigo 163 da CLT, ou daquelas relacionadas à organização
interna de trabalho na empresa (garantias disciplinares, alteração de horário,
intervalos etc.). Em complemento, essas vantagens, para se incorporarem aos
contratos individuais de trabalho, devem estar individualmente adquiridas, isto
é, o empregado tenha delas se beneficiado ou implementado as condições para
beneficiar-se. Por último, tais vantagens individuais devem ter caráter
continuado e não casual ou ocasional, bem como não depender de evento
futuro e incerto.. 97
97
ALMEIDA apud JORGE NETO, Francisco Ferreira. Manual de direito do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2004. p. 1578-79.
46
Terceiro caso
A revogação da Lei 8.542/92 e a vigência dos instrumentos normativos. O § 1° do
artigo 1° da lei n° 8.542/92 disciplinou que as cláusulas dos acordos, contratos e
convenções coletivas de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e
somente poderão ser reduzidas ou suprimidas em posterior acordo, convenção ou
contrato coletivo de trabalho.
Para Sérgio Pinto Martins,
não se diga que tal dispositivo, por estar contido numa lei de política salarial,
não se aplica ao contrato, pois ele mesmo dispõe que há a integração das
cláusulas da norma coletiva no contrato individual de trabalho.
Pouco importa que tal lei seja norma de política salarial, pois as leis podem
tratar de vários assuntos ao mesmo tempo, e não de um único.
A Lei n° 10.192/2001, em seu artigo 10, estabelece que os salários e demais
condições referentes ao trabalho continuam a ser fixados e revistos na
respectiva data-base, por intermédio de livre negociação coletiva.
Isto mostra que as cláusulas das normas coletivas passam a não mais se
incorporar ao contrato de trabalho depois da perda de sua vigência, pois
podem também ser modificadas na data-base anual.
O artigo 18 da Lei n° 10.192 revoga o §° do artigo 1° da Lei n° 8.542/92.
Assim, pode-se dizer, agora, que as cláusulas de normas coletivas não se
incorporam aos contratos individuais de trabalho, pois o único dispositivo que
assim dispunha expressamente foi revogado.98
Há que se fazer, uma interpretação atenta ao posicionamento do autor, no que
refere-se a revogação do artigo 1°, § 1° da Lei n° 8.542/92, considerando-se a Emenda
Constitucional n° 45 e a redação do artigo 114, § 2° da Constituição Federal.
Existe a possibilidade legal de prorrogar-se o valor salarial anteriormente
avençado, bem como, as condições de sua reposição, respeitando, desta forma, as
disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas
anteriormente.
98
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 818.
47
II
ULTRATIVIDADE
DAS
NORMAS
COLETIVAS
COMO
MEIO
POSTERGAR A VIGÊNCIA DAS NORMAS COLETIVAS FACE A
DE
NOVA
NEGOCIAÇÃO COLETIVA
1 NOÇÕES GERAIS
Ultra, prefixo que significa além de, excesso, conforme Dicionário Escolar da
Língua Portuguesa.99 De acordo com as regras gerais de Direito do Trabalho, as normas
coletivas poderão estabelecer condições mais vantajosas aos trabalhadores, observado o
princípio da tutela.
Para Adriana Leandro de Sousa,
observado este mínimo, podem os contraentes estabelecer entre si outras
regras a serem observadas por eles, geradoras de direitos e deveres para
ambos. Comumente, tais normas são firmadas nos regulamentos de empresa,
que têm como conceito o conjunto de normas de ordem técnica e disciplinar
prevendo direitos e obrigações aos empregados e patrões, que não podem
desrespeitá-las face à adstrição a elas, sob pena de infringirem os contratos de
trabalho ou alterá-los (art. 468, da CLT). Tais cláusulas, por se incorporarem
definitivamente aos contratos de trabalho, têm cunho adesivo, ou seja, são
impostas aos empregados, que as aceitam tácita ou expressamente sem
contestá-las ao iniciar a prestação de serviços ou no curso desta. Tornam-se,
igualmente, inafastáveis, haja vista o entendimento sumulado no En. 51 do C.
TST. 100
Por meio das negociações coletivas, as partes poderão criar novas condições de
trabalho, como aliás autoriza o próprio texto legal em seu artigo 611 e seguintes da
CLT.
Orlando Gomes ao explicar “ultra-atividade” da convenção coletiva diz que “os
autores referem-se, também, ao efeito da ‘ultra-atividade` da convenção coletiva, para
significar a sua vigência após o prazo de duração, enquanto as partes discutem a
elaboração de uma nova”. 101
99
100
101
BUENO, Francisco da Silva. Dicionário escolar da língua portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: Fename,
1980.
SOUSA, Adriana Leandro de. A incorporação de cláusulas de acordo ou convenção coletiva nos contratos
de trabalho. Gênesis, Curitiba, v. 7, n. 42, p. 758-804, jun. 1996.
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
589.
48
Estariam as partes asseguradas pela vigência da norma pré-existente, enquanto
negociam as novas condições de trabalho para o período de vigência imediatamente
posterior.
Quando a doutrina refere-as às “novas condições de trabalho” 102, entenda-se
mantença ou modificação total ou parcial das cláusulas pré-existentes. Assim os
empregados e empregadores ficam livres a cada processo negocial, para deliberarem
aquilo que lhes for mais vantajoso.
Emílio Gonçalves 103 ensina que:
[...] uma vez celebrada, passa a convenção coletiva a constituir
contrato tipo, aplicando-se aos contratos de trabalho vigentes e impedindo que,
nos contratos de trabalho que vierem a ser ajustados posteriormente, possam
ser inseridas condições contrárias ou em desacordo com as que tiverem sido
ajustadas no pacto coletivo. Neste sentido o disposto no artigo 619, da CLT
[...].
1.1 ALTERAÇÕES IN MELLIUS E IN PEJUS DAS CONVENÇÕES COLETIVAS E A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Como visto anteriormente, segundo doutrinadores citados, as normas coletivas,
na expressão da autonomia coletiva da vontade, podem flexibilizar-se em detrimento de
cláusulas in melius, para criação de cláusulas in pejus, desde que respeitada a vigência
das mesmas.
Para Rodrigo Goldschmidt,
o artigo primeiro da Constituição estabelece que a República Federativa do
Brasil tem como fundamentos, entre outros que expressamente arrola, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. Ditos fundamentos, vistos numa perspectiva sistêmica, ao mesmo
tempo em que inspiram as normas constitucionais, embasam também o direito
do trabalho. De fato, por detrás do conflito entre capital (livre iniciativa) e o
102
103
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 1376. “As
convenções coletivas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autônomas), isto é,
preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum”.
GONÇALVES, Emílio. Vigência ultratemporal das cláusulas normativas de convenção coletiva de trabalho.
Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 12, n. 68, p. 76, jul./ago. 1987.
49
trabalho está o homem, cuja dignidade, em última análise, as normas
constitucionais e trabalhistas visam (e devem necessariamente) preservar. 104
Cuidar da dignidade da pessoa humana ao criar normas coletivas que visam
interesses antagônicos, faz-se essencial para o respeito ao cidadão. E, não é missão fácil
como parece ser, considerando-se que os empregadores enfrentam diariamente situações
complexas a serem resolvidas no plano econômico e tributário.
Com essa
perspectiva,
Carmen Camino, 105 parafraseada
por
Rodrigo
Goldschmidt,
registra que o direito do trabalho está passando por uma crise sem precedentes,
gerada pela globalização da economia, que dita feroz concorrência no mercado
internacional, sem alterar para as profundas desigualdades históricas,
filosóficas, culturais e econômicas dos povos. Essa crise, segundo a
mencionada autora, deságua no questionamento de alguns postulados
fundamentais do direito do trabalho, vistos como óbices ao progresso
econômico dos povos. Nessa linha, prossegue dizendo que, na flexibilização
dos princípios e na desregulamentação das regras, privilegia-se a
autocomposição entre empregados e empregadores e a gradativa retirada do
Estado da relação entre capital e trabalho. Com olhos críticos, Camino adverte
sobre a necessidade de adequar a atividade produtiva à concorrência de
mercado, sem maior atenção ao custo social que daí possa advir para as
economias subdesenvolvidas ou em fase de desenvolvimento, mediante uma
indiscriminada flexibilização dos princípios trabalhistas, o que constitui
retrocesso e não evolução. 106
José Roberto Dantas Oliva, bem salienta a possibilidade de alterações in pejus às
cláusulas de convenção ou acordo coletivo de trabalho, uma vez que os direitos
conquistados podem ser reduzidos ou suprimidos. Tal posicionamento é pacífico em
nossos tribunais, muito embora esteja em pleno vigor o teor do artigo 468, da CLT, que
veda qualquer alteração do contrato de trabalho que modifique, para pior, as condições
anteriormente existentes.
Isso se dá a despeito da respeitabilidade do prazo de vigência estipulado nos
pactos coletivos de no máximo dois (2) anos (art. 614, § 3°, da CLT), expirado referido
104
105
106
GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Reflexões sobre o direito do trabalho e flexibilização: o trabalho, a livre
iniciativa e a dignidade da pessoa humana: uma visão sistemática. Passo Fundo: UPF, 2003. p. 132.
CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 70. “Os contratos, as
convenções e os acordos coletivos de trabalho consusbstanciam, também, regras gerais e abstratas, aptas a
disciplinar as relações de trabalho no âmbito de determinado segmento da atividade econômica. São normas
estabelecidas em comum acordo, entre representações do capital e do trabalho, pelos próprios interessados e
destinatários do seu comando, no âmbito da livre negociação categorial”.
Ibidem, p. 132-33.
50
prazo cessarão também, automaticamente, os direitos naqueles previstos, a não ser que
renovados por novos convênios. 107
Com a revogação definitiva 108 dos §§ 1° e 2° da L. 8.542/92 pelo art. 18 da L.
10.192, de 14.02.2001 (que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá
outras providências), perdeu força a tese da incorporação de vantagens conferidas por
cláusulas normativas aos contratos individuais de trabalho. É que o revogado parágrafo
1° previa: “as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho
integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou
suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”. 109
Mas diante deste contexto, como ficariam os direitos fundamentais dos
trabalhadores? Para tanto, passaremos a estudar no item 3 (infra), a importância dos
direitos fundamentais nas relações privadas face a convenção coletiva de trabalho em
confronto com a lei.
Salienta-se por oportuno que a lei não pode sucumbir diante dos convênios
coletivos, justamente porque a mesma possui o poder que o Estado necessita para
regulamentar as relações jurídicas entre as partes mantendo-as em harmonia e paz
social. 110
107
108
109
110
OLIVA, José Roberto Dantas. Convenções e acordos coletivos:conteúdo, alterações in mellius e in pejus e
teorias do conglobamento. E da acumulação. A proposta de prevalência do negociado sobre o legislado.
Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 153, p. 110-143, mar. 2002.
Os dispositivos já haviam sido revogados anteriormente por Medidas Provisórias, sendo que a última, a MP
2.074-73, de 2001, foi convertida na lei em questão.
OLIVA, op. cit., p. 125.
DESZUTA lembra que o PODER é exercido pela LEI. Nesse aspecto: “ESTADO DE DIREITO, conforme
retrata DESZUTA, Joe Ernando. Um direito do trabalho mínimo ou um mínimo de direito do trabalho?
bases para um novo direito do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 255, p. 41-2, mar. de
2005, nas palavras do autor expressam, “o Estado de Direito, por sua vez, - que representa a noção de
Estado Moderno -, se estabelece a partir do momento em que o Direito é quem regula o exercício do Poder,
ou seja, o poder é exercido por legem – por meio de leis genéricas e abstratas – e sub lege – onde todo o
Poder se submete ao Direito.”
51
2 FUNÇÃO DO ESTADO NAS RELAÇÕES PRIVADAS, SUPORTE PARA A
DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Hodiernamente fala-se em autonomia da vontade coletiva, atribuindo-se à
negociação coletiva poder normativo, afastando-se o Estado de seu papel controlador,
protetor das relações coletivas, e por conseqüência das individuais.
Com o Princípio de Tutela, atribui-se ao Estado o dever de criar leis que
assegurem os direitos da sociedade, principalmente aos menos favorecidos. Por isso,
diz-se que os direitos trabalhistas são impositivos, indisponíveis, irrenunciáveis, e que
caracterizam-se por normas de ordem pública.
Para Délio Maranhão,
no direito comum, a regra é a da disponibilidade dos direitos privados
patrimoniais. Em matéria de trabalho, a indisponibilidade dos direitos prendese à natureza predominantemente dos interesses em jogo. Pode ser: a)
absoluta, quando a tutela legal do trabalho envolve, predominantemente,
interesse público (salário mínimo: art. 7°, da CF) ou interesse abstrato de
categoria (normas resultantes de convenção coletiva ou sentença normativa).
Nesses casos, o interesse imediato e predominantemente tutelado não é
o do indivíduo como tal, mas como membro de uma classe social ou de uma
categoria profissional; b) relativa, quando por ser o direito, em princípio,
disponível, tutelando, predominantemente, interesse individual, cabe ao seu
titular a iniciativa de defendê-lo, como no caso do salário do contrato. Nunca
se verifica a plena disponibilidade dos direitos oriundos da relação de
trabalho, ainda que de caráter privado e patrimonial. A limitação decorre do
artigo 468, da CLT, que considera nula a alteração, mesmo bilateral, das
condições do contrato, desde que prejudicial ao empregado. A nulidade é, no
entanto, relativa, dependendo sua declaração do exercício, pelo empregado,
através de ação judicial, de um direito subjetivo em que prepondera o
interesse privado, sujeito, por isso, à prescrição, na vigência do contrato, os
créditos resultantes dessa nulidade (art. 7°, XXIX, da CF). 111
O Estado sinaliza, através de leis ordinárias e constitucionais, as garantias
mínimas aos trabalhadores, para efetivação de seu papel tutelar, a fim de que, em
processo negocial, conquistem novas condições de trabalho, respeitadas as normas de
ordem pública.
O artigo 444, da CLT, disciplina que “as relações contratuais de trabalho podem
ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha
às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis
111
MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1993. p. 40.
52
e às decisões das autoridades competentes”. Assim como o artigo 9° do mesmo diploma
prevê que, “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,
impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Seguindo-se este raciocínio, fica fácil, por óbvio, concluir que o papel do Estado
é
indispensável,
para
garantir
aos
“hipossuficientes” 112
seus
direitos
sociais
fundamentais.
Razão assiste a Norberto Bobbio, quando afirma que:
Só de modo genérico e retórico se pode afirmar que todos são iguais
com relação aos três direitos sociais fundamentais (ao trabalho, à instrução e à
saúde); ao contrário, é possível dizer, realisticamente, que todos são iguais no
gozo das liberdades negativas. E não é possível afirmar aquela primeira
igualdade porque, na atribuição dos direitos sociais, não se podem deixar de
levar em conta as diferenças específicas, que são relevantes para distinguir um
indivíduo de outro, ou melhor, um grupo de indivíduos de outro grupo.” [...] É
supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além
do problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem mais
difíceis de resolver no que concerne àquela “prática” de que falei no início: é
que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do Estado, que não
é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, produzindo aquela
organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo uma nova forma
de Estado, o Estado social. Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o
superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder - , os
direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem
da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o
contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. 113
Norberto Bobbio, em sua obra intitulada “Estado, Governo e Sociedade: Para
uma teoria geral da política”, aborda as várias espécies de Estado, do feudal ao social e
para defini-lo, entre outros, faz referência ao conceito jurídico de Estado que é feito
através de três elementos constitutivos: o povo, o território e a soberania. Para tanto, cita
Mortati, que diz: “Estado é um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder
soberano sobre um dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os
sujeitos a ele pertencentes”. Referindo até mesmo, os que afirmam não ser possível
definir o Estado, e as associações políticas, como Weber.
112
113
114
114
Expressão utilizada por Cesarino Junior citado por Américo Plá Rodrigues, quando refere-se aos obreiros.
Vide também, RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução Wagner Giglio. São
Paulo: LTr, 1978. p. 29. “Cesarino Jr. A resumiu numa frase feliz: ‘Sendo o direito social, em última
análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de
dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio
com o empregador´”.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1992. p. 71-2.
Idem. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 9.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 94.
53
Mônica Sette Lopes nos traz uma constatação importante para a função do Estado
nas relações privadas, como segue: “Todavia, como precedente para o situar da
convenção coletiva está precisamente a autonomia coletiva, a qual, por certo, choca-se
com o intervencionismo estatal, induzindo a que se pontuem, no contexto do sistema
jurídico, os mecanismos com os quais se pode ou se deve exercer o poder autônomo de
editar norma jurídica vinculante”.
115
Maria Cristina Haddad de Sá,116 em análise à omissão estatal, afirma:
Envolto por uma política liberal, o Estado se fazia omisso à questão
social, donde surgiu a necessidade de os trabalhadores se organizarem em
sindicatos. [...] Nesse clima, envolvendo inclusive as greves, os trabalhadores
aos poucos foram conseguindo concessões, a princípio de natureza salarial, até
as mais diversas conquistas. Essa autonomia é o resultado da iniciativa dos
particulares; é tolerada pelo Estado, mas não elaborada por ele. Embora esses
órgãos tenham autonomia, importante lembrar que ela é relativa, encontrando
os seus limites na própria lei.
Exatamente no papel legiferante é que o Estado 117 pode garantir os direitos
fundamentais 118, frente à autonomia privada coletiva. Mesmo que represente a vontade
das partes, não se pode esquecer que estamos diante do capital versus trabalho, que a
fim e ao cabo representam interesses antagônicos.
Facilmente aqui teríamos colisão de princípios de direitos fundamentais, por
tratar-se de interesses antagônicos, por um lado a empresa, buscando o fortalecimento
econômico, ou simplesmente lutando para manter-se; e por outro lado, o empregado,
sempre almejando conquistas econômicas em decorrência de sua força produtiva. Ambos
115
116
117
118
LOPES, Mônica Sette. A convenção coletiva e sua força vinculante. São Paulo: LTr, 1998. p. 83.
SÁ, Maria Cristina Haddad. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 36.
A crise do sistema intervencinista em 1929, leva a seguinte conclusão: Para Keynes, apud Octavio Bueno
Magano, “A inadequação do modelo foi diagniosticada por Keynes, como decorrente da não utilização de
todas as potencialidades da economia, o que, a seu turno, ocasionava o desemprego. A maneira de a suportar
seria se ocupar o Governo não de equilibrar as próprias contas, mas de assegurar a demanda efetiva,
suficiente para manter o pleno emprego. Surge, assim, o arcabouço teórico do Estado-Providência,
implantado primeiramente na Inglaterra, após a Segunda Grande Guerra Mundial, através do Plano
Beveridge, mediante a instalação de aparatoso sistema de seguridade.” (MAGANO, Octávio Bueno;
MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 5). Vide
também nota n. 8, da obra citada, onde o autor elenca as providências estatais para a solução dos problemas
econômicos sob a chamada dos princípios norteadores do Estado Providência, como sendo os seguintes: “1)
não há bem-estar sem renda satisfatória oriunda do trabalho; 2) incumbe ao estado assegurar, por via de
política fiscal, redistribuição de renda; 3) o Estado deve ser o principal responsável contra riscos sociais
como doenças, invalidez, desemprego; 4) as aplicações de numerários em favor dos grupos sociais mais
vulneráveis podem ser feitas de vários modos: prestações diretas do estado; subvenções que visem à
diminuição de preços de bens e produtos essenciais, como transporte, saúde, educação.”
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedida, 1987. p. 11-42. Refere-se o autor às três dimensões dos direitos fundamentais ao longo
de sua evolução, tais como: perspectiva jusnaturalista ou filosófica; perspectiva universalista ou
internacionalista e perspectiva estadual ou constitucional.
54
têm razão, têm direitos a defender, os empregadores, o desenvolvimento econômico, a
mantença de empregos, a diminuição de custos; enquanto os empregados reivindicam
melhores salários, melhores condições de trabalho, com respeito à saúde, para
assegurarem ou conquistarem um nível de vida digno, que lhes oportunize a saúde, a
educação e o trabalho.
Após analisar vários autores, notadamente Gino Giugni, citado por Mauro
Medeiros, conclui que:
A autonomia coletiva favorece o direito à livre negociação coletiva,
a transferência do poder normativo do Estado para a ordem sindicalprofissional, o poder dos grupos sociais, de auto-elaboração da regra jurídica,
a tutela sindical no lugar da estatal, distinguindo entre os direitos, aqueles que
podem ser protegidos pela lei e aqueles que podem ser negociados pelos
sindicatos. 119
Após a fala de Gino Giugni citado por Mauro Medeiros, percebe-se que a
autonomia privada individual e coletiva mantém relações diferentes com o Estado. Na
autonomia privada individual, o Estado tende a impor limites, para assegurar os direitos
individuais, agindo como um Estado intervencionista. Na autonomia privada coletiva, o
Estado delega poderes aos grupos, devidamente organizados (entidades sindicais) para
solucionar os conflitos coletivos de trabalho, através das negociações coletivas, das
quais surgirão as convenções coletivas ou acordos coletivos com força normativa,
autorizada pelo próprio Estado, em lei. Delega poderes à autonomia coletiva da vontade,
cedendo ao intervencionismo, porém, distinguindo entre os direitos que devem ser
protegidos pela lei e aqueles que podem ser negociados pelos sindicatos.
Segundo Leon Duguit: 120
Portanto, a discussão acerca do fim a que se destina o Estado, ou
poder político, pode ser esclarecida considerando-se que o poder político tem
por fim realizar o direito, comprometendo-se, em virtude do direito, a realizar
tudo que estiver ao seu alcance para assegurar o reino do direito. O Estado
fundamenta-se na força, e a esta força legitima-se quando exercida em
conformidade com o direito. Não aceitamos, nos moldes de Ihering, o direito
como a política da força, mas sim que o poder político é a força a servi-lo.
Sendo o fim do Estado essencialmente um fim de direito, e só
podendo manifestar a sua atividade em conformidade com o direito e dentro de
seu domínio, os atos que venham a ser realizados devem estar classificados
segundo o efeito desencadeado no mundo do direito. Assim chegamos a
distinguir como funções do Estado: a legislativa, a jurisdicional e a
administrativa.
119
120
MEDEIROS, Mauro. A interpretação da convenção coletiva de trabalho. SãoPaulo: LTr, 2003. p. 72.
DUGUIT, Leon. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliese. São Paulo: Ícone, 1996. p. 51-2.
55
Na função legislativa, o Estado constitui o direito objetivo ou regra
de direito; elabora a lei que se impõe a uma sociedade, e por ser a expressão
do direito objetivo, sobrepõe-se a todos. Pela função jurisdicional, o Estado
intervém, nas ocasiões de violação do direito objetivo ou nas contestações
relativas à existência ou extensão de uma situação jurídica subjetiva; ordena a
reparação, repressão ou anulação, conforme o caso, quando há dolo do direito
objetivo; estabelece as medidas pertinentes para assegurar a consecução de
situações jurídicas subjetivas de que reconhece a existência e a extensão.
Enquanto função administrativa, o Estado consuma atos jurídicos,
isto é, intervindo nos limites do direito objetivo, cria situações jurídicas
subjetivas ou efetiva providências, gerando uma situação legal ou objetiva.
Oportuno salientar que:
Em razão desta concepção, que Kelsen denominou “monista”,
estamos trabalhando com uma noção de Direito que não pode mais ser mantida
em nossa época, ou seja, estamos todos insistindo em manter um tipo de
Direito, um conhecimento sobre o Direito, que seria mais apropriado para o
século passado, ou, no máximo, para o início do século XX. [...] Isto, em
resumo, que nós não podemos mais manter o mesmo tipo de raciocínio
jurídico, ligado somente à noção de Estado, sem com isto deixar de
compreender a irrupção no cenário político de outros atores sociais, em
algumas questões, até mais importantes que o próprio Estado.121
De outra banda, Paulo Dourado de Gusmão enfatiza o pluralismo jurídico sob a
seguinte orientação:
Examinado a história, chega-se à conclusão de que o direito pode
surgir independentemente da ação do Estado. Já se disse que as convenções
coletivas de trabalho, expressão, como querem uns, do direito social,122
atestam o declínio da lei e a sua impossibilidade de disciplinar relações que só
os grupos interessados poderão fazê-lo de forma a satisfazer os interesses em
conflito.123
121
122
123
ROCHA, Leonel Severo. Prefácio. In: BARZOTTO, Luis Fernado. O positivismo jurídico contemporâneo:
uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: Unisinos, 1999. Ver especificamente prefácio de
Leonel Severo Rocha, pp. 9-12. Observa-se mais um trecho do autor mencionado: “Outrossim, saliento que
a resposta não passa pela dicotomia simplista entre Estado ou não Estado, ou, entre sociedade, em uma
perspectiva mais fechada ou mais aberta, mas principalmente pela elaboração de toda uma nova lógica para
se entender o paradoxo, de que o estado persiste, simultaneamente, em muitas questões como soberano e em
outras não. Precisamos abrir a perspectiva de um raciocínio muito mais amplo para poder pensar que, em
certos aspectos, o Estado continua forte, e em outros aspectos não tem mais nenhuma condição de
interferir.” (Ibidem, p. 11).
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 235.
“Direito Social. – Entre o direito público e o direito privado se encontra o direito social. É o direito
governado pela solidariedade social, em que o egoísmo e os interesses individuais de seus destinatários estão
subordinados ao interesse social, de modo a integrar o indivíduo e as pessoas jurídicas (empresas,
sociedades comerciais etc.), partes das relações jurídicas que deles brotam, em uma ordem de coordenação e
paz social.”
Ibidem,p. 153.
56
Assim, vê-se que as funções do Estado não se limitam aos poderes legislativo,
judiciário e executivo, e sim, cada vez mais ampliam sua competência e estabelecem
parcerias com o plano privado, para governar conjuntamente com o indivíduo,
possibilitando a atuação da sociedade no crescimento da mesma, trilhando os princípios
da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Os quatro status de Jellinek124 servem para demonstrar a relação do indivíduo
com o Estado, quaisquer que sejam suas características. O status deve ser uma situação,
distinguindo-se de um direito 125.
O autor distingue quatro status, a seguir expostos:
a) Status Passivo – o indivíduo estaria subordinado aos poderes estatais, sendo,
neste contexto, meramente detentor de deveres, e não de direitos, significando de outra
banda, que o Estado possui a competência de vincular o cidadão juridicamente por meio
de mandamentos e proibições.
b) Status Negativo – Jellinek toma por base a idéia de ser dotado de
personalidade, reconhecendo ao indivíduo o status negativus, que consiste numa esfera
individual de liberdade imune ao jus imperii do Estado.
c) Status Positivo – Complementaria o status negativus, no qual ao indivíduo
seria assegurada juridicamente a possibilidade de utilizar-se das instituições estatais e
de exigir do Estado determinadas ações positivas. (Direitos a prestações estatais,
incluindo os direitos sociais).
d) Status Ativo – por fim Jellinek, complementa sua teoria com o reconhecimento
de um status civitatis ao cidadão, no qual este passa a ser considerado titular de
competências que lhe garantem a possibilidade de participar ativamente na formação da
vontade estatal, v.g. o direito de voto.
Diante do exposto, tem-se que, para um Estado Democrático de Direito, mister
que a sociedade participe mais, seja mais ativa, mais responsável, mais cúmplice do
processo de criação de normas e eficácia das mesmas. Entretanto, é sabido que sua
atuação cada vez mais significativa está relacionada à forma de interação com o Estado,
124
125
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução Ernesto Garzzón Valdés. 2. ed. Madrid:
Centro de Estúdios Internacionales, 2001. p. 247-266.
Ibidem, p. 248. Diz o autor “Jellinek describe de variada manera qué es um status. Importância central tiene
su caracterización como “uma relación com el Estado que califica al individuo”. Un status es pues una
relación del individuo con el Estado, cualesquiera que sean sus características. En tanto relación que califica
al individuo, el status debe ser una situación y, en tanto tal, distinguirse de un derecho. Ello es así porque,
como Jellinek lo expressa, tiene como contenido el “ser” jurídico y no el “tener” jurídico de una persona.”
(Ibidem, p. 148).
57
para tanto, busca isso num processo de desenvolvimento social, e também porque o
papel do Estado está para um Estado Social e não mais para um poder autocrático, sem
contudo, perder o poder estatal. 126
2.1 RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Ao falar-se em responsabilidade do Estado pela busca de normas que venham
atender aos anseios, tanto dos trabalhadores, como da classe patronal, relevante
questionar-se o grau de envolvimento entre poder político na esfera socioeconômica.
Esse aspecto é lembrado por José Felipe Ledur, quando trata da responsabilidade do
Estado pela busca de soluções para a falta de trabalho.127
Por analogia, poder-se-ia indagar sobre a responsabilidade do Estado na
fiscalização das normas coletivas que nascem no plano privado. Pois, o Estado ao
delegar competência aos particulares para ditarem regras, com força de norma, não pode
abdicar de seu poder mandamental, pois a ele compete o poder de legislar sobre matéria
trabalhista, conforme a Constituição Federal.
Para Konrad Hesse, a questão da Constituição Federal corresponde à realidade
fática ou jurídica e guarda relação com o ser e o dever-ser. Diz o autor,
graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e
conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e,
ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como
fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições
sócio-políticas e econômicas. 128
Assim, é insubstituível o papel do Estado na fiscalização das normas coletivas de
trabalho. Em especial, destaca-se o papel crescente do Ministério Público do Trabalho,
que através de ações anulatórias de cláusulas convencionais vem garantindo um certo
126
127
128
DELGADO, Mauricio Godinho. Democrocia e justiça: sistema judicial e controle democrático no Brasil.
São Paulo: LTR, 1993. p. 22. Diz o autor: “Democracia importa não apenas em distribuição ampliada do
poder, mas, também, fundamentalmente, em controle societário sobre o poder distribuído. A natureza
coercitiva do Estado impõe, desse modo, em uma Democracia, a institucionalização de controles
democráticos sobre esse mesmo Estado. Noutras palavras, é próprio e inseparável ao imperativo
democrático o estabelecimento de mecanismos de controle sobre as diversas instâncias do poder estatal.”
LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 147.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Fabris, 1991. p. 15.
58
equilíbrio entre a vontade dos particulares e os interesses do Estado, no que concerne a
tutela das próprias partes convenentes, reparando-se lesões de massa 129.
José Cláudio Monteiro de Brito Filho atribui a participação mais ativa do
Ministério Público do Trabalho à criação de novos instrumentos para o desempenho
deste, como é o caso da ação anulatória e da lei Complementar n. 75/93 – Lei Orgânica
do Ministério Público da União. 130
3
IMPORTÂNCIA
PRIVADAS
FACE
DOS
A
DIREITOS
CONVENÇÃO
FUNDAMENTAIS
COLETIVA
DE
NAS
RELAÇÕES
TRABALHO
EM
CONFRONTO COM A LEI
Assim como o Estado possui sua parcela de responsabilidade face ao exercício e
eficácia dos direitos fundamentais, também os particulares a possuem. Durante a
passagem dos séculos os direitos fundamentais se apresentaram com necessidades
distintas, dependendo do momento histórico em que foram vivenciados. A evolução dos
mesmos ao longo da história refletiram uma nova conduta social tanto do Estado face
aos particulares, como também dos próprios particulares entre si, e, em sua relação com
o Estado.
A importância dos direitos fundamentais pode ser vista sob suas diversas
gerações. Aqui enfatiza-se sua importância sempre relacionada às relações privadas, ou
seja: a sua importância face ao papel das convenções coletivas no Direito Coletivo do
Trabalho, que historicamente está vinculada aos direitos fundamentais de segunda
geração, predominando no século XX.
Edgard de Oliveira Lopes diz:
Proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e
também na Constituição de Weimar, os direitos de segunda geração exerceram
um papel preponderante nas formulações constitucionais após a segunda
guerra. Cingidos ao princípio da igualdade – sendo esse a razão de ser
daqueles – os direitos de segunda geração são considerados como sendo os
129
130
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. O Ministério Público do Trabalho e a ação anulatória de
cláusulas convencionais. São Paulo: LTr, 1998. p. 29.
Este salto é percebido por Hugo Nigro Mazzilli, que leciona que “a LOMPU muito avançou em matéria de
funções, atribuições e instrumentos de atuação do Ministério Público” (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime
jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 248).
59
direitos sociais, culturais, coletivos e econômicos, tendo sido inseridos nas
constituições das diversas formas de Estados sociais. 131
Quanto a esses direitos de segunda geração, salienta Bonavides:
[...] atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução,
cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a do
Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais. De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se
tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não
poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de
argumentação arrimada no caráter programático da norma. 132
Ledur chama a atenção para o fato de que os direitos de primeira geração se
afirmaram contemporaneamente à formação do Estado Liberal. Trata-se de direitos que
traduzem afirmação do indivíduo com o propósito de impor limites à intervenção do
Estado no domínio privado.133
O mesmo não ocorre com os direitos de segunda geração, pois ao tratar de
direitos sociais, evidenciou-se que o indivíduo não era um ser tão autônomo como
pensava o Iluminismo, mas sim um ser frágil, indefeso e inseguro. Motivação suficiente
para que o Estado assumisse papel diferente com relação às minorias. Razão pela qual
retoma o seu papel tutelar, e, legisla a favor dos grupos sociais e das minorias. 134
Urge ressaltar a importância dos direitos fundamentais, em especial nesse
momento histórico, que muito bem demonstra o cenário carecedor de proteção mais
eficaz. Se não bastasse, a história se repete, revelando-se carecedora de muito mais
direitos do que os anteriormente referidos, justamente pela crescente desigualdade social
e o desemprego 135.
131
132
133
134
135
LOPES, Edgard de Oliveira. Os direitos fundamentais sob ótica das influências ético-filosóficas, consoante
o magistério de Hans Kelsen, Miguel Reale e Willis Santiago Guerra Filho. Jus Navigandi, Teresina, v. 6,
n.56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.Br/doutrina/texto.asp?id=2872> Acesso em: 27 jun.
2006.
Vide BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 518.
LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 159.
Ibidem, p. 161.
Ledur fala sobre “a íntima conexão entre os direitos civis e políticos [...] e os direitos sociais é cada vez mais
enfatizada, a ponto de se levantarem dúvidas acerca da consolidação da democracia e do Estado de Direito,
se não forem enfrentados problemas como a crescente desigualdade social e o desemprego. Na verdade, se a
pessoa não tem como prover adequadamente a sua existência mediante o acesso a uma moradia, à educação,
à saúde, à previdência, ao trabalho, não terá aptidão para ser “cidadão privado”, mesmo porque sua
dignidade estará comprometida. A falta dessas condições vitais não permitirá que venha a ser um “cidadão
público”, que contribua na formação da vontade política direta e na pré-formação da vontade política da
Nação, [...]”. (Ibidem, p. 162).
60
Um dos motivos pelos quais as convenções coletivas de trabalho se apresentam
em confronto com a lei, no dizer de Arnaldo Süssekind, está relacionado com nosso
desenvolvimento econômico, o qual está freiado pelas elevadas taxas de juros e
tributação em cascata, além do baixo poder de consumo da grande maioria da
população. 136
Além deste fato, o sistema legal foi objeto de flexibilização em importantes
aspectos da relação de emprego, os quais serão arrolados a título exemplificativo.
Lembrando-se ainda que o projeto de lei que introduz parágrafo primeiro ao artigo 618
da CLT permite que convenções e acordos coletivos prevaleçam, salvo em excepcionais
hipóteses, sobre a lei ordinária.
Direitos objeto da flexibilização: a) redução geral e transitória dos salários até
25%, por acordo sindical, quando a empresa for afetada substancialmente em situações
excepcionais da conjuntura econômica (L. 4.923/65); b) ampla liberdade patronal para
despedir os empregados (L. 5.017/66, que instituiu o regime do FGTS agora substituída
pela L. 8.036/90; c) quebra do princípio da irredutibilidade salarial por acordo ou
convenção coletiva (art. 7°, VI, da CF de 1988); d) flexibilização das jornadas de
trabalho mediante compensação de horários estipulada em acordo ou convenção coletiva
(art. 7°, CF, objeto do art. 6° da L. 9.601/98, que deu nova redação ao art. 59 da CLT);
e) ampliação da jornada de seis horas nos turnos ininterruptos de revezamento por meio
de negociação coletiva (art. 7°, XIV, da CF); f) contrato de trabalho provisório com
ampla redução de direitos (L. 9.601/98); g) redução das hipóteses de salário-utilidade
(L. 10.243/2001); h) suspensão de 2 a 5 meses do contrato de trabalho (MP 2.164, de
2001).
Relevante destacar que a reforma introduzida pelo parágrafo primeiro do artigo
618, da CLT não ocasiona maior valorização às convenções coletivas, como instrumento
de conquistas da classe trabalhadora, mas o que se está pretendendo, segundo Márcio
Túlio Viana, é “desvalorizá-la, utilizando-a para destruir o que foi construído”. 137
Jorge Luis Souto Maior, em artigo intitulado “O futuro do direito do trabalho no
Brasil, se aprovado o projeto de lei que altera o artigo 618 da CLT”, transcreve o
parágrafo como passará a ser, se aprovado: “As condições de trabalho ajustadas
136
137
SÜSSEKIND, Arnaldo. A convenção coletiva de trabalho em confronto com a lei. Síntese Trabalhista,
Porto Alegre, n. 159, p. 5-8, set. 2002.
VIANA, Márcio Túlio. O novo papel das convenções coletivas de trabalho: limites, riscos e desafios.
Revista TST, Brasília, v. 67, n. 3, jul./set. 2001.
61
mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que
não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho”.
O mesmo autor diz:
Esta alteração, se aprovada concretamente, permitirá que sindicatos
de trabalhadores e sindicatos de empregadores, ou sindicatos de trabalhadores
e empresas, diretamente, firmem cláusulas normativas estabelecendo direitos
inferiores àqueles previstos na legislação trabalhista, com exceção das normas
relativas à saúde e segurança do trabalhador. 138
Evidencia-se mais uma vez que Estado e particulares não podem perder de vista
os direitos fundamentais, senão estaríamos retrocedendo aos séculos passados, abrindo
mão de conquistas que sem dúvida buscam o equilíbrio e desenvolvimento da sociedade.
4 FUNÇÃO, TUTELA E FORÇA JURÍDICA DOS PRECEITOS RELATIVOS
AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Diante do exposto no item acima, ressalta-se a importância do papel dos direitos
fundamentais no ordenamento jurídico, para que possam efetivamente assegurar e
garantir o exercício dos direitos dos trabalhadores. Para Gomes Canotilho as funções dos
direitos fundamentais são: função de defesa ou liberdade, função de prestação social,
função de proteção perante terceiros e função de não-discriminação. 139
Não basta um rol de intenções ou o próprio reconhecimento doutrinário da função
dos direitos fundamentais para que os mesmos se omitizem. Necessárias são a força
jurídica dos preceitos relativos aos direitos fundamentais e a sua tutela.
Abaixo transcrevem-se as funções dos direitos fundamentais na visão de Gomes
Canotilho:
A primeira função dos direitos fundamentais – sobretudo dos
direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da sua
138
139
MAIOR, Jorge Luiz Souto. O futuro do direito do trabalho no Brasil, se aprovado o projeto de lei que altera
o art. 618 da CLT. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 163, p. 11-7, jan. 2003.
CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.
405-09. Ver também, GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, v. 5, n.
51, out. 2001. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?=2075> Acesso em: 27 jun. 2006.
62
dignidade perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos
coactivos). 140
Os direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do
particular a obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança social).
É claro que se o particular tiver meios financeiros suficientes e houver
resposta satisfatória do mercado à procura destes bens sociais, ele pode obter a
satisfação das suas “pretensões prestacionais” através do comércio privado
(cuidados de saúde privados, seguros privados, ensino privado) 141
Função de proteção perante terceiros: Muitos direitos impõem um
dever ao estado (poderes públicos) no sentido de este proteger perante
terceiros os titulares de direitos fundamentais. [...] Diferentemente do que
acontece com a função de prestação, o esquema relacional não se estabelece
aqui entre o titular do direito fundamental e o estado (ou uma autoridade
encarregada de desempenhar uma tarefa pública) mas entre o indivíduo e
outros indivíduos.142
Função de não discriminação A partir do princípio da igualdade e
dos direitos de igualdade específicos consagrados na constituição, a doutrina
deriva esta função primária e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o
Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. Esta
função de não discriminação abrange todos os direitos. 143
A título de informação, as expressões “direitos do homem” e “direitos
fundamentais” são freqüentemente utilizadas como sinônimos. Entretanto, segundo a sua
origem e significado, podem apresentar dois sentidos, a saber: 144 “a) direitos do homem
são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalistauniversalista); b) direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídicoinstitucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente”.
Em que pese o estudo das funções dos direitos fundamentais abranger todos os
direitos, destaca-se a presença de suas funções no exercício da autonomia privada,
objetivando a criação de novas ou melhores condições de trabalho com intuito de
assegurar, manter ou criar oportunidades de dignificação da classe obreira. Por
conseqüência, qualificando a sociedade face ao Estado Democrático de Direito.
A seguir passa-se a discorrer sobre a força jurídica dos preceitos relativos aos
direitos fundamentais, tendo-se em vista a vinculação das entidades públicas e das
entidades privadas.
140
141
142
143
144
CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.
405. Ver também, GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, v. 5, n. 51,
out. 2001. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?=2075> Acesso em: 27 jun. 2006.
Ibidem, p. 406. Diz o autor: “a função de prestação dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos
problemáticos dos direitos sociais, econômicos e culturais”. V. g., direitos à moradia, prestações médicas e
hospitalares, escolas, segurança, rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, etc.
CANOTILHO, op. cit., p. 407. Ver notas 25 e 26.
CANOTILHO, loc. cit.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 1983. p. 3 et seq.
63
A vinculação das entidades públicas dirige-se, em primeiro lugar, ao legislador,
enquanto órgão do Estado.
Para que os preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias,
vinculem-se às entidades públicas e não se banalizem, se faz presente a necessidade do
reforço do caráter obrigatório dos mesmos. 145
Para Andrade,
a vinculação das entidades públicas referida no n° 1 do art. 18° estende-se por
isso a todos os preceitos constitucionais e não vale apenas para os direitos,
liberdades e garantias. O que se poderá dizer, no entanto, é que nesta matéria
específica, confrontada sobretudo com a relativa aos direitos sociais, a
vinculação do legislador é maior e mais íntima. 146
Com relação à vinculação de entidades privadas aos preceitos relativos aos
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a Constituição portuguesa de 1976 a
entende como vinculativa. No entanto, não se pode esquecer que: 147
Indivíduo era concebido isoladamente no espaço social e político e a
Sociedade e o Estado eram considerados dois mundos separados e estanques,
cada um governado por uma lógica de interesses própria e obedecendo, por
isso, respectivamente, ao direito privado ou ao direito público, não admira que
os direitos fundamentais pudessem ser e fossem exclusivamente como direitos
do indivíduo contra o Estado.
Dita posição cede espaço às mudanças operadas na realidade política e social, das
quais resultou a nova ordem a que se convencionou chamar “sociedade técnica de
massas”.
Em novos tempos, a paz social, o bem-estar coletivo, a justiça e a própria
liberdade não podem realizar-se espontaneamente numa sociedade industrializada,
complexa, dividida e conflitual. Parafraseando Andrade é necessário que o Estado regule
os mecanismos econômicos, proteja os fracos e desfavorecidos e promova as medidas
necessárias à transformação da sociedade numa perspectiva comunitariamente assumida
de bem público.
Assim, refere o autor:
Os direitos fundamentais ganham uma dimensão objetiva: eles são
também normas (de valor) constitucionais que aos poderes públicos cabe
145
146
147
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 1983. p. 264-65.
Ibidem, p. 265.
ANDRADE, op. cit., p. 272.
64
respeitar, mas igualmente fazer respeitar como interesses públicos
fundamentais – esbate-se o antagonismo indivíduo-Estado, que tinha a força
criadora dos direitos do homem.148
No plano privado, também, os direitos fundamentais devem ser aplicáveis nas
relações entre privados, destacando como ponto de partida a dignidade humana, a
integração e a responsabilidade do indivíduo na sociedade.
Para a preservação de tão nobres propósitos é fundamental que os direitos
fundamentais sejam tutelados, para que não se fragilizem diante da complexitude da
sociedade.
Segundo Andrade, “a garantia principal dos direitos fundamentais resulta deles
próprios, do seu enraizamento na consciência histórico-cultural da humanidade e da sua
tradução estrutural em cada sociedade concreta”.149
A tutela jurídica dos direitos fundamentais opera-se através de todos os ramos de
direito, tais como: do direito penal, do administrativo, do civil, do trabalho, do
comercial, substantivo ou processual.
No que tange a proteção jurídico-institucional, os direitos fundamentais podem
ser constitucionalmente protegidos contra todos os órgãos de soberania nas hipóteses de:
a) estado de sítio; b) revisão constitucional; c) em face do legislador ordinário (daí que a
Constituição estabelece uma reserva de lei formal para os direitos, liberdades e
garantias).
5
AUTONOMIA
PRIVADA
INDIVIDUAL
E
AUTONOMIA
PRIVADA
COLETIVA: UMA SINGELA DISTINÇÃO
O modelo corporativista Getuliano de relações de trabalho foi adotado pelo
Brasil, para a criação das entidades sindicais. Apesar da crescente atuação sindical
brasileira, referida pelo autor Adriano Guedes Laimer, que destaca o modelo
corporativista nas relações de trabalho e excepciona o caso das que o modelo
corporativista não atende às
150
”greves gerais, organização das centrais sindicais,
estabelecimento de algumas organizações em locais de trabalho por meio de acordos
148
149
150
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 1983. p. 273.
Ibidem, p. 313.
LAIMER, Adriano Guedes. O novo papel dos sindicatos. São Paulo: LTr, 2003. p. 36.
65
coletivos e de ações políticas dessas entidades nos debates de questões de interesses da
sociedade
brasileira,
especialmente
nas
questões
tributárias,
previdenciárias,
trabalhistas, nas privatizações e nas propostas de regulamentação de diversos setores,
como o financeiro”, diz o autor, “apesar dessas conquistas, constata-necessidades dos
sindicatos que almejam e necessitam de instrumentos legais que lhes garantam uma
maior efetividade na sua atuação e em negociações coletivas. É por isso que se busca
uma alternativa ao modelo corporativista. A melhor alternativa é a autonomia privada
coletiva, que deve ter sua conceituação desenvolvida de acordo com as condições e
necessidades nacionais”. 151
Partindo-se da autonomia privada individual, passa-se à conceituá-la e apontar as
diferenças para com a definição de autonomia privada coletiva. Iniciando-se com o
conceito de Steinmetz, exposto a seguir.
Segundo Steinmetz, “define-se a autonomia privada como o poder atribuído pela
ordem jurídica aos particulares para que, livres e soberanamente, auto-regulamentem os
próprios interesses (direitos, bens, fins, pretensões)”.152
No que concerne ao trabalho, ora apresentado, verifica-se que a autonomia
privada que aborda-se é a coletiva, também conhecida como autonomia coletiva. Para
tanto, observa-se, comentário feito por Adriano Guedes Laimer, no sentido de que
autonomia privada e autonomia privada coletiva não possuem o mesmo sentido.153
Para Amauri Mascaro Nascimento, autonomia privada individual “é uma fonte de
instauração de vínculos de atributividade que se expressam por meio da atividade
negocial dos particulares”.154 “O que a diferencia fundamentalmente da autonomia
privada coletiva”. 155
Gino Giugni, citado por Laimer, faz referência ao artigo 39 da Constituição
Federal Italiana, no qual consta que “a organização sindical é livre”, compreendendo que
o Princípio da Liberdade é uma contraposição ao sistema corporativista, dizendo:
151
152
153
154
155
LAIMER, Adriano Guedes. O novo papel dos sindicatos. São Paulo: LTr, 2003. p. 36.
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 190-91. Refere-se, ainda o autor, dizendo: “a autonomia privada manifesta-se como um poder de
autodeterminação e de autovinculação dos particulares. No exercício da autonomia privada, os particulares
tornam-se legisladores dos próprios interesses, seja para criar direitos, seja para criar deveres”.
LAIMER, op. cit., p. 37. Acompanham a idéia do autor, vários doutrinadores, como v.g., Giuliano Mazzoni,
Amauri Mascaro Nascimento, Gino Giugni, Pedro Paulo Teixeira Manus, entre outros.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito sindical. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 10.
LAIMER, op. cit., p. 37.
66
Em nosso ordenamento constitucional, ao contrário, a faculdade de
efetuar a defesa e promoção dos interesses envolvidos no mundo do trabalho é
atribuída aos próprios sujeitos protagonistas do conflito, como afirmação de
sua posição de liberdade. A eles é reconhecida a faculdade de unirem-se para
prover a defesa dos próprios interesses, escolhendo livremente, no exercício da
própria autonomia, os meios mais convenientes para tal fim. 156
Em que pese a Constituição Italiana adotar o Princípio da Liberdade, como
anteriormente citado, relevante mencionarem-se os dispositivos Constitucionais
brasileiros que defendem os Princípios da Autonomia, Liberdade e Unicidade Sindicais,
vistos no artigo 8°, da Constituição de 1988, e seus incisos. Nesse aspecto, também o
Brasil elegeu a patamar Constitucional a Autonomia Privada Coletiva.
Pedro Paulo Teixeira Manus define autonomia privada coletiva da seguinte
forma:
A autonomia privada coletiva, no âmbito do direito coletivo do
trabalho, é o poder das entidades sindicais de auto-organização e autoregulamentação dos conflitos coletivos do trabalho, produzindo normas que
regulam as relações atinentes à vida sindical, às relações individuais e
coletivas de trabalho entre trabalhadores e empregadores. 157
Carlos Alberto Gomes Chiarelli indica como terceira faceta da liberdade a
autonomia sindical, identificável como a liberdade dinâmica da associação profissional.
Diz o autor: “Seu objetivo seria o de assegurar à entidade o direito de autogovernar-se,
livre de comandos externos. Daí, a idéia, repetida usualmente por juristas hispânicos, de
que a autonomia sindical compor-se-ia de diversas faculdades básicas, tais como:
autonomia constitutiva, ação sindical e faculdade federativa (como sendo as
exponenciais)”. 158
Plá Rodrigues diz: “em todo o direito do trabalho há um ponto de partida: a união
dos trabalhadores e um ponto de chegada: a melhoria das condições dos trabalhadores.
Direito individual e direito coletivo do trabalho são simplesmente distintas maneiras de
percorrer o mesmo itinerário”.159
A distinção entre autonomia privada individual e autonomia privada coletiva
cinge-se na possibilidade que o indivíduo possui de livre e soberanamente auto156
157
158
159
LAIMER, Adriano Guedes. O novo papel dos sindicatos. São Paulo: LTr, 2003. p. 37.
MANUS, PEDRO Paulo Teixeira. Negociação coletiva e contrato individual de trabalho. São Paulo: Atlas,
2001. p. 102.
CHIARELLI, Carlos Alberto. O trabalho e o sindicato: evolução e desafios. São Paulo: LTr, 2005. p. 19596.
RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Tradução Wagner Giglio. São Paulo: LTr,
1978. p. 24.
67
regulamentar os próprios interesses, ao passo que na autonomia privada coletiva o que
for deliberado, em regra, pelos sindicatos, alcança a todos os integrantes de uma
determinada categoria.
5.1 AUTONOMIA PRIVADA COMO FONTE DE DIREITO E O LIMITE
CONSTITUCIONAL
Inicialmente faz-se as seguintes observações acerca das fontes do Direito nos
ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa:“a expressão fontes do Direito tem dois
sentidos: origem histórica ou diferentes maneiras de realização do Direito. Aqui, no
sentido que ora interessa, temos o aspecto de fonte criadora do Direito”. 160
Existem dois sistemas jurídicos, a saber: o sistema denominado romanogermânico, em que tem cabal proeminência a lei escrita, e o sistema Common Law, dos
países de língua inglesa ou de colonização inglesa, em geral, que é um sistema,
basicamente, de direito não escrito, vazado em normas costumeiras e precedentes.
Observa ainda o autor que “embora nosso ordenamento de leis seja escrito, legalmente
se reconhecem outras fontes, como vimos no citado art. 4° da Lei de introdução ao
Código Civil". 161
Mesma autorização, quanto ao pluralismo normativo, encontra-se no artigo 8°, da
Consolidação das Leis do Trabalho. Observa-se em seu texto que sempre que
inexistirem disposições legais ou contratuais ficará o Estado autorizado a dirimir o
conflito valendo-se, conforme ocaso, da jurisprudência, da analogia, da eqüidade e
outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e,
ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira
que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Ainda com relação às fontes do Direito, relevante reportar-se as fontes
normativas próprias do Direito do Trabalho. Para tanto, reporta-se a doutrina de Orlando
Gomes que inicialmente chama a atenção para o fato de que “a Constituição é a mais
importante fonte formal de produção estatal do Direito do Trabalho. Certos princípios
fundamentais foram inscritos na Constituição de 5 de outubro de 1988, como, de resto,
160
161
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 1, p. 9.
Ibidem, p. 10.
68
já havia sido, anteriormente, consagrados, em grande parte, pelas Constituições de 1934,
1937, 1946, 1967 e de 1969”. 162 Registre-se que o autor, em sua obra, refere-se aos
direitos sociais previstos no artigo 7°, da CF, como princípios fundamentais.
Em que pese as fontes geradoras de direitos e obrigações serem fontes
normativas, há que se observar uma hierarquia entre elas, que segundo o autor é de
considerável utilidade pública.
Para Orlando Gomes, “a diversidade de procedência das normas que preenchem o
conteúdo do contrato de trabalho lhes enseja o choque, criando o problema da
prevalência de uma regra sobre outra. Daí a necessidade de hierarquizar cuidadosamente
as várias fontes, a fim de se obter orientação para solucionar os possíveis conflitos”. 163
164
Apresenta, ainda, algumas regras para a solução dos conflitos decorrentes do choque
entre normas, a saber:
a) havendo conflito entre as fontes imperativas de produção estatal e as de
produção internacional, prevalecem as últimas;
b) havendo conflito entre as fontes estatais e as de produção mista (sentença
coletiva), prevalecem as primeiras;
c) havendo conflito entre as fontes de produção mistas (sentença coletiva) e as
fontes de produção profissional pura (usos e costumes, regulamento de empresa e
convenções coletivas), prevalecem as primeiras;
d) havendo conflito entre as normas oriundas da fonte profissional pura (usos e
costumes, regulamento de empresa, convenção coletiva), prevalecem as de âmbito mais
generalizado.
162
163
164
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.
34.
GOMES; GOTTSCHALK, loc. cit.
Diante da diversidade de normas, ou seja, da existência do pluralismo jurídico , em especial no direito do
Trabalho, questiona-se a atividade jurígena do Estado. Vide GOMES; GOTTSCHALK, op. cit., p. 53. Que
ora transcreve-se: “A atividade jurígena do Estado, segundo a dogmática tradicional que lhe reconhece o
monopólio da criação da lei, não estaria, na atualidade, sendo posta em dúvida, diante de uma pluralidade de
fontes do direito, como as que se vem de analisar no presente capítulo?”
69
Segundo Arnaldo Süssekind, a ordem hierárquica das fontes do Direito do
Trabalho é a seguinte: Constituição, lei, regulamento, sentença normativa, convenção
coletiva de trabalho e costume. 165
Feitas as considerações sobre as fontes do direito, transcreve-se a fala de
autonomia privada por Pontes de Miranda 166, “autonomia privada é o que Pontes de
Miranda chama de “auto-regramento da vontade”. A vontade constitui para o autor um
suporte fático ao qual as regras jurídicas aludem. Pontes vê a vida social tecida em
interesses aquém da esfera jurídica e esta como “zona colorida em que a) os fatos se
fazem jurídicos, b) relações nascidas independentemente do direito se tornam jurídicas,
e c) relações jurídicas, nascidas, portanto, no direito, se estabelecem”. Somente parte da
atividade humana é absorvida pelo jurídico. Esta deixa um campo de ação aos privados
“em que a relevância jurídica não implique disciplinação rígida da vida em comum”. A
atividade do auto-regramento da vontade “é o espaço deixado às vontades, sem se
repelirem do jurídico tais vontades”. Autonomia privada significa, em outras palavras,
“a possibilidade de os atos se tornarem jurídicos, constituírem regras”.167
Segundo Luigi Ferri, citado por Dorothee 168, “a lei dá aos singulares o poder de
criar direito objetivo. Sem esse poder não há norma negocial, pois ‘a norma negocial se
liga ao sujeito privado e à sua vontade, através da mediação do poder em que consiste a
autonomia privada, assim como a norma legislativa se liga ao sujeito Estado através do
poder legislativo`. A autonomia privada baseia-se, para Ferri, numa ‘autorização`
(Ermächtigung), o que significa que o particular forma direito não como ente público ou
delegado deste, mas sim como poder próprio, pois a palavra Ermächtigung pode ser
traduzida de modo exato somente através de uma paráfrase como a seguinte: atribuição
de poder ou outra semelhante.”
165
166
167
168
SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Institutições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2001. v. 1, p. 171.
Diz ainda o autor: “mas, nesse particular, o que importa deixar claro é que a regulamentação estatal das
relações de trabalho exprime um mínimo de garantias reconhecidas ao trabalhador. Praticamente, todas as
normas legais em matéria de trabalho são cogentes, imperativas. Mas sua inderrogabilidade pela vontade das
partes, ou por outra fonte de direito, há de ser entendida sem perder de vista que elas – como ficou dito –
traduzem um mínimo de garantias, que não pode ser negado, mas que pode, sem dúvida, ser ultrapassado: a
derrogação de tais normas é admitida num sentido favorável aos trabalhadores.”
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 54.
RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do direito do trabalho
para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 85.
Ibidem, p. 86.
70
Considerando-se que a autonomia privada é um poder, e desde que não importe
quem o exerça, como síntese a tese de Ferri, Dorothee faz um linck com as observações
históricas feitas por Jellinek, dizendo: “para esse autor, a solidariedade humana baseiase principalmente na espontaneidade, além da organização planejada”. 169
Dorothee faz uma pergunta para ser respondida pela teoria do ordenamento
jurídico complexo de Bobbio, qual seja: “Trata-se, em outras palavras, de decidir se a
autonomia privada deve ser considerada como um resíduo de um poder normativo
natural e privado, antecedente ao Estado, ou como um produto do poder originário do
Estado”. Resposta: “Esse dilema é resolvido por Bobbio pela teoria do ordenamento
jurídico complexo que se baseia no fato de que as normas fluem de vários canais: da
sociedade civil, que não é uma sociedade natural sem leis, mas sim uma sociedade com
normas de gêneros variados, e do poder soberano, que se autolimita e, em relação ao
poder negocial, ‘subtrai a si mesmo uma parte do poder normativo`. Com a teoria do
ordenamento jurídico complexo, Bobbio concilia positivistas e jusnaturalistas e
acrescenta um dado importante à discussão dos limites da autonomia privada”. 170
O Estado de Direito é o Estado dos cidadãos. 171 A sociedade desempenha papel
de Titular do Poder Constituinte, conforme ensinamentos de J.J. Gomes Canotilho: 172
Povo, porém, não é um conceito unívoco mas plurívoco (F. Muller).
Só o povo, entendido como um sujeito constituído por pessoas – mulheres e
homens – pode “decidir” ou deliberar sobre a conformação da sua ordem
político-social. nas democracias actuais, concebe-se como uma “grandeza
pluralística” (P. Häberle), ou seja, como uma pluralidade de forças culturais,
sociais e políticas tais como partidos, grupos, igrejas, associações,
personalidades, decisivamente influenciadoras da formação de “opiniões”,
“vontades”, “correntes” ou “sensibilidades” políticas nos momentos
preconstituintes e nos procedimentos constituintes.
169
170
171
172
RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do direito do trabalho
para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 87. Jellinek apud Dorothee Susanne Rüdiger, que
diz: “[...] a primeira forma de solidariedade, a não-refletida, permanece excluída da consciente ação do
Estado dirigido por determinados fins. Os fenômenos psíquicos de massa, cuja existência e efeitos são a
base para as grandes mudanças no estado geral dos povos, se são influenciados diretamente pelo Estado, não
são por ele criados. Religiões, nacionalidades, classes sociais, etc., nascem independentemente do Estado. O
Estado pode protege-las, incentiva-las, favorecer seu desenvolvimento e sua eficácia, mas não cria-las...
Nascidas da sociedade, as novas forças sociais só podem ser superadas pela própria sociedade.”
Ibidem, p. 89.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1992. p. 61.
CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.
75.
71
Muito embora, a Constituição só se compreende através do Estado. 173 174 175
Para José Felipe Ledur, “a Constituição é a norma fundamental do Estado e
também da Sociedade”.176
Assim, evidencia-se cada vez mais a importância da Constituição para uma
sociedade. Nesse sentido, Joe Ernando Deszuta diz:
Ainda que a lei se constitua em fonte estatal de Direito por
excelência, há uma multiplicidade de fontes e até de ordenamentos paralelos
que por vezes desafiam a unidade do ordenamento estatal. A função
unificadora da Constituição pode ser entendida como uma tentativa de
harmonizar e condicionar – mediante a previsão de um plano de juridicidade
superior e vinculativo de todos os poderes públicos e privados – a produção do
direito em uma sociedade heterogênea e pluralista, inclusive com o
estabelecimento de mecanismos que inviabilizem ou dificultem a
disponibilidade do conteúdo da norma. 177
Segundo Kelsen:
Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a
Constituição em sentido formal, isto é, um documento designado como
Constituição que – como Constituição escrita – não só contém normas que
regulam a produção de normas gerais, isto é, a legislação, mas também normas
que se referem a outros assuntos politicamente importantes e, além disso,
preceitos por força dos quais as normas contidas neste documento, a lei
constitucional, não podem ser revogadas ou alteradas pela mesma forma que as
leis simples, mas somente através de processo especial submetido a requisitos
mais severos. Estas determinações representam a forma da Constituição que,
como forma, pode assumir qualquer conteúdo e que, em primeira linha, serve
para a estabilização das normas que aqui são designadas como Constituição
material e que são o fundamento de Direito positivo de qualquer ordem
jurídica estadual. 178
Depreende-se que a autonomia privada, como fonte de direito, esbarra no limite
da lei, seja constitucional ou infraconstitucional.
173
174
175
176
177
178
CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.
89, nota 8.
“O conceito de Estado Constitucional servirá para resolver este impasse: a constituição é uma lei
proeminente que conforma o Estado.” (Ibidem, p. 89).
Ibidem. Eis aqui a justificativa da origem do poder, numa tentativa de definir o Estado Democrático de
Direito: “O Estado Constitucional, para ser um estado com as qualidades identificadas pelo
constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de direito democrático. Eis aqui as duas grandes
qualidades do Estado constitucional: Estado de direito e Estado democrático.”
LEDUR, José Felipe. A realização do direito ao trabalho. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 62.
DESZUTA, Joe Ernando. Um direito do trabalho mínimo ou um mínimo de direito do trabalho? bases para
um novo direito do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 255, p. 46, mar. de 2005.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 247-48.
72
Nos ensinamentos de Roppo 179, a validade do contrato vincula-se à lei, sendo esta
fonte do regulamento contratual sob pena de sanção da nulidade, além da vontade das
partes. 180 Refere-se ainda o autor: “a lei deve contudo tutelar, além do interesse do
pretenso representado, também o do terceiro que contratou com o pretenso
representante”.
A liberdade de conformar, segundo as suas conveniências subjetivas, o conteúdo
do contrato limita-se às disposições legais previstas no Código Civil, Constituição
Federal e leis especiais. O regulamento contratual resulta construído através de um
concurso de fontes: na sua determinação participam a vontade das partes, as valorações
do juiz e as disposições da lei. Sendo que as últimas podem assumir a veste de normas
dispositivas ou de normas imperativas.181
Parafraseando Enzo Roppo, as vicissitudes da contratação coletiva das relações
de trabalho não podem ser absolutizadas e generalizadas indevidamente. Para o autor a
existência de um movimento sindical organizado e atuante no plano das reivindicações
sustentadas pela arma da greve não podem sucumbir, sob pena faltarem os próprios
pressupostos para realizar-se aquela recuperação da “contratualidade” num pé de
igualdade substancial entre as partes contrapostas do contrato. Remédio para a solução
do problema, diz o autor,
consiste, então, em regra, numa intervenção autoritária externa do poder
público – geralmente do legislador – que reage às restrições ou à expropriação
de facto da liberdade contratual das <partes débeis>, restringindo, por sua vez,
mas com prescrições normativas formais, a liberdade contratual das <partes
fortes> do contrato, pois já sabemos que é o exercício da liberdade contratual
dos contraentes em posição de superioridade econômica e social a causar
directamente a supressão da liberdade contratual dos contraentes em posição
econômica e socialmente deteriorada. 182
179
180
181
182
ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p.
124.
Ibidem, p. 187.
ROPPO, op. cit., p. 187-90.
ROPPO, op. cit., p. 327.
73
5.1.1 Autonomia privada e autonomia da vontade
Enzo Roppo define autonomia da vontade como “a autonomia da vontade,
exercício de liberdade, forma a base da autonomia privada, sendo o lado subjetivo num
processo de criação de uma norma – o contrato. Pois o contrato é, até etimologicamente,
ao mesmo tempo um processo e um regramento”. 183
Tomando-se por base a distinção feita por Enzo Roppo, entre processo e
regramento, conclui-se que, “autonomia privada é um poder jurídico, liberdade no
sentido positivo, um ‘livre para` o auto-regramento, ao passo que a autonomia da
vontade é um direito subjetivo, liberdade no sentido negativo, um ‘livre de` imposições
de terceiros, deixando um espaço para um processo que cria o contrato”. 184
Num sistema capitalista, a autonomia da vontade cada vez mais encontra um
espaço crescente. “A autonomia privada é a afirmação de que o contrato, além de uma
relação jurídica, cria normas, está a serviço do capitalismo liberal”. 185
Assim, mais uma vez, evidencia-se o poder das convenções coletivas e da
autonomia privada coletiva nas relações de trabalho. Na medida em que afasta a
intervenção Estatal, mais ganha poder. Relevante destacar que o Estado deve preservar
uma parcela mínima de direitos à sociedade, em especial aos trabalhadores. Caso
contrário, referidos direitos podem ser atingidos, em conseqüência à alteração do artigo
618, da CLT, com base no projeto de lei n. 5.483/2001, que altera sua redação.
186
Referida alteração permitirá prevalecer o negociado sobre o legislado.
183
184
185
186
ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p.
125 et seq.
Ibidem, p. 125-29.
GOMES, Orlando. Contratos. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 17.
Ipojucan Demétrius Vecchi, em participação no livro Reflexões sobre o direito do trabalho e flexibilização,
faz o seguinte comentário, expressando posicionamento contrário a autonomia privada coletiva, quando diz:
“Nessa análise crítica pretendemos demonstrar que o projeto se apresenta como mais uma proposta que está
na onda da chamada “flexibilização do direito do trabalho”, pregada pelo neoliberalismo, que poderá impor,
caso aprovado, uma série de problemas jurídicos a serem resolvidos. O projeto em questão tenta
implementar uma viragem histórica no direito do trabalho nacional, pois sairíamos de uma matriz
heterônoma de produção de direito para adentrarmos em uma matriz autônoma de produção de direito, com
ênfase na chamada “autonomia privada coletiva”. (FREITAS, José Mello de et al. Reflexões sobre o direito
do trabalho e flexibilização.Passo Fundo: UPF, 2003. p. 17).
74
5.1.2 “Status” constitucional das convenções coletivas
As convenções coletivas e os acordos coletivos são reconhecidos pela
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7°, inciso XXVI. Inicialmente, resta saber o
“status” das convenções coletivas de trabalho na Constituição Federal de 1988.
Referida tarefa, nada pacífica doutrinariamente, carece de algumas análises, para
que justifiquem-se as posições diversas acerca da matéria.
Ingo Wolgang Sarlet realça em sua obra que a CF aderiu a um conceito
materialmente aberto de direitos fundamentais, muito embora, apesar de contidos no
catálogo dos direitos fundamentais no sentido material, nem todos se posicionam
favoravelmente a esta idéia.187
Para o autor referido, Vieira de Andrade e Manoel Gonçalves Ferreira Filho
identificam direitos apenas formalmente fundamentais, dizendo que: “[...] na verdade,
poderiam constituir normas de cunho organizatório, ou mesmo regras que poderiam
simplesmente constar da legislação infraconstitucional”. 188
Existem
direitos
fundamentais
que
assumem
a
aparência
de
normas
organizacionais, em virtude de sua forma de positivação.
Sarlet refere, ainda, que os direitos catalogados no artigo 7°, incisos XI e XXIX,
a título exemplificativo, não guardam relação direta com a proteção da dignidade
humana ou que decorram de forma inequívoca dos princípios e do regime da nossa
Constituição como posições essenciais do indivíduo na sua dimensão individual e
social. 189
Observa-se que Sarlet embasa sua afirmativa na relação direta entre direitos
fundamentais e dignidade humana, ao passo que Paulo Bonavides faz a relação dos
direitos fundamentais em duas posições: a liberdade e a igualdade.190
Segundo Bonavides, tocante aos direitos sociais básicos, a Constituição define
princípios fundamentais, como os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa;
187
188
189
190
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2003. p. 140.
SARLET, loc. cit.
SARLET, loc. cit.
“Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do Estado social brasileiro contido na Carta
de 1988 se fecharmos os olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao princípio da igualdade, aos
institutos processuais que garantem aqueles direitos e aquela liberdade e ao papel que doravante assume na
guarda da Constituição o Supremo Tribunal Federal.” (BONAVIDES. Paulo. Curso de direito
constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 338).
75
estabelece objetivos fundamentais para a república como o desenvolvimento nacional, a
erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e
regionais, abrangendo genericamente a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desempregados.
O artigo 7° da Constituição, declina direitos sociais especificamente em favor dos
trabalhadores, entre outros, o seguro-desemprego, o fundo de garantia do tempo de
serviço, o salário mínimo, o piso salarial, o décimo terceiro salário, a participação nos
lucros, a jornada semanal de quarenta e quatro horas de trabalho, o repouso semanal
remunerado, a licença à gestante com duração de cento e vinte dias, a licençapaternidade, o reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho.
Como se vê, o novo texto constitucional imprime uma latitude sem precedentes
aos direitos sociais básicos, dotados agora de uma substantividade nunca conhecida nas
Constituições anteriores, a partir da de 1934. [...] A igualdade se converte aí no valor
mais alto de todo o sistema constitucional, tornando-se o critério magno e imperativo de
interpretação da Constituição em matéria de direitos sociais.
Demais, prendendo-se ainda a esse último aspecto, se considerarmos os direitos
sociais básicos direitos absolutos, como foram reputados os direitos da liberdade durante
o predomínio do velho Estado de Direito, têm eles aplicabilidade imediata; remetidos
todavia àquela primeira posição teórica, que os inferioriza perante os chamados direitos
da liberdade – nessa hipótese, ainda quando em grau constitucional – ficariam via de
regra sujeitos às reservas da lei. 191
Considerando-se que o direito fundamental à igualdade é o que mais tem
mostrado importância no Direito Constitucional de nossos dias, mostra-se como o
direito-guardião do Estado social. 192
Diante do exposto, demonstra-se que a partir do direito fundamental à igualdade,
alicerce do Estado social, é possível incluir-se no catálogo dos direitos fundamentais,
inclusive a participação nos lucros e resultados, pelos motivos que passa a expor:
a) considerando-se que o valor do salário mínimo nacionalmente unificado,
assegurado pelo Governo do Estado, não é suficiente para garantir uma vida digna ao
cidadão brasileiro, hoje fixado em R$350,00; e, b) que a CF assegura a mantença do
poder aquisitivo do salário mínimo no artigo 7°, inciso IV, com reajustes periódicos,
191
192
BONAVIDES. Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 339-40.
Ibidem, p. 341.
76
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
O Governo Federal, deveria manter um salário mínimo digno. Ocorre que é
responsabilidade do Estado garantir o bem estar social, razão pela qual, uma das
alternativas
utilizadas,
ficaria
a
cabo
da
autonomia
privada
coletiva,
que
conscientemente e dentro dos limites financeiros da iniciativa privada, descobre uma
forma legítima de tornar os salários dos trabalhadores mais próximo do ideal
constitucional, que acima de tudo, exterioriza uma necessidade fundamental.
Para Macio Ribeiro do Valle,
não há como se duvidar da importância do ajuste coletivo para uma melhor
harmonização entre capital e o trabalho e mesmo o alcance da paz social, por
meio de melhores condições de vida para o trabalhador e de maior
produtividade para a empresa. A lei, por si, embora, repita-se se lhe deva
reservar a fixação de direitos mínimos, [...].193
Sob outro ângulo, agora mais amplo, partindo-se do princípio de que as
convenções coletivas alicerçam-se na autonomia privada, pode-se afirmar que a mesma
está constitucionalmente protegida ou tutelada.
Steinmetz identifica na Constituição Federal brasileira de 1988, fundamentos a
tutela constitucional da autonomia privada, referindo-se aos direitos de liberdade (CF,
art. 5°, caput), o princípio de livre iniciativa (CF, art. 1°, IV e art. 170, caput), o direito
ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5°, XIII), o direito
de propriedade (CF, art. 5°, caput e XXII), o direito de herança (CF, art. 5°, XXX), o
direito de convenção ou de acordo coletivo (CF, art. 7°, XXVI), o princípio da proteção
da família, do casamento e da união estável (CF, art. 226, caput, § de 1° a 4°),
concluindo o autor: “[...] e cuja conclusão é o poder geral de autodeterminação e
autovinculação das pessoas tutelado pela Constituição.194
Traz à baila outras premissas desse silogismo dizendo,
Se todos esses princípios e direitos constitucionais mencionados contêm um
conteúdo básico de autodeterminação e autovinculação da pessoa, então a
autonomia privada – que é um poder geral de autodeterminação e de
autovinculação – também é constitucionalmente protegida ou tutelada.
193
194
VALLE, Márcio Ribeiro do. Conteúdo normativo e obrigacional do ajuste coletivo. A negociação coletiva
como fator de restrição ao poder normativo. In: VIDOTTI, Tárcio José (Org.). Direito coletivo do trabalho
em uma Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: LTr, 2003. p. 335.
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 200.
77
Dizendo, ainda, de outro modo, a tutela constitucional da autonomia privada
deflui desses princípios e direitos expressos no texto constitucional.195
Mesmo autor, traz ainda, outros dois argumentos para a mesma conclusão, quais
sejam: a) o direito de propriedade; b) o princípio da livre iniciativa. Concluindo
respectivamente: a) o exercício do direito de propriedade exige o instituto do contrato,
se o instituto do contrato tem por princípio fundamental a autonomia privada e se a
Constituição protege o direito de propriedade, então a Constituição protege a autonomia
privada; b)ao eleger a livre iniciativa como princípio constitucional fundamental, a
Constituição também tutelou a autonomia privada.
Pode-se afirmar que a autonomia privada é um bem constitucionalmente
protegido.
Relevante salientar sobre a possibilidade de colisão entre direitos fundamentais,
mais especificamente entre direto fundamental e autonomia privada.
196
Há de considerar-se, ainda, a natureza da autonomia privada coletiva, que
destaca-se no tempo e no espaço em razão de uma necessidade de interesses e idéias das
comunidades particulares. 197
Muito embora, não devam ser utilizadas como sinônimos, as expressões
autonomia privada e autonomia privada coletiva, sem dúvida demonstram que o
pluralismo jurídico, acaba por conquistar o prestígio sobre o monismo jurídico. 198
195
196
197
198
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
p. 200-01.
Vide hipótese fundamental da teoria da eficácia imediata em STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos
particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 200 e ss. Reporta-se aos casos da
análise da jurisprudência da Corte Constitucional alemã, cf. Gilmar Ferreira Mendes, p. 39 e decisão do
Tribunal Federal do Trabalho, de 3 de dezembro de 1954, citada por Ernst Forsthoff, em notas de rodapé ns.
60 e 61, p. 166.
Para RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do direito do
trabalho para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 94-5. “O fundamento histórico do
desenvolvimento na teoria da autonomia privada coletiva é a reorganização do direito do trabalho no âmbito
do direito privado, após a experiência corporativista fracassada na Itália. [...] A teoria da autonomia privada
coletiva serve como fundamento da atividade sindical privada em contraposição à atividade desenvolvida no
âmbito de direito público onde se localiza até o final da Segunda Grande Guerra. Politicamente, o exercício
da autonomia coletiva se contrapõe à atividade normativa estatal autoritária; os sindicatos deixam de ser
instrumentos de poder público para serem associações de direito privado. Isso significa que agora estão
livres para firmar contratos coletivos. Estes, por sua vez, não têm mais caráter de normas públicas, mas
encontram-se localizadas no direito privado. Finalmente, são os interesses de grupos, interesses particulares,
e não gerais.”
“Dessa maneira, apresenta-se o pluralismo como teoria política de fundo da doutrina da autonomia privada
coletiva.” (Ibidem, p. 95).
78
A mudança do sistema monista, para o sistema do pluralismo jurídico, vem de
encontro com os propósitos de um Estado Democrático de Direito. Aos poucos afasta o
poder do Estado, reconhecendo-lhe o poder para o Estado atingir os propósitos da
sociedade. 199
Carmen Camino questiona:
Ainda a propósito da corrente pluralista, há divergência, quanto a
constituírem fontes formais, o contrato individual de trabalho e o regulamento
de empresa. Há quem sustente a impossibilidade de se emprestar a tais
institutos o status de fonte formal de Direito (concepção tradicional). Isso
porque o contrato individual de trabalho consubstancia direito subjetivo, do
qual sustentam apenas relações jurídicas e não normas objetivamente
consideradas. Coerentemente afasta-se, também, a possibilidade do
regulamento de empresa constituir fonte formal de Direito. Entre os
doutrinadores brasileiros que adotam a concepção tradicional, estão Délio
Maranhão e José Martins Catharino. Em oposição, Octavio Bueno Magano,
[...] Acompanha-o Evaristo de Morais Filho, quanto ao regulamento de
empresa, embora com restrições ao contrato de trabalho. 200
5.2 DESREGULAMENTAÇÃO OU FLEXIBILIZAÇÃO: FORMAS DE GARANTIR
OU EXTINGUIR OS DIREITOS SOCIAIS?
Na visão do economista José Pastore a flexibilização é um Contrato Coletivo por
via Democrática. Refere-se a Nova Zelândia que, em 1991, através do Congresso
Nacional, reformou amplamente o seu sistema de relações do trabalho ao aprovar a “Lei
da Contratação do Emprego”.201
Referida Lei, expressa uma visão revolucionária, forte o bastante para enfrentar a
competição galopante que toma conta da economia mundial. Diz Pastore que as
principais inovações foram as seguintes:
1)
Os empregados das empresas ganharam o direito de se associar, ou não, a
outros empregados para defender os seus interesses no local de trabalho, o que abriu a
porta para contratos individuais;
199
200
201
“Não é um simples poder dar-se normas, entendido como liberdade, mas sim uma potestas, um poder com
conotação política. Esse poder cria um ordenamento jurídico privado, um ordenamento subordinado e
reconhecido pelo Estado.” (Ibidem, p. 86).
CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 68-9.
PASTORE, José. Contrato coletivo por via democrática. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 55, p. 121-22,
jan. 1994.
79
2)
Os empregadores passaram a ser obrigados a reconhecer os agentes e a via
de negociação escolhidos pelos empregados;
3)
Em todos os contratos, individuais ou coletivos, passou a ser compulsório
o estabelecimento dos procedimentos
voluntários de resolução dos conflitos
econômicos, ficando para os tribunais apenas os conflitos de direito.
Comenta, finalmente que “Para uma sociedade onde a sindicalização era
obrigatória, a arbitragem compulsória e a negociação altamente concentrada, esta
guinada em direção à liberdade, voluntarismo e descentralização foi espetacular”.202
Ubiracy Torres Cuóco em seu artigo Contrato Coletivo e sua utilização no Brasil,
apresenta afinal conclusões sobre a temática, onde uma delas refere-se ao Contrato
Coletivo “como forma nova (para os brasileiros) de flexibilização do direito, o contrato
coletivo tende a se generalizar;” 203
Márcio Flávio Salem Vidigal afirma:
As convenções e acordos coletivos do trabalho no ordenamento
jurídico brasileiro devem atender aos princípios constitucionais de sustentação
ao primado do trabalho e à melhoria das condições sociais do trabalhador e,
por isso, qualquer disposição normativa criada em sede de produção legislação
privada (acordos ou convenções) não poderá afastar-se deste princípio do
Estado Constitucional de Direito, não podendo colocar-se em antagonismo aos
referidos princípios. O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho inserido no art. 7°, inciso XXVI, da Constituição Federal não permite,
absolutamente, a adoção indiscriminada de cláusulas normativas contrárias às
garantias mínimas do trabalhador, estejam estas localizadas na própria Lei
Maior ou sediadas na esfera infraconstitucional.. 204
O autor destaca em seu artigo que, a flexibilização deve ser entendida como
“exceção”, devendo somente ser utilizada quando autorizada pela texto constitucional ,
o que ocorre por meio das expressões “salvo” e “facultada” nas hipóteses específicas
dos incisos VI, XIII e XIV do art. 7°, da CF.
202
203
204
Justifica Pastore que, as causas para a necessidade das respectivas mudanças deram-se por conta da
competição e da necessidade de ampliar o emprego. Situação bastante similar a do Brasil, e que acabou por
inspirar o autor a fazer tal comparação. Lembrando-se ainda que, “os sindicatos a se concentrarem nos
problemas das empresas e seus respectivos empregados – e não em temas nacionais que tinham pouco a ver
com as necessidades do microcosmo empresarial que, afinal, é quem garante a produção e o emprego
(Ibidem, p. 122).
CUÓCO, Ubiracy Torres. Contrato coletivo e sua utilização no Brasil. Revista LTr, São Paulo, n. 59, p. 923,
jul. de 1995. Mister, referir-se que o autor faz distinção entre o contrato coletivo e a convenção coletiva, e
sustenta sua existência na Lei n. 8.542/92, artigo 1°, entretanto, referida lei foi revogada, conforme
mencionado no Capítulo I, item 4.2, Terceiro Caso, pela Lei n. 10.192/01, art. 18.
VIDIGAL, Márcio Flávio Salem. Limites à flexibilização na convenção coletiva e nos acordos coletivos no
ordenamento jurídico brasileiro. Revista TRT – 3ª R., Belo Horizonte, v. 54, n. 25, p. 219-24, jul. 1994/jul.
1995.
80
Ainda, por oportuno, ressalva-se que o art. 7° situado no Capítulo “Dos Direitos
Sociais”, está inserido no Título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” e
mesmo assim o próprio texto constitucional abre espaço para a flexibilização dos
direitos sociais.
Há que se fazer, relevante distinção entre flexibilização e desregulamentação do
Direito do Trabalho.
No entender de Arnaldo Süssekind 205,
a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram
uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A
desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que
a autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições de trabalho e
os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização
pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo
das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade.
Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis
ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação.
Amauri Mascaro Nascimento 206 enuncia que, o ordenamento jurídico brasileiro
“inicia um novo período no qual terá que rever os seus padrões anteriores e refazer, em
outras bases, a sua legislação, fase na qual terá que combinar a função tutelar do Direito
do Trabalho com a função ordenadora dos interesses recíprocos dos parceiros sociais”.
Relevante salientar que, independentemente da forma de flexibilização a ser
adotada pelo Brasil, mister, garanta-se um mínimo de direitos através da tutela estatal. 207
205
206
207
SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2001. v. 1, p. 20910.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Tendências de flexibilização das normas regulamentadoras das relações
de trabalho no Brasil. Revista LTr, São Paulo, n. 59, p. 1023, nov. de 1995.
GIGLIO, Wagner D. O sindicalismo diante da crise. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 235, p. 7-17, jul.
2003. Nesse artigo, o autor, após determinar os fatores determinantes para a situação atual, elegendo três de maior
relevância, quais sejam: as transformações políticas, a globalização da economia e a revolução tecnológica, salienta a
influência do capitalismo e a distorção da legislação protecionista do ser humano trabalhador. Destaque à sua fala:
“Sem oposição, sem freios ou controles, sentiram-se os países capitalistas livres para impor, na prática, sua ideologia
de crescimento econômico a qualquer custo, como se o homem estivesse a serviço da Economia. A filosofia que
fundamenta o Direito do Trabalho foi profundamente contestada, passando a se entender que a legislação
protecionista do ser humano trabalhador constituía um empecilho, um entrave ou obstáculo ao desenvolvimento
nacional. Aí se encontra a raiz dos movimentos chamados de “desregulação” ou desregulamentação, cujas
expressões mais divulgadas são a terceirização e a flexibilização. A terceirização não passa de um eufemismo para a
velha “marchandage”, ou seja, a comercialização da força de trabalho como mercadoria; e a segunda expressão mal
disfarça o refluxo no sentido de anular a legislação do trabalho, no intuito de diminuir a proteção do trabalhador
contra os abusos e excessos impostos pelos empresários, em nome de um melhor rendimento do trabalho.” De forma
oposta pronuncia-se Jorge Luiz Souto Maior, mesmo relativizando a precariedade da legislação pertinente, diz:”O
manuseio dos fundamentos, princípios e normas do Direito do Trabalho, sob uma perspectiva humanista, permite
que se mantenha a vocação protetiva deste ramo do direito mesmo diante de novos e cada vez mais criativos
modelos de produção que se criam para atender apenas aos reclamos da economia, dos empresários e de todos nós,
vorazes consumidores.” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. A terceirização sob uma perspectiva humanista. Revista Justiça
do Trabalho, Porto Alegre, n. 249, p. 26-36, set. de 2004).
81
Sem parecer repetitivo, e para maior clareza dos pensamentos, arrolam-se três
possíveis posições conclusivas a saber: a) desregulamentação, sem o mínimo de tutela
estatal, coloca os trabalhadores numa situação vulnerável e bastante delicada,
considerando-se que o mercado é competitivo e excludente; b) flexibilização das normas
asseguradas por lei, acarretaria um limite à autonomia privada coletiva, assegurando um
núcleo mínimo de direitos aos trabalhadores e, c) autonomia privada coletiva
concomitantemente aos princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal
e normas infraconstitucionais, harmonicamente sendo desenvolvidas, visando o interesse
prático das partes.
Joe Ernando Deszuta, entretanto, traz uma visão mais ampla acerca da Teoria
Garantista construída nas seguintes bases: o Positivismo Jurídico, não apenas formalista
ou clássico, como orientação teórica; o Constitucionalismo como um novo paradigma
do Direito para o estabelecimento de uma normatividade superior – A Constituição –
suprema, vinculante de todos os poderes públicos e privados, como limites formais e
substanciais para a produção normativa; os Direitos Fundamentais como limites
materiais a todos os Poderes; uma matriz liberal identificada com a busca da plena
liberdade (prestações negativas) e com o comprometimento social para a implementação
dos Direitos Sociais (prestações positivas), mas que não estende o garantismo ao direito
de propriedade e às liberdades econômicas; a centralidade da pessoa humana como
categoria prevalente da Sociedade e da Organização Estatal. Feitas as considerações
sobre a linha de pesquisa do autor referido, o mesmo demonstra um discurso
preocupante e questionável acerca do Direito do Trabalho Mínimo ou um Mínimo de
Direito do Trabalho?, quando questiona,
é necessário, também, o estabelecimento de distinção para o que tem sido
objeto de alguma confusão entre flexibilização, desregulamentação e
globalização, na busca de um Estado mínimo (agora também de um Direito
mínimo) e um mercado máximo, sinalizando para um retorno à barbárie e ao
que se tem denominado de neofeudalismo. 208 Trata-se de um discurso cínico
que promete a inclusão – desregulamentar para incluir!!?? – mas que na
verdade promove a desagregação e a exclusão social, com absoluto desprezo
aos Direitos Sociais e conseqüentemente, à Dignidade da Pessoa Humana e à
Igualdade como princípios e valores de uma sociedade. 209
208
209
FARIA apud DESZUTA, Joe Ernando. Um direito do trabalho mínimo ou um mínimo de direito do
trabalho? bases para um novo direito do trabalho. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 255, p. 41-2,
mar. de 2005.
FARIA apud DESZUTA, loc. cit.
82
Por óbvio que, quando se fala em desregulamentação de direitos, se estaria
partindo do pressuposto da existência da lei, em seus diversos graus hierárquicos.
Entretanto, como entre nós predomina o sistema pluralista legiferante, não seria
prudente, ignorar os centros de positivação das normas regulamentadoras dos direitos
sociais. Pois quando se fala em desregulamentar, vêm à mente a idéia de destruir e por
conseqüência, substituir por algo diferente. 210
José Carlos Arouca doutrina por uma situação presente, bastante delicada e
comprometedora dos direitos e garantias fundamentais, principalmente da classe
trabalhadora.
Na visão do jurista a globalização, o neoliberalismo estão intimamente ligados ao
capitalismo que representa um sério risco aos direitos e garantias fundamentais da classe
operária. Vale-se das palavras de José Martins Catharino, “tem o neoliberalismo como
figurino que, todavia, não passa de liberalismo. Para o mestre baiano, segundo as idéias
neoliberais a pretensão inverte a natureza protecionista do direito do trabalho, para
beneficiar a empresa, à empresa capitalista”.211 212
Benedito Calheiros Bomfim apud José Carlos Arouca afirma,
a globalização nada mais é que o velho liberalismo, que a pátria do tempo
parecia haver relegado à história, apresentado sob nova roupagem e
características modernas [...] A filosofia do neoliberalismo é a da minimização
ou eliminação da intervenção do Estado na economia e nos conflitos sociais, a
restauração do contratualismo do século XIX, a prevalência da negociação
entre as partes, a irrestrita liberdade de comércio internacional, a inteira
abertura do mercado aos produtos estrangeiros. O liberalismo,
desconsiderando a ética e a moral, reduz o homem e as relações de trabalho a
valores materiais pecuniários. Sua natureza mercantilista, despida de ética, vê
as pessoas como mercadorias, peças descartáveis. È um sistema desumano,
210
211
212
RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do direito do trabalho
para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 103. O pluralismo jurídico como meio de
preservação do ordenamento jurídico.
AROUCA, José Carlos. O sindicato em um mundo globalizado. São Paulo: LTr, 2003, p. 392. Ver também
AROUCA, José Carlos. Flexibilização normativa no direito do trabalho constituído. Repertório IOB de
Jurisprudência, São Paulo, n. 16/96, p. 284, ago. de 1996.
“O liberalismo tinha como postulado a liberdade contratual, competindo aos contratantes, livremente,
estipularem as regras e condições a serem observadas, sem que fosse admitida a intervenção de terceiros,
inclusive do Estado. E isto se dava, também, é claro, na contratação da mão-de-obra. Luciano Athayde
Chaves anota que “sob o império do liberalismo, as fábricas se faziam aos olhos do antigos mestres artesãos,
como a escravidão do trabalho”. Em seu apoio cita David Landes: “ As fábricas pareciam prisões aos olhos
do pessoal da velha guarda (artesãos e mestres das corporações de ofício). Onde foi, então, que os primeiros
donos de fábrica encontraram sua força de trabalho? Onde mais senão entre aqueles que não podiam dizer
“não”? Na Inglaterra, isso significou crianças, recrutadas compulsoriamente (compradas), com freqüência
em asilos de indigentes, e mulheres, em especial as jovens solteiras”. AROUCA, José Carlos. O sindicato
em um mundo globalizado. São Paulo: LTr, 2003. p. 393. Ver também AROUCA, José Carlos. Trabalho,
cidadania e estado: uma visão crítica sobre o liberalismo contemporâneo. Trabalho e Doutrina, n. 24, p.
134, mar. 2000.
83
selvagem, em que a miséria da maioria alimenta a opulência de uma minoria
privilegiada.
E
citando Moacyr Werneck de Castro, prossegue,
neoliberalismo [...] é a expressão do velho liberalismo em nossa época, a
substituição do sonho de um Estado de bem-estar pelo jogo do mercado, um
jogo que se diz livre, mas onde predomina um capital internacional cada vez
mais ganancioso e assustador pela sua extrema mobilidade (JORNAL DO
BRASIL, 1° de abr. de 1977).
Calheiros vai além e diz, “esse modelo tem levado os Estados não pertencentes ao
primeiro mundo à recessão, a privatizações predatórias de empregos, com a conseqüente
desnacionalização de seus parques industriais, humilhação da soberania nacional,
redução dos direitos sociais, flexibilização e desregulamentação dos direitos
trabalhistas”.
Finalmente, valendo-se de um dos principais teóricos do capitalismo brasileiro,
em grande parte responsável pela economia do regime militar, Delfim Neto argumenta
que:
A postura dogmática de alguns economista com relação ao nível de
emprego e à distribuição de renda produzidos pelo funcionamento do mercado
é preocupante. Aceitam como um mal ‘natural’ todas as misérias produzidas
pela redução do ritmo de crescimento da economia. Atribuem, com maior
‘naturalidade’ ainda, o desemprego apavorante que nos assola às dores do
parto que precedem o nascimento da economia brasileira para o mundo
globalizado. Ignoram que a política econômica adotada nos últimos nove anos
não nos levou à globalização: estamos sendo simplesmente metabilizados pelo
sistema econômico mundial. [...]
Em outro escrito, diz Calheiros, referindo-se às conseqüências de nossa política
cambial e monetária, admitiu que “as empresas nacionais foram dizimadas” (Folha de
São Paulo, 14 de jul. e 04 de ago. de 1999)”. 213
Percebe-se que gama expressiva na doutrina reconhece à autonomia privada das
normas coletivas, forma avassaladora de exterminar com os direitos sociais, ainda mais,
sabendo-se dos projetos de leis que visam alterações214 constitucionais, em trâmite no
Congresso Nacional, afastando-se óbices técnicos e processuais à sua implantação.
213
214
AROUCA, José Carlos. O sindicato em um mundo globalizado. São Paulo: LTr, 2003, p. 393-94. Vide
também, AROUCA, José Carlos. globalização, reformas e desemprego, Trabalho e Doutrina, n. 23, p. 8 et
seq., dez. de 1999.
“Modificações propostas. Para alcançar esses objetivos, o Ministério do Trabalho está propondo um
conjunto de reformas. A primeira é uma Proposta de Reforma Constitucional, modificando-se os Artigos 8°
e 114 da Constituição. O objetivo é fortalecer os sindicatos, rompendo o monopólio de representação
sindical para democratizar a representação dos trabalhadores, eliminar a contribuição compulsória e
84
Evaristo de Morais Filho ressalta, “quem primeiro pensou em desregulamentação,
nos primórdios do regime de exceção foi Roberto Campos, que idealizou o regime do
FGTS
215
para substituir a estabilidade no emprego e a indenização de antiguidade.
Atendia, assim, tardiamente, as exigências dos investidores estrangeiros, que desde o
Governo Dutra, pediam a extinção do direito de manter o emprego”. 216
Ainda, na fala de José Carlos Arouca, “a desregulamentação da legislação de
proteção ao trabalho segue paralelamente ao afastamento do Estado das relações de vida
e abandono de seu papel tradicional de regulador do equilíbrio necessário do capital,
contendo sua expansão desenfreada e dando-lhe função social”. 217
Acompanhando a fala, Luiz Carlos Amorim Robortella quando afirma,“o trabalho
subordinado deve ser abandonado”.
218
Conclui Arouca dizendo:
A desregulamentação num sistema democrático que mantém ativa a
oposição, inclusive ideológica, mesmo alinhada aos princípios neoliberais, não
se atreve a promover de pronto a ruptura com o direito social, comprometendo
todo o arcabouço protecionista, já enraizado na tradição do país, além de
representar conquistas preciosas e não simplesmente dádivas de governos
populistas. Mas não disfarça a volúpia reformista, querendo a um só tempo
flexibilizar direitos individuais e coletivos fundados basicamente na
estruturação sindical. Vê-se, assim, que não possui relevância a preocupação
da doutrina em distinguir o que é flexibilização do que possa ser
desregulamentação. Mas não deixa de assumir natureza desregulamentadora a
redução pouco a pouco dos meios de proteção social. 219
Diante do exposto, observa-se que a autonomia privada coletiva por si só não
representa meio de extinção dos direitos e garantias sociais. O que deve ser levado em
conta é quem são os titulares do direito coletivo, bem como seus destinatários. Nessa
linha de raciocínio, conclui-se que as normas serão ditadas, em negociação coletiva,
prevalecendo por óbvio a vontade do mais forte, no caso, os empresários, o capital, pois
215
216
217
218
219
estabelecer o ritmo e a natureza da transição para um sistema de mais negociação e menos poder estatutário.
A nova organização sindical deve oferecer alternativas de representação aos trabalhadores, modificar e
democratizar as suas formas de financiamento, aumentando, assim, a eficácia da ação do sindicato. Propõese, ainda, a eliminação do poder normativo da Justiça do Trabalho que teria, desta forma, sua atuação
restrita aos conflitos de direito” (AROUCA, José Carlos. O sindicato em um mundo globalizado. São Paulo:
LTr, 2003. p. 402).
BRASIL. Lei n. 5.107/66.
MORAIS FILHO, Evaristo de. O direito e a ordem democrática. São Paulo: LTr, 1998, p. 48. Referido
também na obra de AROUCA, op. cit., p. 397-98.
AROUCA, op. cit., p. 398.
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1994. p. 48.
AROUCA, op. cit., p. 407-08.
85
ao simples fato de não aceitarem as reivindicações da classe operária, pode-se
vislumbrar o lado em que a corda se romperá.
Não se trata de uma relação da sociedade com o Estado, pura e simplesmente,
mas de uma relação entre particulares que defendem interesses antagônicos, sob o alvitre
do Estado.
5.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO LIMITES ÀS CONVENÇÕES E
ACORDOS COLETIVOS, UMA VEZ AUTORIZADOS PELA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
Em verdade, quando fala-se em direitos fundamentais como limites às
convenções coletivas, também poder-se-ia estar analisando os limites à flexibilização na
convenção coletiva. Pois também é correto afirmar que os próprios direitos
fundamentais estariam sob a mira de uma flexibilização, como demonstrado no Capítulo
II, item 5.2.
Na lição de Norberto Bobbio 220, também referido por Gschwendtner,221 sem
direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não
existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.
Gschwendtner observa que:
Hodiernamente os direitos fundamentais estão sendo deslocados da
dogmática jurídico-constitucional para as chamadas teorias da justiça, para as
teorias sociais e para as teorias econômicas do direito, talvez devido à
propalada crise da constituição e das teorias de direitos fundamentais; razão
pela qual, se faz necessário que a dogmática e a prática dos direitos
fundamentais regressem ao espaço jurídico-constitucional, em face da
chamada estabilidade pura preconizada pelo modelo de Constituição do
Estado, onde os direitos fundamentais são reconhecidos, consagrados e
garantidos pelo ESTADO. 222
Ainda, Gschwendtner afirma que os Direitos Fundamentais são colocados no
mais alto degrau das fontes dos direitos: as normas constitucionais.
220
221
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus,
1992. p. 34.
GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, v. 5, n. 51, p. 3, out. 2001.
Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?=2075> Acesso em: 27 jun. 2006.
86
Assim, num primeiro momento, os Direitos Fundamentais, sob a guisa de normas
constitucionais, não deveriam ser flexibilizados. Exatamente para assegurar e garantir o
exercício dos direitos fundamentais, através das convenções coletivas, não permitindo
que as mesmas, sob o escopo da autonomia privada coletiva, distanciem direitos aos
trabalhadores.
Cita-se um exemplo, pinçado na Constituição Federal por Washington Luiz da
Trindade, quando da análise dos artigos 8°, da CF e 617, § 1°, da CLT, e art. 7°, inciso
XIV, da CF, o mesmo assevera a aceitação da derrogabilidade do texto fundamental
frente à negociação coletiva dos interessados, quando inscreveu, nas alturas de norma
constitucional, a jornada de seis horas. 223
Melchíades Rodrigues Martins – em artigo escrito sobre, projeto de lei que
modifica o artigo 618 da CLT e que trata da prevalência do negociado sobre o legislado
– destaca aspectos relevantes sobre a matéria, principalmente sobre os limites
constitucionais do negociado sobre o legislado.
Conceitua inconstitucionalidade e aponta a inconstitucionalidade dos dispositivos
contidos no projeto de lei.
Cita Carmem Lúcia Antunes Rocha que diz:
A constitucionalidade é a medida de todas as normas. O padrão de
validade jurídica das normas que compõem o sistema de Direito é a
Constituição. A sua qualidade paramétrica deriva, em parte, de sua
fundamentalidade, entendida aqui como o ponto de modelação e sustentação
de todo o sistema normativo e como origem de todas as normas, e, em parte,
de sua supremacia, inteligida como a primariedade e a superioridade material e
formal que ela ostenta. Como Lei Fundamental e Suprema, a Constituição é a
única e superior vertente de validade de todas as normas, as quais somente têm
existência plena se compatíveis e conforme a ela. 224
222
223
224
GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, v. 5, n. 51, p. 5, out. 2001.
Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?=2075> Acesso em: 27 jun. 2006.
TRINDADE, Washington Luiz da. O direito e o avesso nos contratos coletivos de trabalho. Revista do
Direito Trabalhista, Brasília, n. 5, p. 67-8, maio 1995.
MARTINS, Melchíades Rodrigues. Projeto de Lei que modifica o art. 618 da CLT e que trata da prevalência
do negociado sobre o legislado: limites constitucionais. Revista do TRT da 15ª Região, n. 17, p. 65-78, dez.
2001, Ver nota n. 3, ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Constituição e constitucionalidade. Belo Horizonte:
Lê, 1991. p. 98.
87
Ainda, evidencia a lição de Lenio Luiz Streck:
A Constituição é um espaço garantidor das relações democráticas
entre o Estado e a Sociedade. [...] Constituição significa constituir alguma
coisa; é fazer um pacto, um contrato, no qual toda a sociedade é co-produtora.
Desse modo, violar a Constituição ou deixar de cumpri-la é o descumprir essa
constituição do contrato social. Isso porque a Constituição – em especial a que
estabelece o Estado Democrático de Direito, oriundo de um processo
constituinte originário, após a ruptura com o regime não-constitucional
autoritário, no contexto de que o contrato social é a metáfora na qual se
fundou a racionalidade social e política da modernidade, vem a ser explicação
desse contrato social. 225
Outrossim, Melchíades conclui:
Assim, as normas constitucionais que regem os direitos sociais
fazem parte do pacto, do contrato da qual toda a sociedade é co-produtora e,
como não poderia deixar de ser, elas dão sustentação aos direitos dos
trabalhadores, que é a base de uma convivência social saudável entre os
diversos atores sociais, tanto que os aludidos direitos inserem-se no Título II,
da Carta Magna, que tratam dos direitos e garantias fundamentais (arts. 5° a
17).226
A Constituição representa o manancial dos direitos e garantias dos trabalhadores,
fruto de inúmeras e árduas conquistas dos mesmos, não podendo a lei ou qualquer outro
centro de positivação ignorar seus postulados, salvo quando para criar novas condições
de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores, respeitados os limites permitidos para
a negociação coletiva.
Ao afirmar que a Constituição representa uma unidade e que tem por corolários
os direitos e garantias fundamentais, o sentido emprestado ao caput do art. 7°, qual seja,
que são direitos dos trabalhadores, além daqueles assegurados nos incisos do
mencionado artigo, outros que visem à melhoria de sua condição de vida, não poderiam
ser desrespeitados. Diz Melchíades 227 que, “o raciocínio exposto ganha mais força
quando se constata que os limites para negociação já ficaram previstos na Carta Magna
para aqueles direitos que são revestidos da mais alta importância para os trabalhadores,
no caso, a redução de salário, jornada de trabalho e turnos ininterruptos de
revezamento”.
225
226
227
MARTINS op. cit., p. 67. Vide nota n. 5. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (em) crise: uma
exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 214.
MARTINS, loc. cit.
MARTINS op. cit., p. 67. Vide nota n. 5. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (em) crise: uma
exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 214. p. 67.
Vide nota n. 5. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (em) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
88
Em contrapartida, observa-se que a Constituição Federal, ao estabelecer limites
para a negociação coletiva, verbi gratia, quando refere-se à salários, não explicita o
quanto é possível flexibilizar. No artigo 7°, inciso VI, da CF, disciplina:
“irredutibilidade do salário, salvo o disposto em acordo ou convenção coletiva”, porém
não explicita um limite para essa redução, transferindo para a autonomia privada
coletiva essa missão, a priori, finalisticamente constitucional.
A Constituição Federal ao transferir para a autonomia privada coletiva, a solução
de conflitos coletivos de natureza econômica, enfraquece suas próprias normas
constitucionais, abdicando de seu papel garantista.
No artigo 7°, inciso XIII, da CF, disciplina: “duração do trabalho normal não
superior à oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de
horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva”, quando
existem regimes compensatórios convencionados que desrespeitam o limite previsto no
artigo 59, § 2°, da CLT, qual seja: “[...] de maneira que não exceda, no período máximo
de 1 (um) ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja
ultrapassado o limite máximo de 10 (dez) horas diárias. Vide, v.g., regimes 4 x 2 de
trabalho dos vigias, de 12 horas diárias.
E, no artigo7°, inciso XIV, da CF, disciplina, “jornada de seis horas para o
trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”,
se possibilita a negociação, não precisava criar um inciso próprio para os turnos
ininterruptos de revezamento, poderia valer-se da regra geral, que permite contratação
em número inferior ao previsto como limite diário 8 (oito) horas. 228 Destaca-se
fundamento de jurisprudência do TST 229 Mesmo com autorização constitucional para
negociação coletiva, em matéria de turnos ininterruptos de revezamento,
é preciso que esse direito, que não é irrestrito, seja exercido dentro de
princípios e regras que não comprometam a higidez físico-psíquica e
financeira do empregado. O acordo coletivo em exame, conforme retrata o
228
229
A título ilustrativo, reporta-se ao Acórdão prolatado nos autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST
– E-RR-382.825/97.0 – SBDI - I, em que é embargante DARCI JOSÉ MARTINS e embargada
HABITAÇÃO CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA. “ACORDAM os Ministros da
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho,por maioria, vencido o
Exmo. Ministro Rider Nogueira de Brito, conhecer do recurso de embargos quanto ao tema “turnos
ininterruptos de revezamento – jornada superior a 6 horas fixada em acordo coletivo sem contraprestação
remuneratória – inconstitucionalidade da cláusula”, por divergência jurisprudencial e violação do artigo 7°,
XIV, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhes provimento para restabelecer a decisão de primeiro
grau.
Refere-se ao acórdão mencionado na nota de n. 83, supra.
89
acórdão recorrido, prevê jornada de 8 horas para o labor em turno ininterrupto
de revezamento. Com todas as vênias, ineficaz o referido reajuste, na medida
em que
permite a prorrogação do trabalho em turno ininterrupto de 6 para
8 horas, sem contraprestação remuneratória das 7ª e 8ª horas, circunstância
que compromete não apenas a saúde do trabalhador, como também seu ganho.
Recurso de embargos conhecido e provido.230
A matéria é complexa, por isso, oportuna reflexão acerca da doutrina de J.J.
Gomes Canotilho,
a interrogação formulada em quarto lugar aproxima-nos da complexa
problemática do conteúdo e legitimidade de uma constituição e dos limites do
poder constituinte. Adiante será explicitada a seguinte tese: o poder
constituinte, embora se afirme como poder originário, não se exerce num
vácuo histórico-cultural. Ele “não parte do nada” e, por isso, existem certos
princípios – dignidade da pessoa, justiça, liberdade, igualdade – através dos
quais poderemos aferir da bondade ou maldade intrínsecas de uma
constituição.231
Sob nova semântica, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados.
Na lição de José Carlos Vieira de Andrade 232, ficam os direitos sociais sujeitos a três
espécies de limitações: “as imanentes, as derivadas de conflito e as resultantes de
intervenção normativa”.
As imanentes decorrem da natureza do direito considerado e das fronteiras
estabelecidas pela própria Constituição ao criá-lo ou recebe-lo. Referidas limitações são
expressas, quando formuladas claramente no texto constitucional, ou implícitas, quando
decorrentes da interpretação deste. 233 Cite-se, verbi gratia, a proibição ao trabalho, de
menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz.234 Caso de limite
implícito, vislumbra-se ao assegurar que são direitos de todos os trabalhadores urbanos e
rurais, aviso prévio de no mínimo 30 (trinta) dias, não sendo verdadeira a recíproca para
230
231
232
233
234
“E isso porque o princípio da liberdade contratual não pode ter o alcance de derrogar todo um sistema legal
imperativo de proteção ao empregado, mormente quando se procura preservar sua higidez físico-mental.”
Acórdão n° TST – E – RR 382.825/97.0 – SBDI – I.
CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.
66.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1987. p. 213 et seq.
Vide comentários de MAGANO, 1993, p. 32.
Vide art. 7°, inciso XXXIII, da CF/88.
90
o caso do empregado que dá o aviso e que se enquadre nas condições do artigo 487, I, da
CLT.235
Os limites derivados de conflitos manifestam-se quando a Constituição protege
simultaneamente dois valores em contradição concreta, de modo que a esfera de
proteção de um deles invade a de outro. Não se trata de solucionar o problema por meio
da ordem hierárquica de valores, e sim de harmonização dos valores em conflito,
comprimindo-se o menos possível cada um deles.
Os limites resultantes de intervenção normativa ocorrem em virtude de um certo
grau de imprecisão e fluidez de que, freqüentemente, se ressentem as normas
constitucionais.236
6 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
O princípio da adequação setorial negociada, trata de saber, em que medida as
normas juscoletivas podem se contrapor às normas jusindividuais imperativas estatais
existentes. Para tanto, Maurício Godinho Delgado frisa dois critérios autorizativos:
a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um
padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação
heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas
transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade
apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). 237
Explica o autor,
no primeiro caso especificado (quando as normas autônomas juscoletivas
implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo
da legislação heterônoma aplicável), as normas autônomas elevam o patamar
setorial de direitos trabalhistas, em comparação com o padrão geral imperativo
existente. Assim o fazendo, não afrontam sequer o princípio da
indisponibilidade de direitos que é inerente ao Direito Individual do
Trabalho. 238
235
236
237
238
Empregado que receber salário efetuado por semana ou tempo inferior.
“Falando do art. 37, II, da Lei Magna, em exercício do direito de greve, essa possibilidade não pode, de
modo algum, ser negada, notadamente em se tratando de direito fundamental, que, nos termos do § 1°, do
art. 5°, da Constituição, tem aplicação imediata. O que fica na dependência de lei complementar são as
restrições que o legislador poderá estabelecer para o seu exercício.” MAGANO, Octávio Bueno; MALLET,
Estêvão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 35-6.
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 158-59.
Ibidem, p. 160.
91
No segundo caso (quando as normas autônomas juscoletivas transacionam
setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa – e
não de indisponibilidade absoluta) o princípio da indisponibilidade de direitos
é realmente afrontado, mas de modo a atingir somente parcelas de
indisponibilidade relativa. Estas assim se qualificam quer pela natureza
própria à parcela mesma (ilustrativamente, modalidade de pagamento salarial,
tipo de jornada pactuada, fornecimento ou não de utilidades e suas
repercussões no contrato, etc.), quer pela existência de expresso permissivo
jurídico heterônomo a seu respeito (por exemplo, montante salarial: art. 7°, VI,
CF/88; ou montante de jornada: art. 7°, XIII e XIV, CF/88). 239
Outros aspectos relevantes são destacados por Delgado, a) são amplas as
possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face
das normas heterônomas imperativas; b) existem limites jurídicos objetivos de limitação
à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista; c) não prevalecem mediante
ato estrito de renúncia, considerando-se que devem promover transação (despojamento
bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos); d) não
prevalecem quando ultrapassarem os limites da indisponibilidade absoluta, sendo que
tais normas têm como papel tutelar o interesse público, por constituir um patamar
civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer
segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da
pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1°, III e 170, CF/88).
Verbi gratia, podemos citar a anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social, o
pagamento do salário mínimo, as normas de medicina e segurança do trabalho. 240
No Brasil, podemos identificar três níveis de fontes normativas que proíbem
absolutamente a quebra das garantias mínimas, firmadas no ordenamento jurídico. São
elas: normas constitucionais (por exemplo: art. 7°, incisos VI – irredutibilidade salarial,
XIII – limite à jornada de trabalho e XIV – jornada de seis horas para os turnos
ininterruptos de revezamento), normas de tratados e convenções internacionais (art. 5° §
2°, CF/88), e as normas legais infraconstitucionais (dispositivos antidiscriminatórios,
normas de identificação profissional, normas salariais mínimas e normas relativas à
saúde e segurança no trabalho).
6.1 NORMAS COLETIVAS AQUÉM E ALÉM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
239
DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 160.
92
A priori, neste item tenta-se demonstrar cláusulas de convenções coletivas que
desrespeitem as regras mínimas, mesmo que as mesmas sejam posteriormente declaradas
nulas pelos Tribunais,
ou no caso de
válidas, referirem-se às normas de
indisponibilidade relativas (referidas no item anterior).
O que se pretende demonstrar é que referidas cláusulas, efetivamente passam pelo
crivo de uma negociação coletiva, e expressam a vontade da maioria, principalmente
quando representam a mantença de outros direitos em prol da flexibilização de
conquistas anteriormente consagradas.
Mônica Sette Lopes, bem lembra,
por outro lado, se não é possível alcançar as típicas relações jurídicas de
direito público no rol dos pontos negociáveis, também não será viável fixar
diretrizes coletivas aquém dos conteúdos mínimos da Constituição, entre estes
não abrangidos os pontos em que ela definiu expressamente a possibilidade de
livre atração pela norma coletiva. A noção de conteúdo mínimo não é contudo
unívoca e pode ser que a negociação estabeleça padrões de prestação e
contraprestação que, em sua substância, constituam opção mais vantajosa para
os empregados como linha de tutela e segurança. 241
A título de exemplo, passa-se a demonstrar algumas normas convencionadas, que
não
atendem
o
regramento
mínimo
estipulado
na
norma
constitucional
ou
infraconstitucional, como segue:
a) Férias de no máximo 18 dias para os empregados que trabalhem em regime de
jornada de trabalho parcial, vide art. 58 – A, da CLT e art. 131 – A, da CLT. Ao passo
que a Constituição Federal quando reporta-se ao instituto das férias, por lógica, está a
contemplar o previsto no artigo 129 e ss, da CLT, ou seja no mínimo 30 (trinta) dias,
após 12 (doze) meses de labor contínuo ao mesmo empregador.
b) Intervalos Interjornadas, equivale à 11 horas entre jornadas de trabalho, não
podendo ser inferior ao número de horas destinadas à saúde e segurança do trabalhador.
Transcreve-se cláusula 24ª, § 3°, da convenção coletiva de trabalho 2006 – Sinpro/RS –
Sinepe/RS que altera para 9 (nove) horas o número mínimo entre jornadas, “Parágrafo
terceiro – O intervalo intrajornada poderá exceder intervalo entre o término da jornada
de um dia e o início da jornada deverá contemplar, no mínimo, 09 (nove) horas
consecutivas.”
240
241
DELGADO, loc. cit.
LOPES, Mônica Sette. A convenção coletiva e sua força vinculante. São Paulo: LTr, 1998. p. 284.
93
Segundo Maurício Godinho Delgado, 242
Intervalos Interjornadas: repercussões jurídicas de seu desrespeito – As
normas jurídicas que regulam os intervalos interjornadas também são
imperativas.(Grifo nosso). Por essa razão, seu desrespeito na prática contratual
implica, no mínimo, falta administrativa cometida pelo empregador (art. 75,
CLT) – que detém o controle da organização do trabalho e da prestação de
serviços (e por esta é beneficiada). Além de tal repercussão, outro importante
efeito pode resultar da afronta a essas normas jurídicas, de acordo com o tipo
de intervalo afrontado.
No caso em tela, refere-se o autor da hipótese a) Desrespeito ao Intervalo
Interjornadas, é de caráter imperativo, não sendo do tipo remunerado, porém ressalva
tese contrária,
contudo, seu efetivo cumprimento é de crucial relevância não apenas para a
saúde e segurança do trabalhador, como ainda para permitir razoável
integração pessoal do obreiro no seio de sua família e de sua comunidade mais
ampla. A frustração de tal cumprimento (e dos objetivos desse intervalo) causa
real prejuízo ao obreiro e à própria comunidade em que deveria ser integrado.
Por tais razões, é que em certas situações concretas, em que o sistema de
organização do trabalho já institui um adicional desgaste e isolamento familiar
e social do trabalhador (como o regime de turnos ininterruptos de
revezamento), a jurisprudência já pacificou que “as horas trabalhadas em
seguida ao repouso semanal de vinte e quatro horas, com prejuízo do intervalo
mínimo de onze horas, devem ser remuneradas como extraordinárias, inclusive
com o respectivo adicional” (Enunciado n. 110, TST).
No tocante ao desrespeito ao intervalo mínimo de onze horas, a ordem jurídica
não tem regra clara.
c) Base de cálculo para o adicional de insalubridade: a Constituição Federal em
seu art. 7°, inciso XXIII, garante aos trabalhadores urbanos e rurais, adicional de
remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei, no
entanto muitas categorias firmam cláusulas em convenções coletivas fixando como base
de cálculo, para o adicional de insalubridade, o salário mínimo, em repetição ao
enunciado na lei, art. 192, da CLT. Mormente, vale-se de fundamentação de sentença
prolatada no processo de n. 00357-2006-005-04-00-1, que tramita na 5ª Vara do
Trabalho de Porto Alegre/RS, para demonstrar análise feita pelo juízo, com intuito de
assegurar ao obreiro a tutela de dispositivo constitucional
que consagra direito
fundamental, que ora transcreve-se: “[...] Saliento, por oportuno, que a adoção da
remuneração da autora como base de cálculo encontra justificativa no disposto do artigo
242
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 934-35.
94
7° da Constituição Federal, que, em seu inciso XXIII, trata expressamente de adicional
de remuneração. O dispositivo consagra direito fundamental que diz com a higidez
física e mental do homem trabalhador. Como tal, não pode ser interpretado de modo a
restringir sua abrangência. No particular, observo que a exegese de norma
constitucional, cuja natureza é manifestamente principiológica, deve ser contaminada
pela elementar noção de que nosso Estado Democrático de Direito tem por fundamento a
dignidade da pessoa humana e a valorização social do trabalho. Um exame da norma de
modo comprometido com esses corolários, determina a interpretação mais favorável ao
obreiro. No caso, incide, também, o princípio tuitivo que informa o Direito do Trabalho.
Portanto, entendo que o inciso XXIII do artigo 7° da Constituição Federal, ao fazer
referência ao adicional de remuneração, pretendeu inovar ao quanto dispõe o artigo 192
da CLT. Este dispositivo refere:
Salário mínimo da região como base de cálculo do adicional de
insalubridade. Sua redação foi alterada por Lei de 1977. À época, tal como
agora, havia previsão de que o salário mínimo correspondesse a um montante
capaz de suprir integralmente as necessidades de sobrevivência do homem
trabalhador. Passadas quase três décadas, o valor do salário mínimo representa
cada vez menos o conceito contido no inciso IV do mesmo artigo 7° da
Constituição Federal. Calcular adicional de salário com base no valor
nacionalmente fixado como mínimo implica retirar a eficácia da norma que
prevê o pagamento do adicional de insalubridade, cujo escopo é evidentemente
preventivo e não meramente pecuniário. Em outras palavras, o valor
correspondente a tal adicional deve ser significativo, pena de tornar atrativo o
descumprimento das normas de proteção capazes de elidir eventuais situações
de insalubridade.
d) Regime de compensação de horas que inobserva os limites do artigo 59 § 2°,
da CLT, limita a jornada de trabalho, em regime compensatório, a dez horas diárias.
Transcreve-se Acórdão do Processo: 00673-2003-301-04-00-0 (RO):
EMENTA: REGIME COMPENSATÓRIO DE HORÁRIO.
IRREGULARIDADE. A harmonização dos artigos 59 e 61 da CLT evidencia
que em situação normal o núcleo do direito fundamental assegurado no inciso
XIII do art. 7° da Constituição Federal estará preservado se não excedidas as
dez horas diárias. O sistema de compensação horária, ainda que autorizado por
norma coletiva, é irregular quando desrespeita o limite máximo de horas extras
previsto em lei. 243
243
Processo: 00673-2003-301-04-00-0 (RO), Juiz: José Felipe Ledur, data da publicação: 19/12/2005.
95
A título de exemplo, passa-se a demonstrar algumas normas convencionadas, que
excedem
o
regramento
mínimo
estipulado
na
norma
constitucional
ou
infraconstitucional, como segue:
a) Trabalho com jornada de 40 horas semanais com dispensa aos sábados e
domingos, sem prejuízo do salário.
b) Cláusula 16ª da convenção coletiva de 2004 – SINDEF/RS – SECOVI/RS,
“AVISO PREVIO – ACRÉSCIMO – Os empregados com 45 (quarenta e cinco) ou mais
anos de idade e com 5 (cinco) ou mais anos consecutivos no mesmo condomínio, ao
serem demitidos terão direito a 45 (quarenta e cinco) dias de aviso prévio, desde que
preencham ambos os requisitos”.
c) Hipoteticamente, cláusula “y” da convenção coletiva de 2006 – Sindicato “A”,
“Adicional de 50% sobre as duas primeiras horas e 100% para as subseqüentes”.
d) Hipoteticamente, cláusula “h” da convenção coletiva de 2006 – Sindicato “B”,
“Adicional noturno de 25% calculado sobre a hora diurna”.
6.2 NORMAS COLETIVAS NOS LIMITES DA INDISPONIBILIDADE RELATIVA
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
O princípio da indisponibilidade de direitos é realmente afrontado, mas de modo
a atingir somente parcelas de indisponibilidade relativa, tais como: montante salarial,
art. 7°, VI, da CF/88; ou montante de jornada, art. 7°, XIII e XIV, da CF/88 244.
A Lei 9.601/88 que disciplina o trabalho a prazo determinado, implementada
mediante negociação coletiva, prevê entre outros direitos, o percentual de recolhimento
do FGTS a menor, comparada à legislação que regulamenta o FGTS (Lei n. 8.036/90).
Neste caso, vê-se flagrante desrespeito ao princípio da igualdade, pois possibilita a
existência de contratos de trabalho de diversos empregados com um mesmo empregador,
onde entre eles alguns contratos recolhem 8% de contribuição fundiária e outros 2%
conforme Lei nº 9.601/98.
244
DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 160.
96
Diga-se que referida lei, possui como pré requisito para sua aplicabilidade, que
seja objeto de negociação coletiva entre os interessados da categoria. Detecta-se
flagrante inconstitucionalidade, ferindo Princípio da Igualdade e o respeito à dignidade
da pessoa do trabalhador.
O mesmo ocorre quando a lei prevê férias de no máximo 18 dias para os contratos
de trabalho a tempo parcial, “par time job”, regulamentado pelo artigo 58-A, da CLT
(red. MP 2.164/01).
Quando a legislação ordinária em seu art. 130, da CLT dispõe, “após cada
período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá
direito à férias, na seguinte proporção: I- 30 (trinta) dias corridos, quando não houver
faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes”. Observa-se que o requisito legal para gozar
trinta dias de férias é o período de vigência de 12 (doze) meses de trabalho e não
exceder 5(cinco) faltas no mesmo período aquisitivo. Logo, os contratos de trabalho a
tempo parcial, não teriam em tese, requisito distinto capaz de prescindir a Constituição
Federal e legislação infraconstitucional. Muito embora, criados sob a chancela de
proteção aos trabalhadores contra o desemprego.
Irredutibilidade de salário, salvo acordo ou convenção coletiva, nos termos do
artigo 7°, inciso VI, da CF.245 Observa-se que o permissivo constitucional para reduzir
salários, estaria respaldado em normas infraconstitucionais que somente admitem tal
hipótese, quando fundamentarem-se nos seguintes casos: a) o decorrente de força maior ,
previsto no artigo 503, da CLT, e em que se fala de redução de até 25% do salário; b) o
previsto na Lei nº 4.923/65, admitindo, na hipótese de conjuntura econômica
desfavorável, redução de jornada com conseqüente redução salarial de até 25%; c) o
derivado do artigo 2º da Lei nº 3.207/57, em que se permite a transferência de viajante
de zona de trabalho, com redução de vantagens, assegurada tão-somente a remuneração
mínima equivalente à média dos salários percebidos nos doze meses anteriores à
transferência. 246
245
246
VIDIGAL, Márcio Flávio Salem. Limites à flexibilização na convenção coletiva e nos acordos coletivos no
ordenamento jurídico brasileiro. Revista TRT – 3ª R., Belo Horizonte, v. 54, n. 25, p. 223, jul. 1994/jul.
1995. MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1993. p. 103-04.
MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1993. p. 104.
97
Segundo Chiarelli 247, “parece claro que tais hipóteses de redução salarial,
perfeitamente válidas, quando cotejadas com o artigo 468 da CLT, de que constituíam
exceções, não podem mais prevalecer, à luz da regra de irredutibilidade introduzida na
Constituição”.
Jornada de 6 (seis) horas para os turnos ininterruptos de revezamento, salvo
acordo ou convenção coletiva. Podendo a mesma ser prorrogada para oito horas.
6.3 NORMAS COLETIVAS NOS LIMITES DA INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA
DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Ocorre quando a norma constitucional estabelece direitos e garantias assegurados
em seu patamar mínimo, não sendo possível negociar acerca deles, sob pena de ferir-se o
princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o princípio da igualdade e a
valoração mínima ao trabalho.
Cite-se, verbi gratia, o art. 7°, inciso V, da CF, “piso salarial proporcional à
extensão e à complexidade do trabalho,” Piso Regional instituído pela Lei
Complementar n° 103, de 14 de julho de 2000, e, art. 7°, inciso IV, da CF, “salário
mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, [...]”.
Pode-se inserir nesse contexto, a anotação de CTPS, o pagamento do salário
mínimo, as normas de medicina e segurança do trabalho. 248 Refere-se ainda, à dignidade
da pessoa humana, art. 1°, III, da CF/88 e art. 170, caput, da CF/88 que disciplina sobre
a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.
As estabilidades constitucionais, em regra absolutas, podem sofrer ameaça face
às normas coletivas que, estabelecem a perda do direito estabilitário, pelo decurso de
prazo para sua comunicação ao empregador. São formas indiretas de tentar invalidar as
garantias sociais pertinentes à estabilidade. Tais disposições são consideradas
inconstitucionais pelos Tribunais laborais, pois, v. g., asseverados na Constituição
Federal, tal como é o caso da gestante que possui estabilidade no emprego da
confirmação da gravidez até o quinto mês após o parto, art. 10, inciso II, “b” dos Atos
das Disposições Constitucionais Transitórias. Nesse diapasão, algumas convenções
247
248
CHIARELLI, Carlos Alberto. Trabalho na Constituição. São Paulo: LTr, 1990. v. 2, p. 89.
DELGADO, Mauricio Godinho. Direito coletivo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 160.
98
coletivas prevêem prazo para a comunicação do estado gravídico, sob pena de
decadência do direito a estabilidade.
Estabilidade da gestante, afastada até então às empregadas domésticas, por falta
de inclusão no artigo 7°, parágrafo único, da CF/88. Recentemente a lei n° 11.324, de 20
de julho de 2006, assegura aos domésticos, estabilidade decorrente da gravidez e férias
de trinta dias.
Vaticina a CF direito à estabilidade da gestante, sem delimitação ou restrição à
qualidade de grávida 249, entretanto, o artigo 7°, da CLT, excluía aos domésticos os
direitos consolidados, salvo expressa disposição legal em contrário. Tal disposição legal
não exclui de todo, a possibilidade da norma constitucional, considerar o direito à
gestante lato sensu, pois não exclui da qualidade de trabalhadora gestante, nenhuma
categoria de obreira, seja por ser norma constitucional posterior à norma consolidada,
seja por pretender o constituinte um avanço nesse aspecto.
6.4 AS CONVENÇÕES COLETIVAS COMO MEIO DE OPERACIONALIZAR E
POTENCIALIZAR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
As convenções coletivas de trabalho foram eleitas ao patamar de fontes
normativas, pela Constituição da República Federativa de 1988. 250 251
249
250
251
Vide art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT.
Mister referir as palavras de RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado:
contribuições do direito do trabalho para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 85. “Autonomia
privada significa, em outras palavras, a possibilidade de os atos se tornarem jurídicos, constituírem regras”.
Para Pugliatti apud RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do
direito do trabalho para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 86, “autonomia privada significa
“potestà di darsi um ordinamiento”. Não é um simples poder dar-se normas, entendido como liberdade, mas
sim uma potestas, um poder com conotação política. Esse poder cria um ordenamento jurídico privado, um
ordenamento subordinado e reconhecido pelo Estado. Segundo a concepção de Pugliatti, há uma pluralidade
de ordenamentos jurídicos no seio de uma sociedade: o ordenamento estatal, que tem uma “posição
proeminente e tendencialmente monopolistica”, e a comunidade dos privados, composta por corpos sociais,
com seus ordenamentos jurídicos próprios e independentes. O ato negocial, a declaração ou manifestação da
vontade, é, para o autor, um ato da autonomia privada, destinada ao auto-regulamento de interesses próprios
dos privados”.
99
Segundo Luigi Ferri apud Dorothee Susanne Rüdiger, “a lei dá aos singulares o
poder de criar direito objetivo”. 252
Mônica Sette Lopes 253 doutrina em sua obra, inovadora sobre o tema relacionado
à Convenção Coletiva e sua força vinculante, em que muito bem destaca Valentin
Carrion no prólogo de referida obra, a saber,
ressalte-se, outrossim, que a conotação da convenção coletiva como parte
integrante de um sistema jurídico ganha desdobramentos em suas esferas
conceituais que a interligam no tempo, no espaço e no que toca aos sujeitos e
ao objeto por ela alcançados. A autonomia do instituto, como agente
executório de normas programáticas, alerta o estudioso para o exame da
eficácia contida das normas maiores, dos princípios de sua autoaplicabilidade
ou, ao mesmo tempo, da vinculação legitimadora estrita de que se acha
provida cada regra maior, cujos parâmetros são porém determinantes na
criação das normas legais de direito público estrito.
Em que pese, a competência para legislar sobre matéria trabalhista, ser atinente à
União. Por diversos motivos, já vistos, o Estado autoriza os particulares, na expressão da
autonomia privada coletiva, a criar novas condições de trabalho, seja pela demora estatal
em adequar normas mais específicas à sociedade laboral, seja pela necessidade de as
categorias criarem regras mais próximas ao seu cotidiano, ou ainda, para adequarem as
necessidades categoriais às possibilidades econômicas, resultantes de um processo
evolutivo, globalizado e neoliberal.
A Constituição Federal, em pleno século XXI, deveria deixar de apenas
proclamar direitos fundamentais, e sim garantir sua plena eficácia, no entanto ainda
depara-se com normas programáticas e normas de eficácia contida ou limitada. Entre
inúmeros casos, cita-se, verbi gratia, o art. 7°, inciso XXI, da CF/88, “aviso prévio
proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”.
Aqui, como em outros casos, as convenções coletivas atuam como meio de
operacionalização dos direitos e garantias assegurados na Constituição Federal.
252
253
FERRI apud RÜDIGER, Dorothee Susanne. O contrato coletivo no direito privado: contribuições do direito
do trabalho para a teoria geral do contrato. São Paulo: LTr, 1999. p. 86.
LOPES, Mônica Sette. A convenção coletiva e sua força vinculante. São Paulo: LTr, 1998. p. 5.
100
Ainda, art. 7°, inciso XI, da CF, “participação nos lucros, ou resultados254,
desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa,
conforme definido em lei;” referido anteriormente no Capítulo I, item 4.2.4.
Em verdade, as convenções coletivas representam muito mais ao que parece, pois
refletem uma forma de atuação diferente do Estado, como bem salienta Octavio Bueno
Magano 255 ao desenvolver sobre democracia pluralista, no item Participação dos
Trabalhadores nos Resultados ou Lucros das Empresas,
democracia pluralista. É esse o quadro com o qual nos defrontamos. Esse quadro é
absolutamente incompatível com a realidade dos nossos dias. Agora, cada vez mais,
precisamos tomar consciência de que vivemos numa global village. O mundo se
tornou um só. Pela rapidez dos meios de comunicação, o mundo é um só. Você
pega um telefone e fala imediatamente com uma pessoa onde quer que ela esteja.
[...] Num mundo de concorrência universal, o país que não estiver preparado para
enfrentar a concorrência vai perecer. De forma que, dentro do quadro atual, é
preciso que a nossa preocupação máxima seja a de nos prepararmos para enfrentar a
concorrência internacional. Mas para isso é necessário que tiremos aquele excesso
de carga que estamos sempre a carregar, que nos impede de caminhar com firmeza
e rapidez. Precisamos nos desvestir desse pesadíssimo modelo de corporativismo e
entrar numa nova era, numa era de flexibilização. E isso é perfeitamente possível,
porque a Constituição de 88, embora seja muito contraditória, em um de seus
preceitos deixou bem acentuado que o ideal a ser alcançado é corporativista e
darmos possibilidade de desenvolvimento ao moderno modelo de democracia
pluralista, criando condições de trabalho flexíveis através do o de uma democracia
pluralista. E o que significa uma democracia pluralista? Significa a possibilidade de
pluralidade partidária, mas também ideológica, religiosa e, como não poderia deixar
de ser, de pluralidade dos organismos sociais, sobretudo nas entidades de
trabalhadores e das entidades de empregadores, a fim de que estas entidades
possam ter autonomia. E ter autonomia é ter o poder de auto-realizar o próprio
interesse, o interesse do grupo organizado. Há condições propícias para nos
desvestirmos daquele pesadíssimo modelo entendimento dos diversos parceiros
sociais, com a prática cada vez mais intensa dos procedimentos de autocomposição,
que são a negociação coletiva, o contrato coletivo, a convenção coletiva, o acordo
coletivo. Creio que o governo atual intuiu bem a necessidade dessa modificação, a
necessidade de abandonar o modelo de tutela e passar para um modelo mais
flexível de entendimento através dos procedimentos de autocomposição. Posso
dizer com segurança que ele deixou refletida essa tendência em duas áreas bem
significativas: a da participação em lucros e resultados e a área da livre negociação.
Nas duas áreas vê-se claramente isso, o intuito do governo de abandonar o regime
tutelar e passar para o regime da autocomposição”.
254
255
ARAGÃO, Luiz Fernando Basto. Noções essenciais de direito coletivo do trabalho. São Paulo: 2000. p.
131. Conceitua lucro ou resultado, como segue: “Lucro é o rendimento econômico positivo auferido por
uma empresa, em atividade produtiva, no mundo capitalista. Para a obtenção do lucro, é indispensável que a
diferença decorrente da operação contábil que subtrai as despesas da receita seja positiva (renda, ganho,
etc.). O lucro (do latim lucrum) é a remuneração própria do empresário”. Vide também, MAGANO, Octavio
Bueno. Política do trabalho. São Paulo: LTr, 1997, v. 3, p. 50 et seq. “A Constituição Federal de 1988 ao
incluir a expressão “resultado” acrescentou, nos dias dos trabalhadores urbanos e rurais, o recebimento de
vantagens relacionadas aos efeitos positivos, independentemente da obtenção do lucro, como estímulo,
reconhecimento e valorização do trabalho, criando um clima motivacional em correspondente aumento da
integração do empregado na empresa. A empresa pode atingir um resultado operacional positivo, embora
não tenha havido lucro e, por esse resultado, o empregador conceder vantagens remuneratórias aos seus
empregados/trabalhadores”. (Ibidem, p. 131).
Ibidem, p. 52-3.
101
Outro exemplo, que bem demonstra o papel das convenções coletivas como meio
de operacionalizar, não só os direitos e garantias constitucionais de natureza
programática ou de eficácia limitada (ou reduzida), mas os direitos acordados e
incluídos nas cláusulas de uma convenção coletiva ou acordo coletivo, são as cláusulas
convencionais punitivas. Estas funcionam, equivalentemente ao papel de sanção, por
descumprimento de uma norma estatal 256
257
, verbi gratia, se exceder o limite de
velocidade permitido sofrerá pontuação na carteira além de multa, e, dependendo da
gravidade do caso, apreensão do veículo e da carteira de motorista.
Em contrapartida, ao predominar um sistema estatutário, limita-se a evolução das
normas oriundas da autonomia privada coletiva, como bem destaca Mônica Sette Lopes
ao dizer, “a contratação coletiva não tinha raízes na prática. A outorga ao Estado de
papel preponderante como fonte normativa também no que concerne às normas
trabalhista constitui, simultaneamente, causa e conseqüência da hipotrofia do exercício
da autonomia coletiva”. 258259
Ainda, afirma Mônica Sette Lopes, “a supremacia ou a precedência de
dispositivos de lei imperativa indica a presença do Estado, ainda como fonte reguladora
básica, como centro de definição de tutela”. 260
Segundo Antônio Álvares 261,
põe em relevo o papel do Estado, na edição de normas reguladoras, na medida
em que, reconhecendo nele obstáculo à plena autonomia do sindicato, não vê
256
257
258
259
260
261
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução Marco
Aurélio Nogueira. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 94, parafraseando Kelsen, “Na rigorosa redução
que Kelsen faz do Estado a ordenamento jurídico, o poder soberano torna-se o poder de criar e aplicar
direito (ou seja, normas vinculatórias) num território e para um povo, poder que recebe sua validade da
norma fundamental e da capacidade de se fazer valer recorrendo inclusive, em última instância, à força, e
portanto do fato de ser não apenas legítimo mas também eficaz (legitimidade e eficácia referenciam-se uma
à outra;”.
BOBBIO, loc. cit. Ainda referenciando Kelsen, “Com a terminologia de Kelsen, o Estado enquanto
ordenamento coativo é uma técnica de organização social: enquanto tal, isto é, enquanto técnica, ou
conjunto de meios para um objetivo, pode ser empregado para os fins mais diversos”.
LOPES, Mônica Sette. A convenção coletiva e sua força vinculante. São Paulo: LTr, 1998. p. 64.
Cita como razões à hipotrofia da autonomia coletiva: “a fragilidade dos sindicatos, a abundância e a
exaustão do tratamento legislativo, a competência normativa da Justiça do Trabalho e as limitações impostas
pela legislação sobre política salarial, sinais todos eles de uma intensa participação do Estado.” Citado pela
própria autora, traz posição de Magano sobre o tema, que ora transcreve-se: “ “intensa atividade legiferante
na área trabalhista”; o Poder Normativo da Justiça do Trabalho; política salarial estatal; debilidade dos
sindicatos; formação deficiente dos lideres sindicais – Cf. MAGANO, 1972, pp. 165-172. “Sobre as
dificuldades de implantação do sistema negociado no Brasil”, cf. PASTORE, José. Flexibilização dos
mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1994, p. 13–5. “ Observações integrantes da
nota n. 3, da obra, LOPES, op. cit, p. 64.
LOPES, op. cit., p. 158.
SILVA, Antônio Álvares da. Natureza jurídica da convenção coletiva. 1976. Tese (Doutorado). – Faculdade
de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1976. p. 158.
102
aspectos positivos na concessão ao grupo da mesma competência outorgada ao
Estado, fundando-se em que, se assim fosse, “o grupo teria autonomia plena e
legislativa como o próprio Estado, o que exorbitaria as funções da convenção
coletiva, que serviria de instrumento de ditadura social dos sindicatos e não
como meio de sua emancipação.262
Por meio do Estado ou dos particulares, individualmente ou coletivamente, o que
não se pode perder de vista é o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana,
nesse aspecto transcreve-se palavras sábias de Ingo Wolfgang Sarlet 263,
Consoante já restou destacado, o princípio da dignidade da pessoa
impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público
venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva
que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso
destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente,
proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para
todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta de Clèmerson
Clève, a necessidade de uma política da dignidade da pessoa humana constitui
não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensa e
humilhações,
mas
implica
também,
num sentido
positivo,
o
pleno
desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. Neste contexto, não
restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais
encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana,
impondo-se-lhes um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na
obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual
que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la (a
dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra agressões oriundas de
terceiros, seja qual for a procedência, vale dizer, inclusive contra agressões
oriundas de outros particulares, especialmente – mas não exclusivamente –
dos assim denominados poderes sociais (ou poderes privados).
262
263
SILVA, Antônio Álvares da. Natureza jurídica da convenção coletiva. 1976. Tese (Doutorado). – Faculdade
de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1976. p. 158.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais: na Constituição Federal
de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 110-11.
CONCLUSÃO
Num Estado Democrático de Direito, as convenções coletivas de trabalho visam
assegurar aos cidadãos o exercício pleno dos direitos fundamentais.
Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (dezembro de 1948), lutouse pela normatização dos direitos fundamentais, que ao longo de suas dimensões buscou
preservá-los e regulamentá-los progressivamente, iniciando-se pela tutela à propriedade
e à liberdade.
Mais tarde, buscou-se o direito a prestações por parte do Estado, encontrando nos
direitos fundamentais de segunda dimensão o avanço à tutela dos direitos sociais, à
educação, à saúde, ao trabalho, à uma vida digna, entre outros, refletindo a tutela estatal
em proteção aos direitos individuais.
Com o advento do neoliberalismo, a tendência dominante foi afastar a
intervenção do Estado, dando maiores poderes aos particulares para criarem novas
condições de trabalho no âmbito trabalhista.
Assim, nas últimas décadas, as convenções coletivas de trabalho obtiveram maior
espaço para operacionalizar os direitos e garantias do homem trabalhador.
O baixo desenvolvimento econômico, altas taxas de juros e tributação,
desemprego, baixo poder de consumo 264, entre outros, são fatores que distanciam os
interesses dos integrantes de uma determinada categoria, bem como demonstram
algumas das dificuldades que os patrões enfrentam para honrar os direitos dos
trabalhadores.
Por conseqüência, o legislador abre a possibilidade da flexibilização das normas
trabalhistas a fim de adequá-las ao novo contexto social, sem, contudo, ignorar os
direitos fundamentais, assegurados que estão na Constituição vigente.
264
SÜSSEKIND, Arnaldo. A convenção coletiva de trabalho em confronto com a lei. Síntese Trabalhista,
Porto Alegre, n. 159, p. 5-8, set. 2002.
104
Mesmo assim, face aos fatores anteriormente referidos, vê-se que os direitos
fundamentais podem sofrer abalo 265 em sua regulamentação e, por conseqüência, em seu
exercício, em especial quando a própria Constituição Federal admite a flexibilização de
direitos que ao longo dos tempos e lentamente fizeram uma evolução no contexto social.
Muito embora garantidos pela Constituição Federal, a maioria dos direitos
trabalhistas encontra a especificação destes mesmos direitos fixada na legislação
infraconstitucional.266
Nesse diapasão, tramita no Congresso Nacional projeto de lei que altera o artigo
618, da CLT. Referido projeto dita que as normas conveniadas prevalecem sobre o
disposto em lei.267
Questão é que, fruto de um Estado Democrático de Direito, surgiram vários
ordenamentos jurídicos, dentro de um mesmo ordenamento jurídico macro ou originário.
Assim, tanto o Estado como a Sociedade, e em particular, a autonomia privada
coletiva ganharam poder, com a devida autorização estatal, para criar normas coletivas
no âmbito do Direito do Trabalho, a priori Coletivo, e que, conseqüentemente, alastra-se
aos contratos individuais de trabalho.
Observa-se ainda que o disposto no artigo 468 da CLT já não alcança proibição
às reformas in pejus de cláusulas de convenções coletivas, substanciadas no
entendimento da súmula 277 do TST.
Souto Maior conclui, e endosso sua palavras para a conclusão deste trabalho,
de todo modo, mesmo que não se consiga impedir o avanço destas
irresponsáveis reformas trabalhistas, a nova realidade que venha a ser criada
acabará representando a reconstrução das fontes materiais, históricas, que
motivaram o surgimento do direito do trabalho e assim o direito social,
inevitavelmente, ressurgirá das cinzas, com configurações diferentes e
possivelmente até mais eficazes do que as que existem hoje em dia, pois que
essencial para a paz social.
Regras direcionadas às relações de trabalho, com a função de equilibrar as
forças sociais e alcançar uma justiça social, não deixarão de existir, pelo
menos enquanto a presente ordem mundial for mantida e se baseie na
265
266
267
SÜSSEKIND, Arnaldo. A convenção coletiva de trabalho em confronto com a lei. Síntese Trabalhista,
Porto Alegre, n. 159, p. 5-8, set. 2002. p. 7. Cita-se como exemplos:redução salarial, ampla liberdade
patronal para despedir os empregados, contrato de trabalho provisório com ampla redução de direitos,
redução das hipóteses de salário-utilidade, etc...
Como exemplo para essa afirmativa o autor expõe, “a Constituição garante o direito a férias, mas é a lei que
especifica que estas têm duração de trinta dias e que serão obrigatoriamente concedidas após doze meses de
duração do contrato de trabalho. Assim, seguindo-se, unicamente, os critérios de uma interpretação literal, a
negociação coletiva poderia, sem desrespeitar a CF, fixar férias de dez dias ao ano”. MAIOR, Jorge Luiz
Souto. O futuro do direito do trabalho no Brasil, se aprovado o projeto de lei que altera o art. 618 da CLT.
Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 163, p. 11, jan. 2003.
MAIOR, loc. cit.
105
necessidade de preservação da dignidade humana, cuja importância foi
destacada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos diversos
tratados e convenções internacionais criados após a 2ª Guerra.
Enquanto existir uma ordem jurídica, um Estado que a efetive e uma sociedade
na qual se possibilite um convívio pacífico, será possível extrair fundamentos
jurídicos coercitivos para que a superexploração do trabalho (a servidão e a
escravidão) não retorne a habitar a nossa realidade. 268
O contrato coletivo de trabalho apresenta-se como nova forma de flexibilização
do direito. Vale perquirir se os requisitos de validade do contrato serão suficientes para
garantir os direitos sociais da classe trabalhadora.
Pelo estudo feito conclui-se que dia a dia os direitos fundamentais sociais vêm
sofrendo árdua desregulamentação.
Os trabalhadores, para manterem seus empregos ou até mesmo conquistarem seu
primeiro emprego, condicionam-se a receber cada vez menos direitos.
268
MAIOR, Jorge Luiz Souto. O futuro do direito do trabalho no Brasil, se aprovado o projeto de lei que altera
o art. 618 da CLT. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, n. 163, p. 16-7, jan. 2003.
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E GARANTIAS FUNDAMENTAIS SOCIAIS?
POR
NÁDIA AHMAD OMAR ALI
Dissertação submetida ao Corpo Docente do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil, como parte dos
requisitos necessários para obtenção do título de
Mestre em Direito
Área de Concentração: Direitos Fundamentais
Orientador: Prof. Dr. Wilson Steinmetz
Comissão de Avaliação: Dr. José Luiz Ferreira Prunes
Dr. Germano Schwartz
Dr. Leonel Pires Ohlweiler
Prof. Dr. Wilson Steinmetz
Coordenador do PPGDir
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