IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” PROPOSTA CURRICULAR DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU/RJ Alessandra Victor Valdeney Lima JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ PROPOSTA CURRICULAR DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU/RJ Alessandra Victor / UNIRIO Valdeney Lima / UNIRIO RESUMO: O artigo teve como objetivos discutir sobre as relações entre educação integral versus currículo e descrever a proposta curricular do programa Bairro-Escola de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Para alcançar o primeiro fim desenvolvemos uma pesquisa teórico-bibliográfica baseada nos estudos de Cavaliere (1996), Coelho& Hora (2004), Moreira e Silva (2005), enquanto que para o segundo, realizamos uma pesquisa documental a partir dos livretos publicados pela secretaria de educação do município. Evidenciamos em primeiro momento que existe uma correlação entre educação integral e currículo. Isso porque pensar nesta visão de educação implica também propor outra organização curricular, integrando diferentes saberes e linguagens. Os resultados do presente estudo revelaram que a proposta curricular analisada esta pautada na realização de oficinas de esportes, cultura e aprendizagem. Ao currículo escolar juntam-se atividades diversificadas (reforço escolar, teatro, dança) que acontecem preferencialmente, em espaços fora da escola de maneira a promover uma educação integral para os educandos. PALAVRAS-CHAVE: educação integral, currículo, diversificação curricular. 1. Introdução Atualmente o tema educação integral vem ganhando espaço no debate educacional, principalmente com a implementação de várias ações e /ou políticas públicas governamentais nas três esferas administrativas (Federal, Estadual e Municipal) e mesmo em projetos emanados de organizações não governamentais, movimentos sociais e de instituições privadas. Podemos dizer que a (s) proposta (s) de educação integral para o sistema público de ensino carrega(m) novas concepções de educação, o que produz, com efeito, Alessandra Victor & Valdeney Lima 5687 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ a ressignificação de vários aspectos do espaço escolar, dentre eles: o papel da escola, o tempo e o espaço, a gestão, a prática pedagógica, a avaliação, o financiamento, a formação docente e a própria organização curricular. Para fins desse artigo, a presente discussão está pautada na relação estabelecida entre educação integral e proposta curricular para o espaço público de ensino. Isso porque as propostas de educação integral que vem sendo pensadas (e já praticadas) no atual momento advogam uma reorganização do currículo escolar. Neste estudo, discutimos sobre a proposta curricular do Programa BairroEscola de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, que se apresenta como um projeto de Educação Integral destinado às escolas públicas de ensino fundamental do município. Para o desenvolvimento deste, partimos dos seguintes questionamentos: Quais relações se estabelecem entre educação integral e currículo? Qual é a proposta curricular do Programa Bairro-Escola? No intuito de buscarmos as respostas para essas perguntas, desenvolvemos uma investigação qualitativa por meio de pesquisas teórico-bibliográfica e documental. Para a realização do primeiro tipo de pesquisa, recorremos aos estudos de Cavaliere (1996) que discute sobre a escola de educação integral e Coelho & Hora (2004) que debatem sobre diversificação curricular e educação integral; Silva (2005), Moreira e Silva (1995) foram os autores utilizados como referências sobre os estudos do currículo. A pesquisa documental foi realizada a partir dos livretos que apresentam o programa pesquisado e para análise dos dados coletados optamos pela técnica de pesquisa análise de conteúdo. (BARDIN, 1979). Na primeira parte do artigo discutimos a organização curricular da escola primária da década de 1920, preconizadas por reformas estaduais dirigidas por personalidades políticas simpatizantes da Escola Nova, movimento que pregava uma renovação educacional e, com efeito, retomou o ideário da educação integral. Na parte seguinte descrevemos o programa Bairro-Escola, que se apresenta como um programa de educação integral e em seguida, expomos sua proposta curricular para as escolas da rede pública de ensino do município. Na parte final, tecemos análises preliminares do tema em questão e apontamos nossas reflexões sobre o estudo aqui realizado. Alessandra Victor & Valdeney Lima 5688 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ 2. Educação Integral e Diversificação Curricular na Escola Primária Brasileira Historicamente o currículo da escola primária brasileira foi marcado por uma organização que privilegiava conhecimentos e disciplinas escolares. Havia pouca valorização de atividades de trabalho corporal e manual na integralização curricular, visto que se dava ênfase no intelecto e no pensar humanos, bem ao gosto da chamada Pedagogia Tradicional. Entretanto, em terras tupiniquins, no início da década de 1920, sob influência da corrente escolanovista, dirigentes políticos e intelectuais iniciaram um movimento de renovação da educação pública, particularmente para a escola de ensino primário. Ao assumirem cargos públicos os mesmos realizaram reformas na instrução pública 1 que, com efeito, provocaram mudanças na estrutura e no funcionamento do sistema educacional dos estados, causando implicações também nos programas escolares vigentes no período. O movimento reformista pretendia modificar o papel social da própria instituição escolar, considerada obsoleta naquele contexto histórico. Para isso, as iniciativas públicas pregavam a renovação dos métodos pedagógicos, da prática docente, da administração escolar, bem como da organização curricular dos programas escolares. “O enriquecimento do currículo, portanto, vai ser um dos principais resultados do movimento reformista e remodelador da instrução pública, no nível primário” (NAGLE, 2001, p.280). As transformações pelas quais passaria a escola primária preconizadas pelas reformas educacionais da década de 1920, se inserem no advento do ideário da Escola Nova. Entre as concepções educacionais desta, destacam-se o uso, em vários sentidos, da noção de educação integral. (CAVALIERE, 2002). Uma compreensão mais clara sobre a educação integral a partir de princípios escolanovistas encontra-se presente em Fernando de Azevedo, um dos protagonistas das reformas estaduais, conforme nos mostra o estudo de Saviani (2007): 1 Aconteceram reformas nos estados de São Paulo, por Sampaio Dória, em 1920; no Ceará, por Lourenço Filho, em 1922; na Bahia, por Anísio Teixeira, em 1924; no Distrito Federal por Fernando de Azevedo, em 1927, entre outras. Alessandra Victor & Valdeney Lima 5689 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ (...) A Escola Nova não é um aparelho de instrução, mas busca desenvolver uma educação integral, ela proverá, de forma articulada, a “educação física, moral e cívica” (...) desenvolvendo nos alunos hábitos higiênicos, despertando o sentido da saúde, a resistência e vitalidades físicas, a alegria de viver. Para tanto as escolas contariam com inspetor-médico ou inspetor dentário que, além da função de fiscalização, seria um educador sanitário (...) (p. 212). Esse entendimento de formação humana mais ampla, alicerçada na integração da educação física, moral e intelectual, serviram como orientação para a organização curricular da escola primária fixada com a reforma da Instrução Pública do Distrito Federal, nos idos de 1927, quando o cargo de diretor geral era ocupado pelo próprio Fernando de Azevedo. Quanto ao currículo da escola primária estabelecida pela reforma do Distrito Federal, foi a seguinte a composição, para as escolas nucleares: linguagem oral e escrita, aritmética, geometria, geografia e história pátria, ciências físicas e naturais, higiene e puericultura, economia doméstica, desenho, caligrafia, música, ginástica e trabalhos manuais. (NAGLE, 2001, p.279). Observamos pelo exposto que o plano curricular da escola primária do Distrito Federal superava o intelectualismo presente no currículo tradicional, ao incorporar atividades musicais, físicas e manuais que preparasse o indivíduo para uma sociedade em progresso. É importante ressaltarmos que nas duas primeiras décadas da república era grande o quantitativo de indivíduos analfabetos, o que levou os reformistas a pensarem em princípio na escolarização voltada para alfabetização do povo brasileiro e tempos depois, na escolarização para formação de novos indivíduos, para além da simples transmissão do A.B. C e do mero combate ao analfabetismo. Em consonância com essa concepção de escola, a Reforma do ensino na Bahia, no seu artigo 65 da Lei n°. 1.846, proposta por Anísio Teixeira - diretor geral da Instrução pública-preconizava que: Alessandra Victor & Valdeney Lima 5690 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ A escola primária (...) será, sobretudo, educativa buscado exercitar nos meninos os hábitos de observação e raciocínio, despertando-lhes o interesse pelos ideais e conquistas da humanidade, ministrando-lhes noções rudimentares de literatura e história pátria, fazendo-os manejar a língua portuguesa como instrumento de pensamento e da expressão: guiando-lhes as atividades naturais dos olhos e das mãos mediante formas adequadas de trabalhos práticos e manuais, cuidando, finalmente, do seu desenvolvimento físico com exercícios e jogos organizados e o conhecimento das regras elementares de higiene, procurando sempre não esquecer a terra e o meio a que a escola deseja servir, utilizando-se o professor de todos os recursos para adaptar o ensino às particularidades da região e do ambiente baiano. (NAGLE, 2001, p.274). Percebemos que a vontade do reformador baiano, explícito nesta passagem, era implantar uma escola primária integral pela extensão das atividades educativas e ampliação/diversificação curricular, para que se formasse o “novo” homem brasileiro. Os reformistas, em especial, Lourenço Filho e Anísio Teixeira entendiam que o ensino da escola primária não se restringia a ler escrever e contar. Deveria promover atividades de observação, investigação e uso de materiais concretos, que possibilitassem experiências ao indivíduo. Para tal fim foi incorporada uma gama de atividades extracurriculares que possibilitasse “modernizar” a escola de ensino elementar. Esse ideário de conceber uma escola nova e por vez, outra organização curricular também esteve presente em 1950, com a criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, por Anísio Teixeira. Este espaço educacional buscava oferecer uma educação integral para as classes populares. Para este fim, foram criadas as chamadas escolas-parques, onde se realizavam inúmeras atividades complementares as aulas regulares. Nunes (2009) em estudo descreve quais eram essas atividades: artes aplicadas(desenho, modelagem e cerâmica, escultura em madeira, cartonagem e encardernação, metal, couro, alfaiataria, bordados, bijuterias, tapeçaria, confecção de brinquedos flexíveis, tecelagem, cestaria, flores)no Setor de Trabalho; jogos, recreação e ginástica no Setor de Educação Física e Recreação; grêmio, jornal, rádio-escola, banco e loja no Setor Socializante; música instrumental, canto, dança e teatro no Setor Alessandra Victor & Valdeney Lima 5691 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ Artístico;leitura,estudo e pesquisas no Setor de Extensão Cultural e Biblioteca. (p.126). Como podemos observar, o projeto de educação integral da escola soteropolitana abarcava diversas atividades, que de certa forma, subtendia uma proposta curricular diversificada que propiciasse as condições necessárias para uma formação mais completa dos alunos atendidos pelo Carneiro Ribeiro. O projeto de educação integral e a proposta de atividades diversificadas concebidas por Anísio Teixeira serviu como referência para a implementação de outras iniciativas nas décadas de 1980 e 1990, a exemplo dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), no Rio de Janeiro e dos Centros Integrados de Atendimento à Infância (CIACs) em nível nacional. No Brasil de hoje, a proposta de uma educação integral e como conseqüência uma organização curricular favorável a esta, vem sendo retomada no cenário educacional a partir da multiplicação de projetos e experiências dessa natureza. Como exemplo, citamos o programa educacional de Nova Iguaçu, que pretende proporcionar uma formação mais completa para os alunos da rede pública municipal, por meio da inserção de atividades complementares no currículo escolar. 3. Conhecendo o Programa Bairro-Escola de Nova Iguaçu O programa aqui analisado acontece em Nova Iguaçu, cidade situada na chamada baixada fluminense, região que agrega vários municípios do Estado do Rio de Janeiro. A cidade, localizada a 28 km da capital, apresenta a maior extensão territorial da referida área, com alta densidade demográfica. Segundo dados do IBGE (2007), o município possui uma população estimada em 830.672 habitantes. No ano de 2005 teve origem em Nova Iguaçu o Programa Bairro-Escola, uma proposta política que tem como finalidade primeira a implementação de uma educação em tempo integral para as escolas públicas da rede municipal de ensino. Para atingir esse fim, ele procura desenvolver “um conjunto de políticas sócio-educativas que buscam apontar novas possibilidades de concretização da educação para a cidadania, na escola e fora dela” (SEMED, 2008, pág. 7). Alessandra Victor & Valdeney Lima 5692 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ A origem do Bairro-Escola está na chamada “teias de conhecimento” que chegou ao Brasil no final do século 20, com o movimento das Cidades Educadoras. “Sob a forma de programas e parcerias, geridas por organizações não-governamentais, difundiram-se soluções que defendiam o papel ativo da sociedade civil em substituição ou complementação às ações governamentais” (CAVALIERE, 2009, pág. 59). Essas características ficam evidentes no objetivo geral da proposta de educação integral de Nova Iguaçu, que possui como ideal (...) a formação global dos sujeitos envolvidos nos processos de aprendizagem ofertados na cidade por meio dos diferentes atores sociais, saberes, equipamentos e instituições. Visa promover a formação de competências diferenciadas ao mesmo tempo em que educa para a cidadania ativa, favorecendo a participação crítica no cotidiano do bairro e da cidade (SEMED, 2008 pág. 11). O movimento das Cidades Educadoras parte do princípio de que a educação acontece em todos os territórios da cidade e não apenas dentro do ambiente escolar. De acordo com esse pensamento, foi constituída a ideia de que “o Bairro-Escola incentiva essa ‘conversa’ entre escola e cidade, mobilizando lugares e pessoas para o processo de educação e construção da cidadania” (SEMED, s/d, pág. 4). Baseado na ideia de que a escola deve se integrar ao bairro, o programa estabelece uma rede de parcerias que englobam desde instituições públicas a privadas. Essa rede é composta por “parceiros do Bairro-Escola” que disponibilizam seus espaços educativos para a realização das oficinas que compõem a proposta No Bairro-Escola as crianças saem pelo bairro em busca de aventuras. Descobrem outras relações com o conhecimento através de novas práticas educativas, diferentes daquelas que experimentam na escola. As trilhas educativas passam por calçadas, igrejas, praças, inclusive pelas casas das pessoas. Lugares que as crianças já conhecem e freqüentam, mas de outro modo: sem uniformes, apertando a campainha e saindo correndo, pulando o muro para pegar a fruta, olhando a casa e vendo um castelo, pegando o galho e já é espada. E nesse ir de lá-pra-cá levam a essência do projeto pedagógico: Alessandra Victor & Valdeney Lima 5693 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ a vontade de saber, descobrir, se relacionar e produzir reflexões a partir de novas experiências (SEMED, 2008, pág. 21). Para o programa, “ser parceiro do Bairro-Escola significa dividir de forma prazerosa e significativa a gestão da Educação Integral, com o objetivo único de transformar Nova Iguaçu numa Cidade Educadora”. (Idem). Observamos, a partir dos documentos analisados, que o programa preconiza uma nova organização do ambiente educacional, pois amplia o currículo, o tempo escolar e incorpora outros espaços educativos, buscando a valorização das vivências cotidianas dos educandos, para além da escola. Em primeiro lugar muda o currículo, que passa a ser visto de forma integrada e a ter o foco na promoção da cidadania participativa. Isso implica o acesso a diferentes fontes de informação (incluindo a tecnologia digital), o uso de diferentes linguagens de expressão e a participação crítica no mundo. Em segundo lugar, amplia-se a jornada escolar (...) Por último, a escola ganha novos educadores: animadores culturais, artistas, músicos, contadores de história, jovens de diferentes talentos – cada um ensinando a ler o mundo a partir de uma linguagem diferente(SEMED, s/d , pág 6) Após essa apresentação do Bairro-Escola, na secção seguinte descrevemos e em seguida analisamos sua proposta curricular para as escolas da rede pública municipal. 4. Proposta Curricular do Bairro-Escola Nesse momento do artigo faremos uma descrição da proposta curricular do programa Bairro-Escola, a partir dos livretos: (1) Educação Integral; (2) Bairro-Escola: fazendo de Nova Iguaçu uma cidade educadora, publicados pela Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu (SEMED). O livreto Educação Integral, lançado em 2008, apresenta as bases teóricas da proposta de educação integral do Bairro-Escola. Esta publicação está dividida em três grandes seções: na primeira, estão expostos os objetivos, o currículo, as oficinas, Alessandra Victor & Valdeney Lima 5694 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ os agrupamentos dos alunos que freqüentam o horário complementar, a proposta pedagógica e a organização do início do ano letivo; a segunda informa sobre a rede de parcerias; a última seção apresenta a legislação específica da educação integral. Para fins desse estudo, limitamos nossa análise à parte do documento que trata do currículo, em especial, as oficinas educativas que o integram. No livreto Educação Integral, a seção que apresenta a concepção curricular do Bairro-Escola defende a idéia que “o currículo da Educação Integral deve prever um processo de ressignificação curricular de modo a articular e potencializar as vivências educativas a favor das aprendizagens dos sujeitos e das comunidades” (SEMED, 2008, pág. 12). A nosso ver, ao propor uma “ressignificação curricular” o programa preconiza uma nova abordagem de currículo, que busca levar em conta a potencialização e articulação das vivências educativas entre sujeitos e comunidades. Esse entendimento revela-se interessante, porque pressupõe a integralização dos diferentes saberes, sejam eles escolares ou não. Para este fim, a proposta curricular do Bairro-Escola em Nova Iguaçu defende “a articulação das atividades escolares com as atividades extra-escolares” (idem), bem como “a abertura das escolas para a comunidade, de modo a favorecer a vivência de novas experiências educativas” (idem). Em relação a abertura das escolas para a comunidade, Cavaliere (1996) ressalta que A estruturação da escola como um centro comunitário, ou seja, como uma instituição que é da comunidade e para a comunidade possibilitará uma atuação significativa nesta esfera, pois o interesse comunitário estará sendo concretamente vivido e não “ensinado” ou “transmitido”, o que, neste caso, é uma pretensão inóqua. (pág. 158) Segundo a autora, a escola não deve se desvencilhar da comunidade para “ensinar” ou “transmitir” conteúdos. Ela deve conviver de forma interativa, de modo que seu dia-a-dia vivencie a realidade da qual ela também faz parte. Em decorrência dessa visão, o programa defende ainda a abertura de novos espaços e mecanismos de gestão participativa do projeto educacional e da escola, além do “estabelecimento de Alessandra Victor & Valdeney Lima 5695 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ uma rede de parceiros, atuantes no âmbito da Educação Cidadã”. (SEMED, 2008, pág. 12). A proposta curricular do programa Bairro-Escola está organizada por meio de três oficinas – Esporte, Cultura e Aprendizagem – que compõem o horário complementar. Evidenciamos aqui que as escolas do município funcionam num sistema de turno e contra-turno, ou seja, enquanto no turno regular, os alunos participam de aulas com ênfase nos conteúdos escolares pertinentes a cada série, no outro, denominado como horário complementar, eles participam de oficinas educativas, cuja duração média de cada uma dessas é de uma hora. Lembramos também a nossos leitores que a realização das atividades de cada oficina são de responsabilidade das Secretarias de Esportes, de Cultura e de Educação, respectivamente. As oficinas pretendem “desenvolver, ampliar e potencializar as habilidades intelectuais; a cooperação e o senso de pertencimento; o estímulo à prática de esportes individuais e coletivos; a prática da criticidade ética e da sensibilidade estética nas atividades culturais e artísticas” (SEMED, 2008, pág. 12). Em consonância com o objetivo geral, formularam-se também objetivos específicos para cada uma das oficinas. Dessa forma, a oficina de esporte desenvolve “atividades que visam promover o estado físico saudável e o desenvolvimento das práticas coletivas para ações de cooperação e cidadania” (Ibdem, pág. 13). Já a oficina de cultura busca “desenvolver e potencializar habilidade e sensibilidade estética, além do uso das linguagens artísticas para a expressão criativa” (idem) e as oficinas de aprendizagem (...) visam desenvolver, principalmente, atividades que se articulam aos conceitos e conhecimentos trabalhados nas atividades pedagógicas desenvolvidas no horário regular, ampliando-os por meio da prática de pesquisa e estudo dirigido. Tem por objetivos: o desenvolvimento da autonomia no processo de aprendizagem e a ampliação das possibilidades intelectuais e criativas de pensamento e expressão. (idem). A partir da sistematização de objetivos específicos para as oficinas, os documentos analisados também apresentam atividades diversificadas. Assim, podemos dizer que as práticas esportivas incluem além de modalidades como futebol, vôlei, Alessandra Victor & Valdeney Lima 5696 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ basquete e natação, outras atividades de natureza recreativa e jogos cooperativos. As oficinas de cultura incluem atividades musicais, teatral, de dança, cinema e artes plásticas. Enquanto isso, as oficinas de aprendizagem incluem “pesquisas, estudos dirigidos e utilização de recursos materiais pedagógicos diversificados” (SEMED, s/d, pág.8). No livro “Bairro-Escola: fazendo de Nova Iguaçu uma cidade educadora”, encontramos também os argumentos construídos para justificar a existência de cada oficina. A justificativa da oferta das oficinas de esporte baseia-se na promoção da saúde, no conhecimento do corpo, bem como no desenvolvimento dos aspectos físicos, individuais e de cidadania. Já as de cultura são consideradas relevantes porque promovem o senso criativo, a sensibilidade estética e a utilização de várias linguagens artísticas como meio de expressão. A importância das oficinas de aprendizagem se sustenta no argumento de que elas (...) desenvolvem a autonomia no processo de aprendizagem, aprofundando o que foi visto nas aulas e reservando um espaço para o dever de casa. Além disso, buscam fazer pontes com a vida familiar, escolar e comunitária, valorizando as experiências vividas pelas crianças e estimulando a sua expressão e olhar crítico (idem) A participação nas oficinas acontece através da organização de turmas/ grupos a partir da idade dos alunos. São quatro grupos: A, B, C e D. O “Grupo A” compreende a faixa etária de 6 a 7 anos de idade. O “Grupo B” de 8 a 10 anos. O “Grupo C” de 11 a 14 anos e o “Grupo D” de 15 a 18 anos. Levando em consideração os agrupamentos das turmas por faixa etária, estruturou-se também uma proposta pedagógica compatível com essa organização. Nesse sentido, “o planejamento da proposta para o grupo A/B é realizado para os 5 anos do 1º Segmento do Ensino Fundamental (crianças de 6 a 10 anos)”, já “o planejamento da proposta C/D é realizado para os 4 anos do 2º Segmento do Ensino Fundamental (adolescentes e jovens de 11 a 18 anos de idade)” (SEMED, 2008, pág. 15). Vale acrescentar que todas as atividades do horário complementar, ou seja, as oficinas são realizadas por pessoas contratadas pela Secretaria responsável pela Alessandra Victor & Valdeney Lima 5697 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ realização e organização de cada uma delas. Essas pessoas foram denominadas como “agentes educadores” e são “estagiários, estudantes do Ensino Médio ou Superior e profissionais contratados que conduzem as oficinas e acompanham as crianças na mobilidade pelo bairro”(SEMED, s/d, pág. 10). No âmbito das escolas, as oficinas são de responsabilidade de coordenadores. O coordenador da oficina de aprendizagem é um “professor responsável por acompanhar, orientar e avaliar as oficinas de aprendizagem, garantindo a integração das atividades e a sua articulação com as aulas do turno regular” (idem). O coordenador das oficinas de cultura é um animador cultural indicado pela Secretaria de Cultura. Já o coordenador das oficinas de esportes é um docente de Educação Física. 5. Pistas para um debate Adiantamos neste ensejo que nossas análises sobre o objeto deste estudo apoiaram-se nos livretos elaborados pela Secretaria Municipal de Nova Iguaçu, que apresentam o Programa Bairro-Escola. Nesse sentido, estamos cientes que a proposta curricular deste projeto educacional está passível de modificações, tendo em vista que este se encontra em andamento. Num primeiro momento podemos dizer que existe uma correlação entre educação integral e currículo. Isso porque “seja para um projeto de educação integral, ou para qualquer proposta na área, sabemos seguramente que sua materialização se engendra na produção do artefato currículo” (COEHO& HORA, 2004, p.1). Assim, partindo desse entendimento se entendemos por educação integral uma educação que possibilita a formação global do sujeito, alicerçada em atividades manuais, esportivas, pedagógicas, artísticas, por outro lado, acreditamos que essa visão implica em outra maneira de se compreender o currículo. Este por vez, conforme Aplle (1995) (...) nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo. (p.59). Alessandra Victor & Valdeney Lima 5698 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ Nesta parte do artigo evidenciamos que a concepção de educação integral carrega em seu bojo um novo entendimento curricular, não mais restrito a conteúdos e disciplinas formais a serem transmitidas, incorpora agora, conhecimentos intencionalmente vivenciados, dentro ou fora do espaço escolar. Se este tipo de educação supera a fragmentação dos saberes historicamente acumulados pela civilização humana e incorpora novos conhecimentos relevantes para uma formação plena, logo se faz necessário uma nova concepção de currículo e outra forma de organizá-lo, desta feita suprimindo a hierarquia e a dicotomia daqueles saberes. Nesse sentido, “a educação escolar integral requer mais do que propriamente um novo currículo, ela requer uma concepção de currículo diferente da que hoje, na prática, predomina no Brasil e no Mundo” (CAVALIERE, 1996, pág.148). O currículo que serve a uma educação integral deve articular os diferentes saberes sociais e culturais, trabalhar com diferentes linguagens e promover a integração de aprendizagens, tendo em vista a formação mais ampla que se pretende oferecer aos indivíduos. Isso nos leva a pensar também que “a integração dos conteúdos escolares com os problemas e experiências cotidianas, a abertura da escola para a vida que corre fora dela, o conhecimento tornado prática e vice-versa são condições que poderão levar à crítica e produção de conhecimento na escola” (Ibidem, p.164). A reflexão do currículo de uma educação plena não deve omitir a própria noção que temos desta. Ou seja, pensar no “conceito” de currículo de um programa de educação integral, implica necessariamente, e antes de tudo, saber o que se entende por essa educação, muito embora se trate de um tema vasto (CAVALIERE, 2002). Analisando os livros que versam sobre a base curricular do Bairro-Escola de Nova Iguaçu percebemos que o objetivo primeiro desse programa é colocar em prática uma concepção de educação integral, através de uma nova abordagem curricular. A partir dos documentos analisados no momento desta pesquisa, observamos que o programa Bairro-Escola parte do pressuposto que educação integral (...) Numa definição mais teórica, é uma educação que promove o desenvolvimento integral das crianças e adolescente, incluindo o corpo, a mente, a vida social. Numa definição mais prática, é a que incentiva o desenvolvimento de uma nova geração de jovens que aprendem com mais autonomia, sabem tomar decisões, buscam uma melhor qualidade de vida, Alessandra Victor & Valdeney Lima 5699 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ constroem relações afetivas saudáveis e se reconhecem como sujeitos ativos e participantes. (SEMED, s/d, pág. 6) Acreditamos que esse discurso só adquire sentido se houver uma articulação das disciplinas escolares com atividades extra-escolares, superando assim a concepção curricular estanque e possibilitando um currículo com viés mais crítico, não mais reprodutor de atividades sem significados. A concepção curricular necessária à escola de educação integral supera a ideia de que o currículo se resume á seleção e organização de conteúdos e habilidades a serem transmitidas, ou seja, a um programa de estudos. Ela tem como base o entendimento de que o currículo é um percurso educacional, um conjunto amplo de experiências intencionalmente proporcionadas, que o indivíduo vive no ambiente escolar. (CAVALIERE, 1996, pág. 148). Partindo desse entendimento, podemos inferir que em Nova Iguaçu, até o momento desse estudo, houve uma configuração de atividades “extracurriculares” pela ampliação do tempo escolar. Nesse bojo, o plano curricular segmentou em dois turnos as atividades. No turno regular priorizam-se as atividades que transmitem os conteúdos curriculares socialmente construídos e o horário complementar se configura como um momento de atividades dinâmicas e diversificadas. Essa organização curricular carece de alguns cuidados, visto que não faz sentido a simples incorporação de atividades extra-escolares ao currículo formal da instituição de ensino se os mesmos não dialogarem com os conhecimentos praticados no próprio ambiente escolar. Ademais, o que precisa estar claro é que “atividades diversificadas não garante a diversificação curricular (COEHO& HORA, 2004, p.5). Estas acrescentam ainda que a diversificação curricular ocorre quando a ação educativa engloba atividades diferenciadas planejadas coletivamente e de modo integrado. Nesse sentido, defendemos sua materialização no projeto político-pedagógico da instituição escolar. Outro aspecto que nos chamou a atenção nesta empreitada consistiu na seleção das oficinas que integram a proposta curricular do Bairro-Escola. Apesar de reconhecermos a importância das práticas de esporte, cultura e aprendizagem, parece- Alessandra Victor & Valdeney Lima 5700 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ nos que faltam outras atividades que corroboram para o pleno desenvolvimento do indivíduo, como por exemplo, projetos ligados as novas tecnologias, a musicalidade, a formação política, ao senso estético, entre outros. Por que a proposta curricular privilegia apenas essas oficinas? Nesse momento nos vem em mente as contribuições da Nova Sociologia da Educação – NSE, no que tange as relações entre currículo e poder. Esta abordagem tem sido “referência indispensável para todos os que vêm se esforçando por compreender as relações entre os processos de seleção, distribuição, organização e ensino dos conteúdos curriculares e a estrutura de poder do contexto social inclusivo” (MOREIRA e SILVA, 1995, pág. 20). Ainda em relação aos livretos que apresentam o Bairro-Escola de Nova Iguaçu, podemos pensar que as referências teóricas da proposta curricular são as mais diversas. Ao mesmo tempo em que percebemos influências teóricas da teoria de Paulo Freire, como podemos perceber na seguinte passagem: “as atividades oferecidas incentivam o desenvolvimento da autonomia, levando-os a buscar melhorar sua própria qualidade de vida, aprender a tomar decisões, construir relações afetivas saudáveis e reconhecerem-se como sujeitos ativos e participantes dentro de seu grupo social” (SEMED, 2008, pág. 12). Também identificamos a idéia de capital cultural explicada por Bourdieu, como se observa no trecho “As crianças, aos adolescentes, jovens e adultos matriculados nas diferentes etapas da educação escolar, é oportunizada a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes que favoreçam sua permanência e sucesso escolar e que ampliem seu capital cultural”. (idem). Neste estudo, evidenciamos que as reflexões sobre educação integral incluem também o entendimento que tem sobre currículo. A compreensão deste tem relação imediata com a maneira como ele é concebido pelos autores e teorias. Nesse caso, no tocante ao discurso da proposta curricular analisada, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo, o que realmente faz é elaborar uma visão específica de currículo (SILVA, 2005). Expusemos ainda que a proposta curricular do programa analisado se baseia na organização das oficinas de esporte, cultura e aprendizagem, preconizando a inclusão de atividades diversificadas no currículo escolar. Estas, conforme já exposto, são realizadas no chamado contraturno. Alessandra Victor & Valdeney Lima 5701 Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ Acreditamos que embora a proposta curricular do programa analisado ainda tenha poucos anos de vida, se faz necessárias reflexões sobre a mesma, não para criticála radicalmente, mas, para sabermos que atende a visão de educação que se baseia. Pelo exposto neste artigo, concluímos que não há como oferecer uma formação plena para nosso educando, se não houver uma organização curricular que esteja em sintonia com essa visão de educação. Em outras palavras não adianta dizer que se oferece uma educação integral se o currículo não for realmente integrado e integrador. O que queremos dizer com isso? Ora, por currículo integrado entendemos como sendo aquele que incorpora os saberes dos diferentes campos do conhecimento, promovendo sua articulação, enquanto que por currículo integrador entendemos como sendo aquele que abarca os conhecimentos explícitos e aqueles não oficializados no contexto escolar. Incorporando estas concepções de currículo e de conhecimento escolar, a escola de educação integral pode levar a uma escolarização menos formalizada e burocrática, que seja capaz de formar mentalidades ativas e críticas e não apenas repetidoras ou expectadoras. (CAVALIERE, 1996, p.165). 7. Referências Bibliográficas APLLE, Michael W. A Política do Conhecimento Oficial: faz sentido a idéia de um currículo nacional? In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. (orgs). Currículo, cultura e sociedade. 2ª ed, - São Paulo: Cortez, 1995. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed.70, 1979. BRASIL. IBGE. Contagem da população 2007. 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Alessandra Victor & Valdeney Lima 5703 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” INTEGRAÇÃO CURRICULAR DEFINIÇÕES OFICIAIS E PRÁTICA COTIDIANA Ângela Fernandez Porto de Chades JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana INTEGRAÇÃO CURRICULAR DEFINIÇÕES OFICIAIS E PRÁTICA COTIDIANA Ângela Fernandez Porto de Chades PROPED/UERJ Agência financiadora: CNPq RESUMO: Esse texto é construído a partir de uma pesquisa que realizo no Colégio de Aplicação da Faculdade da Região dos Lagos, situado em Cabo Frio- Rio de Janeiro/ Brasil, cuja proposta pedagógica de integração curricular inclui concepções e princípios encontrados nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2008). Essa investigação fundamenta-se nos estudos de Ivor Goodson (1997) sobre a história das disciplinas escolares e de Basil Bernstein (1981), que trata dos processos de compartimentação dos saberes pela introdução dos conceitos de classificação e enquadramento. A integração pressupõe articulação entre as disciplinas, bem como a alteração nas hierarquias e relações de poder que constituem os saberes e o processo escolar. Destaco, a partir do documento em questão, como a integração curricular, via interdisciplinaridade e contextualização é apresentada e de que maneira os atores escolares do colégio materializam essa proposta. Acredito que as formas com as quais os praticantes da escola constroem seus currículos resultam de esforços coletivos e de práticas dialógicas, mas também de disputas por posições de poder. Essas posições de poder parecem estar mais diluídas numa proposta de currículo integrado. PALAVRAS-CHAVE: política de integração curricular – interdisciplinaridade contextualização - práticas curriculares. Desde muito tempo, as reflexões em torno das especificidades do conhecimento escolar e do modelo disciplinar do currículo estão presentes nos principais encontros de educação do país e do mundo. Em geral, os debates tendem a encaminhar-se para as formas de integração para os currículos escolares, a partir de diferentes perspectivas teóricas. Ainda assim, percebo que o currículo disciplinar é uma estrutura dominante nas escolas. Ângela Fernandez Porto de Chades 5707 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana Recentemente, foram apresentados pelo MEC novos documentos1 a favor da integração disciplinar, reforçando a ideia de um ensino interdisciplinar e contextualizado. Mas como pensar o diálogo entre as disciplinas num espaçotempo disciplinar? Que questões envolvem a reorganização do conhecimento escolar? Como organizar o tempo escolar para a materialização de propostas integradoras? Tais questões, por si só seriam suficientes para demonstrar a necessidade de problematização sobre a trajetória e a consolidação de uma disciplina escolar, assim como as análises que explicitam uma dicotomia entre os currículos integrado e disciplinar. Apoiada nos estudos de Goodson sobre a história das disciplinas escolares e de Bernstein que trata dos processos de compartimentação dos saberes, apresento neste texto, algumas reflexões sobre a pesquisa que realizo numa escola de ensino médio, situada em Cabo Frio/RJ, cuja proposta pedagógica está centrada no princípio de integração curricular. Pretendo problematizar com Goodson o processo de constituição da disciplina escolar, entendendo-a como parte de uma estrutura mais ampla que incorpora e define os objetivos e possibilidades sociais do ensino. No que concerne à organização do currículo, apresento os conceitos de classificação e enquadramento descritos por Bernstein. Também, a partir das definições oficiais sobre integração escolar - encontradas nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCNem), analiso como as disciplinas escolares são apresentadas no documento a partir dos princípios de interdisciplinaridade e de contextualização e em que medida as definições oficiais são incorporadas nas práticas curriculares do Colégio de Aplicação Renato Azevedo que, nesse momento, passo a nomear de CAp. Respeitando os limites espaciais do texto, apresento o estudo em duas partes, tentando aproximar os fundamentos apresentados a algumas situações observadas no contexto em questão. 1 Refiro-me aos documentos constituintes da reforma do ensino médio, em especial, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, uma das mais recentes publicações. Ângela Fernandez Porto de Chades 5708 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana Parte I Disciplina escolar: trajetória e consolidação curricular Inicialmente, acho importante sinalizar que os estudos críticos sobre currículo, assim como as formulações dos Estudos Culturais nos ajudam a compreender as tensões que envolvem a produção curricular. Esses estudos apontam que o conhecimento escolar é resultado de escolhas conflituosas sobre o que deve ou não ser ensinado na escola. Isso se dá porque a atuação da escola não é isolada do contexto político-social e cultural; além disso, há especificidades próprias dos processos de seleção do conhecimento em diferentes instituições. Nesse sentido, afasto-me da concepção de que o conhecimento escolar é mera simplificação do conhecimento científico, partindo da premissa de que há diferenças entre o saber a ser ensinado e os objetos de ensino. São muitos os estudos sobre a constituição dos saberes escolares que colaboraram para o desenvolvimento do campo educacional. Dentre esses, aproximo-me das formulações de Goodson (1997, 2005) e de Lopes (2002, 2008) por entender que ambos trazem significativas contribuições para as pesquisas sobre a organização do conhecimento escolar. Inicio com a compreensão de Lopes (2008) sobre a diferenciação entre o conhecimento escolar e o científico. Ela adverte sobre o equívoco de se acreditar na seleção desinteressada dos conhecimentos científicos para o contexto escolar, sinalizando que tal ideia prejudica a análise do processo de construção do currículo. Na sua percepção, essa visão não nos permite refletir sobre os processos de estruturação e organização do conhecimento escolar, assim como sobre as relações de poder constitutivas da trama escolar e do contexto social. Dessa forma, ainda que seja possível afirmar alguma sintonia entre o mecanismo regulatório da disciplina escolar e os princípios disciplinares das ciências, isso não significa que ambas tenham a mesma trajetória sócio-histórica, sendo necessário analisar as diferenças de como esses mecanismos se efetivam e de como historicamente se constituem nos diferentes campos de produção do conhecimento científico e de sua recontextualização (p.55). Sob esse aspecto, Goodson (1997) confere especial atenção à compreensão do percurso histórico da disciplina escolar, afirmando que esta não pode ser analisada apenas por critérios epistemológicos, nem tampouco enxergada como Ângela Fernandez Porto de Chades 5709 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana mera simplificação das disciplinas científicas ou acadêmicas. O autor considera que as disciplinas escolares têm finalidades sociais específicas e guardam motivações próprias. De fato, o saber traduzido no currículo escolar é fruto de interferências complexas e não imediatas do processo didático, mas também e, principalmente, de expectativas e demandas do macro contexto. Assim, podemos reconhecer a especificidade epistemológica2 da disciplina escolar na medida em que ela busca responder às demandas do projeto escolar, mas será preciso também considerar outros fatores internos e externos à sua constituição, promotores de sua estabilidade e reconhecimento social. Esses fatores que alimentam a estabilidade de uma disciplina e a possibilidade dela manter-se nos currículos básicos estão associados às demandas de ordem política e social, expressas nos textos curriculares, que definem as racionalidades e a retórica da disciplina. No entanto, mesmo que haja intenções educativas e manuais práticos sobre a organização do conhecimento escolar fixando parâmetros sobre a prática da sala de aula, há variações locais que contribuem para influenciar o processo de organização curricular e, consequentemente, a constituição de uma disciplina. O autor reforça a ideia de que a função social do ensino define perspectivas e incentivos claros para os atores envolvidos na construção das disciplinas escolares, ou seja, o conhecimento escolar é produzido no seio de um conjunto de interesses e de relações de poder que atuam na escola e sobre a escola. Nessa produção, encontram-se imbricados processos de seleção e de organização dos conteúdos, os quais não incluem apenas os conhecimentos científicos, mas todos os saberes considerados válidos naquele momento histórico. Um estudo realizado por Frank Musgrove (apud Goodson, 1997), indica que as disciplinas formam um conjunto de sistemas sociais alicerçados em redes de comunicação, recursos materiais e ideologias (1968, p. 101) e no que diz respeito às ideologias, há que se pensar que os professores que trabalham com suas disciplinas são porta-vozes das comunidades disciplinares de referência e estão envolvidos com conhecimentos, regras, crenças e comportamentos muito próprios dos seus grupos. Não há como negar que junto a toda e qualquer experiência vivida na sua rede de relações 2 Forquin (1993) aponta a necessidade de resgate da dimensão epistemológica na discussão do conhecimento escolar. Ângela Fernandez Porto de Chades 5710 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana sociais e profissionais, o professor carrega traços identitários das comunidades disciplinares de referência com os quais lida ao longo de sua trajetória profissional. Segundo Veiga-Neto (1996), aprender história, gramática ou matemática é também aprender sobre as formas pelas quais criamos “as verdades” sobre o mundo em que estamos inseridos. A disciplina define uma verdade de consciência e sensibilidade sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos. Esse movimento está relacionado com questões de poder e regulação. Numa perspectiva foucaultiana, a disciplina possui manifestações que resultam de um princípio: a vontade de poder. Nesse sentido, o saber estaria associado ao poder. Veiga-Neto (op.cit.) propõe que (...)a vontade de poder engendra uma vontade de saber; mas esse saber não é nem todo o saber nem é qualquer um saber, senão um saber que é tanto específico ou circunscrito, quanto verdadeiro (p.112). E é a disciplina que estabelece a circunscrição e informa as condições de veracidade de um saber, sendo considerada elemento estruturador do currículo. A organização do currículo disciplinar é frequentemente associada à lógica divisionista das ciências que também seria determinante na construção das disciplinas escolares. Constituído por disciplinas de fronteiras bem marcadas, o currículo disciplinar vem sendo considerado uma organização impeditiva de práticas e desenhos curriculares alternativos. Alguns autores, no entanto, consideram que, em função do crescente processo de globalização, das mudanças do modelo econômico e político e da universalização da informação, caberia à escola reorganizar seu conhecimento de maneira a responder às demandas macro estruturais que parecem estar mais voltadas para o processo de integração de conteúdos disciplinares. Morin (2001, p.68) defende que a história das ciências não é somente a da constituição das disciplinas, mas também a das rupturas de fronteiras disciplinares, de invasões de um problema de uma disciplina sobre outra, de circulação de conceitos, de formação de disciplinas híbridas (...) e conta a história da “revolução biológica” dos anos de 1950: (...) físicos como Erwin Schrödinger projetaram sobre o organismo biológico, os problemas da organização física; depois pesquisadores marginais tentaram descobrir a organização do patrimônio genético, a partir das propriedades químicas do DNA. A biologia celular, nascida desses concubinatos “ilegítimos”, não possuía nenhum estatuto disciplinar nos anos de 1950 e somente o adquiriu na França após o Ângela Fernandez Porto de Chades 5711 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana prêmio Nobel de Monod, Jacob e Lwoff. Ela autonomizou então, antes de, por sua vez, fechar-se até tornar-se imperialista... (p.69) Tal reflexão nos mostra dois aspectos que julgo significativos. O primeiro diz respeito ao movimento da disciplina científica em busca de reconhecimento social e regimes de verdade, capaz de torná-la ainda mais especializada e resistente à reciprocidade e à possibilidade do contato. Essa hiperdisciplinaridade (Morin op. cit.) é fruto da constituição de uma racionalidade monolítica e do espírito de propriedade que impede a circulação do estranho na sua parcela do saber. O estranho passa a ser tudo aquilo que é perturbador e incompreensível aos códigos de verdade definidos no interior das fronteiras disciplinares. Para Santos (1989) a constituição da ciência moderna está marcada pela recusa à vida prática e aos objetivos do senso comum, caracterizando-se pela especialização e profissionalização do seu estatuto de verdade (p.37). Apoiada nesse argumento, acredito que a territorialização das práticas científicas seja um princípio sobre o qual as disciplinas busquem seus padrões identitários. Se, por um lado, um território constituído coloca limites de contato, por outro, organiza sentidos, valores, posturas, que regem os modos de movimento de determinado grupo. O outro aspecto que sinalizo, traz a esta análise, a compreensão das experiências que nascem à margem do que é colocado como verdade, capazes de reinventar formas alternativas ao que é instituído. Os possíveis concubinatos ilegíveis e invisíveis à lógica da fragmentação científica dão novos sentidos a partir de outros interesses, não menos conflitantes e provisórios, fazendo emergir novas formas de conhecer e intervir no mundo. Sobre essa idéia, penso que os mecanismos de consolidação e institucionalização de uma disciplina científica, ou mesmo de uma disciplina escolar, serão reformulados em virtude de objetivos e múltiplos interesses situados nos diversos campos sociais. Sendo assim, podemos compreender que no campo político que envolve a organização do currículo escolar estarão em disputa diferentes valores e ideologias, assim como diferentes padrões disciplinares e práticas sociais à espera de novas posições de poder. Voltando à questão que envolve os processos globais e a necessidade de revisão do currículo disciplinar, retomo ao pensamento de Lopes (2008) que considera questionável a retórica do “novo perfil” das ciências no mundo global por não se levar Ângela Fernandez Porto de Chades 5712 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana em conta as dinâmicas sociais e históricas das práticas científicas de produção do conhecimento. A autora aponta que, frequentemente, o trabalho de aproximação entre disciplinas acaba gerando outro território disciplinar, com seus respectivos modelos teóricos e métodos de pesquisa. Diante disso, ainda que o pensamento em defesa da integração entre disciplinas escolares seja recorrente, assim como com as disciplinas de referência, há elementos epistemológicos diferenciados, não sendo cabível a relação direta entre elas. Macedo e Lopes (2002) indicam que há uma tecnologia de estruturação curricular funcionando como princípio organizativo e de controle de processos de escolarização. Nesse sentido, é preciso atentar para o fato de que, mesmo que haja argumentos epistemológicos para justificar a divisão que se estabeleceu no currículo, assim como nas ciências, outros fatores estão concorrendo para a construção das disciplinas escolares. Elas se desenvolvem a partir de demandas sociais que vão sendo incorporadas aos saberes científicos e pedagógicos, ou seja, há uma inter-relação entre os três campos: científico, pedagógico e social. Dessa forma, podemos considerar que as disciplinas escolares são produções culturais próprias da escola e representam comunidades autônomas, tanto em relação às disciplinas científicas quanto em relação às disciplinas acadêmicas, embora em alguns momentos haja uma aproximação entre elas. (p.78) Para compreender o processo de aproximação entre as disciplinas, recorro a Goodson (1997, 2005) que afirma que as disciplinas escolares, assim como as acadêmicas, podem atender a finalidades sociais muito próximas. Elas regulam as relações de trabalho quando, a critério das necessidades e pretensões do mercado de profissões, são escolhidas para a disposição de uma matriz disciplinar. Ou seja, de certa forma, ambas guardam um conhecimento autorizado e legitimado oficialmente para a organização dos currículos. Desse modo, o conhecimento distribuído socialmente e as profissões dele decorrentes passam a ter um valor de moeda adquirido pela certificação que lhes é conferida. A estandartização de diplomados, através do uso de tipos estandartizados de professores, alunos, temas e atividades (Goodson, 1997, p.27), associada a uma organização disciplinar do currículo evidencia a gana e a disputa entre as disciplinas por maior reconhecimento e status social. Ângela Fernandez Porto de Chades 5713 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana Assim, as disciplinas de maior prestígio social terão maior valor de moeda e serão mais requisitadas para assumirem posições de poder na organização do currículo, além de atrair maiores recursos materiais e financeiros para seus projetos e demandas. De acordo com essa lógica de mercado, as disciplinas de maior status conferirão certificados mais valiosos e concorridos, o que parece atrair mecanismos de estruturação de uma comunidade disciplinar forte no campo da política curricular. A retórica de valorização desse conhecimento específico configurará uma territorialização da disciplina que, em menor ou maior escala, terá como meta definir seus limites, assegurados em interesses idealistas e morais, assim como em recursos materiais (Goodson, 1997). Há, também, outros fatores que determinam a composição dos territórios disciplinares. É preciso levar em conta que o mercado, ao tentar controlar as desigualdades nas relações de trabalho, contribui para aumentar a disputa entre as comunidades disciplinares, que precisam estabilizar os valores dos seus certificados que circulam socialmente. Cabe aqui pensar que as pressões que acompanham o princípio de mercado estabelecem regras para a educação que poderão limitar ações e propostas por mudanças na organização curricular. De certa forma, a disciplina escolar permanece como um arquétipo da divisão e fragmentação do conhecimento nas nossas sociedades. Enclausurados dentro de cada micro-disciplina, os debates mais vastos sobre os objetivos sociais do ensino tendem a ser travados de forma isolada e segmentada (...) entre os diferentes níveis internos e externos e entre os domínios públicos e privados do discurso (Goodson, 1997, p.32) Nessa perspectiva apontada por Goodson, a disciplina escolar, da forma como ela se institucionalizou, conserva um padrão disciplinar no currículo difícil de ser superado. Isso não significa que não ocorram movimentos internos e externos às comunidades disciplinares a favor de mudanças de ordem epistemológica e cultural. É preciso lembrar que as comunidades disciplinares configuram um espaço heterogêneo de valores, identidades e tradições, que irão compor uma pluralidade de sentidos e discursos que estabelecem entre si uma disputa pela hegemonização de um modelo, inclusive aqueles contrários à fragmentação disciplinar do conhecimento. Sendo assim, é possível que membros de numa mesma comunidade disciplinar lutem Ângela Fernandez Porto de Chades 5714 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana tanto pela estrutura disciplinar do currículo, quanto por sua flexibilização. Há, nesse sentido, disputas de poder entre grupos, cada um com interesses e influências diferentes e muitas vezes divergentes em prol da garantia de recursos e status. Isso significa que a estruturação disciplinar poderá se consolidar diante de ações externas a ela. Nesse sentido, podemos destacar não só a força que exercem as políticas globais e nacionais em torno das questões curriculares, mas também fatores internos, cujos interesses específicos serão potencializadores de novos arranjos identitários. Na escola, é possível perceber os professores como representantes das comunidades disciplinares porque compartilham do conjunto de conhecimentos construídos e dados como legítimos. Compartilham, portanto, da identidade que se forma em torno de cada território disciplinar, facilmente expressada na linguagem e na condução do processo didático. Cabe aqui ressaltar que o professor estará sendo desafiado permanentemente a mobilizar os referenciais da comunidade disciplinar sempre que precisar reafirmar seu prestígio social. Para isso, poderá usar conhecimentos mais abstratos de tradições acadêmicas, afastando-se das tradições pedagógicas e utilitárias. Entretanto, defendo que esses praticantes, ainda que influenciados pela construção social e política das disciplinas de referência, estarão envolvidos numa rede complexa e dinâmica que movimenta a trama escolar, podendo fazer emergir outras maneiras de fazer (Certeau, 1994) a trajetória de suas disciplinas e do currículo da sua escola. Ainda que o currículo formal ofereça um ideário legitimador de escolarização, a partir das definições sobre o que é conhecimento escolar e como ele deve estar organizado, será preciso atentar para reinterpretações possíveis que brotam da prática e do processo escolar. Nesse caso, não podemos desconsiderar o que vem sendo produzido no cotidiano escolar, através das inúmeras experiências que demonstram como a disciplina escolar se relaciona com a prática. Esse argumento pode ser compreendido com o comentário da professora de Biologia do CAp: O governo vende o peixe dizendo que isso aí é novidade. Aqui no CAp, por exemplo, já fazemos a integração há muito tempo. Eu aprendi com os colegas mais velhos... os que iniciaram o trabalho. Não é nada fácil, tem que abraçar o projeto. Lembrar que aqui fizemos uma escolha. A gente trabalha muito junto, planeja a aula, a prova... (...) vai achando uma ligação entre uma disciplina e outra, com os projetos ou só com o conteúdo. Às vezes sai briga, mas no final dá certo. Ângela Fernandez Porto de Chades 5715 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana A partir do que é colocado pela professora, focalizo a troca de experiências, os conflitos e os acordos potencializadores de novas práticas disciplinares. Nesse viés, ainda que o território disciplinar seja um elemento capaz de criar mecanismos de diferenciação e representatividade no currículo, temos que considerar que há uma rede de sujeitos na escola que, por motivações próprias, convivem, aprendem, escolhem e constroem outros sentidos sobre o que lhes é dado, sendo capazes de tecer novos fios de saberes e fazeres, num constante processo político de criação curricular. A partir do que é considerado como currículo inovador, algumas recentes reformas curriculares3 propõem um novo desenho de organização do conhecimento escolar, materializado por concepções pedagógicas preocupadas com a aproximação dos conteúdos disciplinares à realidade do aluno. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCNem), publicadas em segunda reimpressão no ano de 2008, assinalam as intenções do MEC quanto à organização dos currículos para o ensino médio. No texto de apresentação do documento, são propostos cinco itens para a organização curricular. Entre eles destaco dois itens que caracterizam a temática em questão: (...) planejamento e desenvolvimento orgânico do currículo, superando a organização por disciplinas estanques e integração e articulação dos conhecimentos em processo permanente de interdisciplinaridade e contextualização. (p.7) Ainda que haja, nos documentos legais e nas publicações que circulam nos diversos contextos educativos, uma diversidade de fundamentações, o princípio integrador é hegemônico. Vejamos como a integração, via contextualização aparece nas OCNem, quando se referem às disciplinas de Biologia, Física e Química: Se a realidade dos alunos, seus conhecimentos e vivências prévias, forem considerados como ponto de partida, o ensino de Biologia fará sentido para o aluno e a compreensão dos processos e fenômenos biológicos será possível e efetiva (p. 34). (...) o conhecimento científico se origina de problemas bem formulados, mas o aluno chega à escola com conhecimentos empíricos, chamados comumente de senso comum e originados da sua interação com o cotidiano e com os outros. Na contextualização dos saberes escolares, busca-se problematizar essa relação entre o que se pretende ensinar e as 3 Considero recentes os documentos surgidos a partir da LDB 9394/96. Em especial destaco as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNem) publicadas em 1998, os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (PCNem) publicados em 1999 e as Orientações Educacionais Complementares (PCN+), publicadas em 2002. Ângela Fernandez Porto de Chades 5716 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana explicações e concepções que o aluno já tem, pois a natureza faz parte tanto do mundo cotidiano como do mundo científico. (...) O que se pretende é partir da reflexão crítica ao senso comum e proporcionar alternativas para que o aluno sinta a necessidade de buscar e compreender esse novo conhecimento. (p.50-51) Os processos de construção do conhecimento escolar supõem a interrelação dinâmica de conceitos cotidianos e químicos, de saberes teóricos e práticos, não na perspectiva da conversão de um no outro, nem da substituição de um pelo outro, mas, sim, do diálogo capaz de potencializar a melhoria da vida. (p.118) A partir do exposto acima, enfatizo a aproximação e ao mesmo tempo o distanciamento entre o conhecimento escolar e o científico. No texto, o conhecimento escolar se constitui da relação entre os conceitos teóricos definidos por cada ciência de referência e a articulação destes com a realidade do aluno, ou seja, a disciplina científica torna-se escolar por meio da sua capacidade de diálogo com a realidade do aluno e da sua aproximação com o processo didático (Chevallard, 1991)4. Dessa forma, a contextualização é considerada como um princípio metodológico do ensino, capaz de dar sentido às formulações científicas apresentadas ao aluno. O texto aponta que a contextualização é própria do processo de ensino (p.83) e aparece intimamente ligada à idéia de transposição didática 5: A contextualização não pode ser feita de maneira ingênua, visto que ela será fundamental para as aprendizagens a serem realizadas – o professor precisa antecipar os conteúdos que são objetos de aprendizagem. Em outras palavras, a contextualização aparece não como uma forma de “ilustrar” o enunciado de um problema, mas como uma maneira de dar sentido ao conhecimento matemático na escola. (p.83) Em outras passagens do documento, encontramos a diferenciação entre a disciplina escolar e a científica. Vejamos: A Física escolar é diferente da ciência Física, embora ambas estejam intimamente relacionadas. Os saberes ensinados são simplificados para 4 Para Chevallard (1991), um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática (p.39). 5 Conforme as OCNem (2008) a transposição didática é o processo pelo qual um objeto de saber chega à escola como objeto de ensino. Ângela Fernandez Porto de Chades 5717 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana possibilitar seu ensino. Seria então a ciência do cientista a única referência para os conteúdos disciplinares? Ao que parece, a transposição direta não seria suficiente. (p.46) Parece-me que há no mesmo documento um sentido ambíguo dado ao conceito de disciplina escolar. No primeiro momento, a disciplina escolar nasceria da pedagogia das disciplinas científicas (Japiassu, 1993, p.11), o que reforçaria o tom epistemológico com que são tratadas as questões referentes à organização curricular; noutro, elas teriam identidades diferentes. A disciplina escolar, portanto, difere da disciplina científica pela contextualização, mas, ao mesmo tempo aproxima-se dela pela necessidade particular de consolidação de seu território. Tomando a interdisciplinaridade como outro tópico de análise do comportamento das disciplinas no texto das OCNem, é possível perceber diferentes interpretações sobre a temática, ou seja, há variações no modo de conduzir a prática interdisciplinar. No texto construído pela comunidade disciplinar de Biologia é definido que (...) professores de diferentes disciplinas e áreas podem descobrir conteúdos que permitam um trabalho em conjunto (p.37). Em Física, a interdisciplinaridade não deve negar as características específicas de cada saber (...) o objeto de estudo é o mesmo, mas levará a um novo saber, que não é necessariamente da Física, da Química ou da Biologia (p. 52). Na disciplina de Língua Portuguesa, o texto coloca que (...) o objeto em foco seja construído/abordado por meio de diferentes lentes, isto é, a partir de diferentes olhares advindos do conjunto de disciplinas escolares que compõem o currículo (...) (p. 27). Em função do espaço do texto, limito-me a trazer esses exemplos para mostrar o tratamento diferenciado da interdisciplinaridade curricular no documento, fruto de concepções historicamente construídas e das reinterpretações geradas no interior de cada comunidade disciplinar. Por fim, saliento com Lopes (2000) que a compreensão do processo de construção e reconstrução de uma disciplina escolar e o modo como ela se comporta num currículo integrado exige a consideração dos contextos sócio-histórico, institucional e biográfico (p.60), os quais estarão permanentemente produzindo novas configurações identitárias. Ângela Fernandez Porto de Chades 5718 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana Parte II A integração curricular no CAp O Colégio de Aplicação Renato Azevedo se propõe a desenhar formas alternativas de organização curricular. Compreender esse processo, seus conflitos, sucessos e dificuldades, é um dos objetivos da pesquisa que venho realizando. Para isso, entendo ser necessário atentar para o cotidiano das redes de saberes, poderes e fazeres que nele se tecem e que o habitam (Oliveira, 2008:73) no CAp, em busca de perceber nessa experiência local, aquilo que ela promove de vivência democrática no interior da escola. O estudo dessas práticas de integração curricular6 abrange não só uma análise mais cuidadosa da organização e estrutura curricular, mas também, das relações de poder exercidas pelos praticantes da escola. Não há como pensar numa abordagem alternativa à disciplinarização do conhecimento e à hierarquização dos saberes sem que se toque na questão das relações de poder engendradas nos processos sociais e pedagógicos que ocorrem no espaçotempo escolar. Portanto, captar as experiências cotidianas de currículo integrado é também perceber como as relações de poder encontram-se envolvidas em situações específicas, nas quais escolhas, pertenças e regimes de verdade são colocados em meio ao processo pedagógico da escola. Observo que, embora a organização disciplinar do currículo do CAp permaneça, a abordagem de ensino através de projetos de trabalho integrados7 possibilita maior entrosamento entre os saberes das diferentes disciplinas. Nesse contexto, compreendo que os professores operam, não apenas dentro do que lhes é possível, com o currículo da proposta oficial, como também com aquilo que se recria no cotidiano das práticas. Os trabalhos coletivos8 e a dedicação a projetos cujos conteúdos abordem temas científicos, culturais e sociais têm esquentado o debate entre os professores sobre a função dessa escola. Em novembro de 2008, os professores discutiram o projeto 6 Apresento mais adiante a concepção de currículo integrado, a partir da teorização de Bernstein. 7 O trabalho com projetos no CAp tem favorecido a colegiabilidade na instituição. Eles acontecem trimestralmente, seus temas são escolhidos a partir de situações-problema e podem variar conforme a turma. 8 Aqui me refiro às atividades que os alunos realizam fora do horário das aulas matutinas. São atividades curriculares que ocorrem à tarde, duas vezes na semana, em que os grupos se reúnem para estudar, fazer pesquisa e ter aulas. Ângela Fernandez Porto de Chades 5719 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana político-pedagógico e várias questões curriculares foram levantadas em meio ao processo de reconstrução do documento. Foram momentos de muito debate a respeito dos princípios que norteiam a proposta integrada e a sua materialização. Em um dos momentos, discutiu-se a dificuldade que algumas disciplinas encontram para se integrarem aos projetos. Ainda que haja maior entrosamento entre o corpo docente – facilitado pelas reuniões semanais de trabalho – observo as dificuldades de alguns professores em articular os saberes disciplinares com seus pares. Numa conversa com a professora de Matemática, ela explicou: Fui formada assim, em gavetinhas, e apesar de saber dos prejuízos disso, muitas vezes não encontro um modo de participar das aulas integradas. Analisando o argumento, compreendo que cada disciplina configuraria um espaço territorializado, com seus limites e também barreiras de contato. Deleuze & Guattari (1997) apontam que o território exprime um ritmo, uma organização de sentido que se torna a marca constituinte de um domínio, não de um sujeito. O problema surge quando tal território torna-se impermeável aos contágios e encontros, produzindo um enrijecimento das fronteiras e um “isolamento autístico”. Nesse sentido, a integração teria como função a interlocução entre os grupos disciplinares, sem que os limites identitários de cada disciplina precisem ser negados. Ressalto, ainda, que se os perfis disciplinares são diferentes, essa diferença não precisa ser de subordinação e ou hierarquização, mas de complementariedade e reciprocidade. Com relação ao processo de integração curricular no CAp, ficou decidido, a partir de votação em duas reuniões, que os eixos temáticos dos projetos seriam escolhidos pelos professores e pela coordenação, sendo apresentados aos alunos para que com eles fosse realizado o planejamento posterior das atividades. Os professores entenderam que a inclusão de todos os atores do processo pedagógico na elaboração do plano escolar seria um mecanismo facilitador para o trabalho de integração. Todavia, as dificuldades na tessitura de um trabalho integrado são variadas e o CAp vai construindo seu projeto pedagógico com avanços e recuos conseqüentes dos limites e possibilidades da escola. Uma questão que me parece importante destacar é o fato de que, mesmo que o currículo tenha uma estrutura disciplinar, isso não impede que abordagens pedagógicas integradas possam acontecer efetivamente. Como indicam Lopes & Macedo (2002), a integração pode ser desenvolvida tanto em uma matriz Ângela Fernandez Porto de Chades 5720 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana disciplinar como em outras matrizes, permitindo-se, portanto, a coexistência das disciplinas com a integração. Refletir, pois, sobre as possibilidades de integração curricular é pensar nas trajetórias em direção à alteridade, não apenas no campo científico, mas, especialmente, nas relações sociais constitutivas do contexto escolar. Trata-se de tornar os campos de saberes habitáveis, com a diluição de práticas potencialmente excludentes, permitindo a tessitura de relações menos hierárquicas entre os diferentes saberes e práticas. Como aponta Oliveira (2008: 81), a democratização das relações entre conhecimentos e modos de estar no mundo está, assim, também indissociavelmente ligada à democratização social. Porém, nem sempre é fácil construir espaços de diálogo na escola, pois, além das dificuldades internas de negociação e estabelecimento de acordos, esta recebe a todo o momento kits curriculares – documentos legais, livros didáticos, cursos de capacitação etc. – que oferecem um discurso a ser consumido, sem maiores questionamentos, pelos professores. As tensões geradas a partir da tentativa de regulação e controle sobre a escola, ainda que a proposta oficial associe o currículo interdisciplinar a uma perspectiva progressivista, estão imbricadas nos processos sociais e políticos em que estamos enredados, nos quais as diferentes perspectivas e propostas se misturam. Penso que Bernstein (apud Lopes, 2008) aprofunda essa questão das tentativas de controle quando, ao analisar os processos de compartimentação dos saberes, postula que o currículo é um conjunto de conhecimentos selecionados e organizados de acordo com os códigos de poder e controle que se baseiam em dois princípios regulativos: a classificação (classification) e o enquadramento (framing) dos saberes. A classificação refere-se às relações entre conteúdos, isto é, se a relação é mais ou menos integrada. Quanto mais forte a classificação, maior o isolamento entre as disciplinas, menor a integração entre elas. Já o enquadramento refere-se ao controle na transmissão dos conhecimentos. Quanto maior o controle do processo de transmissão, maior é o enquadramento, ou seja, maior é o controle do tempo, do ritmo, do que pode ser dito ou não, como, por quem e quando. É com base nesses dois princípios que o autor identifica dois tipos de currículo: o currículo tipo coleção, com alto grau de enquadramento e classificação, e o currículo tipo integrado, com baixo grau de enquadramento e classificação. O currículo tipo Ângela Fernandez Porto de Chades 5721 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana integrado apresenta relações menos hierarquizadas, maior diálogo e trânsito entre as disciplinas e menor controle do processo de transmissão de conhecimentos. Nas OCNem percebo que a interdisciplinaridade é defendida a partir da existência de permeabilidade entre as disciplinas, podendo favorecer a interlocução entre as mesmas. No entanto, essa possibilidade de inter-relação, que configuraria uma classificação fraca, não garante sozinha um projeto integrador. É preciso considerar que a integração também depende do grau de participação de professores e alunos sobre a seleção e a organização dos conhecimentos (enquadramento) Lopes (2008). Na análise das práticas curriculares do CAp, vem sendo importante investigar os graus de classificação e enquadramento que movimentam a dinâmica desse contexto específico. Algumas atividades docentes e discentes realizadas no colégio apontam experiências em que é possível identificar um enfraquecimento das barreiras disciplinares – plano integrado, aulas integradas – como, também, práticas colegiadas na organização da escola – elaboração coletiva de projetos didáticos, reuniões administrativas e pedagógicas com a presença de alunos e professores etc. Nesse sentido, Bernstein indica o que para mim é um dos maiores desafios na materialização desse tipo de currículo: o entendimento de que alterações nos códigos de organização curricular são, sobretudo, alterações nas relações de poder e de controle. Para tanto, é preciso uma prática organizacional que privilegie uma gestão negociada potencializadora da experiência de uma autoridade partilhada (Santos, 2006). A dinâmica dos processos escolares, na medida em que permite acessar outros caminhos pedagógicos e de socialização democrática, desempenha importante contribuição para a multiplicação de práticas escolares emancipatórias. Com essa perspectiva, sinalizo que a integração disciplinar não é somente um projeto epistemológico alternativo, mas um projeto político, em que as relações entre diferentes formas de conhecimento existentes no mundo e o diálogo entre elas tornam-se constitutivos da luta política por relações mais igualitárias (Santos, 2001). Considerações Finais O texto das OCNem deixa claro que a integração curricular deveria configurar o projeto de toda instituição escolar desse país. As experiências cotidianas do CAp vêm Ângela Fernandez Porto de Chades 5722 Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana demonstrando as dificuldades na materialização dessa proposta. Ainda assim, vejo que os praticantes dessa escola buscam espaços de contato e interação facilitadores de maior diálogo entre os saberes. Como vimos, a permanência do modelo disciplinar no currículo não impede que práticas integradas ocorram. No caso do CAp, isso é facilitado pela criação de espaços de discussão e planejamento, associados a fatores de ordem administrativa e pedagógica. Acredito que as formas com as quais os praticantes da escola constroem seus currículos resultam de esforços coletivos e de práticas dialógicas, mas também de disputas por posições de poder. Essas posições de poder parecem estar mais diluídas numa proposta de currículo integrado. No caminho dessa pesquisa, compreender as práticas curriculares do CAp me ajudam a pensar nos limites e possibilidades de construção e permanência do seu projeto cujas ações coletivas façam parte dos processos de luta por uma escola pautada em princípios mais democráticos. Referências Bibliográficas BERNSTEIN, Basil. 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Ângela Fernandez Porto de Chades 5724 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” REPERCUSSÕES DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA: A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA ATUAÇÃO EM AMBIENTES ESCOLARES E NÃO ESCOLARES Cláudia da Mota Darós Parente JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares REPERCUSSÕES DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA: A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA ATUAÇÃO EM AMBIENTES ESCOLARES E NÃO-ESCOLARES Cláudia da Mota Darós Parente Universidade Federal de Sergipe RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discutir os espaços formativos e os espaços de atuação do pedagogo na atualidade. Para isso, recorre à análise das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, enfatizando a referência à atuação do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares. Ao fazer essa referência, as Diretrizes Curriculares afirmam a ampliação da atuação do pedagogo para além da escola e trazem à tona a discussão sobre os projetos pedagógicos do curso de Pedagogia. Há que repensar os currículos dos cursos de formação de professores, abarcando inclusive o surgimento e/ou proliferação de outros ambientes sócio-educativos e culturais, nos quais o pedagogo também poderia oferecer contribuição significativa. Defende-se que é preciso devolver aos cursos de Pedagogia as demandas sociais das diferentes instituições sociais, de educação formal e não-formal, de ambientes escolares e não-escolares. O Curso de Pedagogia deve ser um espaço rico em discussões e momentos de reflexões sobre a prática e a função do pedagogo nas instituições sociais. Somente assim, será possível, aos poucos, delinear o novo perfil dos profissionais da educação. PALAVRAS-CHAVE: Pedagogo, espaços escolares e não-escolares, diretrizes curriculares. Introdução O presente trabalho discute os espaços formativos e os espaços de atuação do pedagogo na atualidade, recorrendo à análise das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, a qual enfatiza a atuação do pedagogo em ambientes escolares e nãoescolares. À análise das Diretrizes Curriculares Nacionais soma-se à discussão dos espaços educativos existentes atualmente na sociedade, os chamados ambientes não-escolares, Cláudia da Mota Darós Parente 5728 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares compreendidos também como espaços de atuação do pedagogo. Em vista disso, o artigo incita à análise e/ou revisão dos projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia em vigor, já que seu histórico nem sempre contemplou a formação dos profissionais da educação para além dos ambientes escolares. A formação e a atuação do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares: o que dizem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia A Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, evidencia alguns aspectos constitutivos da formação do pedagogo, bem como a abrangência dos espaços de sua atuação em ambientes escolares e não-escolares. (BRASIL, 2006) Em seu artigo 4º explicita que o curso de Pedagogia forma para a atuação em áreas diversas daquelas tradicionais no ambiente escolar, ou seja, “em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos”, englobando “planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas nãoescolares”, bem como “produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares”. No artigo 5º, reforça que o egresso do Curso de Pedagogia deverá estar apto, entre outros, a: “trabalhar em espaços escolares e não-escolares na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo”; “participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-escolares”; “realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas”. No que se refere à estrutura curricular (Artigo 6º), ressalta-se que o Curso de Pedagogia deve, no Núcleo de Estudos Básicos, entre outros, articular: “aplicação de princípios da gestão democrática em espaços escolares e não-escolares”; “observação, análise, planejamento, implementação e avaliação de processos educativos e de experiências Cláudia da Mota Darós Parente 5729 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares educacionais, em ambientes escolares e não-escolares”; “atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática educativa”. No Núcleo de aprofundamento e diversificação dos estudos, deve-se possibilitar ao estudante de Pedagogia, entre outros: “investigações sobre processos educativos e gestoriais, em diferentes situações institucionais: escolares, comunitárias, assistenciais, empresariais e outras”. (Artigo 6º) No Núcleo de Estudos Integradores (Artigo 6º), deve-se proporcionar, entre outros: “atividades práticas, de modo a propiciar vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamentos e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos”. No que se refere propriamente ao estágio curricular, as Diretrizes Curriculares ressaltam a obrigatoriedade de 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição. (Artigo 7º) Mais adiante reforça que a integralização dos estudos, será feita, entre outros, por meio de: estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências: a) na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente; b) nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal; c) na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar; d) na Educação de Jovens e Adultos; e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos educativos; f) em reuniões de formação pedagógica. (Artigo 8º) A análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia leva à compreensão de que o Projeto Pedagógico da instituição de educação superior deve prever que parte da carga horária do estágio deva ser realizada em outros ambientes, os chamados “não-escolares”. Cláudia da Mota Darós Parente 5730 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares Diante das indicações legais, compreende-se que a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não-escolares – objeto deste estudo - deve ser vista como uma construção sócio-histórica, o que significa também identificar as demandas e necessidades sociais em relação ao profissional da educação. Analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia e questionar os projetos pedagógicos dos referidos cursos, significa incitar reflexões sobre a própria noção de currículo e sociedade. O currículo é um elemento de organização da instituição de ensino. Entre outros, é resultado das determinações sócio-históricas, econômicas, políticas e culturais. Analisar o curso de Pedagogia a partir desta vertente, significa recorrer à análise das forças internas e externas à instituição de ensino na formatação e consolidação do currículo. (SILVA, 2007; APPLE, 1982). Espaços Formativos e Espaços de Atuação do Pedagogo: apontamentos para discussão dos projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia A formação dos profissionais que atuam na área educacional sempre foi alvo de muitas discussões. Entre os principais tópicos debatidos: os requisitos mínimos para atuação profissional, o espaço mais adequado para que ocorra essa formação, os conteúdos e competências necessários ao Pedagogo, as exigências de continuidade, a diversidade dos campos de atuação, a necessidade de linhas e enfoques diferenciados, a constituição do ser-professor. (ARROYO, 2002; PIMENTA, 1999) Essas são questões que já vêm sendo amplamente debatidas principalmente no campo da educação básica. No entanto, deve-se atentar para o fato de que a discussão sobre a formação dos profissionais da educação deve antes privilegiar a discussão sobre a ampliação dos espaços formativos e educativos existentes na sociedade, o que conduzirá a uma reflexão do perfil do educador para esses diversos contextos. É imprescindível uma discussão acerca da formação dos profissionais da educação para atuação em ambientes escolares e não-escolares, verificando-se a existência (ou não) de novas exigências de formação, diante da proliferação de instituições que atuam na educação não-formal, ou, mais genericamente chamadas de ambientes não-escolares. Essa discussão pauta-se em alguns questionamentos principais: Cláudia da Mota Darós Parente 5731 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares - Quando nos referimos a ambientes não-escolares, que tipos de espaços e ambientes estamos considerando? - Se pudéssemos mapear os ambientes escolares e não-escolares, quais seriam os principais espaços de atuação do Pedagogo na atualidade? - Com base nesse mapeamento, seriam necessárias alterações (ou não) nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Pedagogia, nos Planos de ensino das disciplinas, de modo a contemplar discussões que compreendam a atuação do Pedagogo nestes diferentes espaços? - Em que medida os professores do curso de Pedagogia consideram a atuação do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares? A bibliografia da área indica que as relações entre Estado e sociedade civil possibilitam repensar a sociedade e suas formas de organização. No que se refere à educação, podese verificar o surgimento de diferentes iniciativas da sociedade civil no âmbito educacional, muitas delas desenvolvidas paralelamente e/ou de forma complementar à oferta da educação formal sob a responsabilidade dos sistemas de ensino. O desenvolvimento de iniciativas educacionais no âmbito do terceiro setor na área de educação trouxe inúmeras divergências e dicotomias, muitas delas decorrentes dos temores a respeito da diminuição do papel do Estado. (GRACINDO, 1997) Nesse contexto de diminuição do Estado, as políticas sociais de caráter universalista perderam espaço e passaram a ser substituídas por políticas que focalizassem clientelas específicas ou políticas emergenciais de combate à pobreza (GOHN, 2005; ABRANCHES, 1987) Essa particularização levou necessariamente a uma nova configuração das demandas e dos atores que coordenavam e que reivindicavam as políticas sociais. Isso porque, em certa medida, a defesa das minorias e dos grupos sociais marginalizados e excluídos passa pela sociedade civil, pelos movimentos sociais. E quem passa a gerenciar estas políticas? São as novas parcerias entre o Estado e a comunidade organizada, no setor público não-estatal, lócus dos novos espaços de negociação e de conflito social e das práticas da educação não-formal. (GOHN, 2005, p. 12) A autora ressalta que períodos de crise não levam apenas a catástrofes, mas também a formas de resistências e inovações. Ou seja, a crise vivida no Brasil, sobretudo nas Cláudia da Mota Darós Parente 5732 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares últimas décadas do século XX, possibilitou o fortalecimento do associativismo e da organização popular: (...) novas formas de gestão dos negócios públicos, em políticas de parceria entre entidades da sociedade civil e governos; novas formas de fazer política entre os movimentos sociais rurais, com o uso de recursos da mídia e de espaços urbanos para dar visibilidade às ações; e novas articulações entre ONGs, governos e empresários, no chamado terceiro setor da economia (...) As novas ONGs passaram a atuar como mediadoras de ações desenvolvidas em parceria entre setores da comunidade local organizada, secretarias e aparelhos do poder público, segundo programas estruturados para áreas sociais como: educação, saúde, saneamento, meio ambiente, geração de renda etc. Ou seja, as ONGs, via terceiro setor, entraram para a agenda das políticas sociais. (p. 15) Autores como Gohn (2005) e Nogueira (2004), ao discutirem as relações entre Estado e sociedade civil, contextualizando as transformações econômicas, políticas e sociais, mostram as condições específicas para o fortalecimento do terceiro setor ou de meios não-estatais para minimização dos problemas sociais. Também promovem rico debate sobre as possibilidades e alternativas de repensar tais relações de forma mais positiva. Em meio ao contexto de diminuição do Estado em virtude do ideário neoliberal e do crescimento das ações não-estatais, muitos acabam por defender que o Estado se isente de suas funções históricas, fazendo apologias à sociedade civil em detrimento do Estado. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que a sociedade civil está impregnada de diferenças e antagonismos. A sociedade civil não é a extensão mecânica da cidadania política ou da vida democrática. Longe de ser um âmbito universal, é um território de interesses que se contrapõem e que só podem compor-se mediante ações políticas deliberadas. Não é uma área social organizada exclusivamente pelos bons valores ou pelos interesses mais justos, mas um terreno que também abriga interesses escusos, idéias perversas e valores egoísticos, no qual podem se desenvolver muitas atitudes e condutas ‘incivis’. Destacada do Estado e concebida como campo oposto e não integrado a ele, a sociedade civil converte-se em terra de ninguém. (NOGUEIRA, 2004, p. 111) No Brasil, no setor educacional, o papel da sociedade civil organizada cresceu significativamente a partir dos anos de 1990, devido ao desenvolvimento do terceiro setor. De acordo com Fernandes (2005), Cláudia da Mota Darós Parente 5733 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares O Terceiro setor é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito nãogovernamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil. (p. 27) A construção de projetos e alternativas que dêem conta das necessidades e demandas sociais por educação é premente. Em cada momento histórico, essas demandas e suas motivações modificam-se diante da diversidade de fatores que interferem nessa formação. No campo da educação, as organizações da sociedade civil tiveram um espaço importante na educação não-formal. A educação não-formal refere-se às ações educativas diretas que a cidade oferece, por meio daquelas instituições, atividades, meios, âmbitos de educação que, não sendo escolares, têm determinados objetivos educativos e ocorre de forma sistematizada. Ela pode ocorrer através de instituições públicas ou privadas que atendem públicos específicos (crianças, jovens e/ou adultos) e com finalidades específicas (prestar assistência social, promover saúde, lazer e entretenimento, favorecer as manifestações culturais, complementar as ações da escola etc). (GOHN, 2005; TRILLA, 1993) Nesse contexto de ampliação dos espaços formativos, chama a atenção a ausência de diálogo entre as instituições de educação formal e as de educação não-formal, sejam elas mantidas pelo Poder Público ou por instituições do terceiro setor. As escolas e seus profissionais desconhecem, muitas vezes, o fato de que seus alunos freqüentam outros ambientes educativos, que aprendem outros saberes, que desenvolvem outras habilidades. Por sua vez, as instituições não-formais, muitas vezes, evitam o diálogo e fecham-se no assistencialismo que ainda figura em várias instituições. Daí a importância de estimular que o estudante de Pedagogia veja nestes espaços mais um campo de atuação profissional e que durante o desenvolvimento de suas práticas e competências, seja estimulado a construir propostas que promovam o diálogo entre os diferentes tipos de ambientes educativos. As relações entre Estado e sociedade civil não são vistas de forma negativa, mas de forma crítica. O crescimento das instituições educativas no contexto do terceiro setor é compreendido dentro de um movimento econômico, político e social. Entende-se que esse crescimento está associado a diferentes intencionalidades e objetivos, a diferentes Cláudia da Mota Darós Parente 5734 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares atores e demandas. É nesse contexto sócio-político, econômico e cultural que procuramos entender as diretrizes curriculares do curso de Pedagogia e suas repercussões nos diferentes projetos pedagógico em curso. As instituições de ensino superior não podem negar à sociedade a inserção do pedagogo nos espaços não-escolares sob a alegação de não desejarem compactuar com políticas neoliberais. Há muitos projetos sócio-educativos sendo consolidados na contramão das políticas neoliberais e que, justamente, necessitam da responsabilização das instituições formadoras. Se não for o pedagogo o responsável por organizar a ação educativa existente em determinada instituição não-escolar, quem o fará? Além disso, compreende-se que, onde quer que exista a função educativa, há espaço para a atuação do pedagogo. Para isso, é preciso que o estudante de pedagogia vivencie e experimente as mais diferentes práticas pedagógicas e conheça as mais variadas instituições sócio-educativas onde possa atuar ao mesmo reconhecer as aproximações, intersecções e diálogos entre elas. Considerações Finais No âmbito dos cursos de formação de professores têm sido poucas as discussões sobre a atuação do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares. Justificar que isso ocorre devido ao caráter indissociável da formação do pedagogo (ou seja, de que formar para o ambiente escolar seria formar para atuar em qualquer ambiente) é não ver as nuances, as transformações e as características sócio-históricas da profissão e das próprias instituições sociais. Sabe-se que a formação do pedagogo deve ser permanente. No entanto, a formação inicial, por meio da graduação, é temporalmente definida e é desse tempo que o aluno dispõe, sob orientação de seus professores, para preparar-se adequadamente e exercitar os conhecimentos, práticas e competências adquiridas. Mas não basta que as instituições de educação superior simplesmente indiquem a realização de estágios em ambientes escolares e não-escolares. É importante que o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia passe a incorporar discussões sobre as relações entre Estado e sociedade civil, o desenvolvimento do Terceiro Setor, educação e movimentos sociais, organizações da sociedade civil, entre outros. São estes alguns Cláudia da Mota Darós Parente 5735 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares dos temas que podem auxiliar os alunos no entendimento da ampliação do próprio papel do Pedagogo na sociedade atual e das transformações nas funções das várias instituições sociais. Com base nas discussões apresentadas defende-se que é preciso devolver aos cursos de Pedagogia as demandas e necessidades sociais das diferentes instituições sociais, de educação formal e não-formal, de ambientes escolares e não-escolares. O Curso de Pedagogia deve ser um espaço rico em discussões e momentos de reflexões sobre a própria prática e a própria função do pedagogo nas instituições sociais. Somente assim, será possível, aos poucos, delinear o novo perfil dos profissionais da educação. Cláudia da Mota Darós Parente 5736 Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para atuação em ambientes escolares e não escolares REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRANCHES, Sergio Henrique. Política social e combate à pobreza: a teoria da prática. In: ABRANCHES, Sergio Henrique; SANTOS, Wanderley Guilherme dos; COIMBRA, Marcos Antônio (orgs.). Política social e combate à pobreza. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. APPLE, M. Ideologia e currículo.São Paulo: Brasiliense, 1982. ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 15/05/2006. Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia. Disponível em: www.mec.gov.br. Acesso em: 10/11/2008. FERNANDES, Rubem César. Privado porém Público: o Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1994. GOHN, Maria da Glória. 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Cláudia da Mota Darós Parente 5737 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” IMAGENS E NARRATIVAS DE EDUCADORESPESQUISADORES: COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS DE UMA PEDAGOGIA VIVENCIAL PARA (AUTO)FORMAÇÃO HUMANESCENTE Evanir de Oliveira Pinheiro JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente IMAGENS E NARRATIVAS DE EDUCADORES-PESQUISADORES: COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS DE UMA PEDAGOGIA VIVENCIAL PARA (AUTO)FORMAÇÃO HUMANESCENTE Profª Ms. Evanir de Oliveira Pinheiro BACOR - PPGEd – UFRN [email protected] RESUMO: Nesse trabalho discutimos as finalidades dos discursos da qualidade total em educação e destacamos as implicações dos interesses políticos e econômicos na formação humana dos educadores. Com ênfase nesse processo de formação, interpretamos algumas experiências humanescentes vivenciadas no semestre 2009. 1 com os educadores-pesquisadores da Linha de Pesquisa Corporeidade e Educação (BACOR/UFRN) a partir dos olhares de Morin (2007), Moraes (2008), Maturana e Varela (2001), Freire (1996) e Merleaut-Ponty (1999;1984). Elegemos momentos vividos por três educadores-pesquisadores da Linha, vivenciados com o jogo de areia ou sandplay e com produções plásticas de massa de modelar. “As atividades foram estratégias pedagógicas para criação de cenários lúdico-reflexivos”, a fim de promover o sentipensar dos sujeitos sobre ludicidade e formação humana. A partir das narrativas dos educadores-pesquisadores, visualizamos uma Pedagogia de formação humana na Pós-graduação e nos demais seguimentos de ensino, distanciada do formalismo técnico e autoritário de pesquisa e de formação docente, uma prática humanescente de aprendizagem para uma educação para vida. PALAVRAS-CHAVE: Atelier; (auto)formação; humanescente; vivência. 1- O que podemos considerar como educação de qualidade nas turbulências dos dias atuais? A antiga retórica da qualidade de ensino ecoa nos discursos dos diversos âmbitos políticos, educacionais e sociais, assumindo significados contraditórios e/ou dramáticos por partes de personagens que se utilizam de seus “palanques” para apregoar um modelo de educação sem muitas vezes abrir mão do conservadorismo intelectual e Evanir de Oliveira Pinheiro 5741 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente autoritário que o constitui. Usam máscaras de homens intelectuais, figuras ilustres de “boas intenções” econômicas e sócio-culturais. Gentili (1995) nos lembra sobre as finalidades desses discursos da qualidade total em educação e destaca os interesses políticos e econômicos que afetam a estruturas pedagógicas, ao importar modelos de caráter empresarial para o setor de ensino. Ou seja, a qualidade de ensino emerge numa política educacional com fins de manutenção e produtividade do mercado, em que educadores e educandos compõem a máquina de um sistema de consumo, denominado “democracia social”. O que está em questão, não é apenas o tipo do discurso, mas os significados em que eles se inserem. Os desdobramentos que eles produzem nos conceitos de educar e de aprender, a noção de educando e educador, o sentido de práticas educativas e curriculares, e, sobretudo, no “para quê” desse modelo de educação. Observando as palavras de Gentili (1995, p.177) de que [...] “qualidade na educação para poucos, não é qualidade, é privilégio”; o sentido de “qualidade” nesse caso nos remete a refletir sobre o papel que um determinado modelo político educacional exerce historicamente sobre a qualidade de vida de minorias privilegiadas e sobre a grande maioria excludente em nossa sociedade capitalista. Entre tantos discursos que ouvimos desde os bancos escolares aos palanques políticos, um bastante conservador inquieta nossa memória: a função da escola é formar cidadãos participativos e comprometidos com a sociedade, cumpridor dos seus deveres e fies a sua pátria. Nesse instante nos vem à lembrança as vozes dos nossos antigos mestres e dos versos impressos em nossos livros escolares. Entendíamos então, que a educação nos formaria homens de bem que por sua vez, serviriam a sua pátria. Sentíamos até alegria em cantar animadamente na sala de aula a famosa música: - Eu ti amo meu Brasil, eu ti amo, meu coração é verde amarelo, branco, azul anil... Éramos crianças presas de um sistema controlador que nos impedia de expressarmos nossas idéias, de pensar e repensar criticamente o mundo que nos cercava. Também, com tantas cópias para fazer, com tantas matérias para decorar e provas e testes para enfrentar, não sobrava tempo para olhar a vida que passava. A banda passou e fomos proibidos de segui-la ao som de sua irreverente musicalidade. Hoje, na qualidade de educadora-pesquisadora, entendemos porque não suportamos ouvir mais canções patriotas. Embora tenhamos uma formação na área de Artes, nos Evanir de Oliveira Pinheiro 5742 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente reservamos a expressar uma outra musicalidade em que nossa expressão estética seja livre e consciente. Se antes, o sentido de formação educativa intensificava formar sujeitos dóceis a serviço da nação, será que hoje as políticas de ensino mudaram ou transcenderam desse propósito? Deixando de lado, a retórica das críticas as práticas educacionais da infância, dirigimos nosso olhar sobre o que Arroyo (2002) a respeito das lutas dos professores por melhores condições de ensino e de trabalho ao longo da história da educação brasileira. O autor destaca que houve um processo de auto-educação por parte da categoria em relação a consciência política e social. Segundo ele nos professores foi aumentando a preocupação sobre seus direitos e compromissos políticos e diminuindo a ênfase sobre a competência técnica que outros proclamavam. Um novo perfil de professores foi se formando sob diferentes manifestações. Arroyo(2002) nos mostra que esses processos de politização da classe docente vieram das universidades, de outros sindicatos e dos partidos políticos e geraram grupos partidários de grande influência sobre as visões dos professores especialmente da educação básica em torno da análise da lógica do capital, da ideologia neoliberal e da estrutura produtiva. De forma concomitante, o processo de politização e de conscientização foram se desenvolvendo junto a história de reorganização da categoria dos professores na pluralidade de suas expressões e afirmações. O dado fundamental que queremos destacar nesse contexto de formação política da classe de professores, é o mesmo ressaltado por Arroyo (2002, p.205): [...] ”até que ponto nesses processos redefiniu sua autoconsciência e avançou ns conscientização profissional? “ Arroyo (2002, p. 205) argumenta que encontramos profissionais tão politizados, mas que desprezam o fazer cotidiano, a qualificação para a prática educativa. Ele declara: [...] a ênfase tão centrada na consciência política que descuidou da consciência profissional, que marginalizou a escola, o seu fazer, suas cotidianas e velhas questões como se fossem meros produtos de estruturas e de lógicas maiores, de mecanismos externos à escola. Diríamos que nos descuidamos também de nossa formação humana e como esta tem sido afetada ou afeta nossa autoconsciência de educação e de aprendizagem. Evanir de Oliveira Pinheiro 5743 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente Não é nossa pretensão ou interesse nesse trabalho discutir alargamente as fragmentações da formação política da categoria docente, mas trazer o enfoque de que os nossos processos de politização ou despolitização expressam os contextos históricos e perceptivos de nossa corporeidade. Isto é, como profissionais da educação, a identidade profissional, se insere numa corporificação de saberes e fazeres que manifestam a inteireza humana. Precisamos atentar para a imprudência que nós mesmos temos com a reflexão sobre a nossa formação humanescentei. Há um século e meio Marx e Engels gritavam em favor das classes trabalhadoras do mundo contra a sua espoliação. Agora, necessária e urgente que nos atinge, a da negação de nós mesmos como seres humanos submetidos à fereza da ética do mercado (FREIRE, 1996, P. 145). Freire (1996) nos remete a pensar que qualquer teoria da transformação políticasocial do mundo que não reconheça os legítimos interesses humanos, que não reconheça a educação a partir da liberdade do ser e da ética humana, se reveste em privilégio de poucos e na submissão da maioria excludente em função da ética de lucro. Para ele a educação é ideológica, mas sua ideologia não pode está a serviço do mercado e sim a serviço da vida. A nossa presença no mundo não se insere como profissionais de uma área especializada, sujeitos a adaptar-se a um sistema que oprime corpo e alma, mente e espírito. Como seres humanos nós estamos expostos às adversidades que cotidianamente põem em xeque nossa criatividade e sabedoria de lidar com elas e supera-las. Por isso, mesmo correndo o risco de sermos tachados de sonhadores e idealistas, assim como Paulo Freire nos recusamos a compactuar com os progressos científicos e tecnológicos, que permeiam as pesquisas em educação e os programas de formação docente, que não reconhecem a necessidade de priorizar os interesses humanos nas suas relações entre vida e processos de ensino-aprendizagem. Talvez possa soar estranho para alguns, falar de vida quando se discute práticas de educação e políticas educacionais, entretanto, a escola que temos, traduz o que somos o que pensamos e o que sentimos sobre educar e aprender. Não podemos mais nos omitir a necessidade de considerar a intima ligação entre vida e aprendizagem que brilhantes Evanir de Oliveira Pinheiro 5744 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente Neurocientistas como Humberto Maturana e Francisco Varela, nos mostram em suas pesquisas sobre o fenômeno da autopoieseii, como um processo de auto-refazimento e auto-organização do ser humano em suas interações com o outro e o meio. A formação humana como um processo autopoiético, remete a atualizarmos os conceitos de ensino-aprendizagem em todas as áreas e níveis de ensino a partir do reconhecimento da emergência de uma eco-formação, de uma educação para a vida como proclamam ardentemente Moraes (2008, 2003), Morin (2007), Boff (2002) e Mariotti (2001). Nosso Mestre Paulo Freire já dizia em seu pequeno, porém, célebre livro “A Pedagogia da Autonomia”, de que “Ensinar é uma especificidade humana”(FREIRE, 1996, p.102). Além disso, afirmava de que educar exige alegria e esperança e que para isso, implicava diminuir as razões objetivas de desesperança que nos imobiliza diariamente no exercício da docência. Padilha (2007) com base no pensamento freireano, argumenta que uma educação para a vida, para a satisfação individual e coletiva, que possibilite um contato sensível e consciente com o belo e uma postura de cuidado com o planeta, requer uma educação que forme para o exercício da cidadania ativa, para um ciclo da vida mais feliz e para a busca de alternativas eco-pedagógicas. O próprio Freire (1996) admitia que a educação não podia resolver todos os problemas do homem e da sociedade, mas que todos esses problemas de um modo ou de outro, passavam por ela. Padilha (2008, p.65) acrescenta que a qualidade na educação pressupõe além da vigilância as políticas publicas, o repúdio ao descuido com todas as formas de vida. Ele ainda ressalta: [...] necessário é, na sociedade e no âmbito das práticas educacionais, o exercício permanente da convivência respeitosa, democrática, solidária, amorosa, gentil e colaborativa, onde todos trabalham pelo bem de todos. Uma educação que vivencie esses valores, entre tantos outros, merece o nosso sim. E isso é também falar em qualidade sociocultural e sócio-ambiental. Uma eco-pedagogia transcende da formação profissional, considera as estruturas pelas quais nos constituímos humanos e não apenas docentes ou profissionais da Evanir de Oliveira Pinheiro 5745 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente educação. Uma educação que favoreça a qualidade de vida tão pregada hoje em dia em prol da vida no planeta, requer um processo de humanização das práticas de formação docente, o que implica a (auto)formação humanescente dos educadores. Evidentemente, que titulações podem nos fazer mais intelectuais em alguns assuntos, porém não garantem o desenvolvimento da sensibilidade, da amorosidade, da alegria e da esperança de saber ser e saber-fazer docente. Infelizmente, o que vemos é uma crescente arrogância e prepotência nos contextos de ensino e pesquisa, a produtividade intelectual sobrepuja a sensibilidade e solidariedade humana, daqueles que são formadores não de meros profissionais da educação, mas de seres humanos. A violência silenciosa ou verbal é expressa nas atitudes de controle e de autoritarismos por parte dos professores especialmente nos níveis de ensino superior e da pós-graduação. Lembramos que “Educar exige a corporeificação pelo exemplo”, assim afirmou Freire (1996). Tanto os professores como os alunos, se tornam parceiros ou inimigos nos contextos de ensino-aprendizagem. Configuram-se seres humanos que se toleram, criando máscaras para conviver numa “harmonia” superficial ou produzindo couraças para se defenderem como podem das opressões do outro, sem tomarem consciência disso. A negação do outro, expressa o próprio desconhecimento de sua humanescência, como bem evoca Maturana e Verden-Zoller (2004), na bela obra Amar e brincar. Esse desconhecimento de si repercute no distanciamento do outro, por meio de atitudes e ações. Os modos de ser e de fazer, conviver e conhecer, que manifestamos nas atitudes do educar e do aprender, revelam que encarnamos em nossa corporeidade o vivido e não apenas as informações que nos repassam. Freire (1996) já nos advertia que ensinar não é transmissão de conhecimentos, enquanto que Maturana (1995) acrescenta que aprendemos na corporificação das atitudes que reconstruímos incessantemente nas relações com o outro e o meio. As atitudes expressam o comportamento humano na sua ação no mundo conforme destaca Merleaut-Ponty (1994). E a partir desse foco sobre a corporeidade humana que queremos discutir a qualidade de educação que defendemos. Não temos a pretensão de ditar um modelo educacional, ou dar resposta para os problemas das práticas de ensino-aprendizagem, mas refletirmos as possibilidades de uma educação para a (auto) formação humanescente, a partir de uma proposta de Pedagogia Vivencial lúdico-reflexiva que a Evanir de Oliveira Pinheiro 5746 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente Linha de Pesquisa Corporeidade e Educação, vem desenvolvendo no Programa de Pósgraduação em Educação da UFRN. O núcleo, há quase vinte anos, vem desenvolvendo no PPGEd ateliês e seminários sobre uma séries de temas da formação humana que tem por finalidade contribuir nos processos de auto-eco-formação e heteroformaçãoiii dos sujeitos. O núcleo de pesquisa tem alcançado novos patamares do processo formativo dos indivíduos, embora tenha também suas limitações. Nesse trabalho, elegemos algumas experiências vivenciadas no semestre 2009. 1 com os educadores-pesquisadores que fazem parte da BACOR1, no sentido de descrever e interpretar especialmente a partir dos olhares de Morin (2007), Moraes (2008, 2003), Maturana e Varela (2001), Freire (1996) e Merleaut-Ponty (1999;1984), as experiências humanescentes vividas por Mestrandos e Doutorandos da linha. Como pesquisadora-pesquisadora participante do atelier, consideramos que é mensuravelmente impossível interpretar com propriedades tudo o que vivemos, sentimos e apreendemos nesse contexto. Para da conta de tal desafio, mencionaremos nossas próprias vivências e sensações, buscando interpretar as manifestações dos outros com os quais vivenciamos interações interpessoais e inter-culturais. Não se trata de apenas profissionais da educação que se envolveram num trabalho em função de suas particularidades acadêmicas, mas na verdade, de aprendizes que dialogam de forma aberta com as ciências humanas, com a arte, a literatura, a poesia e a experiência espiritual. 2-A teia teórico-metodológica da experiência Nóvoa (1995, p.116) deixa evidente a incapacidade de se pensar a educação dos adultos fora de uma perspectiva de [...] " de reflexividade crítica e assumir que "ninguém forma ninguém" e que "a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão de vários saberes que o constitui. Essa multiplicidade de saberes é reconstruída de modo singular por parte de cada docente. Ocorre que muitas vezes os sujeitos não se envolvem por inteiro no trabalho e por isso, não conseguem perceber ou efetivar o papel que tem como pesquisadores de suas próprias práticas. 1 Chamaremos de BACOR a Linha de Corporeidade e Educação do PPGEd da UFRN. Evanir de Oliveira Pinheiro 5747 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente A partir de Morin (2007) e de Merleaut-Ponty (1994), entendemos que a corporeidade de cada educador, expressa sua inteireza humana em sua complexidade. Assim, embora tenham personalidades singulares e distintas, se enriquecem e se constroem nos seus modos de educar e aprender, e se refazem constantemente sobre as circunstancias que desafiam as suas habilidades e criatividades de administrar a vida pessoal e profissional. A participação de um sujeito no processo de ensino-aprendizagem num atelier ou seminário vai além de suas ações de estudo e de colaboração conjunta nos processos investigativos, pois envolve seus modos de ser e de pensar impregnados em sua corporeidade e não apenas nas suas habilidades profissionais. Mediante uma proposta de estudo, o individuo antes de se envolver na experiência investigativa precisar sentir auto-satisfação em participar da mesma, agregá-la a um sentido maior em relação a sua vida, mesmo que esta seja realizada no seu contexto de trabalho. Do contrário, o envolvimento poderá se traduzir numa mera participação “imposta” ou aceita em função do outro e não do próprio sujeito em questão. Como enfatiza Araújo (2008, p.77): A nervura das afecções humanas, com suas potencias mobilizadoras, tanto podem se desdobrar na fecundez de posturas e atitudes criadoras, como podem descambar na destrutividade de posturas dilapidantes. Ou seja, um corpo comprimido tende a ser recalcado pelas normas institucionais, pelos estatutos e dogmas morais, encavernado pelos espectros do medo, se encolhe e não se potencializa. Todo o corpo do educador precisa se engajar, com autonomia e liberdade para fluir com criticidade o exercício da docência, para isso, as ações de aprendizagem precisam atrair seus interesses, atender suas necessidades pessoais e profissionais. O encantamento da liberdade do jogo lúdico permite viver experiências estéticas significativas, pois a ludicidade conforme nos lembra huinzinga (2001) tem um fim em si mesma em função do sujeito que a produz e a recria. Com base em Morin (2007), Moraes (2003), Maturana & Varela (1997), compreendemos a formação humana como um sistema auto-eco-organizativo cultural e histórico que continuamente resulta em transformações internas de suas estruturas de modo singular, que desencadeia modificações externas no meio ambiente. Ressaltando Evanir de Oliveira Pinheiro 5748 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente que nessas interações os indivíduos se auto-organizam continuamente sem perder sua singularidade, apesar da diversidade de referenciais que o cerca, posto que não as absorva passivamente, mas as reconstrói enquanto sujeito gestor do seu saber-ser e saber-fazer. Utilizamos nas vivencias o jogo de areia ou sandplay, como estratégia pedagógica. O mesmo criado por Dora Kalff, analista de orientação junguiana, e originalmente concebido para ser uma técnica terapêutica no contexto da Psicologia Analítica. O jogo representa uma metodologia não verbal de psicoterapia (AMMANN, 2004), porém, o uso desse recurso como metodologia pedagógica, é recente sendo desenvolvido na BACOR/UFRN não como recurso terapêutico, mas com o foco de ensinar-aprender. O método utiliza uma caixa de areia e miniaturas para criação de “cenários” das concepções de mundo, exploração do eu interior e provocar problematizações consigo e com o outro, sobre uma temática ou conceito. Essa metodologia denominamos de caráter lúdico-reflexivo e não a utilizamos como atividade terapêutica. Segundo Cavalcanti (2008), o Jogo de Areia é uma ferramenta metodológica de caráter transdisciplinar que facilita a verbalização, utilizada como estratégia educacional, tanto na produção de conhecimento como no processo investigativo que possibilita o fluir da imaginação, ludicidade, criatividade e reflexividade. Também utilizamos a modelagem com massinhas industriais e caseiras, com vários matérias brilhantes como miçangas, pedras e uma diversidade de recursos plásticos, para instigar a tatilidade sensorial dos partícipes. Nessa atividade não apenas as mãos, mas todo o corpo vive o fenômeno de apreensão perceptiva, por meio das interações sensitivas e cinestésicas com as texturas, com os aromas das massas artesanais produzidas por nossa orientadora. De acordo com Montagu, (1988) e Condillac, (1993), esses fenômenos táteis e sensoriais, são singulares por parte de cada sujeito, pois estão intimamente relacionados com a corporeidade de cada ser, pela qualidade e quantidade das emoções que se revela e se vivencia no mundo. Também por meio de registros reflexivos, os educadores relatam de forma escrita suas vivencias e compartilham com o grupo utilizando colagens, desenhos que ilustram ou compõem o imaginário de suas auto-análises e percepções sobre as experiências vivenciadas. Evanir de Oliveira Pinheiro 5749 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente 3- Compartilhando experiências lúdico-reflexivas de educadores- pesquisadores O grupo de educadores-pesquisadores é composto por mais de 30 pessoas entre alunos regulares do Mestrado e do Doutorado da BACOR como alunos especiais. Infelizmente não é possivel expor todas as memórias lúdicas do grupo (fig. 06), como sujeito dessas vivências, percebemos a beleza dos cenários, iluminando o ambiente e alimentando os corações abertos, de modo registramos com zelo as narrativas de vários parceiros. Nesse trabalho selecionamos três momentos vividos para compor nossa narrativa reflexiva. Esses momentos serão mediados pela inspiração com o nosso Mestre Paulo Freire, num processo de sentipensar (MORAES & LATORRE, 2004) os registros do vivido e do aprendido com nossos parceiros educadores do atelier. No primeiro momento, apreciaremos as memórias lúdicas de três educadores a partir de suas narrativas sobre os cenários que produziram nos seus Jogos de Areia (figuras 01 e 02). No segundo momento, nossa apreciação será nas produções plásticas com massas de modelar, de dois educadores sobre os pilares da educação. No terceiro momento, estaremos ouvindo as avaliações desses educadores sobre essas experiências vivenciadas. 3.1-Ensinar exige alegria e esperança: as memórias lúdicas o que recordamos e apreendemos como seres humanos (ver fig 01 e fig. 02): Vivenciar com esses parceiros momentos de descobertas profundas, sobre nossas memórias lúdicas na infância nos amadureceu como ser humano e profissional. A forma como cada partícipe produzia suas simbolizações na caixa de areia (sandplay) emergiam relações estéticas que singularmente expressava a dimensão artística de cada ser representar seus conceitos e sentimentos, suas narrativas e suas memórias lúdicas. Isso nos acendeu as chamas da esperança de que é possível aprender com alegria conectando ludicidade e ciência como defende Negrini (2001). Abaixo selecionamos recortes de duas memórias lúdicas: Evanir de Oliveira Pinheiro 5750 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente Educadora Terra (figura 01) -Representar minhas memórias lúdicas se reveste num prazer desafiador de explorar as linhas, formas, cores, texturas e volumes que desenham contextos biofísicos e sócio-históricos de minha corporeidade. Das flores prateadas, nasce o perfume da alegria de viver que exala da abertura do meu coração. As cores e formas que as areias produzem, são minhas ações e intenções de promover essa ludicidade vital no ir e vir das experiências nos contextos em que me insere. O amarelo é a energia, a força que irradia e se mescla ao azul da alegria que se confundem no verde turquesa que deságua sobre as pedras que intentam me prender e me obstruir. Porém a corrente turquesa as carregam no fluxo de uma enxurrada de desejos e conquistas, quebram, retiram ou separaram as pedras. Ei assim que aço das pedras meus jogos de aprender a viver com e intensidade em meio aos desafios impostos pelas normas padrões da sociedade e das condições machistas e puritanas de ser mulher e criança. As narrativas das recordações mais encantadas da infância de nossos parceiros nos transportaram as nossas memórias infantes, as caminhadas descalças sobre as areias macias e folhas secas dos cajueiros, das mangueiras do enorme quintal de minha avó paterna. Sentimos o gosto das cirigoelas frescas e doces tiradas do pé, ouvimos os risos dos nossos irmãos por trás das bananeiras carregadas de frutos dourados e perfumados. A Educadora Fogo revela suas memórias lúdicas com muita emoção (ver figura 02): Procurei expor a minha infância que foi marcada pelos momentos mais felizes de minha vida. Separei a travessa em três partes para poder citar pelo menos três acontecimentos vividos por mim. Na 1ª parte relato os domingos de encontros com minha família. Eram domingos maravilhosos, acordávamos cedo para ir para casa dos meus avôs Abigail e Antônio, encontrava meus primos e logo começava as brincadeiras [...] Adorava ver minha família junta, rindo, conversando, planejando as viagens para o interior. Na 2ª parte,relato a visita aos parentes, à barragem, ao lajeiro, eu brincava com os primos, a noite tinha a festa da padroeira com parques, barracas, som. Todo ano fazíamos esse encontrão da família. Na 3ª parte relato meus momentos na escola Instituto Sagrada Família. Estudei quase toda a minha vida nesse colégio, os colegas me acompanhavam a cada série, conhecia todos os professores, esse ambiente não se limitava a estudo, era uma extensão da minha casa. Evanir de Oliveira Pinheiro 5751 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente As narrativas de tanta beleza sob diferentes aspectos, expressam a sede e a fome de sentir-se livre, amado, querido e feliz nesse mundo. Essas sensações demonstram o que Lowen (2007; 1995; 1990; 1984) em seus estudos revelam sobre a alegria da entrega ao corpo e à Vida e sobre o prazer criativo de vivenciar a espiritualidade do corpo em sua plenitude. Esses momentos marcam e se efetivam, porque conectam as emoções com os nossos processos mentais. Não se trata de atividades superficiais de caráter apenas intelectual, mas diluído na inteireza corpo/mente. As imagens produzidas com tanto encanto e cuidado, evocavam desejos, saudades, pureza, saberes e valores estéticos diversos, que exaltavam as lembranças das infancias numa diversidade de cores e movimentos de vida. Nessa viagem de multiplos reconhecimentos sobre a nossa ludicidade e a do outro, a partir das memórias lúdicas, encontramos alguns achados, ao reconstruir com Schiller (1991) e Caillois (1990) o que vinhamos pensando com os estudos de Huinzinha (2001) sobre a finalidade do lúdico na vida humana. Os encontros com esses autores nos ajudou a pensar sobre o valor do brincar na formação humana, avaliar nossas percepções e valores, e pensar na formação humanescente a partir do espaço do lúdico em nossa própria vida. Que prazer foi conversar com esses estudiosos sobre o brincar na vida humana. 3.2 - Ensinar exige estética e ética: apreendendo os quatro pilares da educação com beleza e reflexividade (ver figuras 03, 04, 05 ). Nesse encontro refletimos os quatro pilares da educação (DELORS, 1999), a partir de produções em massa de modelar. Os saberes que se fundem na formação humana: saber-fazer, saber-ser, saber-conhecer e saber-conviver foram configurados em três dimensões sob diversas formas e sentidos, nessa experiência lúdico-reflexiva muito especial. O Educador Água nos revela essa comunhã na sua representação dos quatro pilares (ver figura 04): As quatro dimensões que mencionei não estão acontecendo separadamente, nem no tempo nem no espaço. Ao agir sobre o real através da criação narrativa (fazer), estou ressignificando o vivido aprendendo a partir dele (conhecer), Evanir de Oliveira Pinheiro 5752 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente compartilhando a minha experiência para contribuir na produção coletiva de conhecimentos (conviver) e enriquecendo a minha bagagem existencial (ser). Isto está acontecendo exatamente aqui e agora, ao mesmo tempo. Não posso ser sem conviver, já que somente na inter-relação podemos conceber e construir uma identidade individual (CYRULNIK, 1999). Nada existe por si só, tudo precisa de tudo o mais para existir (HANH, 2000). Não posso conviver sem conhecer, pois a interação com os outros produz universos intermentais que estruturam o mundo que experiencio (CYRULNIK, 1999), existe uma osmose permanente com o meu ambiente - natural, social, cultural – com o qual troco constantemente matéria, informação e energia (MATURANA e VARELA, 2001). Não posso conhecer sem fazer, pois todo ato de ressignificação do mundo é uma modificação do real e toda ação sobre o real gera novos olhares e significados. Todos nós somos, conhecemos, fazemos e convivemos o tempo todo. Não há separação nem seqüência, mas compenetração, entrelaçamento. A beleza não é uma característica inerente a experiência do jogo lúdico, conforme aborda Huisinga (2001), mas nessa experiência lúdico-reflexiva, a boniteza que nos fala Freire (1996) se constituiu numa especificidade sem definições. Se encantar com esses cenários de massas multicores e aromáticas, de texturas e formas diversas, cuja beleza e iluminação estética de cada obra prima, manisfesta suas singularidades e essências poéticas e autopoiéticas, de vida, desejos e sonhos, é se permitir vivenciar seu sistema sinergico, fluir [...] “através das nervuras das sensações, da vivência sensorial inteiror que nos atravessa, nos aproxima e nos comunga/nocom o mundo o intersensorial” (MERLEAU-PONTY,1994, p. 214). Os cenários iluminam nosso olhar, na medida em que nos atiçam a adentrar sob as descobertas dos nossos parceiros. As composições nos presenteiam a alma com o bem estar da poesia das formas e cores, ao mesmo tempo, inquieta os pensamentos crítico-reflexivo de nossa curiosidade cientifica, por meio das cores, dos volumes, dos aromas e das formas. As modelagens traduzem os sentidos do estado poético, de emoção, de espírito e de afetividade que é declarado por Morin (2007) como teceduras da condição humana. As simbolizações são tão ricas em plasticidades orgânicas, quanto arquetípicas e epistemologicamente. Em outras palavras, expressam campos imaginários histórico, socioculturais e antropológicos como enfatiza Duran (2002). . Evanir de Oliveira Pinheiro 5753 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente 3.3- Ensina exige saber escutar: as auto-avaliações dos educadores e as emocionantes revelações de seus saberes e desejos. Educadora Terra se refere as interações e as produções de todo o grupo(figura 05 e 06): As imagens de exuberantes belezas mostram e ao mesmo tempo escondem as sutilezas que agregam os saberes propostos para a educação contemporânea. Convidamos que cada leitor faça inicialmente suas próprias interpretações, se permitindo apreciar com minúcia as linhas formas, texturas e cores que evocam modos de ver e sentir o educar(se) e o aprender, as conexões com o mundo e o outro se fundem incessantemente para dar corpo aos “quadros” e as obras de artes dos educadorespesquisadores. Quanta magia e sabedoria nós tivemos a felicidade de experimentar ao apreciar essas construções. Sob diversos ângulos, sentidos e significados todos de forma pessoal agregou as representações dos quatro pilares, seus sonhos, desejos e anseios como educadores e aprendizes. Educador Água se refere a avaliação de suas produções e ao grupo(fig. 03 e fig. 06): O encontro, então, foi ao mesmo tempo uma experiência de mergulho reflexivo na nossa forma de viver os quatro talentos da educação, uma oportunidade de ressignificação do nosso fazer educacional a partir da tomada de consciência das diversas possibilidades de inter-relação e até inter-penetração dos talentos, e um exercício de inter-transculturalidade ao permitir-nos não apenas compor nossos próprios cenários, mas integrá-los numa mandala (ver fig. 05) e construirmos conjuntamente, interligando as nossas respectivas reflexões, um significado ao mesmo tempo uno e múltiplo: uno porque atravessado pela percepção comum da nãoseparabilidade dos quatro talentos; múltiplo porque composto por uma riquíssima polifonia de experiências, intuições, conhecimentos, formas de ser, fazer e conviver. Educadora Fogo avalia seu jogo de areia sobre suas memórias Lúdicas (fig. 02): - Este encontro foi marcado por muitas lembranças, na verdade desde a preparação durante a semana, selecionando as miniaturas, pensando no que iria fazer, deixou-me com o coração apertado. A maioria das miniaturas selecionadas tem uma história, não comprei na rua, a boneca nua, ganhei da minha avó quando tinha seis anos, as três bonecas de plástico foram de minha tia, a vela de 18 anos foi do meu aniversário, a Evanir de Oliveira Pinheiro 5754 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente bíblia pequena foi de minha mãe, e assim por diante. Quando estava na sala preparando o jogo de areia estava muito feliz, minha mente estava voltada para cada momento que descriminei acima, passavam filmes na minha mente, fiz uma viagem ao meu passado, que estava dentro de mim. Apreciações reflexivas sobre as vivências As linguagens que constituíram as vivências e descobertas dos educadorespesquisadores configuram experiências estéticas do estar no mundo, fluindo as multiplicidades do existir a partir da abertura de nossa sensibilidade que nos conduz aos riscos e desafios que nos comovem. Ao nos permitirmos o fruir de nossa sensibilidade, proporcionamos vivenciar um processo de autoconhecimento e de reconhecimento do outro e do meio circundante. Desse modo, percebemos a nossa impregnância corporal como expressão biocultural. Ou seja, as envolturas de nossa corporeidade que se revelam nos seus múltiplos processos expressivos que compõem nossa espessura biocultural (orgânica e simbólica) como acentua Araújo (2008, p. 78): O corpo é um substrato que sente e pensa simultaneamente e alternadamente como declara Araújo (2009,p.78) ele celebra suas danças em que [...] “o espírito vibra e lampeja na carnalidade do corpo . Nessa perspectiva, a educação de caráter humanescente desenvolvidas nos proporcionou sentipensar o valor essencial do lúdico em nossas vidas, na medida em que vivenciamos nossa condição de homo ludens destacada por Huizinga (2001, p.06), em que o jogo é inerente à própria natureza do Ser: [...] reconhecer o jogo é, forçosamente, reconhecer o espírito, pois o jogo, seja qual for sua essência, não é material. Ultrapassa, mesmo no mundo animal, os limites da realidade física. Evanir de Oliveira Pinheiro 5755 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente A ludicidade como fenômeno dos seres vivos expressa espontaneamente a alegria do estar no mundo, projeta de forma criativa e energética as emoções, sensações, impressas nas evocações e nas imagens dos sujeitos. A nosso ver, as possibilidades de (auto)formação humanescente, são nítidas nessas experiências estéticas vividas, considerando as manifestações simbólicas e existenciais dos sujeitos, encarnadas nas falas, nas imagens e nas emoções, de tal modo, que só podem ser fielmente interpretadas pelos mesmos. Esse seminário contribuiu para revitalizar nossas reflexões sobre as questões da corporeidade e da educação, Pensamos que na condição de seres brincantes que somos, além de homo sapiens, precisamos como educadores-pesquisadores reconhecer a ludicidade como um dos alimentos de auto-regulação estrutural essencial no processo de nossa autopoiese. A partir dessas narrativas dos educadores-pesquisadores, visualizamos uma Pedagogia de formação humana no contexto da Pós-graduação e nos demais seguimentos de ensino. Uma Pedagogia imersa a partir do pensamento freireano, que se distancie do formalismo técnico, linear e autoritário de pesquisa e de formação docente e favoreça uma visão mais ampla e humanescente a respeito da vida e da aprendizagem, o que pressupomos ser elementos interdependentes de uma educação para vida. Referências bibliográficas AMMANN. Ruth. A Terapia do jogo de areia: imagens que curam a alma e desenvolvem a personalidade; [tradução de Mário Serpa]. 2ª Ed. São Paulo: Paulus, 2004. ARAÚJO, Miguel Almir Lima de. Os sentidos da sensibilidade: sua fruição no fenômeno do educat. EDUFBA, 2008. SSMANN, Hugo. Paradigmas educacionais e corporeidade. 3ªed. Piracicaba: Unimep, 1995. _____Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: Unimep, 1996. _____ Reencantar a educação: rumo á sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 2004. 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Educadora Terra (Fig. 03) Educador Água(Fig. 04) Fig. 05: A mandala final que compôs uma ciranda de coloridas representações dos 4 pilares da educação: Evanir de Oliveira Pinheiro 5760 Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial para (auto)formação humanescente Fig. 06: Ateliê corporeidade e educação da BACOR/UFRN- A ciranda do grupo de pesquisadoreseducadores e suas produções nos Jogos de Arei *FOTOS EVA PINHEIRO & NARLA MUSSE i Humanescência como capacidade inerente aos seres humanos de irradiar energia positiva quando vivem e vivenciam situações e emoções que possibilitam a liberação de um fluxo energético multidirecional e multifocal para si, para os outros e para o entorno. Todos os seres humanos possuem a capacidade de humanescer, porém a forma de ser e estar no mundo vai determinar a qualidade e quantidade de seu fluxo energético humanescente (CAVALCANTI, 2008; ASSMAMM, 1995). ii Fenômeno de auto-produção contínua, em que o organismo se autogere, organizando seu conhecer a partir do próprio ato de viver na relação com outros com outros sujeitos autopoiéticos (MATURANA & VARELA, 2001a, 1997). iii auto-eco-formação e heteroformação são abordados respectivamente por interações que o sujeitos tem consigo mesmo e com o outro e o meio circundante. Evanir de Oliveira Pinheiro Pineau 2003, como 5761 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” A POLÍTICA CURRICULAR OFICIAL DO CICLO BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE VÁRZEA GRANDE - MT Ludemila Izabel Silva Jorcelina Elisabeth Fernandes JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT A POLÍTICA CURRICULAR OFICIAL DO CICLO BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE VÁRZEA GRANDE-MT Ludemila Izabel Silva – UFMT/IE/ PPGE Jorcelina Elisabeth Fernandes – UFMT/ IE/PPGE RESUMO: O trabalho apresentado é parte da pesquisa que estamos realizando no Mestrado em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT sobre a Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã-(CBAC), em Escolas da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande/MT. O objetivo é compreender como professores, Coordenadores/Supervisores Pedagógicos e Diretores Escolares interpretam e recontextualizam a política no contexto da prática. Neste trabalho será apresentada parte da análise realizada no documento oficial, representando o contexto de produção, e parte da análise realizada sobre o contexto da prática curricular. Utilizamos para análise o referencial teórico da abordagem do Ciclo de Política formulada por Stephen Ball, os estudos de Alice Lopes e Jefferson Mainardes sobre as políticas de currículo e de ciclos, no Brasil. Em uma visão parcial pode-se dizer que a política curricular do CBAC não é uma produção pura, nem está orientada em teorias únicas, mas são “cópias de fragmentos e partes de idéias de outros contextos, são negociações”. (Ball, 2001) PALAVRAS-CHAVE: Política Curricular - Ciclo Básico de Alfabetização – Práticas Curriculares. Introdução No decorrer da história da educação, muitos Países, Estados e Municípios já alteraram suas diretrizes educacionais com intenções de melhorar a qualidade da educação escolar. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Educação de Várzea Grande-MT propõe, para o período de 2001 a 2004, uma reestruturação na forma de organizar a educação escolar na sua Rede Municipal de Ensino. Para isso mobilizou todos os atores escolares que faziam parte da Rede de Ensino para juntos construírem uma Escola Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5765 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT orientada pelos princípios da educação cidadã defendida por Paulo Freire. A metodologia utilizada foi a do Planejamento socializado ascendente, ou seja, uma forma de ação coletiva que pretendia, [...] quebrar a espinha dorsal do planejamento educacional autoritário, de cima para baixo [...] invertendo a relação de poder na educação e, por conseguinte, na própria sociedade. Estará também contribuindo para superar a resistência à participação no âmbito escolar, que considera com razão, o planejamento atualmente praticado na escola uma atividade meramente burocrática, sem sentido, de caráter tecnicista e com objetivos apenas formais. (ROMÃO; PADILHA, 1997, p. 85). Desse processo, dentre outros aspectos, resultou a implantação, em 2004, do Regime Misto de Organização Escolar para o Ensino Fundamental, sendo: Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã - CBAC, nos três primeiros anos, abrangendo a infância na fase dos 06 aos 08 anos e Séries Anuais do 4º ao 9º. Ano. Nesta pesquisa meu objeto de estudo é a Política Curricular constituída para o Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã tendo como objetivo compreender como os atores escolares1 a interpretam e recontextualizam o contexto da prática. Adoto como base da investigação, a abordagem da pesquisa qualitativa de cunho interpretativo, por seu caráter descritivo e indutivo, que subsidia a apreensão do fenômeno dentro da sua realidade histórica. Os instrumentos de coleta dos dados são: documentos oficiais, questionários e grupo focal. O lócus da pesquisa são 09 Escolas Municipais de Ensino Fundamental – anos iniciais, tendo como sujeitos 18 professores efetivos que atuam nas salas do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, 09 Coordenadores/Supervisores2 Pedagógicos e 07 Diretores Escolares. Neste trabalho, apresento as primeiras análises do documento intitulado “Projeto de Reorganização do Ensino Fundamental e Implantação do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã-CBAC3”, onde estão contidos os fundamentos e diretrizes da política curricular do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, representando o contexto 1 Os atores escolares envolvidos como sujeitos desta pesquisa são: professores efetivos que atuam em turmas do CBAC, Coordenadores/Supervisores Pedagógicos e Diretores Escolares. 2 A Coordenação se apresenta desta forma Coordenação/Supervisão porque existe nas Escolas Municipais de Várzea Grande/MT, a função de coordenadores pedagógicos, que são ocupados por professores efetivos eleitos pelos seus pares e profissionais concursados para o cargo de supervisor Escolar. 3 Nas citações referentes a este projeto a denominação utilizada será: PROJETO CBAC/VG. Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5766 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT de produção da política, e os dados coletados no contexto da prática dos sujeitos da pesquisa através dos questionários. Estas análises visam também contribuir para desvelar as conexões que podem existir, ou não, entre o oficial e o vivido na escola. Nas palavras de Lopes (2004, p.11) “nas propostas oficiais, os sentidos da prática estão expressos e nas práticas do cotidiano das escolas, as marcas do discurso oficial também estão inscritas” num diálogo complexo e multifacetado tendo em vista a produção de múltiplos sentidos para as políticas curriculares. Considero que este estudo está contribuindo para ampliar minha compreensão sobre a produção das políticas curriculares em nível nacional e local e o sentido desta no contexto da prática escolar. E enquanto relevância social espera que possa contribuir para ampliar e enriquecer as discussões sobre a política curricular do e para o ensino organizado em Ciclo. Alguns conceitos orientadores de contextualização da Política Curricular O referencial teórico da abordagem do ciclo de políticas, formulada pelo sociólogo inglês Stephen Ball e colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994), propõe que o foco da análise de políticas recaia sobre a formação dos textos da política e sobre a interpretação que os atores escolares que atuam no nível das escolas fazem para organizar os textos instrucionais em textos pedagógicos. O Ciclo de Política é um ciclo contínuo, onde os três principais contextos que o formam estão interrelacionados, sem uma dimensão temporal ou seqüencial e não são etapas lineares. Cada um deles apresenta arenas, lugares e grupos de interesses e envolve disputas e embates. (MAINARDES, 2007, p.28). O contexto de influência é o espaço onde ocorre a formação do discurso das políticas públicas, onde elas são iniciadas e construídas. O contexto de produção de texto, normalmente trabalha com uma linguagem do interesse do público mais geral. Atuam neste contexto grupos que transformam os discursos políticos em textos das mais variadas formas: textos legais oficiais, documentos referenciais oficiais, dentre outros. Contudo, segundo Mainardes (2007), amparado pelas ideais de Ball e Bowe, é no contexto da prática que a “política está sujeita à interpretação e recriação e onde ela produz efeitos e conseqüências que podem representar mudanças e transformações Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5767 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT significativas na política original”. A abordagem do Ciclo de políticas assume que “nas propostas expressas em documentos oficiais, os sentidos da prática também estão expressos; nas práticas no cotidiano das escolas, as marcas do discurso oficial também estão inscritas”. (LOPES, 2004, p. 11). Por ser a base inicial das formulações de Stephen Ball (2001, 2006) fazem parte desta pesquisa algumas formulações de Basil Bernstein. E apoiados nos estudos de Stephen Ball e Bernstein também utilizo os estudos e ideias de Alice Lopes (2004, 2004a., 2005, 2006) e Jefferson Mainardes (2006, 2007, 2008, 2009). São autores que também destacam a natureza complexa e controversa da política curricular e que indicam a necessidade de articulações entre o macro e micro contexto, no processo de análise das políticas. Para Lopes (2004), toda política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares e como também as constitui, não é possível de forma absoluta separá-las e desconsiderar suas interrrelações. 1.1 O Contexto de Produção da Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã As ideias de Ball sobre o Ciclo de Políticas estimulam a pensar que as políticas curriculares não são puras, nem estão fincadas em teorias únicas, concepções e ideologias específicas, totalmente progressistas ou conservadoras, mas uma integração interdependente de interesses, compromissos, tendências que se mesclam para dar sentido à reforma pretendida. Orientados por estas ideais destacamos para analisar o “Projeto de Reorganização do Ensino Fundamental e Implantação do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã”(PROJETOCBAC/VG) os seguintes eixos que poderão ajudar a compreender melhor o processo no contexto da prática: a concepção de educação escolar e os fundamentos teóricos metodológicos que orientam o ciclo, currículo, planejamento, alfabetização, o serviço de apoio pedagógico e a avaliação. Vale ressaltar que este projeto foi elaborado pela equipe da Secretaria de Educação e Cultura no período compreendido entre 2001- 2004. A partir das discussões coletivas desencadeadas no interior da Secretaria de Educação e Cultura (SMEC) e das Escolas, Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5768 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT foi designado um grupo de redação que interpretou e organizou as ideias coletivas sistematizando o documento. Quanto ao documento, ele possui 69 páginas, incluindo anexos e a Resolução nº. 003/2004 do Conselho Municipal de Educação, que estabelece as diretrizes legais para a Implantação do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, nas Unidades Escolares, da Rede Municipal de Ensino do Sistema Municipal de Educação de Várzea Grande. Com relação a sua base teórica sobre educação escolar, o texto evidencia os princípios da educação cidadã de Paulo Freire. Nesse sentido, no documento ressalta que a proposta tem por objetivo, [...] a construção de uma cultura escolar humanizadora e transformadora, através da ampliação das vivências curriculares para além dos conteúdos disciplinares, da melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem, da melhoria na aplicação dos recursos públicos e do aumento da equidade social. Tal proposta pretende alcançar esse objetivo desenvolvendo a capacidade de administração colegiada ou de gestão participativa tanto no âmbito da Secretaria de Educação como das escolas, criando condições para adequada construção de uma escola de nova qualidade: participativa, aprendente, prazerosa, mas, sobretudo humana e transformadora. [...] Queremos uma escola que propicie a experiência profunda e total da cidadania para todos [...] um trabalho realizado com gente em permanente processo de busca. [...] Gente formando-se, mudando, crescendo, movimentando-se, melhorando... Gente mais gente. (PROJETO CBAC/VG, 2004, p.03, 19). Dessa forma, a proposta afirma que o trabalho educativo da Rede Municipal de Várzea Grande deve caminhar numa perspectiva democrática, humanizadora e transformadora de educação. A escola deve ampliar seu compromisso de ensinar para além dos conteúdos disciplinares. (Ibid., 2004, p. 17, 29) Aponta assim, uma perspectiva de ciclo voltada para o sucesso escolar e para a superação da exclusão dos estudantes nos moldes das propostas de Belo Horizonte (1993-1996) e Escola Cidadã de Porto Alegre (1995). Nessa perspectiva, a escola deve se organizar como espaço público de cultura viva, possibilitar aos alunos participar de forma criativa e crítica na elaboração pessoal e grupal da cultura de sua comunidade. Nela o aluno aprende conhecimentos, habilidades, comportamento, vivencia sentimentos, toma decisões, participa de ritos e celebrações; serão vistos como sujeitos cognitivos, afetivos e sociais na sua dimensão globalizadora (PROJETO CBAC/VG, 2004, p.17-18). Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5769 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT Quanto ao currículo, os conhecimentos estão pautados numa perspectiva progressista e transformadora, busca ressignificar as áreas do conhecimento, interrelacionado-as com a diversidade cultural e a sociedade no seu sentido mais amplo. Dessa forma “o currículo e conhecimento são duas idéias indissociáveis, pois tem a ver com o processo pelo qual o individuo adquire, assimila e constrói conhecimentos em um tipo particular de experiência proporcionada pela práxis da escola.” (Ibidem, p.17). Quanto à abordagem para o currículo, o documento revela que será “intertransdisciplinar e globalizada” [...] cabendo às escolas definirem a metodologia mais coerente [...] sugerindo nesse aspecto: tema gerador, projetos, centro de interesse, eixos temáticos e atividades significativas. (Ibid., p.20). Assim, apesar de todas as metodologias sugeridas possibilitarem a abordagem globalizada, integrada, o documento mostra discursos ambíguos ao expor formas de organização do currículo e do ensino que por sua vez estão em correntes educativas diferentes. De modo geral, o documento expressa um currículo mesclado por conceitos e ideias de habilidades, competências, com influências dos pressupostos da educação defendidos pela UNESCO - Pilares da Educação; com a educação popular política e libertadora de Paulo Freire; com os PCNs e com a perspectiva de conteúdos na visão de Neidson Rodrigues. Estes pressupostos se revelam mais forte onde se explicita a importância do currículo, dos conteúdos: Do ponto de vista dos conteúdos, diz Neidson Rodrigues “não se estará a inventar novos conhecimentos e habilidades. O que há de novo refere-se ao sentido que se dá aos conhecimentos, quando eles não são tomados como principio e fim da educação, mas como mediadores na formação dos alunos”. [...] Um currículo que amplia o compromisso de todas as áreas do conhecimento, não só de desenvolver as habilidades de ler e escrever, interpretar, produzir textos e pesquisar, mas de trabalhar para além dos conteúdos disciplinares - Saber Ser, Saber Fazer, Aprender a Aprender e Saber Conviver. [...] O conteúdo escolar é organizado a partir de uma pesquisa socio-antropológica realizada na comunidade escolar, onde são buscadas questões-problemas reveladoras da contradição entre a realidade de vida da comunidade e da escola e o sonho e a utopia projetados pela comunidade e pela escola. (PROJETO CBAC/VG, 2004, p.14, 17 e 18). Com relação aos conceitos e concepções de Ciclo, a política está embasada nas ideias da Escola Plural de Belo Horizonte e Escola Cidadã de Porto Alegre, tendo como base os estudos de: Elvira Sousa Lima (2001,2002), Andréa Krug (2001), Luiz Carlos Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5770 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT de Freitas (2003) e Agnela Giusta (2000) e o Ciclo de Aprendizagem defendido por Phillipe Perrenoud (2004). A educação em ciclo deve promover a formação da comunicação através de sistemas expressivos, movimentos, atividade estética, como, dança teatro, mímica, desenho, grafismo; a linguagem enquanto sistema expressivo literatura, poesia, etc. e o desenvolvimento da linguagem simbólica - a escrita, a linguagem matemática e as linguagens das ciências naturais, sociais e humanas. [...] No Ciclo de Alfabetização cidadã, a escola deverá também estar preocupada com a formação moral, social, afetiva e corporal dos alunos. [...] Ao concluir o Ciclo Básico de Alfabetização o aluno deverá ter desenvolvido no âmbito da linguagem simbólica as habilidades de ler, escrever, produzir texto, interpretar, pesquisar e resolver problemas. (Ibid., 2004, p. 15, 24, 35) Vale ressaltar que não há referencia no documento sobre o porquê da escolha do termo Ciclo Básico - CBA, muito menos alguma relação do mesmo com o contexto teórico histórico do CBA. O que há é uma justificativa de organização do CBAC voltado para os ciclos de formação e de aprendizagem. Quanto aos fundamentos para a Alfabetização, os pressupostos estão centrados nas ideias de Paulo Freire e de Emilia Ferreiro com seus estudos e experiência na linha construtivista da psicogênese da língua escrita. O processo de organização da prática pedagógica está essencialmente orientado pelo trabalho com diagnóstico das fases da escrita, do agrupamento produtivo e elaboração de atividades para superação e avanço das fases, conforme demonstra as páginas 54, 55 e 56 ao descrever cada uma das fases do desenvolvimento da escrita na perspectiva da psicogênese, bem como traz em seus anexos uma ficha de acompanhamento da evolução da escrita para o trabalho do professor de sala e outra para os serviços da Coordenação Pedagógica (Ibid., 2004, p.57 e 58). Quanto à avaliação da aprendizagem, o objetivo expresso é que ela tem como finalidade “anteceder, acompanhar e suceder o trabalho da sala de aula, possuindo funções diferentes [...] Ela será dialógica apresentando as características diagnóstica, formativa, participativa e somativa”. Revelando que a avaliação é o primeiro eixo a ser alterado no processo de escolarização uma vez que a modificação do tempo escolar “desloca definitivamente o papel da avaliação tradicional, da avaliação que serve para determinar a progressão ou retenção, para uma dimensão formadora e dialógica.” (PROJETO SMEC, 2004, p.33-34). Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5771 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT Entretanto o documento traz prescrito para toda a rede de ensino instrumentos de avaliação padronizados e ambivalentes, como: caderno de campo, ficha de acompanhamento Mensal da evolução da Escrita e leitura do aluno, Mapa demonstrativo e Relatório Descritivo Bimestral de Aprendizagem do aluno. São documentos que possuem finalidades diferentes e atendem teoricamente às perspectivas e conceitos diferentes de avaliação. Por exemplo, a finalidade do caderno de campo revela uma dimensão processual, formativa e dialógica e as fichas de acompanhamento padronizadas para todo sistema revela uma visão forte de controle, perdendo de vista a dimensão de processo de formação e desenvolvimento de cada criança. Na linha das formulações de Stephen Ball (2001), podemos dizer que “são discursos ambíguos que em que as marcas supostamente originais permanecem, mas são simultaneamente apagadas pelas interconexões estabelecidas em uma bricolagem visando sua legitimação.” (LOPES, 2005, p.57). Contudo, há que se ressaltar que o conceito e finalidades da avaliação constituída para o Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã da Rede Municipal de Várzea Grande/MT apresenta uma perspectiva formadora, dialógica atrelada ou negociada com o caráter da avaliação somativa, classificadora e seletiva. Esta constatação fica explícita ao referir-se que, “No final do 3º ano do Ciclo o aluno poderá ficar retido. A retenção só será efetivada após discussão, análise e avaliação do Conselho do Ciclo. A avaliação do aluno deverá levar em conta todo seu processo de desenvolvimento”. (PROJETO CBAC/VG, 2004, p.36) O documento traz ainda a implantação do serviço de apoio à aprendizagem com professor específico de apoio para atender os educandos com dificuldades de aprendizagem. Este profissional deve articular-se com o professor de sala e coordenador/supervisor pedagógico para organizar atividades para as aulas. Quanto ao planejamento de ensino, deve ser sempre coletivo, participativo onde as decisões e responsabilidades são sempre coletivas. Isto é explicitado no documento, nas palavras de Krug (2001), [...] no ciclo os professores e professoras formam um coletivo, por isso a responsabilidade pela aprendizagem é sempre compartilhada por um grupo de Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5772 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT docentes e não mais por professores e professoras individualmente. (KRUG, 2001 apud Ibidem, 2004, p.13) Estes argumentos são dados que nos levam a “compreender que o que mais se destaca numa escola organizada por ciclo é sua postura de inquieta e conflituosa, uma vez que são postos em questionamento à forma de avaliar a maneira de entender o conhecimento, a didática utilizada, a organização dos tempos e espaços” (FERNANDES, C., 2005, p.79). Nessa perspectiva é possível compreender a Política Curricular do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT como uma mistura de concepções, entre perspectivas e interpretada como uma mescla de “discursos curriculares produzidos por processos de recontextualização”. (LOPES, 2002, p.3). A Política Curricular é assim, “uma produção de múltiplos contextos sempre produzindo novos sentidos e significados para as decisões curriculares nas instituições escolares”. (id., 2006, p.39) 1.2 Uma análise inicial sobre o contexto da prática 1.2.1 Informações básicas pessoais e profissionais Nas 09 Escolas Municipais que atendem o Ensino Fundamental Anos Iniciais, aceitaram participar desta pesquisa 18 professores, que atuam em turmas do Ciclo Básico de Alfabetização, 07 Diretores Escolares e 09 Coordenadores/Supervisor Escolares. São atores escolares formados em sua maioria em Pedagogia, um em Educação Física e outro em Letras. Os cursos de pós-graduação em geral estão na área da educação com especializações em Gestão Escolar, Alfabetizações e Metodologias, O fazer Pedagógico nas Séries iniciais, Psicopedagogia, Lingüística e Gestão Escolar, Planejamento Educacional. Doze (12) desses sujeitos cursaram em nível médio o Magistério e apenas 01 deles não tem experiência efetiva em sala de aula. A experiência docente está entre 08 a 40 anos de trabalho. As idades cronológicas destes sujeitos variam de 29 a 61 anos. Dos sujeitos que responderam sobre os anos de experiência na alfabetização, todos passaram por turmas de alfabetização inicial. Quanto à jornada de trabalho, com algumas exceções, os sujeitos revelam que possuem em média 50 horas semanais. Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5773 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT Alguns professores que possuem jornada de 50 horas exercem suas funções em escolas diferentes. 1.2.2. Os Eixos de análise Antes de revelar o que os dados coletados apontam sobre a Política Curricular do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã no contexto da prática, vale ressaltar que esta pesquisa é uma versão parcial e provisória dos dados, uma vez que os resultados expressam apenas uma construção da realidade a partir de minhas interpretações, meus pressupostos teóricos metodológicos e do recorte que faço da realidade escolar na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT. Para este trabalho a análise do contexto da prática tem como eixos orientadores: objetivo do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, a alfabetização, a organização curricular e mudanças na escola e prática pedagógica. Assim, no campo do primeiro eixo, os dados mais recorrentes revelam que o objetivo do CBAC, além de se justificar na necessidade de se combater o fracasso escolar nos anos iniciais do ensino fundamental comungando com os objetivos do Ciclo Básico historicamente constituído encontra sua fundamentação no “meio, fusão, associação, combinação” (CORAZZA, 2001, p.106) do Ciclo de Formação Humana e o Ciclo de Aprendizagem na base do desenvolvimento de habilidades e competências na área da linguagem. Com relação ao Ciclo de Formação as evidencias são reveladas quando os dados mostram que o objetivo do CBAC. As respostas mais recorrentes dos sujeitos ressaltam que o objetivo do CBAC é, Garantir mais tempo com maiores oportunidades para o aluno aprender, romper com a organização seriada, respeitar as características das etapas de desenvolvimento humano. [...] Possibilitar aos alunos o pleno desenvolvimento cognitivo, sócio-cultural, afetivo, emocional e corpórea [...] ensinar o aluno de forma global e não fragmentada. [...] Garantir o fazer pedagógico com ênfase na ação formativa da educação. (P) E quanto ao Ciclo de Aprendizagem centrado no desenvolvimento de habilidades e competências quando os sujeitos ressaltam o objetivo do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5774 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT Que o aluno seja capaz de ler, interpretar e produzir textos com eficiência respeitando seu próprio ritmo. [...] Desenvolver as habilidades necessárias principalmente na leitura e escrita, ou seja, atingir o perfil de saída do ciclo. E [...] Alcançar o parâmetro mínimo das habilidades nos aspectos cognitivos, sócio-afetivos, emocional e cultural [...] (S) Estes aspectos revelam que tanto a política curricular oficial quanto o currículo vivido se apresentam como interrelacioandos. Isto talvez se deva ao fato desta Política ter sido construída com a participação dos atores escolares da Rede Municipal que desenvolvem suas funções no Ensino Fundamental Anos Iniciais. Esta situação ressalta que “não há mais um centro fixo de poder, de produção e trabalho, de capital, cultura, de formação de sujeitos”. [...] “Não há mais enraizamento, nem raízes, só rizomas, só redes de poder que movem o mundo”. (CORAZZA, 2001, p.102). Com relação aos propósitos e intenções da Alfabetização da política oficial ressaltar os pressupostos Freireanos, os dados mais recorrentes revelam que as mudanças ocorridas na escola e na prática pedagógica dos sujeitos centram essencialmente pela introdução da psicogênese da língua escrita na base dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Uma linha pedagógica voltada para a tentativa de compreender como aprendem os que conseguem aprender a ler e escrever sem dificuldade e o que pensam sobre a escrita dos que ainda não se alfabetizaram. Sobre este aspecto, os atores escolares sujeitos desta pesquisa revelam sua presença com muita intensidade: “Hoje a escola aplica o diagnóstico para descobrir o desempenho e aos níveis da escrita que os alunos se encontram”. [...] Os professores passaram a conhecer melhores seus alunos através dos testes das hipóteses de leitura e escrita. Hoje a organização dos planos de aula se dá a partir dos diagnósticos (níveis da escrita). (D) Vale ressaltar que a influência da Psicogênese da língua escrita, na prática pedagógica dos atores escolares da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande, teve início com a adesão do Município em 2001 ao Programa do Governo Federal denominado: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA/MEC e que mais tarde, em 2003 foi reorganizado, porém, permanecendo com a base pedagógica orientada pela psicogênese da língua escrita, pela equipe da Secretaria de Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5775 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT Educação e Cultura para atender todos os profissionais da rede. Nesse sentido, o documento oficial também reforça na pagina 44 quando ressalta que, A Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande promoverá a formação continuada para todos os profissionais que irão atuar no Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã. A formação dar-se-á através de oficinas pedagógicas com encontros semanais, cursos mensais ou semestrais. As oficinas estarão abordando os temas: Alfabetização e Letramento/Abordagem sócio-construtivista [...] Fundamentos e Princípios da educação (Piaget e Wallon). (PROJETO CBAC/VG, 2004, P.44) Além deste aspecto, há ainda como anexo do documento oficial nas páginas 53, 54, 55, 56 e 57 orientações sobre as hipóteses silábicas, ficha de acompanhamento da evolução da escrita para o professor e ficha de acompanhamento da aprendizagem por turma para o Coordenador/Supervisor Pedagógico. Com relação a Organização Curricular na Escola, os dados mais recorrentes demonstram que a escola utiliza: ”A proposta curricular da escola teve como base a proposta da Secretaria Municipal de Educação sendo que as adaptações para a realidade escolar são feitas através da inclusão de outras habilidades”. (P.L. L) E o ensino está basicamente organizado por Ensino por Atividade e por Áreas de Conhecimento, e esta escolha se justifica porque facilita a interdisciplinaridade, dá maior flexibilidade para o trabalho do professor e é um caminho mais viável para contextualizar as atividades. Estas evidências reflete o texto oficial da política curricular, quando na página 20 onde aborda especificamente as referências curriculares diz que, [...] as propostas curriculares só poderão ser, de fato, organizadas pelos sujeitos – profissionais da educação e alunos – que nela estão envolvidos [...] construindo o Currículo Vivo do Ciclo. [...] Além disso, não podemos esquecer de que a abordagem intertransdisciplinar e globalizada proporcionará o enriquecimento da ação educativa. (PROJETO CBAC/VG, 2004, P20) Com relação ao currículo, uma fala que chama a atenção diz que uma das dificuldades encontradas pela escola para desenvolver o currículo do CBAC se dá por que: Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5776 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT “Os Parâmetros mínimos da Secretaria de Educação estão definidos por ano e não para o período do Ciclo (3 anos) e isto dificulta o desenvolvimento do currículo”. (DIRETOR). Entretanto existem também vários indicadores de mudanças e melhoria no contexto da escola e das práticas pedagógicas. Em jeito de conclusão provisória Pode-se dizer provisoriamente que há um esforço enorme, principalmente no contexto da prática, em desenvolver um ensino e uma aprendizagem mais significativa e com sentido para os educandos. Nas palavras de Santos (2008) queremos “reafirmar o discurso de que modificar mentalidades e práticas não é fácil, mas não é impossível” e também não se dá de forma linear. No caso da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande/MT é possível argumentar provisoriamente que, o contexto da prática vem produzindo efeitos e conseqüências que revelam a força do currículo escrito oficial sobre o cotidiano bem como apresentam considerações que pode representar mudanças e transformações significativas na política original. Nesse sentido, de modo geral tanto o texto da Política Curricular do CBAC da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande quanto às práticas desenvolvidas no contexto da prática apresentam como uma mescla entre construtivismo, aprendizagem por habilidades e competências e educação emancipadora, dialógica e transformadora. Evidenciando assim uma diversidade de experiências e vozes que interelacionadas assumem diferentes meios e procedimentos didáticos pedagógicos para dar conta de ensinar na diversidade, complexidade e contradições que existem no mundo em permanente transformação. Esta situação revela “um discurso ambíguo em que as marcas supostamente originais permanecem, mas são simultaneamente apagadas pelas conexões estabelecidas numa bricolagem”. (LOPES, 2005). REFERENCIAS BALL, S. J. Diretrizes Políticas Globais e Relações Políticas Locais em Educação. Currículo sem Fronteiras, v.1., n.2, pp.99-116, jul/dez 2001. Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5777 A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT _____________. Sociologia das Políticas Educacionais e Pesquisa Crítico-Social: uma revisão pessoal das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. 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Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes 5779 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” PRÁTICAS DIFERENCIADAS NO ENSINO DA LITERATURA DE LÍNGUA INGLESA Maria do Rosário Silva Leite Maria das Graças Alves Rodrigues JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa PRÁTICAS DIFERENCIADAS NO ENSINO DA LITERATURA DE LÍNGUA INGLESA Maria do Rosário Silva Leite (UFPB/CNPq) Maria das Graças Alves Rodrigues (UFPB/Especialista) RESUMO: A literatura e o seu ensino promove um panorama acerca da sociedade de uma determinada época e suas tradições elencadas a sua história. Ao abordarmos uma literatura em língua estrangeira, seu conteúdo literário torna-se um guia cultural, este por sua vez, permite ao educador estabelecer relações histórico-culturais, que interligam o texto literário transportando o aluno para um momento pertinente nesta história cultural, em nosso caso a literatura de língua inglesa e sua repercussão nos escritos de uma nação, como nos diria Alexander Meireles da Silva (2006, p. 4), “de marinheiros e viajantes, e esses personagens se refletem em sua literatura, assim como o mar frio e tempestuoso”. Enfrentando as intempéries, sua literatura conta com origens dos povos Celta, romanos e das mais diversificadas tribos nórdicas. Assim, no intuito de fomentar estratégias que permitam a interação dos alunos com a literatura de língua inglesa, o conhecimento acerca de sua cultura e o estímulo para o aprendizado de sua língua, é que pretendemos, mediante as referências curriculares, que tem por base a Lei de Diretrizes e Bases estabelecer o contato com as adaptações literárias em língua estrangeira (cada qual em seu nível adequado de inglês beginner, elementary, pre-intermediate, intermediate, upper- intermediate e advanced), bem como suas adaptações fílmicas para o reconhecimento e familiaridade com esta cultura, que nos legou grandes autores. Por fim, seremos guiados também pelo relatório da UNESCO (1999, p. 89-102) o qual propõe uma educação voltada para os quatro tipos fundamentais de aprendizagem sugeridos para o século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros, aprender a ser. PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Adaptação. Ensino. A literatura, porém, é coletiva, na medida em que requer uma certa comunhão de meios expressivos (a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas que congregam os homens de um lugar e de um momento, para chegar a uma “comunicação”. Antonio Candido, Literatura e Sociedade Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5783 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa O ensino de um língua estrangeira no Brasil percorre uma longa caminhada, dos jesuítas dedicados a doutrinar e, posteriormente ao ensino das primeiras letras e do latim, durante o período da colonização, posteriormente, com o advento do Império o grego e o latim tornaram-se uma prioridade. Já na Primeira República surgiram às línguas modernas, contudo, apenas por volta de 1930 é que o ensino de línguas estrangeiras é imposto, com as devidas alterações em seus métodos e conteúdo. Estando, pois sob forte influência do inglês, nos aspectos concernentes a política mundial e ao desenvolvimento tecnológico e comércio internacional, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, torna-se obrigatório, a partir da quinta série do ensino fundamental (sexto ano do ensino fundamental), o ensino de uma língua estrangeira. Assim, deparando-nos com a condição emergente, em nosso caso o ensino de língua Inglesa, pretendemos refletir e dispor dos bens atuais, como as adaptações fílmicas e literárias para em sala de aula promover maior integração entre os alunos e o aprendizado de uma língua estrangeira, tornando a experiência estimulante e dinâmica, segundo afirma Edgar Morin (2004, p. 39), “a educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essências e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral”. Sendo notória a importância do inglês para as negociações, acesso a rede mundial de computadores e diversos aspectos sociais de globalização e, conhecendo a língua se conhece a cultura, neste processo, com o desenvolvimento da internet, a intercomunicação para o conhecimento de terras dantes longínquas foi facilitado e, o fenômeno da globalização fez surgir novas demandas educativas pelo desenvolvimento tecnológico, estabelecendo novos padrões de relações sociais, e consequentemente novas formas de aprendizagem. O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isto se verifica não apenas para as nações e povos, mas para os indivíduos. Assim como cada ponto de um holograma contém a informação do todo do qual faz parte, também, doravante, cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo. (MORIN, 2004, p. 67) Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5784 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa Concomitantemente “nasce” outro tipo de aluno, mais informado, com um conhecimento prévio advindo das novas tecnologias (internet) e com muito mais interesse pela informação /conhecimento, e para tal, como o nosso foco promove uma viagem à ilha da Grã- Bretanha e o conhecimento de sua respectiva cultura, tendo em vista a vasta dimensão da literatura inglesa, que passa desde a literatura da idade média até a literatura modernista, se faz mister nos restringirmos a literatura inicial, já que nossa intenção é transportar nossos alunos até a cultura britânica através da criação da civilização que deu origem a uma raça, uma língua e um país – o Reino Unido. Faremos uso das primeiras obras do período medieval (já que no Brasil não passamos por esta fase) e concluiremos na literatura de Shakespeare referente ao período elisabetano, como primeira etapa. Nesse sentido retomamos por base, os Referencias Curriculares de Línguas Estrangeiras, que estão estruturados em um tronco comum e tem por base a Lei de Diretrizes e Bases (1996). As Orientações Curriculares do Ensino Médio de 2004 e 2006 bem como, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas Estrangeiras (1998), evidencia a principal perspectiva da LDB, que é a formação de alunos preparados para viver o mundo atual e cria as orientações complementares aos PCNEM. O volume dedicado especialmente às linguagens, Códigos e Tecnologias tem como um dos objetivos “trazer elementos de utilidade para o professor de cada disciplina, na definição de conceitos estruturantes, conteúdos e na adoção de opções metodológicas” (Vilar,p 113). Sendo assim, baseando-nos nessa concepção acreditamos que uma dessas opções metodológicas nos possibilita criar um método de ensino de língua estrangeira que se insira a literatura. Entendemos que há importância de conhecer uma língua não é falando ou escrevendo e sim envolvendo os falantes nessa cultura. A importância de saber uma língua estrangeira, não é somente importante para o futuro do aluno no mercado de trabalho, mais acreditamos sim, que formaremos cidadãos mais cultos e verdadeiramente conhecedores de uma língua. É necessário ensinar não mais a opor o universal às pátrias, mas a unir concentricamente às pátrias – familiares, regionais, nacionais européias – e a integrálas no universo concreto da pátria terrestre. Não se deve mais continuar a opor o futuro radiante ao passado de servidão e de superstições. Todas as culturas tem Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5785 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa virtudes, experiências, sabedorias, ao mesmo tempo que carências e ignorâncias. (MORIN, 2004, p. 77) Com a indicação de que a escrita se afasta da simples memorização das idéias, e a leitura em muito ultrapassa o processo de decodificação de sinais, definiu-se o texto (oral e escrito) como unidade básica do ensino de língua, e a gramática passou a ser vista como uma, entre tantas outras formas de manifestação das práticas de linguagem. Propomos uma prática de ensino interligada com outras disciplinas, como por exemplo, as disciplinas de História e Geografia em comunhão com a disciplina de Língua Inglesa, as quais caberão o desenvolvimento das competências e habilidades das disciplinas correlacionadas, pois segundo Morin (2004, p.57) “o ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo”. É somente no início da Idade Média que aparecem as primeiras palavras em inglês (devido ao fato de a herança galesa e romana ter sido quase totalmente apagada por invasões das populações da baixa Alemanha e Escandinávia) escritas em dialeto AngloSaxônico agora conhecido como inglês antigo (Old english; o texto sobrevivente mais antigo é Cædmon's Hymn de Cædmon). A tradição oral era muito forte nos primórdios da cultura inglesa e a maioria dos trabalhos literários foram escritos para serem representados. Os poemas épicos eram assim muito populares e muitos, incluindo Beowulf, sobreviveram até aos dias de hoje entre as obras que constituem a literatura anglo-saxônica A reflexão na prática pedagógica cotidiana nos levou a avaliarmos as concepções atuais relacionadas ao ensino da língua inglesa nas escolas de ensino médio. Em sala de aula tem ficado claro que o envolvimento do aluno, se dá a partir de sua identificação com situações retratadas. A proposta de trabalho com clássico literário em sala de aula, mediada por adaptações, seja da obras literárias e ou cinematográficas, propicia aos alunos experimentar pontos de vista diversos, e interagir nesse processo dialógico e, experimentar novas situações enunciativas e estimulantes, tornando-os capazes de se lecionar os textos que lhe são importantes. Segundo Chartier (2002), alguns aspectos parecem ser primordiais para a constituição de um leitor competente. Assim, enquanto na escola fundamental, a leitura literária tem como principal motivação despertar o leitor infantil para o mundo da linguagem literária, no ensino médio, uma obra literária tem de levar o leitor a pensar Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5786 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa sobre a obra como um ícone de uma cultura, de uma língua como uma importante manifestação da linguagem, pois entendemos que a escola deve tratar a relação entre Língua e Leitura. Propomos, portanto gerar uma sensibilidade intercultural e mostrar a relevância de se conhecer a História, a Geografia, a Cultura, a Literatura e a Língua do Reino Unido. Observar o contexto de produção através de práticas de linguagem e escrita para que o aluno compreenda a formação da língua que iremos estudar, e não apenas através do método formal do Ensino da Língua Inglesa. Acreditamos assim, no despertar dos alunos através de um processo dinâmico e de compreensão da formação da Língua, neste caso a Língua Inglesa, desde o nascimento na forma do primeiro poema lírico "The story of Caedmon" (658) e em poemas anglo-saxônicos como "The Wanderer" (975) até o século XVI, com Hamlet de William Shakespeare (1601-1602). Propomos uma prática de ensino interligada com outras disciplinas as quais caberão o desenvolvimento das competências e habilidades das disciplinas correlacionadas com a disciplina de Língua Inglesa. Partindo para uma organização metodológica da disciplina, acompanhamos três princípios básicos: primeiramente a transformação do aluno em sujeito ativo do processo de ensino-aprendizagem; por conseguinte, a precedência de competências e desenvoltura sobre conteúdos pesquisa e vocabulário; finalizando na interdisciplinaridade das práticas metodológicas em uma mesma série. Esses três princípios deveriam organizar os eixos de formação em que se distribuiria com o desenvolvimento das competências e habilidades referentes à análise, reflexão lingüística e verbal de textos literários em geral de Língua Inglesa, com o desenvolvimento e habilidades relativas ao seu uso, habilidades da produção e da recepção da escrita; e o eixo da Pedagogia, com o desenvolvimento das competências e habilidades relativas à prática de sala de aula. Como proposta pedagógica, dividiremos os temas abordados sob a seguinte ordem e, sob constante orientação do professor, os alunos pesquisariam obras, filmes e sites sugeridos. O primeiro grupo trataria da pesquisa sobre os símbolos da Ilha, a personalidade do inglês e suas origens, por exemplo, por meio do olhar Shakespeareano, através da obra The Tempest - A Tempestade, que faz uso da simbologia da ilha de Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5787 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa várias maneiras. Resultando para os alunos o esclarecimento de como surgiu esta ilha em meio a tempestades, pois o simbolismo da ilha está intimamente ligado a história da literatura Inglesa, bem como sua cultura e língua. Por ventura seriam despertos os devidos questionamentos, por que o nome Bretanha, Grã-Bretanha e Reino Unido?, nos quais os aspectos histórico, político e geográfico estariam inseridos. Posteriormente, o tema perpassaria pela formação do povo, com sua origem nos Celtas Romanos e Germânicos. Os Celtas (2000 a.c-43 d.C) – chegada e desenvolvimento, dos Druidas e a associação do personagem simbólico Merlin (político e religioso, sacerdote do povo Celta e a origem do Halloween, a contribuição Romana na cultura britânica (43 d.C. – 409 d.C.) e a simbologia dos personagens Asterix e Obelix, a influência do latim na língua inglesa e a queda do império romano, as invasões germânicas (43 d.C.-1066 d.C.) e o surgimento do nome “Inglaterra” e por fim, a chegada dos Vikings e suas influências, como o “simbólico” Thor, na língua inglesa. Todo este construto teria forte relação com a disciplina de História e, portanto, promoveria uma união entre elas. Na parte fílmica sugere-se As Brumas de Avalon (2001) baseado na obra de Marion Zimmer Bradley, que retrata a condição feminina na corte arturiana e o Gladiador (2000), que tem por panorama geral, a vida na sociedade romana e, inclusive são mostradas as estratégias utilizadas pelas legiões romanas para subjugar as tribos germânicas, já que os romanos dominaram a Inglaterra, difundindo a língua, ideais e o cristianismo. Num outro momento, a literatura anglo-saxônica teria destaque com Beowulf poema épico, que faz uso do emprego de aliteração, é constituído de 3.182 linhas, formando o poema mais longo do pequeno conjunto da literatura anglo-saxã e um marco da literatura medieval, por filmografia temos Beowulf (1998), O 13º Guerreiro (1999) e o Senhor dos Anéis- A Sociedade do Anel (2001), As Duas Torres (2002) e o Retorno do Rei (2003), justificamos a sugestão, por tratarem da estrutura de poemas épicos, tanto Beowulf quanto o Senhor dos Anéis mostram heróis de culturas escandinavas que se estabeleceram na Bretanha se fixaram na literatura inglesa. Dando continuidade, a seguinte temática adentra a literatura medieval Inglesa I, com foco nas peregrinações dos cavaleiros e o surgimento de figuras lendárias, o nascimento de um santo, Thomas Becket (1170), Ricardo Coração de Leão, Robin Hood (Lorde de Locksley). Nessa fase, damos destaque à obra The Canterbury Tales (1386-1387) de Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5788 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa Geoffrey Chaucer, registro da literatura Medieval, com a seguinte filmografia, O Feitiço de Áquila (1985), O Nome da Rosa (1986), Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões (1991) e As Aventuras de Robin Hood (1938), Coração Valente (1995), Coração de Cavaleiro (EUA, 2001). Na segunda parte desta temática, Literatura Medieval Inglesa II, concluiremos o ciclo dos cavaleiros com a obra Morte do rei D’Arthur, publicada em 1485, de autoria de Thomas Malory, este romance de cavalaria será acompanhado dos seguintes filmes: Excalibur (1981), Merlin (1998) e Rei Arthur (2004). Por fim, voltados para o século XVI período da “era elisabetana” e “era dos Tudor”, teremos Shakespeare, com considerações sobre o teatro e a história deste período marca pelo renascimento, fim da época feudal e surgimento dos intelectuais e artistas de novas idéias, vista através de obras como Hamlet, Romeu e Julieta, Muito barulho por nada, A megera domada, Henry VIII e finalizando com Macbeth, por filmografia teremos: Henrique VIII e Suas Seis Esposas (1973), Elizabeth (1998), Shakespeare Apaixonado (1998), Hamlet (1997), Muito barulho por nada (1993), Romeu e Julieta (1968 e 1996), A megera domada (1967), Macbeth (1948), A tragédia de Macbeth (1971), A outra (2008). Com a divisão temática apresentada, acreditamos ser possível formar alunos, com disposições e interesses, que os tornariam aptos a enfrentar os desafios da educação, transformando a escola em um lugar de efetiva interação e interlocução, comprometida com o respeito e a tolerância à diferença. A discussão semanal da realidade do dia-a-dia permitiria perceber que a reforma curricular muito pouco significaria, se não fossem também alteradas as práticas e posturas pedagógicas dos professores. Buscamos então, a formação do aluno interpelado pelas novas concepções de língua e literatura com desenvolvimento das competências e habilidades referentes à análise e à reflexão lingüística, concomitantemente interação verbal e habilidades na produção e na recepção da escrita. A formação do aluno/pesquisador, com o desenvolvimento das competências e à obtenção e compilação dos dados relacionados às situações de ensino-aprendizagem da língua e literatura Inglesa, bem como à sua análise e interpretação no trabalho final com representações teatrais, criação de blog spot com todos os trabalhos escritos, com as Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5789 Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa filmagens da apresentação dos grupos na escola, onde observaremos os resultados obtidos com relação ao conhecimento não só da língua Inglesa (língua falada) dentro do contexto da escola, mais também o conhecimento literário, histórico e geográfico desenvolvidos no decorrer do ano letivo e se os objetivos traçados paralelamente com os professores, do sistema de avaliação desenvolvido paralelamente com os professores de geografia e história. Formar-se-iam, por este motivo, não apenas alunos capacitados (porque investidos das competências e habilidades envolvidas em sala de aula), mas politicamente engajados no processo de socialização da escola brasileira. REFERÊNCIAS CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel/Bertrand Brasil, 1990. CLUTE, John. Sience Fiction: The Illustrated Encyclopedia. London: Dorling Kindersley, 1995 CUDDON, J.A. (ed.) Dictionary of Literary Terms a Literary Theory. Ed. London: Penguin books, 1991. EAGLETON, Terry. William Shakespeare. New York: Basil Blackwell, 1987. GIOVANNI, Fernando de. Atlas de Literatura, Ed. Escala, 2007. JENKINS, Elizabeth. Os mistérios do Rei Arthur. Trad. Luiz Carlos Rodrigues de Lima. São Paulo: Melhoramentos, 1994. McDOWALL, David. Illustrated History of Britain. London: Longman, 1989. MONTEIRO, Girleide Medeiros de A. Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba, Secretaria do Estado da Educação e Cultura. 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Critica Literária Romântica no Brasil: Primeiras Manifestações, Cadernos do Centro de Pesquisa Literária, PUCRS, Porto Alegre, 1999. Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues 5791 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” HEGEMONIA CURRICULAR: A PRODUÇÃO DE UMA CULTURA DE CONSCIÊNCIA Rogéria Pereira Fernandes Soares JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso HEGEMONIA CURRICULAR: A PRODUÇÃO DE UMA CULTURA DE CONSCIÊNCIA Rogéria Pereira Fernandes Soares RESUMO: Na construção do pensamento no contexto das Políticas de Currículo é importante lembrar que “o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. (...) o currículo produz identidades individuais e sociais particulares.” (MOREIRA, p. 8, 2002). Compreendendo, em uma perspectiva crítica, os pressupostos teóricos dos estudos sobre currículo, conectado com a realidade local, e suas relações históricas, epistemológicas e políticas, este trabalho, desenvolvido a partir de uma revisão bibliográfica, longe de conceituar currículo, analisa o mesmo, considerando-o como espaço de construção e de autonomia, modelo de conduta, indutor de desigualdade, política de estado, instrumento de formação humana e processo de inovação pedagógica. Alertando as intenções e significados das relações de poder que envolvem o tema, entendendo o currículo pela forma como se organiza e se desenvolve, em meio a uma ideologia de poder, que envolve economia, política, cultura, raça e gênero. Pensar os currículos como o que direciona nossa construção do conhecimento e por sua fez nos transforma no que somos, leva a questionar que identidades estão sendo construídas pelos atuais currículos, e a refletir que identidades poderiam ser construídas, dependendo do caminho percorrido para tal construção. PALAVRAS-CHAVE: Desigualdade Social, Políticas de Currículo, Identidades e Inovações Pedagógicas. Historiando “Se a história serve para os estudos culturais do currículo, como então os currículos servem aos estudos culturais do ensino de história?” (MARTINS, 2007) Esta pergunta traz o “ensino de história”, que neste trabalho é citado, por um simples trocadilho de palavras, desejando na realidade questionar a compreensão de como se Rogéria Pereira Fernandes Soares 5795 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso produz o conhecimento no campo do saber contemporâneo, como ele é legitimado, a que sujeito e forma de vida referencia, quais as aprendizagens significativas desse sujeito em relação à formação curricular nas escolas, se no campo curricular continua-se a enfatizar que a interface seja feita pelas clássicas formas de organização dos saberes da educação? Como um campo pode interpelar o outro, dialeticamente? Aponta Godson (1997), ser a abordagem histórica do currículo precisa a fim de acabar com a “amnésia histórica”, que segundo o autor “(...) permite que a reconstrução curricular seja apresentada sempre como uma revolução curricular”. E é nesta abordagem histórico-curricular que se deve questionar quais conhecimentos foram considerados válidos em cada momento histórico. Tendo o currículo como construção social, as condições históricas contribuíram para a emergência de determinadas formas de organização educacional e para a valorização de determinados pensamentos educativos, onde as idéias e as práticas em educação foram transformando as necessidades dos grupos sociais. Fazendo-se um rápido passeio na história da construção curricular, encontra-se uma escola que desde cedo se utiliza de práticas curriculares para ser detentora do ato educativo, legitimando desta forma a escolarização com ações autoritárias de planejamento, seleção e organização de um determinado conhecimento. O currículo como objeto de estudo, apesar de já nos anos de 1840 se notar uma atenção mais direcionada à forma como o ensino estava sendo organizado e planejado, aparece no final da década de 1920, ligado ao processo de industrialização e conseqüentemente a massificação escolar, passando a ser aceito como procedimento de medida para obtenção de um resultado. Surgindo, desde que visto como campo de estudo, teorias para explicá-lo e questioná-lo. Teorias estas que discutem a importância de um dado conhecimento como parte integrante de um currículo a ser seguido. Surge então a preocupação da relação de poder, compreendendo o currículo como orientador do que se vem a ser, no dia a dia escolar. Seja na relação professor/aluno e/ou direção/professor, ultrapassando o muro da escola, no que diz respeito às relações de classe, raça e gênero, que vai muito além da questão da escolha de conteúdo. Um currículo que no exercício da função social escolar, ajude a compreender a Rogéria Pereira Fernandes Soares 5796 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso complexidade dos fenômenos da sua contemporaneidade, articulando-se ao todo social de que faz parte. “(...) da modernização dos currículos, da renovação das idéias pedagógicas, o trabalho dos professores evolui lentamente (...), porque a relação educativa obedece a uma trama bastante estável e porque as condições de trabalho e sua cultura profissional instalam os professores em rotinas. É por isso que a evolução dos problemas e dos contextos sociais não se traduz “ipso facto” por uma evolução de práticas pedagógicas.” (PERRENOUD, 1999, p. 12) Nas últimas décadas, a sociedade contemporânea vem passando por mudanças significativas. Vê-se então na história que a noção de currículo tem sido várias vezes modificada, por não depender apenas de um planejamento, mas, acima de tudo, por ser determinada pelo contexto, adquirindo neste, longe de ser uma marca distintiva dos sujeitos, diferentes sentidos de acordo com os diversos atores sociais, a fim de ampliar os conceitos e valores das distintas formas históricas de identidade. Nas teorias de ensino o assunto currículo aparece em diferenciadas abordagens ao longo do tempo, em uma conseqüência da preocupação com a coerência dos aspectos pedagógicos e com a própria forma de repassar um determinado conteúdo, na relação ensino/aprendizagem, desenvolvendo na história da educação diferentes teorias. ● Teoria Tradicional Uma idéia de planejamento curricular que buscava resultados no modelo industrial, baseado na teoria da gestão científica desenvolvida por Taylor, em 1911, para a indústria, “(...) partindo da chamada job analysis, ou seja, da análise detalhada de gestos, seqüências e tempos necessários para a execução de tarefas.” (FINO; SOUSA, 2003:3). Possuindo como meta uma educação geral e o trabalho especializado. Um currículo centrado na organização de conteúdos e ensino dos mesmos, tendo como norte a eficiência nos resultados, na produção. Rogéria Pereira Fernandes Soares 5797 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso ● Teoria Crítica Os anos 60 foram marcados por grandes movimentos sócio-culturais, surgindo dentre eles as primeiras teorias que iam de encontro à estrutura escolar tradicional vigente, em particular, a maneira de conceber e organizar o currículo. Um currículo guiado e justificado por questões sociológicas, políticas e epistemológicas, marcado por um modelo fabril, mecânico. Um saber do sujeito, um sujeito submetido e controlado por diferentes poderes, agindo como outro saber sobre ele, que o diagnostica e que o leva a caminhar em um mundo guiado por modelos, que atropelam sua criatividade, que dizem o que fazer e como fazer, e em nenhum momento é colocado em questão o para que fazer. Em uma cultura sócio-escolar de transmissão do saber e não de construção, onde falta dar-se sentido ao conhecimento adquirido. Uma tendência contrária a teoria tradicional curricular que afirmava a dominação, uma vez que para o sucesso do capitalismo, o currículo deveria sedimentar as desigualdades sociais e econômicas. Uma nova tendência que ao contrário, privilegiava sujeitos, suas subjetividades, suas experiências e as realidades dos lugares em que viviam. ● Teoria Pós-Crítica É, porém na modernidade e pós-modernidade que a crença fica face a face com a dúvida, e a desconstrução das crenças, enquanto produções sócio-históricas indicam a multiplicidade presente nos diferentes objetos que estão no mundo, negando com isso a possibilidade de apreendê-los de forma objetiva e neutra, colocando em questão o conhecimento baseado em verdades. Surgem então as teorias pós-críticas, a multiculturalista em duas perspectivas a liberal ou humanista e a mais crítica. A primeira defende um espaço cultural harmônico, já a segunda, continuando com sua base centrada no poder, defende a liberação de um espaço pela cultura dominante à dominada. Essas teorias trazem a tona críticas às desigualdades geradas nas instituições escolares, as quais conseguem ultrapassar as questões de uma desigualdade de classes sociais voltadas para uma economia dominante Rogéria Pereira Fernandes Soares 5798 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso e alcançam um domínio de classes em relação também as questões de gênero e de raça. A crítica a um currículo preparado para “homens brancos”, que valoriza a separação dos sujeitos, o domínio, o controle, o individualismo e a competição, voltados ao interesse masculino. Considerando a Teorização Curricular como Modelador de Conduta No Brasil os Jesuítas entram pela via da educação, através de escolas, usando a instrução como um meio de assegurar a eficácia do intento da Coroa. Surge então uma Nova Ordem, pelo caminho da missão educativa. Uma instrução que se cumpre em um processo de aculturação centrada nas tradições e costumes do colonizador, modelando condutas a partir de uma catequese que trazia a religião católica como obra de Deus, enquanto que as religiões dos índios e dos negros vindos da África como obra do demônio. Uma tendência tradicional que se caracteriza por uma visão essencialista do sujeito, isto é, o sujeito concebido como constituído por questões universais e imutáveis. Onde a educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano. Nos anos 30 do século XX surge o movimento renovador através da ocupação dos principais postos da burocracia educacional e criação de órgãos que buscavam a hegemonia do campo educacional. A “teoria do capital humano” (SCHULTZ, 1973), nos anos 60, foi instituída como demonstração do “valor econômico da educação” (SCHULTZ, 1967). Uma educação que passou a ser tida como ponto decisivo do desenvolvimento econômico, como um bem de produção. Com o passar dos anos, surge uma tendência crítica, tentando clarificar a subordinação que a “teoria do capital humano” coloca a educação, tornando-a funcional ao sistema capitalista. Colocando-a a serviço dos interesses de uma classe dominante, onde ao Rogéria Pereira Fernandes Soares 5799 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso qualificar a força de trabalho, reforçava-se a produção da mais-valia, e em conseqüência, as relações de exploração. “O processo de escolaridade era interpretado como um elemento fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a capacidade competitiva das economias e, conseqüentemente, o incremento progressivo da riqueza social e da renda individual.” (GENTILI, 2002, p. 50). Mais adiante, surge uma crítica das “críticas”, uma tendência pós-crítica que coloca a existência da escola baseada na formação da cidadania. Surgindo uma tendência que fala de uma escola sem vínculo, seja positivo ou negativo, com a teoria do capital humano. Uma escola desvinculada do processo de produção, que passa a questionar a verdade do conhecimento adquirido. “As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos(culturais ou intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e formas.” (SACRISTÁN, 2000, p. 16). Observa-se que, ao longo das décadas acima citadas, a teorização curricular modelando as condutas dos sujeitos, do dogma à teoria, desde os jesuítas, para os quais a religião dos outros era obra do demônio, a Karl Marx, para o qual a religião dos outros é obra dos homens. Onde a escolha de uma teoria está orientada pela ética, “Ethos” a morada do homem, ou seja, na forma de conceber o ser no mundo. Pois ao se produzir saber/conhecimento, oriundo de uma diversidade de forças que regula a vida, se afeta o que se está conhecendo, se produz subjetividade, se produz o sujeito. “(...) uma teoria não é o conhecimento, ela permite o conhecimento; uma teoria não é um ponto de chegada, é a possibilidade duma partida; uma teoria só desempenha o seu papel cognitivo, só ganha vida com o pleno emprego da actividade mental do sujeito.” (MORIN, 1990, In SOUSA, p.21, 2000) Rogéria Pereira Fernandes Soares 5800 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso Considerando o Currículo como Indutor de Desigualdade Um currículo que vem ao longo da história, pela forma como se organiza e se desenvolve, sugerindo desigualdades. Que privilegia uma tendência do pensamento a considerar as categorias, normas e valores de uma própria sociedade ou cultura como parâmetro aplicável a todas as demais. Uma aculturação, uma despersonalização, que não tendo flexibilidade para absolver o diferente, gera desigualdade e por fim exclusão. Um currículo de uma “escola para todos”, que não passa pela subjetividade de que “todos são diferentes”, perdendo cada vez mais na disputa pela atenção dos alunos. Desde a Política do Estado do Bem-Estar que, na chamada era de ouro do capitalismo, propagava o pleno emprego, entendendo a educação como tendo por função preparar o sujeito para atuar num mercado que exigia força de trabalho educada, à nova situação de um currículo que capacita para empregabilidade, que não garante mais o emprego, diante de um número considerado de doutores desempregados. Uma verdadeira metamorfose social, que a formação educacional não mais acompanha, tendo em vista, as desigualdades até mesmo entre os “iguais”, curricularmente falando. Um currículo que no campo científico se preocupa com a didática e não com a educação propriamente dita, esquecendo ser a mesma uma atividade social. Um currículo que não é possível ser mapeado devido às diversas definições, sendo concebido como formal, quando composto por disciplinas e integrado, quanto plano pedagógico. Levando um sonho inatingível entre os sujeitos, diferentes por natureza e cujas diferenças são enaltecidas face às diferenças culturais, de se tornarem “iguais”. Direcionando, desta forma, cada vez mais, uma educação que leva a angústias, frustrações e acentuada desigualdade. Como poderia o currículo, sendo ele próprio elaborado pela classe dominante, que tem nas entre linhas uma adequação da conduta do ser quanto saber/conhecimento sob forma de poder, gerar um bem estar social? Em uma sociedade contemporânea, onde ser sujeito é uma opção de consumo, atrelada a conforto e segurança, em que a velocidade das mudanças que geram instabilidade às condições de sobrevivência, destrói a possibilidade da prática dos seus ideais, e o leva a queixas e angústias não mais ligadas Rogéria Pereira Fernandes Soares 5801 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso as dificuldades de se alcançar os objetivos, mas ao emaranhado das possibilidades oferecidas. Considerando o Currículo como Política de Estado Focalizando estas possibilidades, as políticas e práticas do currículo visam oferece aos alunos, posto que, estes em sua grande maioria não saem da escola, preparados para atuarem em um cenário neoliberal que se contrapõe à tendência anterior de aumento da intervenção governamental, em economias capitalistas, como resultado da adoção de políticas sociais de natureza assistencial e de políticas econômicas, valores como eficiência, produtividade e competitividade. A “orientação” curricular de um mundo desigual e globalizado que leva a refletir sobre a qualidade que se pode esperar do sistema educacional diretamente ligado a Política de Estado. Considerando a escola, reconhecida e apoiada pela sociedade, em meio a um sistema governamental que substitui o poder pela ação, encontra-se um novo objetivo de escola que se ajuste a “finalidade” de uma nova ordem global, levando-a a novas formas de sistematizar o conhecimento. Resignificando nas Políticas de Estado, através do currículo, o conceito de aprender, colocando o Estado como guardião da educação pública. Um Estado que deve esforçar-se para alcançar o aumento das questões morais, intelectuais e sociais dos sujeitos. Buscando melhorias nas atividades educativas, através dos inúmeros programas educacionais impostos a sociedade, funcionando como instrumento de promoção da aquisição do conhecimento da população. Nesse contexto existe a iniciativa do Estado no sentido de um planejamento que vise “assegurar”, nas escolas, a preparação da população para ocupar postos de trabalho, mas não mais no mercado do pleno emprego. Agora se trata de uma iniciativa do Estado em oferecer, através de uma política curricular que não abrange a sociedade como um todo, “qualidade de ensino”. Mas é o sujeito, que no exercício de suas capacidades deverá se tornar competitivo no mercado de trabalho. Fornecendo, deste modo, o Estado, oportunidades escolares que dependendo do próprio sujeito, sem levar em conta sua Rogéria Pereira Fernandes Soares 5802 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso dinâmica individual, e por assim ser, gerar desigualdade, estará ou não apto em nível de empregabilidade. “Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza social etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho.” (GENTILI, 202, p.51). Uma educação dita como um investimento, onde se registrar a presença do Banco Mundial na definição de nossas políticas educativas, fato que demonstra a prevalência da lógica financeira sobre a lógica social como um todo. Um crescimento econômico que aparentemente convive muito bem com a alta taxa de desemprego, gerada pelo grande número de excluídos “naturalmente” do processo do “igual para todos”. Uma exclusão que caminha lado a lado com o discurso da inclusão e de justiça social. O currículo, longe de ser neutro, possui um papel político que gera mecanismos de poder, dominação e desigualdade. Uma forma de adaptar o sujeito ao sistema de uma sociedade de consumo, onde tudo passa a ser normal porque é relativo, gerando sujeitos passivos, desarticulados, sem espaço para pensar, desenvolvendo interesses e conflitos concretos. Onde regras que levam a divisão dos sujeitos em capazes ou não, são préestabelecidas por uma classe minoritária dominante, reafirmando o poder em suas diferenciadas formas. Considerando o Currículo como Instrumento de Formação Humana O currículo como instrumento de formação humana deve estar diretamente associado às necessidades sociais de sua época, vinculado as questões sócio-históricas. Um currículo instrumento educacional, social e cultural que ao organiza suas funções e significados reflita os objetivos do sujeito quanto sujeito, mantendo-se atualizado, não funcionando apenas como grade curricular do sujeito/objeto. Um currículo longe de ser, como cita Rogéria Pereira Fernandes Soares 5803 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso Moreira (1997, p.9), “(...) um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressado do conhecimento social.” Uma proposta que pode ser trabalhada em diversos sentidos, um projeto, algo em construção, que não diz respeito apenas a professor e aluno, mas a todos os atores sociais e ao próprio conhecimento. Que não pode ser fechado em uma linha, visto que abrange toda uma sociedade, devendo por isso ser o resultado de uma seleção em um universo mais amplo de conhecimentos e saberes, na perspectiva de uma interação humana entre os protagonistas sociais. O Currículo como Processo de Inovação Pedagógica A Inovação Pedagógica se da em um pensar/ação, que vai além do se pensar o hoje, um não ser contemporâneo, uma elaboração sensível e criativa de futuros educacionais possíveis, ativando a curiosidade e fomentando tendências e mudanças na esfera da educação como um todo. Um saber lidar com estranhamentos e incertezas e se maravilhar com o desconhecido em face de uma metodologia de investigação que abrace, sem saudosismos, imagens alternativas, em uma inovação diferente de mudança. Um ir ao futuro ainda no presente, em uma busca e em nome do desejo, pois só quando o desejo bate forte, ele se transforma em sonho. Logo, é preciso sonhar, acompanhar experiências novas e inovadoras. Tendo como foco educacional o sujeito, o conjunto de sujeitos e o equilíbrio social. “É a sociedade, pois, que devemos interrogar; são as suas necessidades que devemos conhecer, porquanto a elas é que nos cumpre atender. Limitar-nos a olhar para dentro de nós mesmos, seria desviar nossos olhos da realidade que nos importa atingir, e isso nos colocaria na impossibilidade de nada compreender do movimento que arrasta o mundo, ao redor de nós e nós próprios com ele.” (DURKHEIM, 1975, p. 90). Rogéria Pereira Fernandes Soares 5804 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso Nesta linha de raciocínio, o currículo como processo de inovação pedagógica é uma ação que aponte possibilidades de uma prática pedagógica diferenciada na escola. As inovações pedagógicas acontecem na organização e na dinâmica do trabalho pedagógico, na perspectiva de um currículo que atenda à realidade dessa prática durante a sua construção. Um currículo inovador quanto mudança e construção consciente de identidade escolar, do lugar do sujeito na contemporaneidade, em uma análise das conseqüências das ações deste sujeito, diferente dos demais identificados historicamente, que ressalta um espaço de diversas referências identificatórias. Nesta composição, ter um novo olhar a um currículo que exerce um papel fundamental na formação do cidadão, e que não deve ser apenas analisado quanto ao sentido, mas decifrado, em uma análise de conseqüências, para ser à base de enfrentamento da compreensão da nova ordem de um mundo globalizado. A fim de compreender o processo educativo no verdadeiro papel que o currículo desempenha frente ao equilíbrio das instituições sociais e seus diversos atores. Neste sentido, a relevância do currículo como processo de inovação pedagógica, diante de um mundo palco de rápidas mudanças, onde a distância entre o presente e o futuro é cada vez menor, é de negar a partir de uma análise crítica e reflexiva, ser a escola uma sucessão das práticas contemporâneas, mas sim, ter um novo olhar sobre as práticas de aprender e de organizar a aprendizagem no sentido de ter a escola mudanças própria. Onde o profissional da educação, lançando mão da construção de um currículo que parta de uma observação local, possa compreendê-la a fim de poder identificar suas necessidades, sendo desta forma agente de uma nova organização educacional, requerendo na busca de um pensamento estratégico de futuro, a consciência, como afirma Kramer (1999), de um currículo que não deve ser entendido como pronto para ser usado, mas como algo a ser aprimorado continuamente, que não deve ser implementado e sim plantado no ambiente ao qual faz parte. Portanto, como bem aponta Karel Kosik (1976), “a realidade pode ser mudada só porque e só na medida em que nós mesmos a produzirmos, e na medida em que saibamos que é produzida por nós”. Rogéria Pereira Fernandes Soares 5805 A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso Considerações Finais Para compreender o significado do currículo no processo educacional, é necessário conhecer na história os caminhos pelos quais percorreram seus estudos. Neste trabalho, procurou-se, não conceituar currículo, mas analisar as teorias sobre o currículo. Uma compreensão da atuação do currículo no social, através de suas teorizações, desde seu papel burocrático e mecânico em uma escola quanto empresa, até o que precisa ser mudado para que ele possa se tornar processo de inovação pedagógica. Uma análise das elaborações e práticas curriculares, e os interesses que envolvem a construção das mesmas, que determinam as práticas sociais em detrimento aos interesses das classes dominantes que embotam o papel social e político do currículo, mantido em meio a uma ideologia de poder, mas que pode vir a ser um espaço de construção e de autonomia. Na contemporaneidade, a evolução do conhecimento, o avanço das TIC, as transformações políticas e sociais e o processo de globalização, levam o currículo, a uma necessidade de movimento e inovações profundas em sua construção. Onde sem negar o universal, mas atento ao singular, o que é sintoma para Freud ou indícios para Conan Doyle em Sherlock Holmes, deve ser visto como um sinal, uma pista de que algo não vai bem, onde muitas vezes o “estranho” é muito familiar. Referências DURKHEIM, E. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1975. FINO, C. N.; SOUSA, J. M. As TIC Redesenhando as Fronteiras do Currículo. 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Rogéria Pereira Fernandes Soares 5808 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” CURRÍCULOS POR PROJETOS: A CONVICÇÃO QUE INSPIRA Soraneide Soares Dantas Suzyneide Soares Dantas JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Currículo por Projetos: a convicção que inspira CURRÍCULO POR PROJETOS: A CONVICÇÃO QUE INSPIRA Soraneide Soares Dantas 1 Suzyneide Soares Dantas2 RESUMO: O presente artigo traz a contribuição ao debate sobre o currículo por projetos na perspectiva de integrar os conhecimentos a partir dos desafios de uma realidade. O currículo por projetos vem sendo praticado como um modelo curricular inovador e superador da lógica disciplinar-fragmentária e abstracionista que a tradição curricular cultivou secularmente (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998). Integrar conhecimentos e pensá-los com as realidades contextualizadas. Nesse sentido, realizamos uma pesquisa-ação em que uma escola da rede pública do Estado do Rio Grande do Norte, que adotou como prática inovadora, o currículo por projetos, nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º anos). O currículo por projetos foi desenvolvido durante um ano letivo com a temática, “Educação e Ética” articulada por dois eixos: “ O SER: IDENTIDADE” e “ HOMEM – NATUREZA”. A análise interpretativa dos dados revelou que o modelo curricular por projetos contribuiu de forma significativa no processo ensino e aprendizagem, promovendo a compreensão articulada entre diversos saberes. PALAVRAS-CHAVE: Currículo por projeto. Prática inovadora. Aprendizagem significativa. INTRODUÇÃO O conhecimento atual permite-nos situar a necessidade de estabelecer formas de organizar os conteúdos de aprendizagem nas quais os critérios disciplinares, apesar de continuarem sendo fundamentais, não são os prioritários. Conceitos como os de significatividade e funcionalidade da aprendizagem, o sentido que esta deve ter para o aluno, a necessidade de desvelar a atitude favorável e a motivação pela aprendizagem, a importância no número e na qualidade das relações existentes nas estruturas de 1 Doutora em Educação. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2 Mestre em Educação. Docente da Universidade Potiguar. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5812 Currículo por Projetos: a convicção que inspira conhecimentos, entre outros, permite-nos assegura que a organização dos conteúdos deve corresponder a alguns critérios muito mais amplos e complexos do que aqueles determinados pela lógica das disciplinas acadêmicas. (...) a fragmentação da atividade intelectual e cultural em uma massa de disciplinas e subdisciplinas leva a uma dispersão do conhecimento que ultimamente cria um processo mais ou menos espontâneo de cooperação interdisciplinar motivada por necessidades de ordem intelectual ou científica. (ZABALA, 2002, p.24) O currículo por projetos orienta na perspectiva de integrar os conhecimentos a partir dos desafios que a realidade concreta se apresenta, desta forma, vem sendo praticado como um modelo curricular inovador e superador da lógica disciplinarfragmentária e abstracionista que a tradição curricular cultivou secularmente. A essência da proposta curricular por projetos, consiste em integrar conhecimentos e pensá-los em realidades contextualizadas, proporcionando a experienciação de forma globalizada, a partir de uma compreensão relacional. E, as estratégias didático-pedagógicas incentivam e desafiam os protagonistas possibilitando o processo de construção do conhecimento. Antunes (2007) evidencia que a essência e a chave do de um projeto é o esforço investigativo que deve instigar todos os envolvidos, que estarão voltados a encontrar respostas convincentes para questões sobre o tema. O autor ainda salienta que, os objetivos de um projeto não se esgotam apenas em buscar respostas corretas e abrangentes, mas principalmente em aprender de maneira significativa. A experiência ora apresentada foi realizada em uma escola pública da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte, que se propôs a elaborar o seu currículo por projetos para promover aos seus alunos uma construção ativa do conhecimento, de forma articulada e não fragmentada, como era de costume. Esse desafio ocorreu devido a constatação dos baixos índices de desempenho dos conteúdos escolares dos alunos nos anos iniciais do ensino fundamental. Para tanto, o professorado da escola, com o apoio pedagógico das pesquisadoras, formadoras de professores, discutiram, estudaram e elaboraram uma proposta inovadora para a escola: o currículo por projetos. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5813 Currículo por Projetos: a convicção que inspira O tema “Educação e Ética” foi escolhido como temática geral para o projeto, o que possibilitou o seu desmembramento em dois eixos articuladores: O SER: IDENTIDADE e HOMEM – NATUREZA. Cada sub-tema foi desenvolvido em um semestre letivo. A análise interpretativa dos dados revelou que o modelo curricular por projeto contribuiu de forma significativa para a formação dos conhecimentos sistematizados pelos alunos, promovendo a compreensão articulada dos diversos saberes envolvidos. PONTO DE PARTIDA: NECESSIDADE DE MUDANÇA Na perspectiva do conhecimento globalizado e relacional inspirou-se o currículo por projetos. Essa modalidade de articulação dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade de ensino e aprendizagem que considera que tais conhecimentos não se ordenam de uma forma rígida, nem em função de algumas referências disciplinares preestabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos, mas de forma articulada. A função do projeto é (...) favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação ao tratamento da informação, e a relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos, a transformação da informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio. (HERNÁNDEZ e VENTURA, 1999, p.61) O currículo por projetos se organiza seguindo um determinado eixo: a definição de um conceito, um problema geral ou particular, um conjunto de perguntas inter-relacionadas, uma temática. Dando ênfase na articulação da informação o projeto é construído, identificando o problema objeto de estudo e os procedimentos requeridos pelos alunos para o seu desenvolvimento, ordenando-o, compreendendo-o e assimilando-o. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5814 Currículo por Projetos: a convicção que inspira Um elenco possível de aspectos é preciso considerar em uma proposta como essa, em que os processos comunicativos de ensino e a aprendizagem recomenda o favorecimento do alunado atitudes positivas em relação à aprendizagem, como prérequisito importante do ensino. Olhar o ensino como processo é uma imagem útil, embora seja necessário precisar muito mais do que isso, porque essa experiência vivida a partir de dentro implica uma acumulação favorável de fatores que combinam interesse, compreensão e um certo grau de sucesso. (RUÉ, 2003, p.31) Nesse sentido, considerar a diversificação dos vários tipos de tarefas de aprendizagem para promover e desenvolver experiências e oportunidades de aprendizagem que potencializem atitudes e hábitos de pensamento nos diferentes alunos. Compreendendo ainda que, as experiências de aprendizagem mais envolventes são as que podem ser percebidas como relativamente próximas do campo de experiência do próprio sujeito, seja em um sentido mais ou menos real, seja no do que pode ser intuído como próximo por quem aprende. Partindo dessas premissas, no início do ano letivo de 2007 as professoras dos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola pública estadual do Rio Grande do Norte, iniciaram o currículo por projetos, a partir da problemática do baixo desempenho escolar de seus alunos, diagnosticado no final do ano letivo de 2006. Para tanto, na semana pedagógica realizada no início do novo ano, a nova proposta de trabalho foi discutida e elaborada, objetivando proporcionar mudanças significativas no processo ensino e aprendizagem da sua escola. Para tanto, a formação continuada dos professores na Escola foi o primeiro passo para a apropriação da nova proposta de trabalho pedagógico: o currículo por projetos. Inicialmente, para a elaboração do currículo por projetos, as professoras partiram de alguns questionamentos: o que pretendemos que os nossos alunos aprendam com o projeto? Nesse sentido, inovações, paradoxos, contrastes com outras formas, cenários educativos e experiências trazidas pelos próprios protagonistas foram consideradas. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5815 Currículo por Projetos: a convicção que inspira Hernández e Ventura (1998) enfatizam que, como ponto de partida, o currículo por projetos começa com a escolha do tema. Acrescentam ainda que, em cada nível de escolaridade, essa escolha adota características diferentes. Escolhido o tema do projeto e construídas as percepções sensibilizadoras, em termos do que se queriam saber, as perguntas a que se deveria responder, estruturam a esquematização do fio condutor. Nessa perspectiva, o tema escolhido foi “Educação e Ética”, que por sua vez, conduziu a elaboração de dois eixos temáticos: “O SER(Identidade)” e “Homem/Natureza”. As professores da Escola justificaram a escolha do tema pelo compromisso com a construção da cidadania que, por sua vez, pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidade em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. A partir daí, o ponto de partida fora lançado. A CONVICÇÃO QUE INSPIRA Diante do cenário retratado anteriormente, a experiência do currículo por projetos foi sendo construída em uma escola pública estadual do Estado Rio Grande do Norte, em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental. As professoras iniciaram o 1º semestre letivo com o projeto O SER numa perspectiva identitária, partindo do pressuposto que a criança como todo ser humano é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inscrita em uma sociedade, com uma determinada cultura em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. Até pouco tempo, a educação não priorizava a formação do educando enquanto sujeito participante da história, construtor de um processo dinâmico, apesar desse sujeito ser aquele que age, interage e modifica a sociedade. As crianças pensam o mundo de um jeito especial e muito próprio. É a partir das relações que estabelecem com a realidade em que convivem, com o meio familiar e com as pessoas que necessitam se relacionar no cotidiano, que elas passam a “ler” e compreender o mundo. Cabe à educação facilitar essa “leitura” e compreensão dessa realidade. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5816 Currículo por Projetos: a convicção que inspira Nesse sentido, no primeiro semestre letivo, as professoras trabalharam objetivando possibilitar a construção da Identidade da criança a partir das relações sócio-histórico-culturais, de forma autêntica, consciente e contextualizada. Como objetivos específicos: conhecer a origem do nome e seu significado; apropriar-se da escrita do nome; desenvolver conceitos matemáticos de classificação, seriação e ordenação, presentes nos contextos trabalhados; explorar conceitos de identidade, família, bairro, estado, país; desenvolver o conceito de tempo, explorando os dias, os meses do ano através das datas de nascimento das crianças e noção de espaço geográfico, localizando as cidades onde nasceram. O projeto curricular O SER (IDENTIDADE) foi subdividido abordando as seguintes temáticas: “Eu e os que me rodeiam”. Essa temática foi desencadeada a partir das seguintes questões desencadeadoras: - Como é o meu nome completo? - Qual o significado do meu nome? - Para que serve o nome? - Por que sei que este nome é meu? – minhas características físicas( meu corpo- higiene pessoal), alimentar, lazer, vestuário; o nome dos meus pais, data nascimento, a cidade em que nasci, o estado, o pais – certidão de nascimento( apelidos não são nomes); o que gosto de fazer; minhas preferências; o número em minha vida; minhas brincadeiras favoritas; meu animal de estimação. Foram abordados outras sub-temas como: “Meus direitos e meus deveres (estatuto da criança e do adolescente)”; “Direito a família” destacando temáticas como: aqueles que cuidam da criança; seus irmãos e suas irmãs; os parentes; meus amigos; o que minha família faz que me ajuda a ser feliz, entre outras questões. “.Direito a uma Escola de qualidade” destacando discussões sobre: Minha Escola - Localização; Endereço; mapa da escola; os vizinhos da escola; espaço físico; sala de aula; historia da escola; origem do nome; a missão da escola; seus funcionários, entre outras questões. “Direito a moradia (meu bairro)”: o lugar aonde moro; minha rua(endereço); localização no mapa; referencias; local de moradia; entre outras questões relevantes. “Direito a uma qualidade de vida: minha cidade, para a turma do 3 ano; e “Direito a uma qualidade de vida: Meu Estado”, desenvolvido pela turma do 4 ano do ensino fundamental. Como conteúdos atitudinais foram trabalhados: o saber ouvir; esperar a vez de falar; respeitar as opiniões dos outros; respeitar as pessoas; perseverança; tolerância; assiduidade; pontualidade; compromisso; cooperação. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5817 Currículo por Projetos: a convicção que inspira E, dentro dos conteúdos procedimentais foram realizadas: conversas; discussões, debates; leitura, produções de textos, pesquisas, elaboração de situaçõesproblemas; confecção de painéis; confecções dos diversos gêneros textuais trabalhados no ano (cartas, bilhetes, telegramas, avisos). O processo de avaliação transcorreu durante todo o processo de ensinoaprendizagem, utilizando como instrumentos os registros e observações de sala de aula ocorridos durante as atividades trabalhadas, objetivando a reestruturação ou o avanço dos conhecimentos almejados. Para o segundo semestre letivo, a temática trabalhada foi HOMEM – NATUREZA. Compreendendo que a vida cresceu e se desenvolveu na Terra como uma trama, uma grande rede de seres interligados, interdependentes. Essa rede entrelaça de modo intenso e envolve conjuntos de seres vivos e elementos físicos. Para cada ser vivo que habita o planeta existe um espaço ao seu redor com todos os outros elementos e seres vivos que com ele interagem, por meio de relações de troca de energia: esse conjunto de elementos, seres e relações constitui o seu meio ambiente. Explicando dessa forma, pode parecer que, ao se tratar de meio ambiente, se está falando somente de aspectos físicos e biológicos. Ao contrário, o SER HUMANO faz parte do meio ambiente e as relações que são estabelecidas – relações sociais, econômicas e culturais – também fazem parte desse meio e, portanto, são objetos da área ambiental. Ao longo da história, o homem transformou-se pela modificação do meio ambiente, criou cultura, estabeleceu relações econômicas, modos de comunicação com a natureza e com os outros. Mas é preciso refletir sobre como devem ser essas relações para se tomar decisões adequadas a cada passo, na direção das metas desejadas por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental. Nesse sentido, o projeto curricular O HOMEM – NATUREZA trabalhou os seguintes conteúdos conceituais: O espaço de circulação de trabalho e lazer; Diferentes paisagens: o espaço urbano e o espaço rural; A paisagem no meu município; Ambientes ameaçados. Como conteúdos atitudinais foram trabalhadas as seguintes atitudes: sabe ouvir; esperar a vez de falar; respeitar as opiniões dos outros; respeitar as pessoas; perseverança; tolerância; assiduidade; pontualidade; compromisso; cooperação. E, os Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5818 Currículo por Projetos: a convicção que inspira conteúdos procedimentais, ocorreram através de pesquisas, conversas; discussões, debates; leitura, produções de textos, pesquisas, elaboração de situações-problemas; confecção de painéis; confecções dos diversos gêneros textuais trabalhados no ano (cartas, bilhetes, telegramas, avisos). O processo de avaliação transcorreu durante todo o processo de ensinoaprendizagem, utilizando como instrumentos os registros das observações de sala de aula ocorridos durante as atividades trabalhadas, objetivando a reestruturação ou o avanço dos conhecimentos almejados. O compromisso com o aprendizado ativo e a criação foi tratado como mola mestra do trabalho realizado em um ambiente pedagógico motivador, incentivado para realçar e valorizar a consciência do sentido da aprendizagem grupal. Trabalhou-se para se conceder e instituir uma avaliação processual, ou seja, de início, verificou o que os alunos sabiam sobre o tema, quais eram as suas perguntas, hipóteses e referências de aprendizagem, e, ao longo do projeto, se estavam aprendendo, como estavam acompanhando o sentido do projeto, para finalmente fosse percebido o que aprenderam em relação às propostas iniciais e se foram capazes de estabelecer novas relações. Hernández e Ventura (1998) enfatizam que partindo da perspectiva geral os projetos geram um alto grau de autoconsciência e de compreensão nos alunos com respeito a sua própria aprendizagem, ainda que num determinado período ou momento da formação possa estar desenvolvendo projetos de uma forma menos intensa. Segundo os autores, essa variedade é um elemento de contraste, dinamiza a discussão. Enfim, o que nos parece importante salientar, no veio dos argumentos das nossas perspectivas curriculares, é que nenhum dispositivo ou modelo curricular deve ser compreendido ou implementado como mais uma nova panacéia educacional. A superação dessa expectativa aplicacionista junto de uma abertura para avaliar a inovação já seria um grande avanço para a superação dos nossos hábitos reprodutivistas e totalizantes em termos pedagógico-curriculares. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5819 Currículo por Projetos: a convicção que inspira CONSIDERAÇÕES FINAIS O currículo por projetos trata-se de uma inovação que pode ser aplicada articulando as diversas áreas do conhecimento. Observamos, na pesquisa realizada que, o currículo por projetos adotado pela professoras da Escola favoreceu o empenho de forma efetiva de todos os envolvidos. Nesse sentido, a realização do currículo por projetos promove alternativas de conecções entre conteúdos, articulando uma diversidade saberes promovendo situações educativas em que os alunos participavam de forma ativa como protagonistas, demonstrando prazer e satisfação, ao longo de todo o desenvolvimento do projeto. Salientamos ainda que, do ponto de vista da prática docente, verificamos nessa pesquisa que, a formação continuada dos professores é um marco relevante para a mudança no currículo escolar. Fundamentados com um conjunto de ferramentas funcionais como sujeitos que as dominem e nas situações em que o fazem são fatores relevantes em um processo de transformação. Porque aprender não pode ter outro sentido senão o desenvolvimento ou aprimoramento pessoal. Acreditamos ainda que, qualquer que seja o tipo de aprendizagem estimuladora que se proponha, qualquer que seja a modalidade de trabalho proposta, deverão proporcionar aos alunos, entre outras coisas, no mínimo as referências fundamentais como: a possibilidade de desenvolver um projeto pessoal de aprendizagem; a possibilidade de visualizar este projeto tanto como produto quanto como forma específica de apropriar-se dos conhecimentos que lhe é proposto; oferecerlhes ou dispor de um repertório de perguntas estruturais para o desenvolvimento da aprendizagem; oferecer-lhes oportunidades de realizar trabalhos de análise e/ou de síntese; oferecer-lhes oportunidades de autocontrole ou de auto-regulação; contextualizar o ensino proposto nas experiências e habilidades dos alunos; propor-lhes atividades cognitivamente complexas que se encontrem dentro de seu campo de possibilidades; oferecer-lhes oportunidades de envolvimento na aprendizagem mediante o debate e o diálogo, por meio das estratégias de demonstrar, argumentar, analisar e valorizar o que estão fazendo. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5820 Currículo por Projetos: a convicção que inspira Enfim, o nosso objetivo foi, sobretudo, compartilhar um processo repleto de singularidades e oferece reflexões que possibilitarão aberturas de novas possibilidades de inovação no interior do universo escolar, tão carente de mudanças. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, C. Um método para o ensino fundamental: o projeto. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 2007. HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. RUÉ, J. O que ensinar e por quê: elaboração e desenvolvimento de projetos de formação. São Paulo: Moderna, 2003. ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: ARTMED, 2002. Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas 5821 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” (RE)PENSANDO O ATO DE ENSINAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Suzyneide Soares Dantas JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos (RE)PENSANDO O ATO DE ENSINAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Suzyneide Soares Dantas1 RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos exige de seus professores a possibilidade de (re)pensar o ato de ensinar. Requer o (re)construir de tempos escolares que atendam as especificidade desse estudante. O objetivo da pesquisa foi investigar a prática pedagógica docente na Educação de Jovens e Adultos em uma instituição federal de ensino técnico integrado ao ensino médio. Recorremos a Freire(1999), Nóvoa(1995), Schön(2000) entre outros, pesquisadores que enfatizam a sala de aula como o espaço em que se aprende a pensar, elaborar e expressar idéias no processo de (re)construção de saberes. A análise inicial dos dados revela que, no gesto de ensinar, guardam-se enormes oportunidades do professor aprender, possibilitando reflexões significativas sobre a sua prática docente. PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Prática docente. Formação Docente. 1 INTRODUÇÃO A Educação de Jovens e Adultos (EJA) trata-se de uma modalidade de ensino que, segundo o Parecer Conselho Nacional de Educação no. 11/2000, implica um próprio modo de fazer a educação, indicando que as características dos sujeitos jovens e adultos, seus saberes e experiências do estar no mundo são guias para a formulação de propostas curriculares político-pedagógicas de atendimento. Nesse sentido, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) torna-se mais que um direito. Trata-se da chave para o século XXI. Conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além disso, trata-se de um poderoso argumento a favor da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico. 1 Mestre em Educação. Docente da Universidade Potiguar. Assistente Pedagogia do IF-RN. Suzyneide Soares Dantas 5825 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos Um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura da paz baseada na justiça, conforme a Declaração de Hamburgo, Alemanha, 1997. A necessidade de contribuir na diminuição dos altos índices de exclusão dos jovens e adultos na Escola, no ano letivo 2006.2, o Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN), na Unidade de Ensino Descentralizada da Zona Norte de Natal (UNED Zona Norte) inseriu no seu contexto das políticas públicas de aumento da escolaridade do trabalhador-cidadão do Governo Lula, duas turmas de Ensino Médio Integrado na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Compreendendo que, a inclusão escolar do estudante EJA consiste em trabalhar com pessoas marginalizadas ao sistema, com atributos sempre acentuados em conseqüências de alguns fatores adicionais como: raça/etnia, cor, gênero, entre outros. Negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, trabalhadores informais são emblemáticos representantes das múltiplas apartações que a sociedade brasileira, excludente, promove para grande parte da população desfavorecida econômica, social e culturalmente. (BRASIL, PROEJA, 2007, p.11) Portanto, superar o não-acesso à educação presente num contexto de desigualdades sociais, no campo da modalidade de Educação de Jovens e Adultos, tornou-se um desafio permanente. A Educação de Jovens e Adultos(EJA), a partir de 2003, por meio de um Programa, o Brasil Alfabetizado, em disputa organizada pela luta dos educadores de EJA, em fóruns estaduais e regionais fez aumentar a preocupação e destinação de verbas para os municípios com vistas à continuidade de estudos desses jovens e adultos brasileiros. Esse público, requer políticas públicas efetivas e permanentes que sejam pautadas no desenvolvimento de ações baseadas em princípios epistemológicos que resultem em um corpo técnico bem estabelecido e que respeite as dimensões sociais, econômicas, culturais, cognitivas e afetivas do jovem e adulto em situação de aprendizagem escolar. Suzyneide Soares Dantas 5826 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos Além disso, a sociedade brasileira não conseguiu reduzir a desigualdade socioeconômica em que, as famílias de baixa-renda buscam no trabalho das crianças, uma alternativa para a composição de renda mínima, retirando de seus filhos o tempo da infância e o tempo da escola. Consequentemente, esses jovens retornam, quando possível, por intermédio da EJA, convictos de que a falta da escolaridade em suas vidas está associando a sua exclusão do mercado de trabalho, desobrigando o sistema capitalista da responsabilidade que lhe cabe pelo desemprego estrutural. Portanto, percebe a necessidade urgente de uma política pública estável voltada para a Educação de Jovens e Adultos que contemple a elevação da escolaridade com profissionalização, objetivando contribuir para a integração sociolaboral desses cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação profissional de qualidade. No sentido de contribuir para a integração sociolaboral dessas pessoas, o Governo Federal publica o Decreto no. 5.478/2005, remetendo para o contexto da Rede Federal de Educação Tecnológica, a responsabilidade de prestar sua parcela de colaboração para implementação e expansão do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, o PROEJA. Verificou-se que, algumas instituições da Rede já desenvolviam experiências de educação profissional com jovens e adultos, de modo que, juntamente com outros profissionais, a própria Rede, instituições parceiras, gestores educacionais e estudiosos dos temas abrangidos pelo Decreto passaram a questionar o programa, propondo sua ampliação em termos de abrangência e aprofundamento em seus princípios epistemológicos. Indicavam a necessidade de ampliar seus limites, tendo como horizonte a universalização da Educação Básica, aliada à formação para o mundo do trabalho, com acolhimento específico a jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas. Questões como essas, levaram a revogação do Decreto no. 5.478/2005, pela promulgação do Decreto no. 5.840/2006, trazendo diversas mudanças para o programa, entre elas a ampliação da abrangência, no que concerne ao nível de ensino, pela inclusão do ensino fundamental, e, em relação à origem das instituições que podem ser proponentes, pela admissão dos sistemas de ensino estaduais e municipais e entidades Suzyneide Soares Dantas 5827 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos privadas nacionais de serviço social, aprendizagem e formação profissional, passando a denominação para Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. De acordo com o Documento Base do PROEJA (IRELAND, MACHADO, PAIVA apud Documento base do PROEJA, 2007, p.13). Pensar a perenidade dessa política pressupõe assumir a condição humanizadora da educação, que por isso mesmo não se restringe a “tempos próprios” e “faixas etárias”, mas se faz ao longo da vida, nos termos da Declaração de Hamburgo e 1997. E, o Documento Base do PROEJA ( 2007, p.13) acrescenta ainda que, (...) o que realmente se pretende á a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente, integrada a uma formação profissional que permita que ao educando compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. Diante desse cenário, portanto, é fundamental investir na formação de professores para que possam compreender esse jovem e adulto, refletindo sobre o que lhes permeiam, e a partir de reflexões e discussões da prática pedagógica poder decidir coletivamente, quais as metodologias e as intervenções pedagógicas que possibilitarão o atendimento, de forma satisfatória desse universo de cidadãos. 2 O DIÁLOGO SE FAZ NA DIFERENÇA Os resultados e análise dos dados coletados permitiram revelar que a Educação de Jovens e Adultos em um contexto de formação escolar precisa estar pautada em uma pedagogia dialógica, defendida por Paulo Freire. E, reafirmando as idéias freireanas de educação, o papel do professor-educador no grupo, não é de repassar ou transmitir conhecimentos, mas o de promover situações de aprendizagem considerando o educando como um sujeito ativo, histórico. Suzyneide Soares Dantas 5828 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos Acreditando que não basta ter acesso a uma escola de qualidade, mas as instituições de ensino, precisam promover situações de permanência para os estudantes da Educação de Jovens e Adultos. Partindo desses pressupostos, organizamos a análise e discussão dos dados coletados, a partir de três eixos articuladores: o contexto de formação, o Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFE T-RN), UNED Zona Norte/Natal-RN e o PROEJA; sala de aula, espaço formador de aprendizagens; e a metodologia dialética, algumas contribuições teóricas. Esses eixos serão apresentados a seguir. 2.1 PONTO DE PARTIDA O contexto da pesquisa ocorreu no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN)/Unidade Zona Norte, como instituição que tem por finalidade (BRASIL, CEFET-RN, 2004, p. 23) (...) formar e qualificar profissionais no âmbito da educação tecnológica, nos diferentes níveis e modalidade de ensino, para os diversos setores da economia, redefiniu sua função social em consonância com as necessidades identificadas a partir da compreensão do cenário mundial. Consciente do seu papel social, o CEFET-RN(2004) entende que é imprescindível uma ação efetiva que possibilite a definição de projetos que permitam o desenvolvimento de um processo de inserção do homem na sociedade, de forma participativa, ética e crítica. Objetivando responder à demanda social por políticas públicas perenes relacionadas a Educação de Jovens e Adultos, as quais envolvam ações educativas baseadas em princípios epistemológicos integrados, incluiu a Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade da Educação de Jovens e Adultos no seu projeto de expansão a partir de 2007, de acordo com o Decreto no. 5.840/2006. Os procedimentos metodológicos utilizados na construção das discussões dessa pesquisa contemplam os princípios e técnicas da abordagem exploratória, bibliográfica, situando-nos, especificamente, no campo da formação docente, enfocando a relação teoria e prática na perspectiva de sua teorização, com o propósito de construirmos um referencial consistente. Esperamos, dessa forma, atingir os objetivos Suzyneide Soares Dantas 5829 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos propostos anteriormente e contribuir com uma análise mais elaborada acerca dessa relação. Utilizamos como instrumentos de coleta de dados: filmagens de aulas(6h/aula), registros fotográficos, diários de campo, entrevistas semi-estruturadas com a professora e os alunos na tentativa de desvelar e decifrar falas, ações e reações que aconteciam na sala de aula. A professora, sujeito da pesquisa, formada em Química com doutorado na mesma área. A mesma resolveu participar de um curso de formação continuada, PósGraduação Lato Senso em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, na expectativa de conhecer sobre o seu objeto de atuação, os alunos da EJA, no âmbito do PROEJA, um novo perfil de aluno que a mesma estava atuando profissionalmente. Portanto, a sala de aula dessa professora foi o cenário da pesquisa, objetivando investigar qual(is) os significados compartilhados entre professora e alunos da EJA no processo de construção do conhecimento científico na sala de aula, compreendendo-a como espaço formador de aprendizagens tanto para o docente quanto para o discente. 2.2 SALA DE AULA: ESPAÇO FORMADOR DE APRENDIZAGENS A sala de aula se configura de múltiplas formas, em que a aula está sujeita a um constante rearranjo estrutural de suas partes. Desta forma, compreendendo a sala de aula como espaço formador de aprendizagens tanto para o docente quanto para o discente, discorremos a análise e interpretação dos dados coletados, objetivando analisar o papel da rede de significados compartilhados entre os mesmos. O universo da sala de aula trata-se de uma turma do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Eletrotécnica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, no âmbito do PROEJA. Investigou-se esse cenário de formação durante 6h/aulas da professora que ministrava a disciplina de Química I, que tem carga horária de 60h. A turma era composta por 27 alunos, dos 40 que ingressaram, com idade de 18 a 37 anos, que estavam cursando o 2º período do Curso. Com freqüência, em média, de 60%, durante as aulas observadas. Suzyneide Soares Dantas 5830 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos A análise e interpretação inicial dos dados coletados foram organizados, até o momento, em duas categorias: o tempo/espaço na sala de aula e as relações inter e intrapessoais construídas durante a aula. O espaço de sala de aula se vincula à dimensão física- local apropriado para realização de ações, ao passo que a aula assume a dimensão organizacional do processo educativo, tempo e espaço de aprendizagem, de (des)construção. Compreender as relações que se estabelecem nesse contexto de alunos nos remete há duas relações fundamentais: de tempo e de espaço. Silva(2008) enfatiza que a dimensão temporal assumirá destaque, pelo fato da aula envolver o tempo como definidor do espaço. È o tempo-aula que gere os conteúdos, os métodos, as técnicas e a avaliação, com vistas à garantia da aprendizagem, que pode ocorrer fundamentada em concepções, teorias e métodos diferenciados – tradicionais, intuitivos, ativos, tecnicistas, entre outros. Durante a pesquisa, observou-se que a professora estabelecia os seguintes tempo-aula: conversa informal dialogando com/sobre os alunos; retomada da aula passada; relações entre conteúdos passados e novos; exposição do novo conteúdo; exercícios compartilhados; explicações individuais. Percebe-se que esses tempos-aula facilitavam a compreensão dos conteúdos sistematizados. Por reinterpretar a formação de jovens e adultos, acreditando que essas pessoas apresentam suas peculiaridades na maneira de pensar, na forma de enfrentar os problemas, com ritmos próprios e qualidades que situam a pessoa adulta em uma dimensão particular, a professora reinterpretava suas indagações sobre os conteúdos ministrados, possibilitando a articulação entre o senso comum e o conhecimento sistematizado. Nesse contexto, as relações intra e interpessoais aconteciam formando uma rede de significações. A professora recebia seus alunos dialogando com eles sobre vivencias pessoas reforçando a auto-estima de cada um, ouvindo-os em seus questionamentos, chamando-os pelo nome para reforçar a aprendizagem e atendendo àqueles que, percebia serem mais tímidos em suas exposições. Concorda-se com Salvador(2000) quando enfatiza que, as relações interpessoais são ingredientes essências, pela natureza social e comunicativa dos padrões de atividades que possuem as atividades educativas. De acordo com esse autor, Suzyneide Soares Dantas 5831 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos a relação professor-aluno e as relações entre alunos são relações interpessoais estruturadas, condicionadas ou determinadas pela maneira como professores e alunos percebem-se a si próprios e percebem-se mutualmente no contexto escolar. O autor acima citado acrescenta ainda que, essas representações são construídas por informações diretas e indiretas que chegam ao professor e ao aluno, a partir da interpretação dessas informações. Nessa representação, usam “lentes” distintas. Essas “lentes” interpretativas variam a partir da experiência pessoal e profissional, influenciadas por fatores ideológicos, tanto em sentido amplo como, sobretudo, em sentido mais restrito de ideologia educativa: função da educação, papel da educação na sociedade, pensamento pedagógico do professor, como os alunos aprendem, o que fazer para lhes ensinar, entre outras. Observou-se que a professora e os alunos estabeleciam relações afetivas no decorrer das atividades realizadas em sala de aula, condicionadas pelas representações mútuas que os sustentam. Essas representações faziam com que a professora esperasse determinadas coisas dos alunos e vice-versa, repercutindo satisfatoriamente no desempenho escolar do aprendizado alcançado pelos alunos. Desta forma, verificou-se que a professora depositava expectativas positivas para com seus alunos que por sua vez, acreditavam que seria possível. E, isso foi o que realmente ocorreu. As notas obtidas no final da unidade (2º bimestre) foram satisfatórias, representando 90% em um “salto” na aprendizagem escolar. Percebeu-se, na análise dos dados coletados que, a incidência do autoconceito e auto-estima promovidas pela representação satisfatória que a professora tinha sobre os seus alunos foi um fator promotor do sucesso dos mesmos no desempenho escolar, confirmada nas entrevistas com os protagonistas. Verificou-se ainda que, negociações são realizadas nesse contexto de formação. Na perspectiva de tomada de decisões para o grupo, a professora aprofundava os conteúdos conceituais a partir de negociações por intermédio do questionamento, possibilitando a compreensão desses significados. Salvador(2006) enfatiza que, frente à diversidade de saberes do grupo (turma) representativo de diferentes lugares sociais, ele apercebe-se da especificidade dos próprios conhecimentos, que por sua vez, passam por um processo de reconstrução. Suzyneide Soares Dantas 5832 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos Frente ao outro (professor ou aluno), através da livre conversação e da fala argumentativa, o professor se constitui como sujeito que aprende. Assim, observou-se que a complexidade de ser professor, não está somente em ser professor da Educação de Jovens e Adultos, mas sim ser profissional – pessoa e ter a sensibilidade de perceber que o ser humano esta inserido no mundo complexo, onde a cultura, a razão, o afeto e a vida em sociedade podem conduzir os diversos caminhos da existência, e através desta trajetória, assim como afirma Tardiff(2002, p.149), O profissional do ensino é alguém que deve habitar e construir seu próprio espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que só ele pode assumir e resolver de maneira cotidiana, apoiando necessariamente em visão de mundo, de homem e de sociedade. Ser professor e ser pessoa, exige saberes muito mais amplos que estão além do saber ensinar. Nóvoa (1995, p.14), enfatiza que “o saber ensinar é algo relevante na profissão professor e salienta que a “maneira de ensinar evolui com o tempo e com as mudanças sociais”. A evolução histórico-socialcultural em que vivemos, traz para as práticas educativas a realidade, e neste ponto podemos destacar o contexto social atual, que exige do professor saberes específicos para atuar na modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos. Enfim, a análise introdutória dos dados revela pistas que indicam a sala de aula como espaço promotor de situações transformadoras no âmbito do desenvolvimento profissional e pessoal dos atores sociais nela envolvidos. 2.3 (RE)PENSANDO O PROCESSO METODOLÓGICO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Objetivando refletir sobre o processo metodológico de construção do conhecimento, acredita-se que passa, fundamentalmente, por uma radical e profunda mudança de atitude, de concepção, de procedimentos teórico-metodológicos, no sentido de que todos sejamos considerados sujeitos no processo de construção de saber, construindo, coletivamente, um compromisso ético-político de transformação social. Suzyneide Soares Dantas 5833 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos Assim, quando inicia-se qualquer processo educacional, se o objetivo é promover o aspecto democrático no desenvolvimento da experiência, precisa-se partir do princípio de que todos somos sujeitos no ato de produzir saberes, de compreender, de transformar a realidade. Freire(1987) evidencia a dicotomia entre a educação bancária e a educação libertadora, sendo, essa última, sempre a serviço da humanização, jamais desconsidera os sujeitos concretos na produção crítica do saber. A primeira, bancária, sempre a serviço da desumanização, absolutiza a ignorância no outro, objeto a ser pesquisado, manipulado, alienado. Assumindo e vivenciando uma metodologia humanizante, sustentada e construída com base no materialismo histórico de Marx, Freire(1987) afirma que, (...) o que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de seus percepção desta realidade, a sua visão do mundo em que se encontram ( FREIRE, 1987, p. 88) Nesse sentido, métodos e técnicas articulam-se diretamente no processo de (re)construção e ressignificação das ações dos sujeitos envolvidos. Nesse aspecto, precisamos, como ilustram Shor e Freire(1996, p.48) Estar atentos para o fato de que a transformação não é só uma questão de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma questão de métodos, então o problema seria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas. Mas esse não é o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade. A análise introdutória dos dados revela pistas que indicam a sala de aula como espaço promotor de situações transformadoras no âmbito do desenvolvimento profissional e pessoal dos atores sociais nela envolvidos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A transformação da escola exige reflexão teórico-prática, respaldada em uma formação crítico-reflexivo do profissional docente, capaz de desenvolver a práxis Suzyneide Soares Dantas 5834 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos necessária na educação e na sociedade. Nesse sentido, para que a escola cumpra a sua função social de socializar saberes e produzir conhecimentos, os professores precisam estar em processo constante de aperfeiçoamento, construindo a gestão do ensino e da aprendizagem com o debate, a mediação e a intervenção crítica. Para tanto, se faz necessário um maior investimento na formação docente e no desenvolvimento profissional do professor. A formação docente, tanto a inicial quanto a contínua, precisa ser consistente, crítica e reflexiva, capaz de fornecer os aportes teóricos e práticos para o desenvolvimento das capacidades intelectuais do professor, direcionando-o ao seu fazer pedagógico. O professor ao ter domínio do conhecimento dos aportes teóricos relativos às concepções de aprendizagem, de ensino, de currículo, de aluno, entre outras, fica clara sua decisão de escolher as melhores formas de trabalhar. Portanto, a transformação de práticas pedagógicas ingênuas e acríticas em práticas pedagógicas reflexivas, intencionais, críticas, emancipatórias não é um ato voluntário, espontâneo, sem intencionalidade. Tal transformação exige trabalho conjunto, disciplina intelectual, procedimentos metodológicos, fontes teórico-práticas enraizadas no contexto de ações concretas, inscrevendo-se nas consciências dos sujeitos, formação continuada, condições materiais de trabalho, coordenação, acompanhamento pedagógico sistemático. Enfim, a formação continuada de professores que atuam na modalidade de ensino da Educação de Jovens e Adultos(EJA), necessitam de garantir políticas públicas de formação nos contextos espaçotemporias das escolas, políticas construídas com a participação e envolvimento dos segmentos da comunidade escolar, transformando a escola, dessa forma, em comunidade reflexiva. Esta é a luta maior, sem a qual não há possibilidade de uma escola de qualidade, àquela tão desejada educação. REFERENCIAS BRASIL. Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte. Projeto Político Pedagógico do CEFET-RN: um documento em construção. Natal: CEFET-RN, 2005. Suzyneide Soares Dantas 5835 (Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos ______. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394. Brasilia, 1996. ______. Congresso Nacional. Decreto 5.478/05. 24 de junho 2005. ______. Congresso Nacional. Decreto 5.840/06. 13 de julho 2006. ______. Ministério da Educação. PROEJA: Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. (Documento base). FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. SHOR, Ira; FREIRE, Paulo. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. NOVOA, A. Vida de professores. Lisboa: Porto Editora, 1995. SALVADOR, C. et al. Psicologia do Ensino. Porto Alegre: ARTMED, 2000. SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: ARTMED, 2000. SILVA, E. F. da. A aula no contexto histórico. In: VEIGA, I.P.A et al. Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas, SP: Papirus, 2008. p. 15-44. TARDIFF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes,2002. Suzyneide Soares Dantas 5836 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” PARTICIPAÇÃO: BASE DE DEMOCRATIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR Vera Lúcia de S. Neves Ilda Maria B. N. Duarte JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar PARTICIPAÇÃO: BASE DE DEMOCRATIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR Vera Lúcia de S. Neves – UMINHO/Pt Ilda Maria B. N. Duarte – UMINHO/Pt RESUMO: Este estudo objetivou levantar uma proposta de participação dos alunos na definição dos conteúdos curriculares. Duas Escolas do Ensino Médio, da Baixada Fluminense, foi o local dos professores entrevistados, quando se verificou a possibilidade de espaços de participação para planejar currículos, a partir de uma possível negociação, entre professores e alunos, para a definição de matrizes curriculares, e os principais conteúdos a ser ministrados, entendendo ser importante para a análise do contexto e com isto, também auxiliar no desenvolvimento da formação. No processo de diagnose da seleção de conteúdos e de delinear a percepção do professor, no quotidiano escolar, a respeito da participação do aluno no processo de seleção de conteúdos, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas como questões abertas para que os docentes respondessem e, deste modo, viabilizassem a análise qualitativa dos dados. Após, realizar as entrevistas, transcrevê-las e analisá-las, apoiadas em Bardin (2007), destacou-se “unidades de sentido” apresentadas em ordem decrescente. Percebemos, durante as entrevistas, a falha na formação de docentes. O futuro professor precisa participar do planejamento do curso, por meio da negociação. A negociação favorecerá o diálogo, o que reverterá este quadro hierarquizado. PALAVRAS-CHAVE: Participação. Negociação. Cidadania. I- INTRODUÇÃO: Este estudo teve por objetivo levantar possibilidades de uma proposta de participação dos alunos na definição dos conteúdos curriculares. Para atingir este fim escolhemos duas Escolas de Ensino Médio, situado na Baixada Fluminense, onde foram entrevistados professores, na tentativa de se verificar espaços de participação e sobretudo a ação democrática para planejar currículos, a partir de uma possível negociação entre professores e alunos. Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5840 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar Desde o início dos anos 80, com a redemocratização da sociedade brasileira, foram iniciadas avaliações sobre a situação do ensino no Brasil. Nesta década, alguns estados nos quais governos populares venceram as eleições, os profissionais de ensino foram convocados para que analisassem o sistema e apresentassem sugestões que visassem sua melhoria. Ensaiava-se as primeiras medidas de “participação” de ordem política. Sabemos que a participação é o inicio dos primeiros passos para o exercício da democracia e conseqüente cidadania. No entanto, não é só com a participação que se transforma um ser em cidadão, mas na sua verdadeira atuação nas etapas do planejamento, do desenvolvimento e da avaliação, em cada unidade escolar responsável pelo ensino de seus alunos. Desta forma, cada unidade escolar necessita responsabilizar-se pela elaboração de seu projeto pedagógico, para tanto é necessário que cada professor precise ter seu próprio projeto pedagógico, Demo (2004, 690), no sentido de ensinar aos seus alunos a procurar viver em uma sociedade como a que se vive hoje, com tantos desafios, perplexidades e incertezas. Há muito já se enfatizava que a participação é um direito e uma necessidade, em princípio inquestionável que atravessa todo o processo educativo, o desejável dinamismo das instituições escolares. (Sanches Torrado, 1998:28) Para ensinar ou aplicar a metodologia da participação, o professor também, precisa atuar em escolas democráticas, ser participativo e se sentir respeitado quando emitir suas sugestões e com ela se comprometer no alcance do objetivo definido. O professor necessita desenvolver autocrítica, ser reflexivo. Esta autocrítica, esta reflexão dão suporte ao reconhecimento das tendências tradicionais (autoritárias) da educação brasileira e a subserviência do aluno, numa relação dominador-dominado, e a partir deste conhecimento, estabelecer a necessidade de abrir caminhos que possam reduzir ou até, se possível, extinguir esta dominação para favorecer a participação do aluno numa parceria na busca de soluções dos problemas de aprendizagem, embora seja obrigatório seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais: Linguagem, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza; matemática e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias. As três áreas devem estar presentes Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5841 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar na base nacional comum dos currículos das escolas do Ensino Médio. (Diretrizes Curriculares, 1998:51) Apesar das escolas terem sua identidade de acordo com o seu meio social e clientela há um eixo comum que são as Diretrizes Nacionais, agregando diferentes saberes que são avaliados através de mecanismos nacionais como o Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, com a função de diagnosticar e otimizar ou não do processo ensino-aprendizagem, ou seja, o nível de conhecimento de alunos. Nossa proposta de verificar espaços para a participação dos discentes na definição de matrizes curriculares, juntamente com os principais conteúdos a ser ministrados, ajudaria a desenvolver a análise do contexto e com isto, também auxiliar no desenvolvimento da formação de educandos reflexivos, vivendo e convivendo em uma escola reflexiva definida como: uma organização escolar que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar de sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo. (Alarcão, 2002:25). Neste sentido, aptos a viverem em sociedade e a colaborar com as suas transformações. Para que tais propostas sejam alcançadas, é necessário estabelecer parcerias com os discentes e desta forma, compartilhar a definição dos conteúdos de acordo com os interesses, relacionados aos problemas de sua realidade social, bem como identificar suas necessidades futuras, como por exemplo, na hora de se escolher sua profissão, motivo de muitas idas e vindas no ensino. Alunos optam por profissões e não sabem das exigências especificas e dos conhecimentos básicos necessários a seu exercício, causando muitas frustrações na vida acadêmica e evasões de cursos. II- DESENVOLVIMENTO: Educação, sem dúvida, contribui para o desenvolvimento humano, sendo que sua maior importância está em ser instrumento de desenvolvimento tanto para o indivíduo como para o país, conforme vem sendo destacado em todas as entrevistas que tratam do assunto, em várias mídias, pois diversos sociólogos e economistas declaram que um dos maiores problemas do Brasil é a educação, além da segurança, obviamente. Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5842 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar No entanto, além de ser necessário tratar a educação como prioridade da vontade política dos governantes, é preciso salientar que o espírito da democracia também necessita ser praticado para ajustar-se aos novos paradigmas da globalização. De um modo geral, o professor passa a ter papel fundamental no momento do exercício profissional. É este que detém a fórmula de pôr em prática, na sala de aula, por meio de oportunidades de participação de seus alunos, o aprendizado, do respeito às diferenças, o saber ouvir os contrários. No entanto, sabemos que o professor, ao longo do curso de nossa história, vem desempenhando um papel centralizador das decisões administrativas pedagógicas, principalmente no que se referem ao planejamento escolar, quando estabelece os conteúdos, as metodologias e as avaliações. Precisamos dividir estas responsabilidades, incluindo a participação do aluno nas etapas anteriores e também no desenvolvimento das atividades da sala de aula. Para definir participação como metodologia importante no encaminhamento das diretrizes das ações, utilizamos a seguinte assertiva: Na verdade, educação que não leva à participação já nisto visto é deseducação, porque consagre estruturas impositivas e imperialistas, transformando o educador manipulador em figura central do fenômeno, em vez de elevar o educando ao centro de referência. (Demo, 1996:77) É este o professor necessário, aquele que tenta desequilibrar as estruturas impositivas, dando oportunidades de participação para seus alunos, num diálogo franco, apresentando conteúdos definidos “a priori” que podem vir, como sabemos, estabelecidos por órgãos superiores ou selecionados a critério do professor com base no diagnóstico dos conteúdos adquiridos pelos alunos, nos anos anteriores e por meio do diálogo: Quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa. Esta alguma coisa deveria ser o novo conteúdos programático da educação (Freire, 1983:108), tente negociar o que ensinar, ou seja, o que é mais importante a ser ensinado, conforme a afirmação: capazes de se tornarem os processos de ensino-aprendizagem mais significativos e atraentes para os alunos, de garantirem a promoção das especificidades locais e de estimularem uma autêntica vivência democrática. (Morgado; Ferreira, 2006:69) Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5843 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar Ressaltamos que, considerando ser objeto deste estudo o educador democrático para planejar com a participação dos alunos, este levaria em conta o diagnóstico dos conhecimentos adquiridos anteriormente, para negociar os conteúdos mais necessários, em parceria com os alunos. Negociação entre professores e alunos é importante porque acarreta o compromisso mútuo, dentro do qual a participação passa a ser metodologia fundamental. (Demo, 1996:77) Desta forma, participação como metodologia dentro do espaço da sala-deaula, favorecendo viver e formar o futuro cidadão a partir do exercício da democracia, ressaltando.... as questões essenciais da igualdade, da liberdade e da democracia, ela acaba por ser um outro nome da educação, de uma boa educação. (Estevão, 2009:8). Deste modo, a sala de aula passa a ser um espaço onde a participação se faz presente em toda tomada de decisão, e também facilita experimentar a emoção que a democracia traz. Análise e interpretação das entrevistas realizadas com professores Para desenvolver a pesquisa Participação: base de democratização do currículo escolar, de posse de um gravador, grafou-se discursos e falas. Foram entrevistados quarenta docentes de turmas do Ensino Médio, sendo 20 de cada unidade escolar da Baixada Fluminense. Uma dessas unidades pertence à rede particular e outra, faz parte da rede pública estadual. Ambas foram escolhidas como objeto de estudo porque refletem “a priori” realidades distintas: a primeira, além de reunir docentes contratados sob a égide da CLT, os docentes estão sempre na expectativa de perder o emprego, submetidos à cobrança instituída na rede particular, pois sabemos das pressões para atualização, aperfeiçoamento e resultados positivos. Na segunda, predominam docentes estatutários, com estabilidade, onde em princípio não se observa nenhum mecanismo determinante de pressão para a busca de novas experiências, seja por incentivo financeiro, material ou profissional, a não ser o compromisso assumido quando da formação e da vida na profissão, incluindo valores. Os referidos professores das duas unidades distintas atuam em cursos diferentes para se observar a diferença entre os que professoram e um curso técnico Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5844 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar profissionalizante e os de um curso pedagógico, no que se refere à própria influência da formação dos docentes. A direção da escola particular era empossada por indicação e possui unidade particular possui organização curricular com os respectivos programas, por disciplinas planejadas por professores sob a supervisão de uma orientadora pedagógica. Tentaram implantar a interdisciplinaridade por meio de projetos organizados em reuniões mensais. Nesta oportunidade, era possível trocar experiências que auxiliavam o processo ensino-aprendizagem. A avaliação era bimestral, entretanto não se detinha única e exclusivamente nas provas. Havia testes, trabalhos individuais e em grupos, todos considerados no resultado final, após o Conselho de Classe quando havia espaço para alunos, num determinado horário da agenda, o aluno apresentava as questões relevantes da turma que representava, logo após se retirava para que os professores pudessem tecer as considerações e buscassem as possíveis soluções, no coletivo, para os problemas apresentados. A administração da unidade pública é eleita pela comunidade escolar de acordo com as diretrizes emanadas pela SEEDUC/RJ Resolução nº 2659 de 19 de abril de 2004, onde estabelece os procedimentos de consulta para indicação de diretores de Unidades Escolares da Rede Pública Estadual, tendo em vista a necessidade da efetiva transparência dos mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos das unidades escolares inclusive a gestão participativa da respectiva Comunidade Escolar nos mencionados mecanismos. A organização curricular é feita por disciplinas, obedecendo também as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, mas nesta unidade os professores procuravam trabalhar em conjunto, segundo orientações superiores por meio de projetos interdisciplinares e o diálogo entre as disciplinas, facilitando a tarefa de planejar, desenvolver e avaliar. A avaliação do rendimento dos alunos era efetuada bimestralmente, considerando todas as atividades realizadas pelos alunos diariamente, como testes, trabalhos de grupos e individuais, participação no desenvolvimento do processo ensinoaprendizagem etc. Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5845 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar Os conselhos de classe bimestrais também incluíam o aluno representante de turma, orientado e acompanhado pelo professor representante que também é eleito do mesmo modo que o aluno. O aluno representante apresentava as observações e sugestões da turma para posterior comentário e soluções do coletivo de professores, feitas após a retirada dos alunos. Análise e interpretação das entrevistas realizadas com os professores das duas escolas No processo de diagnose da seleção de conteúdos e de delineamento da percepção do professor, no quotidiano escolar, a respeito da participação do aluno no processo de seleção de conteúdos, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com questões abertas para que os docentes respondessem e, desse modo, viabilizasse a análise qualitativa dos dados. Após, realizar as entrevistas transcrevê-las para analisálas, utilizamos como referência a análise de conteúdos de Bardin (2007), possibilitando destacar “unidades de sentido” das respostas obtidas, e apresentá-las em ordem decrescentes de freqüência. Ressaltamos, porém, que muitas respostas foram longas, pois os professores faziam questão de descrever conteúdos ministrados e metodologias utilizadas, além de no presente artigo citarmos somente as mais citadas ou as que mesmo sendo minoria foi considerada como expressiva. Para levantar a metodologia utilizada na seleção de conteúdos, a maioria dos professores da escola particular (A) respondeu que seleciona o conteúdo a ser ministrado (6) e na rede pública, informaram que era pela especialista da área (6), ou pela equipe pedagógica (6), porém queremos chamar a atenção para entrevistados da Escola particular que respondeu: - A seleção de conteúdos na nossa escola é feita da seguinte maneira: nós pegamos o livro e fazemos o planejamento de acordo com a série que trabalhamos. Da escola pública (B), outro respondeu: - É a equipe pedagógica, agora e eu não sei o critério que ela usa para fazer a seleção de conteúdos (sic). Nestas duas exposições, fica clara a falta de participação dos alunos numa decisão de suma importância no processo ensino-aprendizagem, e que possibilitaria o comprometimento tanto do professor quanto do aluno na aprendizagem. Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5846 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar Para detectar como o professor vê a contribuição do aluno na seleção de conteúdos, na escola (A) a maioria respondeu que desde que parta da sua realidade (8) ou o aluno não tem condições de participar (8) e na escola (B), a maioria respondeu que deve ser feita pelo professor sem contribuição do aluno (10); outros criticaram os planejamentos que são feitos e as seleções de conteúdos sem conhecimento da realidade do aluno (4). Um professor da escola particular reforça o uso do sumário do livro didático para a seleção dos conteúdos: - Na minha opinião, o aluno não contribui na seleção de conteúdos, ele aceita como uma coisa imposta, como o professor também passa os conteúdos e não seleciona esse conteúdo. Ele vem com o livro, segue-se um livro adotado, um livro didático e daí o conteúdo é o livro. E para esta questão, na escola pública um professor disse o seguinte: - Eu não vejo porque não existe, os alunos não têm, como vou dizer, não têm, não sabem o que vão estudar ... nosso aluno hoje está tão deficiente de conteúdos que ele não sabe o que vai estudar.(sic) Para a questão da possibilidade de se prever a participação do aluno no processo, na escola (A) os professores informaram que os alunos participaram na sala desenvolvendo as atividades (6) ou nunca pensaram nesta participação (6). Na escola (B), muitos responderam que não há condições de contribuições por parte do aluno, consequentemente não há condição de previsão (6), mas houve (2) que destacaram que seria necessário para a formação da cidadania, (2) que disseram que facilitaria formar profissionais competentes e (2) que destacaram que poderia resolver dificuldades pedagógicas anteriores. Para a questão, quais as oportunidades que os alunos teriam para fazer críticas aos conteúdos definidos e as metodologias utilizadas, os professores da escola (A) responderam o seguinte: não há oportunidade devido ao conteúdo extenso a ser dado pela falta de tempo (6); ao final de cada capitulo de livro (4) e nunca é dado, mas ele cria o espaço (4), no entanto (2) informaram que “todas as oportunidades por ser a Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5847 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar sala de aula um espaço democrático”. Na escola (B), reiteraram que ao final do bimestre (6) e todo o tempo (6). Na escola (A) o número de “unidade de sentido” de não dar oportunidades é superior mesmo quando se pode destacar o seguinte depoimento favorável: - Todas as oportunidades porque eu tenho a sala de aula como uma casa democrática, sabia? Eu acho que o espaço mais democrático que, como é que se diria. em que eu convivo, é justamente a sala de aula.. Por outro lado, nesta mesma escola, destacamos o seguinte depoimento: - Eu não dou oportunidade nenhuma. Assim como eu não tenho oportunidade nenhuma de decidir a seleção de conteúdos. Na escola (B), permanecem as oportunidades todo o tempo ou ao final do bimestre, mas podemos destacar uma preocupação que aparece na seguinte resposta: - Todas, desde que ele queria falar. Agora ... o problema é fazer o aluno falar. O aluno em princípio, ele tem medo de fazer críticas, ele tem medo de fazer sugestões, mesmo quando o professor senta diante dele e diga: - fala, faça sua crítica, faça sua sugestão. Como é que podemos caminhar melhor, que podemos modificar, o que podemos transformar? Ele se cala, porque ele aprendeu a se calar, não é? Durante toda a sua vida, o processo foi este: - Senta! Cala a boca! Atenção! Ouve! E assim sucessivamente, então... Para a questão proposta por este estudo, diante das divergências entre professor/aluno é possível utilizar “uma negociação”? De que forma? Na escola (A) os professores responderam ser possível por meio da realidade do aluno e da necessidade do contexto (6) e é possível usando-se o diálogo (4). Na escola (B), informaram ser possível com o diálogo (10) e sempre é possível (6). Observamos que a maioria dos professores respondeu que é possível desde que se leve em conta a realidade do aluno e a necessidade do contexto para resolver a divergência entre professor e aluno, que a melhor forma de se começar a trabalhar a negociação seria por meio do diálogo, conforme os seguintes depoimentos da escola (A): Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5848 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar - É possível, aí no caso é questão de nos dialogarmos. É a questão do diálogo. - É possível, não sei ainda, tá? A gente pode começar a estudar isso mas eu creio que sim, não totalmente cem por cento mas eu acho que pelo menos cinquenta por cento a gente pode negociar, tá? Destacamos nas falas, acima, a necessidade de atualização e um certo receio de negociar todo o conteúdo proposto no desenvolvimento curricular, embora a escola (B) tenha apresentado um encaminhamento mais democrático no relacionamento professor, aluno, um professor apresentou o seguinte depoimento para esta questão: - Sim, acho que se surgir uma divergência, eu acho que a gente sempre negocia, se surgir. De uma forma geral, a divergência, eu sinto muito, mas a divergências é resolvida no “cala boca!” Eu acho que sim, é duro dizer isso, ainda mais gravando. Eu não sei o professor, ele hoje, se sente muito ameaçado. O professor hoje tem tão pouco conteúdo para passar para o aluno, que ele escolhe o conteúdo mais difícil e dá, e aí o aluno fica assustado com aquilo e não pergunta nada. O “cala a boca” citado na fala pode ser entendido como uma certa insegurança do professor em resolver conflitos e até problemas do domínio de conteúdos. Acreditamos que seja por falta de preparo durante a sua formação. Os cursos não estão adequados às novas necessidades da situação educacional, na atualidade. Não preparam o docente para enfrentar os jovens de uma sociedade em permanente mudança, num quadro de avanço científico e tecnológico desenfreado. É preciso que os cursos de formação de professores apresentem um modelo mais flexível, visando incluir a participação desse futuro professor nas decisões acadêmicas e pedagógicas, propiciando um espaço de diálogo aberto para que ele possa emancipar-se e no exercício da docência, abrindo espaços para desenvolver a responsabilidade de avaliar, de aprender, e de trabalhar em grupo e também de dialogar com seus pais. III- CONSIDERAÇÕES FINAIS: A sociedade passa por um processo de transformação, a escola precisa estar atenta para tentar acompanhar. Para que elas mudem, há necessidade da contribuição dos cidadãos conscientes que participem da solução de seus desafios. Para tanto, a Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5849 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar escola precisa mudar. Esta mudança exige a participação de todos os interessados e que sofrem com as decisões arbitrárias. Não há como se trabalhar com decisões autoritárias porque mais do que nunca somente é aceitável o que é discutível (Demo, 1998:102). Neste estudo, pode-se considerar que na seleção de conteúdos, o professor muitas vezes não participa ou define sozinho, quando não segue rigorosamente o sumário do livro didático adotado, que embora seja escolhido por ele não deve ser a única alternativa de conteúdos e de ações para o desenvolvimento do processo ensinoaprendizagem. Se o professor não participa, como incluir o aluno?. Quanto a aceitar que os alunos façam críticas aos conteúdos, a maioria informa que não pode dar oportunidades devido ao extenso conteúdo a ser dado e a falta de tempo para fazê-lo, só no final do bimestre, quando os problemas do quotidiano já foram esquecidos, a não ser os mais marcantes, na resposta: Todo tempo (grifo nosso), significa na realidade perguntar após exposição oral se os alunos entenderam ou não o conteúdo, ninguém se manifesta, como é comum, (por medo ou inibição), continua-se o assunto e não se sabe realmente o que foi aprendido. Percebemos, durante as entrevistas, a falha na formação de docentes. Ela precisa ser revista, e que nela, o futuro professor possa participar do planejamento do curso, desenvolvimento e avaliação, por meio da negociação, só assim será possível transformar a escola, experimentado uma prática vivida. A negociação favorecerá o diálogo aberto. Com o diálogo será possível reverter este quadro hierarquizado e uma prática tradicional, somente esta mudança poderá favorecer o alcance dos objetivos pois contará com o esforço de cada um. Outro aspecto importante é a atualização permanente dos docentes. É necessário voltar a estudar, para aqueles que estão distantes dos bancos escolares e continuar a estudar para aqueles que não se esquecem que a ciência e a tecnologia avançam assustadoramente. Se a escola for aprazível, com conteúdos significativos, definidos com a participação dos alunos, provavelmente o compromisso mútuo facilitará o processo ensino-aprendizagem. Incluímos na afirmativa que a participação efetiva do aluno, do maior número possível de representantes da comunidade escolar, para negociar uma melhor Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5850 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar qualidade de ensino contribuirá para a formação de um cidadão mais humano e menos violento dentro da sociedade em que vivemos. Para finalizar, citamos a afirmação de um professor da escola B – pública – que ratifica a Pedagogia da Esperança de Paulo Freire (1998), quando lhe fora perguntado qual a previsão da participação do aluno no processo de definição dos conteúdos curriculares, disse: - não digo nem previsão, eu trocaria previsão por esperança. Esperança por uma escola melhor, pelo respeito mútuo entre professores e alunos. Esperança por um mundo melhor, mais feliz que é o sonho da humanidade: a paz e a felicidade. IV- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALARCÃO, I. (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2009. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: jun. 1998. DEMO, P. Aula não é necessariamente aprendizagem. In: Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação. v.12. abr./jun. Rio de Janeiro: Fundação Cesgranrio, 2004. ______. Pobreza política. 7. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1998. ______. Participação e conquista. São Paulo: Cortez, 1996. ESTEVÂO, C. V. Educação, justiça e democracia. Um estudo sobre a Geografia da Justiça em Educação. São Paulo: Cortez, 2004. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 14. ed. SP: Paz e Terra, 1983. Vera Lúcia de S. Neves & Ilda Maria B. N. Duarte 5851 Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar ______. Pedagogia da esperança – um reencontro com a pedagogia do oprimido. 7. ed. SP: Paz e Terra, 2000. MORGADO, J. C; FERREIRA, J. B. Globalização e autonomia: desafios compromissos e incongruências. In Globalização e Educação. Porto: Porto Editora, 2006. SANCHES TORRADO, S. Ciudadanos sin fronteras. Cómo pensar y aplicar uma educación em valores. 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