OPINIÃO Os preços e os subsídios agrícolas ARMANDO SEVINATE PINTO In Púbico, 02/11/2014 (http://www.publico.pt/economia/noticia/os-precos-e-os-subsidios-agricolas-1674841?page=-1) A viabilidade da actividade agrícola e a subsistência das famílias que trabalham no campo dependem de forma muito significativa dos preços e dos subsídios. Os preços e os subsídios agrícolas sempre estiveram, e continuarão a estar, no centro das preocupações dos agricultores. É natural que assim seja. Deles depende a viabilidade das suas actividades e, quase sempre, os seus meios de subsistência e das suas famílias. Como deles também depende a base do custo da alimentação e, por isso, o rendimento dos consumidores, é fácil depreender‐se que se trata de um tema sob discussão pública permanente, com base em interesses antagónicos e em teorias divididas. O caso português, antes e depois da adesão à CEE, é dos mais singulares dentro da União. Quando Portugal pediu a adesão à CEE, em 1977, a maioria dos nossos preços agrícolas eram inferiores aos preços médios na Comunidade e os subsídios existentes eram, com algumas excepções, maioritariamente dirigidos aos consumidores, através do chamado “cabaz de compras”*. Nove anos depois, quando aderimos, em 1986, os preços agrícolas em Portugal eram, quase todos, superiores, às vezes até muito superiores, aos da Comunidade. Não só porque se desmobilizaram alguns subsídios, mas também, a meu ver, principalmente, porque nessa altura a inflação interna subiu a níveis hoje impensáveis, superiores a 27%. A entrada na CEE foi muito dolorosa para alguns sectores agrícolas, não só porque os seus preços foram progressivamente harmonizados com os preços europeus (reduzidos por tranches em função dos diferentes sistemas de transição), mas também porque a nossa entrada praticamente coincidiu com o início da descida dos preços europeus, visando a sua harmonização com os preços mundiais. Os preços agrícolas em Portugal reduziram‐se brutalmente em alguns sectores mais envolvidos com o sistema de preços da PAC (cereais, oleaginosas, carne de bovino e ovino…), o mesmo não tendo acontecido em outros sectores em que os apoios sempre foram menos dependentes do sistema de preços (frutas e legumes, por exemplo). De facto, quando aderimos, todo o sistema de apoio ao rendimento da Politica Agrícola Comum (PAC) consistia numa protecção aduaneira do mercado interno, relativamente ao mercado mundial, através de taxas variáveis, que tinham por efeito a formação de preços bastante elevados aos agricultores comunitários. Dizia‐ se então que os subsídios estavam implícitos nos preços. Este sistema durou ainda aproximadamente cinco anos, uma vez que, só em 1992, se deu a primeira reforma da PAC. Com essa reforma, os preços europeus iriam progressivamente reduzir‐se, ainda que de forma significativa. Em compensação, apenas parcial, foi instituído um sistema de ajudas directas aos agricultores, calculadas com base nas perdas teóricas de cada um em função das suas produtividades e da queda dos respectivos preços. Durante cerca de uma década, os preços europeus aproximaram‐se, ou igualaram, os do mercado mundial e as ajudas aos agricultores mantiveram‐se “ligadas” à produção, isto é, eram pagas em função da quantidade produzida, dos hectares utilizados, ou do número de animais em produção. Até que, em 2003, com o apoio da esquerda europeia, de uma larga parte da opinião pública e de muitos académicos europeus de renome, a maioria das ajudas ao rendimento foram “desligadas” da produção, apesar de serem calculadas com base em registos históricos, de cada país e de cada agricultor. Finalmente, uma década depois, em 2014, com a presente reforma da PAC, já aprovada mas ainda dependente de algumas decisões internas, manteve‐se e acentuou‐se o sistema da reforma de 2003, agora submetido a um processo progressivo de harmonização dos montantes das ajudas (actualmente diferentes para cada sector, agricultor e Estado‐membro), que será total no plano nacional mas ainda parcial no plano comunitário. Entretanto, os preços agrícolas já se formam livremente no mercado interno, com fortíssima influência dos preços mundiais (conceito, a meu ver, significativamente subjectivo, quanto à sua formação e significado) e associados às suas flutuações. O mesmo acontece com os preços/custos dos factores de produção agrícola, ainda que, por variadíssimas razões, também nem sempre lógicas e justificadas, se mantenham diferenças muito importantes, dentro e fora da União Europeia, tal como também se verifica com os custos do trabalho. O que penso eu de toda esta evolução? Penso que o resultado está à vista e não é muito animador, uma vez que os preços agrícolas nunca foram tão incertos (voláteis, como agora se diz). Nunca escondi o meu apego ao regime europeu original e inúmeras vezes o tornei público, ainda que sem a mínima esperança de que este fosse recuperado. Era notável o seu efeito estabilizador, retirando aos agricultores algum risco da sua actividade que, pela sua própria natureza, já tem riscos que chegam e sobram. Fui contra a linha de reformas iniciada em 1992, sendo nessa altura director na Comissão Europeia, quer pela perda de estabilidade do sistema de preços europeu, quer porque me pareceu que, essa reforma, seria a preparação da supressão total dos subsídios à agricultura. Fui contra o “desligamento” das ajudas na reforma de 2003, exactamente quando era ministro da Agricultura. Bati‐me contra essa solução e votei contra a reforma por falta de contrapartidas, mas estive sempre pouco acompanhado. Agora já não seria assim porque as evidências têm muita força. Na minha opinião, o passo final, o da supressão das ajudas, só não foi ainda dado porque a crise alimentar de 2008/9, veio alterar muitos dos argumentos usados para a justificar essa opção. As opiniões públicas, e os políticos que as interpretam, deram conta do enorme risco que isso acarretaria. Finalmente, embora subsistam alguns importantíssimos apoios aos agricultores, o mercado liberalizado está aí e, com ele, a volatilidade dos preços. Os preços flutuam como nunca antes tinha acontecido e o mercado mundial exibe as suas imperfeições. O nível de risco é cada vez maior, numa actividade, que pela sua própria natureza, já está rodeada de riscos. A PAC continua a ser indispensável. Tem defeitos, mas muito menores do que os seus detractores querem fazer crer. O grande problema não é da PAC, mas da falta dela em matéria de preços e da sua substituição pelo mercado mundial de cujo bom funcionamento sempre duvidei. De facto, as suas variações não param de nos surpreender. Nas últimas duas campanhas, por exemplo, o preço do milho reduziu‐se quase para metade Finalmente, para que se perceba melhor a necessidade dos subsídios, de que tanta gente discorda, dou apenas mais um exemplo que deixo à reflexão dos leitores. Há 28 anos, quando entrámos na CEE, o preço do trigo aos produtores portugueses era de 55 Escudos por kg. Actualmente, o preço pago aos produtores anda em torno de 15 cêntimos por kg (30 escudos)! Se em vez de preços correntes, comparássemos preços reais, então teríamos que multiplicar os 55 Esc. por 3,86 (tendo em conta a evolução do Índice de Preços Implícito no PIB, desde 1986), o que daria mais de 212 Esc., isto é, sete vezes mais do que o preço actual! Percebe‐se agora melhor a justificação dos subsídios? Espero sinceramente que sim. *Sistema de fixação administrativa dos preços do pão, do leite e de muitos outros produtos e factores de produção, subsidiados através do “Fundo de Abastecimento” Engenheiro agrónomo (ISA)