Territórios quilombolas e os riscos para os negócios imobiliários Por Octávio Chagas Soll da Silva O procedimento adotado pelo INCRA para o reconhecimento da propriedade definitiva da terra aos remanescentes de comunidades quilombolas, nos moldes em que é realizado atualmente, pode representar um verdadeiro risco aos negócios imobiliários. Isso porque os imóveis que passam a ser objeto de análise não recebem em sua matrícula nenhuma anotação. O advogado do SSA, Dr. Octávio Chagas Soll da Silva, responde a perguntas sobre esse importante tema, esclarecendo as principais dúvidas em âmbito administrativo e judicial, além de relacionar as comunidades reconhecidas pelo INCRA ou com processo de reconhecimento em trâmite na cidade de Porto Alegre. 1. O que é uma comunidade quilombola? Quilombo foi o nome dado aos locais, geralmente ermos, de difícil acesso, desabitados e rejeitados por índios e brancos escravistas, nos quais homens e mulheres africanos se refugiavam da escravização com suas famílias1. Os negros fugidos da escravidão tinham como estratégia de sobrevivência a invisibilização ao mundo branco escravista e o convívio em grupo, visando à proteção das famílias e a consolidação da 1 SANTOS, Maria Elisabete Gontijo dos; CAMARGO, Pablo Matos. Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI – História e resistência. Organizado pelo Centro de Documentação Elóy Ferreira da Silva. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008, p. 25 a 37. 1 liberdade em um território que ninguém queria. Assim surgiram as comunidades quilombolas, também denominadas de “Terras de Preto, Comunidades Negras, Mocambos, Quilombos, dentre outras denominações congêneres”2. No âmbito legal, a Constituição Federal de 1988, embora tenha assegurado direitos aos remanescentes dos quilombos, não conceituou o termo “comunidade quilombola”. Em 21 de novembro de 2003, com a publicação do Decreto nº 4.887/2003, comunidade quilombola restou definida como “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”3. Para os pesquisadores do Centro de Documentação Elóy Ferreira da Silva (CEDEFES), o atual conceito de comunidade quilombola pode ser atribuído àquela “que apresenta relações de parentesco entre os seus membros; descendência africana e vínculos históricos e culturais com determinado território, independentemente da época em que foi formada”4. 2. Quais são os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que albergam as comunidades quilombolas? O legislador constituinte recepcionou as comunidades quilombolas no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual assegura o direito à propriedade de forma definitiva aos remanescentes de quilombos das terras por si ocupadas. No artigo 216 da Constituição Federal, os quilombos ficaram reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro em razão de sua contribuição na formação da 2 Artigo 1º da Portaria nº 98/2007 da Fundação Cultural Palmares. 3 Art. 2º da Portaria nº 98/2007 da Fundação Cultural Palmares. 4 SANTOS, Maria Elisabete Gontijo dos; CAMARGO, Pablo Matos. Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI – História e resistência. op. cit., p. 37. 2 identidade, história, costumes e tradições do povo brasileiro, inclusive tombados “todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”. Na seara infraconstitucional, destaca-se o Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento a ser realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68 do ADCT. O INCRA, por sua vez, editou a atual Instrução Normativa nº 57, de 20 de outubro de 2009, objetivando detalhar os procedimentos técnicos e administrativos de regularização dessas áreas. Não se pode olvidar, também, da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais, de 27 de junho de 1989, vigente no Brasil desde 25 de julho de 20035, na qual atribui responsabilidades aos governos signatários de promoção efetiva dos “direitos sociais, econômicos e culturais desses povos” (artigo 2º) e de reconhecimento do direito de “propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (artigo 14). Por fim, vale mencionar as ações governamentais em prol das comunidades quilombolas, tais como Programa Brasil Quilombola, lançado em 12 de março de 2004, e a Agenda Social Quilombola, via Decreto nº 6.261, de 20 de novembro de 2007, ambas coordenadas pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e atuantes em 04 (quatro) eixos fundamentais: i) acesso à terra (certificação e regularização fundiária das áreas de quilombo); ii) infraestrutura e qualidade de vida (saneamento, habitação, eletrificação, comunicação, vias de acesso, saúde, educação e assistência social); iii) inclusão produtiva e desenvolvimento local (apoio ao 5 Conforme Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. 3 desenvolvimento produtivo local); e, iv) direitos e cidadania (registro civil, acesso à escola, assessoria jurídica e força policial em regiões de conflitos agrários). 3. A qual órgão compete para a identificação e regularização das terras ocupadas por remanescentes quilombolas? Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão6, titulação e o registro imobiliário das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência comum e concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do artigo 5º da Instrução Normativa nº 57/2009, por atribuição do Decreto nº 4.887/2003 (artigo 3º). 4. Como tramita o processo administrativo? O processo administrativo é aberto no INCRA através de requerimento, escrito ou verbal, de qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas ou de ofício pelo próprio INCRA, desde que apresentada a certidão de autodefinição7 como remanescente de quilombo, expedida pela Fundação Cultural Palmares8. Para sua expedição, faz-se necessário apresentar ata de reunião ou 6 Significa a retirada dos ocupantes não quilombolas de área reconhecida como território quilombola. (fonte: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/05/incra-reconhece-comunidade-quilombolaem-pernambuco; http://www.maraiwatsede.org.br/content/o-que-significa-desintrus%C3%A3o) 7 Instituída pela Portaria nº 98, de 26 de novembro de 2007, da Fundação Cultural Palmares, objetiva reconhecer as origens, ampliar os direitos e facilitar o acesso das comunidades quilombolas às políticas públicas. É requisito para a instauração do processo administrativo junto ao INCRA. 8 Fundada pelo Governo Federal em 22 de agosto de 1988, trata-se de “instituição pública voltada para a promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira”, almejando sempre “uma política cultural igualitária e inclusiva, que busca contribuir para a valorização das manifestações culturais e artísticas negras brasileiras como patrimônios nacionais”. (fonte: http://www.palmares.gov.br/?page_id=95) 4 assembleia convocada para tal fim, acompanhada de lista de presença devidamente assinada pela maioria de seus membros, bem como fotos, reportagens, estudos realizados, se houver, e relato sintético da história da comunidade e informações sobre a localização da área objeto de identificação. Após a instauração do procedimento administrativo por ordem do Superintendente do INCRA, elaborar-se-á o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) a partir de indicações da própria comunidade, de estudos técnicos e científicos, inclusive relatórios antropológicos, caracterização espacial, econômica, ambiental e sociocultural da terra ocupada pela comunidade. O RTID, devidamente fundamentado em elementos objetivos, deverá conter informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas, etnográficas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas, além de outras informações consideradas relevantes pelo Grupo Técnico interdisciplinar. Noutras palavras, será analisado o histórico da ocupação daquele território, árvore genealógica do grupo, modo como vivem, utilização dos recursos naturais, atividades econômicas, culturais e religiosas, sociabilidade, etc. Durante a realização do RTID, o INCRA promoverá a notificação de determinados órgãos federais ambientais e patrimoniais históricos9 para prestarem, se necessário for, informações que possam contribuir com o estudo pretendido, bem como para acompanhamento, na hipótese de que alguma questão seja de sua competência. A comunidade interessada também poderá apresentar peças técnicas e participar de 9 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, e seu correspondente na Administração Estadual; Secretaria do Patrimônio da União - SPU, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Fundação Nacional do Índio - FUNAI; Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional - CDN; Fundação Cultural Palmares; Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, e seu correspondente na Administração Estadual; e, Serviço Florestal Brasileiro - SFB. 5 todas as fases do procedimento administrativo de elaboração do RTID, diretamente ou por meio de representantes por ela indicados. Concluído o RTID, o mesmo será submetido à análise preliminar do Comitê de Decisão Regional do INCRA que, verificando o atendimento dos critérios estabelecidos para a sua elaboração e deferimento do pedido de reconhecimento do território quilombola, o remeterá ao Superintendente Regional, para elaboração e publicação do edital, por duas vezes consecutivas, no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da Unidade Federativa onde se localiza a área sob estudo, assim como fixação do edital na Prefeitura Municipal do mesmo local. Os ocupantes e confinantes, detentores de domínio ou não, identificados na terra pleiteada, serão notificados para apresentação de contestações no prazo de 90 (noventa) dias, as quais serão recebidas nos efeitos devolutivo e suspensivo. Concomitantemente à publicação do edital, o RTID será remetido àqueles órgãos federais ambientais e patrimoniais históricos para apresentarem manifestação sobre as matérias de suas respectivas competências no prazo comum de 30 (trinta) dias. As contestações serão julgadas pelo Comitê de Decisão Regional do INCRA em até 180 (cento e oitenta) dias contados do protocolo, após ouvidos os setores técnicos e a Procuradoria Regional. Do julgamento das contestações caberá recurso único, com efeito apenas devolutivo, ao Conselho Diretor do INCRA, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da notificação. Se dos julgamentos implicar a alteração das informações contidas no edital, serão realizadas novas publicações e notificações dos interessados. Prevalecendo decisão de deferimento do pedido inicial, o Presidente do INCRA publicará, no Diário Oficial da União e da Unidade Federativa onde se localiza a área, portaria reconhecendo e declarando os limites da terra quilombola, no prazo de 30 (trinta) dias. 6 Ainda, caso o RTID venha a concluir pela impossibilidade de reconhecimento da área estudada como terra ocupada por remanescente de comunidade de quilombo, o Comitê de Decisão Regional do INCRA, após ouvidos os setores técnicos e a Procuradoria Regional, poderá determinar diligências complementares ou, anuindo com a conclusão do Relatório, determinar o arquivamento do processo administrativo. Nesta hipótese, a comunidade interessada e a Fundação Cultural Palmares serão notificadas e a decisão será publicada no Diário Oficial da União e da unidade federativa onde se localiza a área estudada. Da decisão de arquivamento do processo administrativo caberá pedido de desarquivamento, desde que justificado. Por fim, vale ressaltar que as despesas decorrentes deste processo administrativo de regularização da área quilombola correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento. 5. Como se dá a demarcação e titulação da área quilombola? A demarcação da terra reconhecida é realizada pelo INCRA, observando-se a Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, aprovada pelo seu Presidente através da Portaria nº 69 de 22 de fevereiro de 2010. Quanto à titulação, o Presidente do INCRA outorgará título coletivo e pró-indiviso à comunidade, em nome de sua associação legalmente constituída, sem ônus de nenhuma espécie aos remanescentes das comunidades de quilombos, independentemente do tamanho da área, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade, devidamente registrada no Serviço Registral da Comarca de localização das áreas. 7 Se as terras reconhecidas e declaradas incidirem sobre terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, a Superintendência Regional do INCRA encaminhará o processo à Secretaria de Patrimônio da União (SPU), para a emissão de título em benefício das comunidades quilombolas. Constatada a incidência nas terras reconhecidas e declaradas de posse particular sobre áreas de domínio da União, do Distrito Federal dos Estados ou dos Municípios, a Superintendência Regional encaminhará os autos para os órgãos responsáveis pela titulação. Nestes casos, envolvendo área de domínio público, será emitido um Título de Concessão de Direito Real de Uso Coletivo, quando couber e em caráter provisório, enquanto não se ultima a concessão do Título de Reconhecimento. Frisa-se que a emissão do Título de Concessão de Direito Real de Uso não desobriga a concessão do Título de Reconhecimento de Domínio. 6. As comunidades quilombolas são sujeitos passivos de imposto sobre a propriedade territorial? Não mais. Em 2014, as comunidades quilombolas, após anos de reivindicação, lograram êxito na isenção e anistia do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) pela via legislativa. A partir de 01 de janeiro de 2015, a Lei do ITR (Lei nº 9.303/1996) contará com o artigo 3º-A – introduzido pela Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014 –, o qual dispõe que “Os imóveis rurais oficialmente reconhecidos como áreas ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos que estejam sob a ocupação direta e sejam explorados, individual ou coletivamente, pelos membros destas comunidades são isentos do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR”. De acordo com o parágrafo 1º do precitado dispositivo, ficarão cancelados o lançamento e a inscrição em 8 Dívida Ativa da União relativos ao ITR referentes aos territórios quilombolas a partir da data do registro do título de domínio previsto no artigo 68 do ADCT. No que tange ao IPTU e à Taxa de Coleta de Lixo (TCL), o legislador municipal de Porto Alegre, RS, deu a mesma amplitude aos efeitos da isenção do crédito tributário em prol das comunidades quilombolas através do artigo 6º da Lei Complementar nº 731, de 21 de janeiro de 2014, verbis: “Ficam remitidos os créditos tributários relativos ao IPTU e à Taxa de Coleta de Lixo (TCL), assim como os juros e os demais consectários legais insertos na composição desses créditos tributários, e ficam anistiadas as multas de mora, ou de qualquer outra natureza, relacionadas a esses créditos tributários, cujos lançamentos identificaram como sujeito passivo até a data da publicação desta Lei Complementar as associações comunitárias de quilombolas”. 7. O titular ou possuidor do terreno particular declarado quilombola é desapropriado? Há indenização? Qual é o procedimento? Sim, há desapropriação e indenização. Primeiramente, o Presidente da República deve editar um Decreto de Desapropriação por Interesse Social específico da área declarada quilombola. Publicado o decreto presidencial, a Superintendência Regional do INCRA adotará as medidas cabíveis visando à obtenção dos imóveis – avaliação do terreno, inclusive –, mediante a instauração do procedimento administrativo de desapropriação, ou ajuizamento de ação de desapropriação na Justiça Federal. A indenização é baseada em preço de mercado e o pagamento é efetuado em dinheiro, sendo que corresponderá ao valor da terra nua e das benfeitorias. 9 8. Quais são os principais objetos de discussão no Judiciário brasileiro acerca desta matéria? A principal discussão de cunho quilombola está na decenária Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.239, ajuizada no Supremo Tribunal Federal aos 25 de junho de 2004 pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), a qual visa obter declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003. Depois de proferido o voto do Sr. Ministro Cesar Peluso, Relator, julgando procedente a ADI10, a Sra. Ministra Rosa Weber pediu vista dos autos em 18 de abril de 2012. Devido aos inúmeros pedidos de inclusão no feito como “amicus curiae”, os autos foram recebidos no Gabinete da precitada julgadora apenas em 18 de agosto de 2014 (dois anos e meio depois!). Enquanto isso, prevalece a presunção de constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003. Demais disso, em consulta ao site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, constata-se a existência de ações de reintegração de posse, manutenção de posse e de interdito proibitório, nos quais recorrentemente figuram nos polos dos feitos (ativo ou passivo, conforme o caso) a comunidade quilombola, o INCRA, o Ministério Público Federal, a municipalidade e o proprietário/possuidor do imóvel. Com a mesma frequência, verifica-se o ajuizamento de ações de desapropriação pelo INCRA. Os argumentos comumente utilizados pelos proprietários/possuidores dos imóveis sub judice são, dentre outros: inconstitucionalidade da norma supracitada; nulidade do processo administrativo instaurado para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação da área ocupada por remanescentes de quilombo; posse legítima e direito à moradia preponderante ao pedido de reintegração. 10 Em síntese, o relator declara a inconstitucionalidade formal da norma (Decreto nº 4.887/2003), pois entende que a normatização do tema deveria ter partido do Poder Legislativo e não do Poder Executivo. O Ministro critica duramente o processo de identificação e regularização, denominando de "via crucis" todas as etapas as quais são submetidas as comunidades quilombolas até a titulação do território. 10 9. Existem comunidades quilombolas reconhecidas pelo INCRA ou com processo de reconhecimento em trâmite na cidade de Porto Alegre? Onde estão localizadas? Sim. Atualmente existem 04 (quatro) comunidades quilombolas em Porto Alegre, quais sejam: Família Silva (1940), Areal Luiz Guaranha (início do séc. XX), Alpes (início do século XX) e Família Fidelix (1960/1970). O Quilombo Família Silva localiza-se no elitizado Bairro Três Figueiras. Na década de 1940, Naura Borges da Silva e Alípio Marques dos Santos vieram do interior do Rio Grande do Sul (São Francisco de Paula e Cachoeira do Sul) e se instalaram num local de muito mato e difícil acesso, próximo de onde hoje é o final da rua projetada João Caetano, entre as Avenidas Carlos Gomes e Nilo Peçanha. Destarte, importante se diga que a comunidade quilombola teve que resistir bravamente à transformação e ao crescimento imobiliário do bairro – leia-se pressão dos agentes imobiliários, violência e tentativa pelo poder público de remoção da Família Silva para locais mais distantes (Vila Safira, Alvorada, etc.) –, principalmente após a construção do Shopping Iguatemi no ano de 1983. A comunidade isolou-se por uma baixa cerca de madeira e as casas simples dos seus moradores foram dispostas de forma a deixar um grande pátio no centro, para uso comum. Os integrantes da Família Silva trabalham, em sua grande maioria, nas casas do bairro, como domésticas e jardineiros, por exemplo. Em contrapartida, os remanescentes deste quilombo encontram dificuldades quando da realização de compras diárias (tudo no bairro é muito caro) e do acesso à educação e saúde. Com processo instaurado no INCRA no ano de 2004, a Família Silva obteve o reconhecimento público como comunidade quilombola em 20.12.2005 e o primeiro título dominial emitido aos 21.09.200911. 11 A comunidade ainda aguarda a titulação de outros imóveis componentes do território quilombola. 11 Figura 1 – Planta de localização do Quilombo Família Silva Fonte: Superintendência Regional do INCRA/RS O Quilombo do Areal Luiz Guaranha localiza-se no Bairro Menino Deus, área nobre da Capital, na esquina da Avenida Luiz Guaranha com a Rua Baronesa do Gravataí. A região do areal, reconhecida pela habitação massivamente negra, não abrigou apenas os descendentes dos escravos que trabalhavam na Chácara da Baronesa do Gravataí, mas também carnavalescos e músicos. Da mesma forma que a Família Silva, o Quilombo do Areal também sofreu forte pressão do poder público para que desocupassem o local, haja vista a valorização imobiliária do bairro. Os integrantes da comunidade trabalham como domésticas, serventes, policiais militares, dentre outros. Com processo instaurado no INCRA no ano de 2005, o Quilombo do Areal Luiz Guaranha obteve o reconhecimento público como comunidade quilombola em 14.02.2014. A comunidade aguarda a edição do Decreto Presidencial e a conseguinte titulação dos imóveis formadores do território quilombola. 12 Figura 2- Planta de localização do Quilombo do Areal Luiz Guaranha. Fonte: Superintendência Regional do INCRA/RS O Quilombo dos Alpes localiza-se no Bairro Glória/Cascata. Sua história teve início em meados do Século XX com a Edwirges Francisca Garcia e seu marido quando, ela grávida e com apenas 12 (doze) anos de idade, decidiram fugir das agressões e maus tratos – ainda que não mais existisse escravidão – a que eram acometidos em uma fazenda próxima ao Lami. Com os pés tomados por bolhas, encontraram um local onde estariam a salvo, o Morro dos Alpes. Todavia, com a ocupação do morro, a família teve que gradativamente subir até o ponto mais alto do morro para se proteger. Dona Edwirges, que trabalhou como cozinheira nas casas do bairro, faleceu em 1998 aos 108 13 anos e deixou um legado de cultivo de ervas e manuseio de pedras. Seus descendentes “criam cabras e praticam extrativismo de brotos de bambu e ervas nativas e vem (sic) desenvolvendo no local, em parceria com EMATER, EMBRAPA (sic) atividades de criação de aves e cultivo de pomar e canteiros de ervas medicinais”12, bem como “trabalham como prestadores de serviços domésticos, segurança, pedreiro, eletricista nas proximidades”13. Com processo instaurado no INCRA no ano de 2005, o Quilombo dos Alpes obteve apenas a publicação do edital do RTID no Diário Oficial da União aos 07.10.2014, restando pendentes o reconhecimento público como comunidade quilombola, a edição do Decreto Presidencial e a titulação dos imóveis formadores do território dos remanescentes de quilombos. Figura 3- Planta de localização do Quilombo dos Alpes. Fonte: Superintendência Regional do INCRA/RS 12 CUNHA, Juliano Closse da. Reconhecimento e cidadania: Vulnerabilidade e demandas sociais das comunidades quilombolas em Porto Alegre. Monografia do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011, p. 37. 13 Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/gpn/default.php?p_secao=71. 14 O Quilombo Família Fidelix localiza-se entre os Bairros Azenha e Cidade Baixa. Os precursores desta comunidade, Sérgio Ivan Fidelix, Milton Waldir Teixeira Santana e Hamilton Correa Lemos, vieram da cidade de Santana do Livramento, interior do Estado do Rio Grande do Sul, e se instalaram nas décadas de 1960 e 1970 na região conhecida à época como “ilhota”. Dita área, que já era mal vista porque recorrentemente alagava por ser próxima ao riacho, não tinha saneamento, eletricidade ou qualquer outro tipo de infraestrutura, além de abrigar “escravos fugidos, libertos e seus descendentes”14; todavia, a exemplo do Quilombo do Areal, o local era frequentado por sambistas e figuras ilustres, tais como Lupicínio Rodrigues e Tesourinha, jogador de futebol. Com processo instaurado no INCRA no ano de 2007, o Quilombo Família Fidelix ainda não obteve sequer a publicação do edital do RTID no Diário Oficial da União. Figura 4- Planta de localização do Quilombo Família Fidelix. Fonte: Superintendência Regional do INCRA/RS 14 SILVA, Daniela Santos da. A luta dos moradores do Quilombo da Família Fidelix (Porto Alegre/RS) pela regularização fundiária. Dissertação de Mestrado em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 57. 15 10. Tendo em vista que até a titulação da área remanescente de quilombo em favor da Associação Quilombola o registro imobiliário não recebe qualquer anotação de que o imóvel está sendo objeto de estudo pelo INCRA, há como saber se o imóvel que se pretende adquirir se encontra em processo de reconhecimento de área quilombola? Sim. O interessado pelo imóvel poderá protocolar um requerimento endereçado ao Superintendente Regional do INCRA solicitando a expedição de certidão quanto a não sujeição, interesse, análise e/ou estudo do INCRA em relação ao bem pretendido, especialmente no que toca a uma possível declaração de área quilombola. Imprescindível que o requerimento seja acompanhado de certidão atualizada da matrícula do imóvel. A certidão será fornecida gratuitamente pelo órgão federal no prazo de até 15 (quinze) dias, em média15. 15 Praxis do autor na Comarca de Porto Alegre, RS. 16 BIBLIOGRAFIA CAMPO E LAVOURA. Quilombos urbanos – Família Fidélix. Disponível em: http://wp.clicrbs.com.br/campoelavouranagaucha/2011/05/25/quilombos-urbanos - familia-fidelix/?topo=52,1,1,,171,e171. CUNHA, Juliano Closse da. Reconhecimento e cidadania: Vulnerabilidade e demandas sociais das comunidades quilombolas em Porto Alegre. Monografia do Curso de Ciências Sociais da Universdade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/37306/0008 20371 .pdf?sequence=1. Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br. GEHLEN, Ivaldo; SILVA, Marta Borba; SANTOS, Simone Ritta dos (Orgs.). Diversidade e proteção social: estudos quanti-qualitativos das populações de Porto Alegre – afro-brasileiros; crianças, adolescentes e adultos em situação de rua; coletivos indígenas; remanescentes de quilombos. Porto Alegre: Centhury, 2008. Guia de Políticas Públicas para Comunidades Quilombolas – 2013. Disponível em: www.seppir.gov.br. 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