IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PROPOSTA CURRICULAR DO PROGRAMA DE
EDUCAÇÃO INTEGRAL NO MUNICÍPIO DE NOVA
IGUAÇU/RJ
Alessandra Victor
Valdeney Lima
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ
PROPOSTA CURRICULAR DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL
NO MUNICÍPIO DE NOVA IGUAÇU/RJ
Alessandra Victor / UNIRIO
Valdeney Lima / UNIRIO
RESUMO: O artigo teve como objetivos discutir sobre as relações entre educação
integral versus currículo e descrever a proposta curricular do programa Bairro-Escola de
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Para alcançar o primeiro fim desenvolvemos uma pesquisa
teórico-bibliográfica baseada nos estudos de Cavaliere (1996), Coelho& Hora (2004),
Moreira e Silva (2005), enquanto que para o segundo, realizamos uma pesquisa
documental a partir dos livretos publicados pela secretaria de educação do município.
Evidenciamos em primeiro momento que existe uma correlação entre educação integral
e currículo. Isso porque pensar nesta visão de educação implica também propor outra
organização curricular, integrando diferentes saberes e linguagens. Os resultados do
presente estudo revelaram que a proposta curricular analisada esta pautada na realização
de oficinas de esportes, cultura e aprendizagem. Ao currículo escolar juntam-se
atividades diversificadas (reforço escolar, teatro, dança) que acontecem
preferencialmente, em espaços fora da escola de maneira a promover uma educação
integral para os educandos.
PALAVRAS-CHAVE: educação integral, currículo, diversificação curricular.
1. Introdução
Atualmente o tema educação integral vem ganhando espaço no debate
educacional, principalmente com a implementação de várias ações e /ou políticas
públicas governamentais nas três esferas administrativas (Federal, Estadual e
Municipal) e mesmo em projetos emanados de organizações não governamentais,
movimentos sociais e de instituições privadas.
Podemos dizer que a (s) proposta (s) de educação integral para o sistema
público de ensino carrega(m) novas concepções de educação, o que produz, com efeito,
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a ressignificação de vários aspectos do espaço escolar, dentre eles: o papel da escola, o
tempo e o espaço, a gestão, a prática pedagógica, a avaliação, o financiamento, a
formação docente e a própria organização curricular.
Para fins desse artigo, a presente discussão está pautada na relação
estabelecida entre educação integral e proposta curricular para o espaço público de
ensino. Isso porque as propostas de educação integral que vem sendo pensadas (e já
praticadas) no atual momento advogam uma reorganização do currículo escolar.
Neste estudo, discutimos sobre a proposta curricular do Programa BairroEscola de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, que se apresenta como um projeto de Educação
Integral destinado às escolas públicas de ensino fundamental do município.
Para o desenvolvimento deste, partimos dos seguintes questionamentos:
Quais relações se estabelecem entre educação integral e currículo? Qual é a proposta
curricular do Programa Bairro-Escola?
No intuito de buscarmos as respostas para essas perguntas, desenvolvemos
uma investigação qualitativa por meio de pesquisas teórico-bibliográfica e documental.
Para a realização do primeiro tipo de pesquisa, recorremos aos estudos de Cavaliere
(1996) que discute sobre a escola de educação integral e Coelho & Hora (2004) que
debatem sobre diversificação curricular e educação integral; Silva (2005), Moreira e
Silva (1995) foram os autores utilizados como referências sobre os estudos do currículo.
A pesquisa documental foi realizada a partir dos livretos que apresentam o programa
pesquisado e para análise dos dados coletados optamos pela técnica de pesquisa análise
de conteúdo. (BARDIN, 1979).
Na primeira parte do artigo discutimos a organização curricular da escola
primária da década de 1920, preconizadas por reformas estaduais dirigidas por
personalidades políticas simpatizantes da Escola Nova, movimento que pregava uma
renovação educacional e, com efeito, retomou o ideário da educação integral. Na parte
seguinte descrevemos o programa Bairro-Escola, que se apresenta como um programa
de educação integral e em seguida, expomos sua proposta curricular para as escolas da
rede pública de ensino do município. Na parte final, tecemos análises preliminares do
tema em questão e apontamos nossas reflexões sobre o estudo aqui realizado.
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2. Educação Integral e Diversificação Curricular na Escola Primária Brasileira
Historicamente o currículo da escola primária brasileira foi marcado por uma
organização que privilegiava conhecimentos e disciplinas escolares. Havia pouca
valorização de atividades de trabalho corporal e manual na integralização curricular,
visto que se dava ênfase no intelecto e no pensar humanos, bem ao gosto da chamada
Pedagogia Tradicional.
Entretanto, em terras tupiniquins, no início da década de 1920, sob influência
da corrente escolanovista, dirigentes políticos e intelectuais iniciaram um movimento de
renovação da educação pública, particularmente para a escola de ensino primário. Ao
assumirem cargos públicos os mesmos realizaram reformas na instrução pública 1 que,
com efeito, provocaram mudanças na estrutura e no funcionamento do sistema
educacional dos estados, causando implicações também nos programas escolares
vigentes no período.
O movimento reformista pretendia modificar o papel social da própria
instituição escolar, considerada obsoleta naquele contexto histórico. Para isso, as
iniciativas públicas pregavam a renovação dos métodos pedagógicos, da prática
docente, da administração escolar, bem como da organização curricular dos programas
escolares. “O enriquecimento do currículo, portanto, vai ser um dos principais
resultados do movimento reformista e remodelador da instrução pública, no nível
primário” (NAGLE, 2001, p.280).
As transformações pelas quais passaria a escola primária preconizadas pelas
reformas educacionais da década de 1920, se inserem no advento do ideário da Escola
Nova. Entre as concepções educacionais desta, destacam-se o uso, em vários sentidos,
da noção de educação integral. (CAVALIERE, 2002).
Uma compreensão mais clara sobre a educação integral a partir de princípios
escolanovistas encontra-se presente em Fernando de Azevedo, um dos protagonistas das
reformas estaduais, conforme nos mostra o estudo de Saviani (2007):
1
Aconteceram reformas nos estados de São Paulo, por Sampaio Dória, em 1920; no Ceará, por Lourenço
Filho, em 1922; na Bahia, por Anísio Teixeira, em 1924; no Distrito Federal por Fernando de Azevedo,
em 1927, entre outras.
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(...) A Escola Nova não é um aparelho de instrução, mas busca
desenvolver uma educação integral, ela proverá, de forma articulada, a
“educação física, moral e cívica” (...) desenvolvendo nos alunos hábitos
higiênicos, despertando o sentido da saúde, a resistência e vitalidades físicas,
a alegria de viver. Para tanto as escolas contariam com inspetor-médico ou
inspetor dentário que, além da função de fiscalização, seria um educador
sanitário (...) (p. 212).
Esse entendimento de formação humana mais ampla, alicerçada na
integração da educação física, moral e intelectual, serviram como orientação para a
organização curricular da escola primária fixada com a reforma da Instrução Pública do
Distrito Federal, nos idos de 1927, quando o cargo de diretor geral era ocupado pelo
próprio Fernando de Azevedo.
Quanto ao currículo da escola primária estabelecida pela
reforma do Distrito Federal, foi a seguinte a composição, para as escolas
nucleares: linguagem oral e escrita, aritmética, geometria, geografia e história
pátria, ciências físicas e naturais, higiene e puericultura, economia doméstica,
desenho, caligrafia, música, ginástica e trabalhos manuais. (NAGLE, 2001,
p.279).
Observamos pelo exposto que o plano curricular da escola primária do
Distrito Federal superava o intelectualismo presente no currículo tradicional, ao
incorporar atividades musicais, físicas e manuais que preparasse o indivíduo para uma
sociedade em progresso.
É importante ressaltarmos que nas duas primeiras décadas da república era
grande o quantitativo de indivíduos analfabetos, o que levou os reformistas a pensarem
em princípio na escolarização voltada para alfabetização do povo brasileiro e tempos
depois, na escolarização para formação de novos indivíduos, para além da simples
transmissão do A.B. C e do mero combate ao analfabetismo. Em consonância com essa
concepção de escola, a Reforma do ensino na Bahia, no seu artigo 65 da Lei n°. 1.846,
proposta por Anísio Teixeira - diretor geral da Instrução pública-preconizava que:
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A escola primária (...) será, sobretudo, educativa buscado
exercitar nos meninos os hábitos de observação e raciocínio, despertando-lhes
o interesse pelos ideais e conquistas da humanidade, ministrando-lhes noções
rudimentares de literatura e história pátria, fazendo-os manejar a língua
portuguesa como instrumento de pensamento e da expressão: guiando-lhes as
atividades naturais dos olhos e das mãos mediante formas adequadas de
trabalhos práticos e manuais, cuidando, finalmente, do seu desenvolvimento
físico com exercícios e jogos organizados e o conhecimento das regras
elementares de higiene, procurando sempre não esquecer a terra e o meio a que
a escola deseja servir, utilizando-se o professor de todos os recursos para
adaptar o ensino às particularidades da região e do ambiente baiano. (NAGLE,
2001, p.274).
Percebemos que a vontade do reformador baiano, explícito nesta passagem,
era implantar uma escola primária integral pela extensão das atividades educativas e
ampliação/diversificação curricular, para que se formasse o “novo” homem brasileiro.
Os reformistas, em especial, Lourenço Filho e Anísio Teixeira entendiam
que o ensino da escola primária não se restringia a ler escrever e contar. Deveria
promover atividades de observação, investigação e uso de materiais concretos, que
possibilitassem experiências ao indivíduo. Para tal fim foi incorporada uma gama de
atividades extracurriculares que possibilitasse “modernizar” a escola de ensino
elementar.
Esse ideário de conceber uma escola nova e por vez, outra organização
curricular também esteve presente em 1950, com a criação do Centro Educacional
Carneiro Ribeiro, em Salvador, por Anísio Teixeira. Este espaço educacional buscava
oferecer uma educação integral para as classes populares. Para este fim, foram criadas
as chamadas escolas-parques, onde se realizavam inúmeras atividades complementares
as aulas regulares. Nunes (2009) em estudo descreve quais eram essas atividades:
artes aplicadas(desenho, modelagem e cerâmica, escultura em
madeira, cartonagem e encardernação, metal, couro, alfaiataria, bordados,
bijuterias, tapeçaria, confecção de brinquedos flexíveis, tecelagem, cestaria,
flores)no Setor de Trabalho; jogos, recreação e ginástica no Setor de
Educação Física e Recreação; grêmio, jornal, rádio-escola, banco e loja no
Setor Socializante; música instrumental, canto, dança e teatro no Setor
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Artístico;leitura,estudo e pesquisas no Setor de Extensão Cultural e
Biblioteca. (p.126).
Como podemos observar, o projeto de educação integral da escola
soteropolitana abarcava diversas atividades, que de certa forma, subtendia uma proposta
curricular diversificada que propiciasse as condições necessárias para uma formação
mais completa dos alunos atendidos pelo Carneiro Ribeiro.
O projeto de educação integral e a proposta de atividades diversificadas
concebidas por Anísio Teixeira serviu como referência para a implementação de outras
iniciativas nas décadas de 1980 e 1990, a exemplo dos Centros Integrados de Educação
Pública (CIEPs), no Rio de Janeiro e dos Centros Integrados de Atendimento à Infância
(CIACs) em nível nacional.
No Brasil de hoje, a proposta de uma educação integral e como
conseqüência uma organização curricular favorável a esta, vem sendo retomada no
cenário educacional a partir da multiplicação de projetos e experiências dessa natureza.
Como exemplo, citamos o programa educacional de Nova Iguaçu, que pretende
proporcionar uma formação mais completa para os alunos da rede pública municipal,
por meio da inserção de atividades complementares no currículo escolar.
3. Conhecendo o Programa Bairro-Escola de Nova Iguaçu
O programa aqui analisado acontece em Nova Iguaçu, cidade situada na
chamada baixada fluminense, região que agrega vários municípios do Estado do Rio de
Janeiro. A cidade, localizada a 28 km da capital, apresenta a maior extensão territorial
da referida área, com alta densidade demográfica. Segundo dados do IBGE (2007), o
município possui uma população estimada em 830.672 habitantes.
No ano de 2005 teve origem em Nova Iguaçu o Programa Bairro-Escola,
uma proposta política que tem como finalidade primeira a implementação de uma
educação em tempo integral para as escolas públicas da rede municipal de ensino. Para
atingir esse fim, ele procura desenvolver “um conjunto de políticas sócio-educativas que
buscam apontar novas possibilidades de concretização da educação para a cidadania, na
escola e fora dela” (SEMED, 2008, pág. 7).
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A origem do Bairro-Escola está na chamada “teias de conhecimento” que
chegou ao Brasil no final do século 20, com o movimento das Cidades Educadoras.
“Sob a forma de programas e parcerias, geridas por organizações não-governamentais,
difundiram-se soluções que defendiam o papel ativo da sociedade civil em substituição
ou complementação às ações governamentais” (CAVALIERE, 2009, pág. 59).
Essas características ficam evidentes no objetivo geral da proposta de
educação integral de Nova Iguaçu, que possui como ideal
(...) a formação global dos sujeitos envolvidos nos processos de
aprendizagem ofertados na cidade por meio dos diferentes atores sociais,
saberes, equipamentos e instituições. Visa promover a formação de
competências diferenciadas ao mesmo tempo em que educa para a cidadania
ativa, favorecendo a participação crítica no cotidiano do bairro e da cidade
(SEMED, 2008 pág. 11).
O movimento das Cidades Educadoras parte do princípio de que a educação
acontece em todos os territórios da cidade e não apenas dentro do ambiente escolar. De
acordo com esse pensamento, foi constituída a ideia de que “o Bairro-Escola incentiva
essa ‘conversa’ entre escola e cidade, mobilizando lugares e pessoas para o processo de
educação e construção da cidadania” (SEMED, s/d, pág. 4).
Baseado na ideia de que a escola deve se integrar ao bairro, o programa
estabelece uma rede de parcerias que englobam desde instituições públicas a privadas.
Essa rede é composta por “parceiros do Bairro-Escola” que disponibilizam seus espaços
educativos para a realização das oficinas que compõem a proposta
No Bairro-Escola as crianças saem pelo bairro em busca de
aventuras. Descobrem outras relações com o conhecimento através de novas
práticas educativas, diferentes daquelas que experimentam na escola. As
trilhas educativas passam por calçadas, igrejas, praças, inclusive pelas casas
das pessoas. Lugares que as crianças já conhecem e freqüentam, mas de outro
modo: sem uniformes, apertando a campainha e saindo correndo, pulando o
muro para pegar a fruta, olhando a casa e vendo um castelo, pegando o galho
e já é espada. E nesse ir de lá-pra-cá levam a essência do projeto pedagógico:
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a vontade de saber, descobrir, se relacionar e produzir reflexões a partir de
novas experiências (SEMED, 2008, pág. 21).
Para o programa, “ser parceiro do Bairro-Escola significa dividir de forma
prazerosa e significativa a gestão da Educação Integral, com o objetivo único de
transformar Nova Iguaçu numa Cidade Educadora”. (Idem).
Observamos, a partir dos documentos analisados, que o programa preconiza
uma nova organização do ambiente educacional, pois amplia o currículo, o tempo
escolar e incorpora outros espaços educativos, buscando a valorização das vivências
cotidianas dos educandos, para além da escola.
Em primeiro lugar muda o currículo, que passa a ser visto de
forma integrada e a ter o foco na promoção da cidadania participativa. Isso
implica o acesso a diferentes fontes de informação (incluindo a tecnologia
digital), o uso de diferentes linguagens de expressão e a participação crítica
no mundo. Em segundo lugar, amplia-se a jornada escolar (...) Por último, a
escola ganha novos educadores: animadores culturais, artistas, músicos,
contadores de história, jovens de diferentes talentos – cada um ensinando a
ler o mundo a partir de uma linguagem diferente(SEMED, s/d , pág 6)
Após essa apresentação do Bairro-Escola, na secção seguinte descrevemos e
em seguida analisamos sua proposta curricular para as escolas da rede pública
municipal.
4. Proposta Curricular do Bairro-Escola
Nesse momento do artigo faremos uma descrição da proposta curricular do
programa Bairro-Escola, a partir dos livretos: (1) Educação Integral; (2) Bairro-Escola:
fazendo de Nova Iguaçu uma cidade educadora, publicados pela Secretaria Municipal
de Educação de Nova Iguaçu (SEMED).
O livreto Educação Integral, lançado em 2008, apresenta as bases teóricas
da proposta de educação integral do Bairro-Escola. Esta publicação está dividida em
três grandes seções: na primeira, estão expostos os objetivos, o currículo, as oficinas,
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os agrupamentos dos alunos que freqüentam o horário complementar, a proposta
pedagógica e a organização do início do ano letivo; a segunda informa sobre a rede de
parcerias; a última seção apresenta a legislação específica da educação integral.
Para fins desse estudo, limitamos nossa análise à parte do documento que
trata do currículo, em especial, as oficinas educativas que o integram.
No livreto Educação Integral, a seção que apresenta a concepção curricular
do Bairro-Escola defende a idéia que “o currículo da Educação Integral deve prever um
processo de ressignificação curricular de modo a articular e potencializar as vivências
educativas a favor das aprendizagens dos sujeitos e das comunidades” (SEMED, 2008,
pág. 12).
A nosso ver, ao propor uma “ressignificação curricular” o programa
preconiza uma nova abordagem de currículo, que busca levar em conta a
potencialização e articulação das vivências educativas entre sujeitos e comunidades.
Esse entendimento revela-se interessante, porque pressupõe a integralização dos
diferentes saberes, sejam eles escolares ou não. Para este fim, a proposta curricular do
Bairro-Escola em Nova Iguaçu defende “a articulação das atividades escolares com as
atividades extra-escolares” (idem), bem como “a abertura das escolas para a
comunidade, de modo a favorecer a vivência de novas experiências educativas” (idem).
Em relação a abertura das escolas para a comunidade, Cavaliere (1996)
ressalta que
A estruturação da escola como um centro comunitário, ou seja,
como uma instituição que é da comunidade e para a comunidade
possibilitará uma atuação significativa nesta esfera, pois o interesse
comunitário estará sendo concretamente vivido e não “ensinado” ou
“transmitido”, o que, neste caso, é uma pretensão inóqua. (pág. 158)
Segundo a autora, a escola não deve se desvencilhar da comunidade para
“ensinar” ou “transmitir” conteúdos. Ela deve conviver de forma interativa, de modo
que seu dia-a-dia vivencie a realidade da qual ela também faz parte. Em decorrência
dessa visão, o programa defende ainda a abertura de novos espaços e mecanismos de
gestão participativa do projeto educacional e da escola, além do “estabelecimento de
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uma rede de parceiros, atuantes no âmbito da Educação Cidadã”. (SEMED, 2008, pág.
12).
A proposta curricular do programa Bairro-Escola está organizada por meio
de três oficinas – Esporte, Cultura e Aprendizagem – que compõem o horário
complementar. Evidenciamos aqui que as escolas do município funcionam num sistema
de turno e contra-turno, ou seja, enquanto no turno regular, os alunos participam de
aulas com ênfase nos conteúdos escolares pertinentes a cada série, no outro,
denominado como horário complementar, eles participam de oficinas educativas, cuja
duração média de cada uma dessas é de uma hora. Lembramos também a nossos
leitores que a realização das atividades de cada oficina são de responsabilidade das
Secretarias de Esportes, de Cultura e de Educação, respectivamente.
As oficinas pretendem “desenvolver, ampliar e potencializar as habilidades
intelectuais; a cooperação e o senso de pertencimento; o estímulo à prática de esportes
individuais e coletivos; a prática da criticidade ética e da sensibilidade estética nas
atividades culturais e artísticas” (SEMED, 2008, pág. 12).
Em consonância com o objetivo geral, formularam-se também objetivos
específicos para cada uma das oficinas. Dessa forma, a oficina de esporte desenvolve
“atividades que visam promover o estado físico saudável e o desenvolvimento das
práticas coletivas para ações de cooperação e cidadania” (Ibdem, pág. 13). Já a oficina
de cultura busca “desenvolver e potencializar habilidade e sensibilidade estética, além
do uso das linguagens artísticas para a expressão criativa” (idem) e as oficinas de
aprendizagem
(...) visam desenvolver, principalmente, atividades que se
articulam aos conceitos e conhecimentos trabalhados nas atividades
pedagógicas desenvolvidas no horário regular, ampliando-os por meio da
prática de pesquisa e estudo dirigido. Tem por objetivos: o desenvolvimento
da autonomia no processo de aprendizagem e a ampliação das possibilidades
intelectuais e criativas de pensamento e expressão. (idem).
A partir da sistematização de objetivos específicos para as oficinas, os
documentos analisados também apresentam atividades diversificadas. Assim, podemos
dizer que as práticas esportivas incluem além de modalidades como futebol, vôlei,
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basquete e natação, outras atividades de natureza recreativa e jogos cooperativos. As
oficinas de cultura incluem atividades musicais, teatral, de dança, cinema e artes
plásticas. Enquanto isso, as oficinas de aprendizagem incluem “pesquisas, estudos
dirigidos e utilização de recursos materiais pedagógicos diversificados” (SEMED, s/d,
pág.8).
No livro “Bairro-Escola: fazendo de Nova Iguaçu uma cidade educadora”,
encontramos também os argumentos construídos para justificar a existência de cada
oficina.
A justificativa da oferta das oficinas de esporte baseia-se na promoção da
saúde, no conhecimento do corpo, bem como no desenvolvimento dos aspectos físicos,
individuais e de cidadania. Já as de cultura são consideradas relevantes porque
promovem o senso criativo, a sensibilidade estética e a utilização de várias linguagens
artísticas como meio de expressão.
A importância das oficinas de aprendizagem se sustenta no argumento de
que elas
(...) desenvolvem a autonomia no processo de aprendizagem,
aprofundando o que foi visto nas aulas e reservando um espaço para o dever
de casa. Além disso, buscam fazer pontes com a vida familiar, escolar e
comunitária, valorizando as experiências vividas pelas crianças e
estimulando a sua expressão e olhar crítico (idem)
A participação nas oficinas acontece através da organização de turmas/
grupos a partir da idade dos alunos. São quatro grupos: A, B, C e D. O “Grupo A”
compreende a faixa etária de 6 a 7 anos de idade. O “Grupo B” de 8 a 10 anos. O
“Grupo C” de 11 a 14 anos e o “Grupo D” de 15 a 18 anos.
Levando em consideração os agrupamentos das turmas por faixa etária,
estruturou-se também uma proposta pedagógica compatível com essa organização.
Nesse sentido, “o planejamento da proposta para o grupo A/B é realizado para os 5 anos
do 1º Segmento do Ensino Fundamental (crianças de 6 a 10 anos)”, já “o planejamento
da proposta C/D é realizado para os 4 anos do 2º Segmento do Ensino Fundamental
(adolescentes e jovens de 11 a 18 anos de idade)” (SEMED, 2008, pág. 15).
Vale acrescentar que todas as atividades do horário complementar, ou seja,
as oficinas são realizadas por pessoas contratadas pela Secretaria responsável pela
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realização e organização de cada uma delas. Essas pessoas foram denominadas como
“agentes educadores” e são “estagiários, estudantes do Ensino Médio ou Superior e
profissionais contratados que conduzem as oficinas e acompanham as crianças na
mobilidade pelo bairro”(SEMED, s/d, pág. 10).
No âmbito das escolas, as oficinas são de responsabilidade de
coordenadores. O coordenador da oficina de aprendizagem é um “professor responsável
por acompanhar, orientar e avaliar as oficinas de aprendizagem, garantindo a integração
das atividades e a sua articulação com as aulas do turno regular” (idem). O coordenador
das oficinas de cultura é um animador cultural indicado pela Secretaria de Cultura. Já o
coordenador das oficinas de esportes é um docente de Educação Física.
5. Pistas para um debate
Adiantamos neste ensejo que nossas análises sobre o objeto deste estudo
apoiaram-se nos livretos elaborados pela Secretaria Municipal de Nova Iguaçu, que
apresentam o Programa Bairro-Escola. Nesse sentido, estamos cientes que a proposta
curricular deste projeto educacional está passível de modificações, tendo em vista que
este se encontra em andamento.
Num primeiro momento podemos dizer que existe uma correlação entre
educação integral e currículo. Isso porque “seja para um projeto de educação integral,
ou para qualquer proposta na área, sabemos seguramente que sua materialização se
engendra na produção do artefato currículo” (COEHO& HORA, 2004, p.1). Assim,
partindo desse entendimento se entendemos por educação integral uma educação que
possibilita a formação global do sujeito, alicerçada em atividades manuais, esportivas,
pedagógicas, artísticas, por outro lado, acreditamos que essa visão implica em outra
maneira de se compreender o currículo. Este por vez, conforme Aplle (1995)
(...) nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que
de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é
sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da
visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto
das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que
organizam e desorganizam um povo. (p.59).
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Nesta parte do artigo evidenciamos que a concepção de educação integral
carrega em seu bojo um novo entendimento curricular, não mais restrito a conteúdos e
disciplinas
formais
a
serem
transmitidas,
incorpora
agora,
conhecimentos
intencionalmente vivenciados, dentro ou fora do espaço escolar.
Se este tipo de educação supera a fragmentação dos saberes historicamente
acumulados pela civilização humana e incorpora novos conhecimentos relevantes para
uma formação plena, logo se faz necessário uma nova concepção de currículo e outra
forma de organizá-lo, desta feita suprimindo a hierarquia e a dicotomia daqueles
saberes. Nesse sentido, “a educação escolar integral requer mais do que propriamente
um novo currículo, ela requer uma concepção de currículo diferente da que hoje, na
prática, predomina no Brasil e no Mundo” (CAVALIERE, 1996, pág.148).
O currículo que serve a uma educação integral deve articular os diferentes
saberes sociais e culturais, trabalhar com diferentes linguagens e promover a integração
de aprendizagens, tendo em vista a formação mais ampla que se pretende oferecer aos
indivíduos. Isso nos leva a pensar também que “a integração dos conteúdos escolares
com os problemas e experiências cotidianas, a abertura da escola para a vida que corre
fora dela, o conhecimento tornado prática e vice-versa são condições que poderão levar
à crítica e produção de conhecimento na escola” (Ibidem, p.164).
A reflexão do currículo de uma educação plena não deve omitir a própria
noção que temos desta. Ou seja, pensar no “conceito” de currículo de um programa de
educação integral, implica necessariamente, e antes de tudo, saber o que se entende por
essa educação, muito embora se trate de um tema vasto (CAVALIERE, 2002).
Analisando os livros que versam sobre a base curricular do Bairro-Escola de
Nova Iguaçu percebemos que o objetivo primeiro desse programa é colocar em prática
uma concepção de educação integral, através de uma nova abordagem curricular. A
partir dos documentos analisados no momento desta pesquisa, observamos que o
programa Bairro-Escola parte do pressuposto que educação integral
(...) Numa definição mais teórica, é uma educação que
promove o desenvolvimento integral das crianças e adolescente, incluindo o
corpo, a mente, a vida social. Numa definição mais prática, é a que incentiva
o desenvolvimento de uma nova geração de jovens que aprendem com mais
autonomia, sabem tomar decisões, buscam uma melhor qualidade de vida,
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constroem relações afetivas saudáveis e se reconhecem como sujeitos ativos
e participantes. (SEMED, s/d, pág. 6)
Acreditamos que esse discurso só adquire sentido se houver uma articulação
das disciplinas escolares com atividades extra-escolares, superando assim a concepção
curricular estanque e possibilitando um currículo com viés mais crítico, não mais
reprodutor de atividades sem significados.
A concepção curricular necessária à escola de educação
integral supera a ideia de que o currículo se resume á seleção e organização
de conteúdos e habilidades a serem transmitidas, ou seja, a um programa de
estudos. Ela tem como base o entendimento de que o currículo é um
percurso educacional, um conjunto amplo de experiências intencionalmente
proporcionadas, que o indivíduo vive no ambiente escolar. (CAVALIERE,
1996, pág. 148).
Partindo desse entendimento, podemos inferir que em Nova Iguaçu, até o
momento desse estudo, houve uma configuração de atividades “extracurriculares” pela
ampliação do tempo escolar. Nesse bojo, o plano curricular segmentou em dois turnos
as atividades. No turno regular priorizam-se as atividades que transmitem os conteúdos
curriculares socialmente construídos e o horário complementar se configura como um
momento de atividades dinâmicas e diversificadas.
Essa organização curricular carece de alguns cuidados, visto que não faz
sentido a simples incorporação de atividades extra-escolares ao currículo formal da
instituição de ensino se os mesmos não dialogarem com os conhecimentos praticados no
próprio ambiente escolar. Ademais, o que precisa estar claro é que “atividades
diversificadas não garante a diversificação curricular (COEHO& HORA, 2004, p.5).
Estas acrescentam ainda que a diversificação curricular ocorre quando a ação educativa
engloba atividades diferenciadas planejadas coletivamente e de modo integrado. Nesse
sentido, defendemos sua materialização no projeto político-pedagógico da instituição
escolar.
Outro aspecto que nos chamou a atenção nesta empreitada consistiu na
seleção das oficinas que integram a proposta curricular do Bairro-Escola. Apesar de
reconhecermos a importância das práticas de esporte, cultura e aprendizagem, parece-
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Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ
nos que faltam outras atividades que corroboram para o pleno desenvolvimento do
indivíduo, como por exemplo, projetos ligados as novas tecnologias, a musicalidade, a
formação política, ao senso estético, entre outros.
Por que a proposta curricular privilegia apenas essas oficinas?
Nesse
momento nos vem em mente as contribuições da Nova Sociologia da Educação – NSE,
no que tange as relações entre currículo e poder. Esta abordagem tem sido “referência
indispensável para todos os que vêm se esforçando por compreender as relações entre os
processos de seleção, distribuição, organização e ensino dos conteúdos curriculares e a
estrutura de poder do contexto social inclusivo” (MOREIRA e SILVA, 1995, pág. 20).
Ainda em relação aos livretos que apresentam o Bairro-Escola de Nova
Iguaçu, podemos pensar que as referências teóricas da proposta curricular são as mais
diversas. Ao mesmo tempo em que percebemos influências teóricas da teoria de Paulo
Freire, como podemos perceber na seguinte passagem: “as atividades oferecidas
incentivam o desenvolvimento da autonomia, levando-os a buscar melhorar sua própria
qualidade de vida, aprender a tomar decisões, construir relações afetivas saudáveis e
reconhecerem-se como sujeitos ativos e participantes dentro de seu grupo social”
(SEMED, 2008, pág. 12). Também identificamos a idéia de capital cultural explicada
por Bourdieu, como se observa no trecho “As crianças, aos adolescentes, jovens e
adultos matriculados nas diferentes etapas da educação escolar, é oportunizada a
aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes que favoreçam sua permanência e
sucesso escolar e que ampliem seu capital cultural”. (idem).
Neste estudo, evidenciamos que as reflexões sobre educação integral
incluem também o entendimento que tem sobre currículo. A compreensão deste tem
relação imediata com a maneira como ele é concebido pelos autores e teorias. Nesse
caso, no tocante ao discurso da proposta curricular analisada, mesmo que pretenda
apenas descrevê-lo, o que realmente faz é elaborar uma visão específica de currículo
(SILVA, 2005).
Expusemos ainda que a proposta curricular do programa analisado se baseia
na organização das oficinas de esporte, cultura e aprendizagem, preconizando a inclusão
de atividades diversificadas no currículo escolar. Estas, conforme já exposto, são
realizadas no chamado contraturno.
Alessandra Victor & Valdeney Lima
5701
Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ
Acreditamos que embora a proposta curricular do programa analisado ainda
tenha poucos anos de vida, se faz necessárias reflexões sobre a mesma, não para criticála radicalmente, mas, para sabermos que atende a visão de educação que se baseia.
Pelo exposto neste artigo, concluímos que não há como oferecer uma
formação plena para nosso educando, se não houver uma organização curricular que
esteja em sintonia com essa visão de educação. Em outras palavras não adianta dizer
que se oferece uma educação integral se o currículo não for realmente integrado e
integrador. O que queremos dizer com isso?
Ora, por currículo integrado entendemos como sendo aquele que incorpora
os saberes dos diferentes campos do conhecimento, promovendo sua articulação,
enquanto que por currículo integrador entendemos como sendo aquele que abarca os
conhecimentos explícitos e aqueles não oficializados no contexto escolar.
Incorporando estas concepções de currículo e de conhecimento
escolar, a escola de educação integral pode levar a uma escolarização menos
formalizada e burocrática, que seja capaz de formar mentalidades ativas e
críticas e não apenas repetidoras ou expectadoras. (CAVALIERE, 1996,
p.165).
7. Referências Bibliográficas
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currículo nacional? In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da.
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escola brasileira? In: Educação e Sociedade, vol. 23, n.81, p.247-270, dez. 2002.
Alessandra Victor & Valdeney Lima
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Proposta Curricular do Programa de Educação Integral no Município de Nova Iguaçu/RJ
CAVALIERE, Ana Maria Villela. Escolas de tempo integral versus alunos em tempo
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COELHO, Lígia Martha Coimbra; HORA, Dayse Martins. Diversificação Curricular e
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MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da. (orgs). Currículo,
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NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. 2ª. edição.- Rio de
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NUNES, Clarice. Centro Educacional Carneiro Ribeiro: concepção e realização de
uma experiência de educação integral no Brasil. Em Aberto, v.22, n 80, p.121-134,
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SAVIANI, Dermeval. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. Campinas, SP:
Autores Associados, 2007 – Coleção memória da educação.
SEMED, Educação Integral. Secretaria Municipal de Nova Iguaçu. 2008
SEMED, Bairro-Escola: Fazendo de Nova Iguaçu uma cidade educadora. Secretaria
Municipal de Nova Iguaçu. s/d.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos e identidade: Uma introdução às teorias do
currículo. 2ª edição, 11º reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Alessandra Victor & Valdeney Lima
5703
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
INTEGRAÇÃO CURRICULAR
DEFINIÇÕES OFICIAIS E PRÁTICA COTIDIANA
Ângela Fernandez Porto de Chades
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
INTEGRAÇÃO CURRICULAR
DEFINIÇÕES OFICIAIS E PRÁTICA COTIDIANA
Ângela Fernandez Porto de Chades
PROPED/UERJ
Agência financiadora: CNPq
RESUMO: Esse texto é construído a partir de uma pesquisa que realizo no Colégio de
Aplicação da Faculdade da Região dos Lagos, situado em Cabo Frio- Rio de Janeiro/
Brasil, cuja proposta pedagógica de integração curricular inclui concepções e princípios
encontrados nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2008). Essa
investigação fundamenta-se nos estudos de Ivor Goodson (1997) sobre a história das
disciplinas escolares e de Basil Bernstein (1981), que trata dos processos de
compartimentação dos saberes pela introdução dos conceitos de classificação e
enquadramento. A integração pressupõe articulação entre as disciplinas, bem como a
alteração nas hierarquias e relações de poder que constituem os saberes e o processo
escolar. Destaco, a partir do documento em questão, como a integração curricular, via
interdisciplinaridade e contextualização é apresentada e de que maneira os atores
escolares do colégio materializam essa proposta. Acredito que as formas com as quais
os praticantes da escola constroem seus currículos resultam de esforços coletivos e de
práticas dialógicas, mas também de disputas por posições de poder. Essas posições de
poder parecem estar mais diluídas numa proposta de currículo integrado.
PALAVRAS-CHAVE: política de integração curricular – interdisciplinaridade contextualização - práticas curriculares.
Desde muito tempo, as reflexões em torno das especificidades do conhecimento
escolar e do modelo disciplinar do currículo estão presentes nos principais encontros de
educação do país e do mundo. Em geral, os debates tendem a encaminhar-se para as
formas de integração para os currículos escolares, a partir de diferentes perspectivas
teóricas. Ainda assim, percebo que o currículo disciplinar é uma estrutura dominante
nas escolas.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5707
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
Recentemente, foram apresentados pelo MEC novos documentos1 a favor da
integração disciplinar, reforçando a ideia de um ensino
interdisciplinar e
contextualizado. Mas como pensar o diálogo entre as disciplinas num espaçotempo
disciplinar? Que questões envolvem a reorganização do conhecimento escolar? Como
organizar o tempo escolar para a materialização de propostas integradoras? Tais
questões, por si só seriam suficientes para demonstrar a necessidade de problematização
sobre a trajetória e a consolidação de uma disciplina escolar, assim como as análises que
explicitam uma dicotomia entre os currículos integrado e disciplinar.
Apoiada nos estudos de Goodson sobre a história das disciplinas escolares e de
Bernstein que trata dos processos de compartimentação dos saberes, apresento neste
texto, algumas reflexões sobre a pesquisa que realizo numa escola de ensino médio,
situada em Cabo Frio/RJ, cuja proposta pedagógica está centrada no princípio de
integração curricular.
Pretendo problematizar com Goodson o processo de constituição da disciplina
escolar, entendendo-a como parte de uma estrutura mais ampla que incorpora e define
os objetivos e possibilidades sociais do ensino. No que concerne à organização do
currículo, apresento os conceitos de classificação e enquadramento descritos por
Bernstein.
Também, a partir das definições oficiais sobre integração escolar - encontradas
nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCNem), analiso como as
disciplinas escolares são apresentadas no documento a partir dos princípios de
interdisciplinaridade e de contextualização e em que medida as definições oficiais são
incorporadas nas práticas curriculares do Colégio de Aplicação Renato Azevedo que,
nesse momento, passo a nomear de CAp.
Respeitando os limites espaciais do texto, apresento o estudo em duas partes,
tentando aproximar os fundamentos apresentados a algumas situações observadas no
contexto em questão.
1
Refiro-me aos documentos constituintes da reforma do ensino médio, em especial, as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio, uma das mais recentes publicações.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5708
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
Parte I
Disciplina escolar: trajetória e consolidação curricular
Inicialmente, acho importante sinalizar que os estudos críticos sobre currículo,
assim como as formulações dos Estudos Culturais nos ajudam a compreender as tensões
que envolvem a produção curricular. Esses estudos apontam que o conhecimento
escolar é resultado de escolhas conflituosas sobre o que deve ou não ser ensinado na
escola. Isso se dá porque a atuação da escola não é isolada do contexto político-social e
cultural; além disso, há especificidades próprias dos processos de seleção do
conhecimento em diferentes instituições.
Nesse sentido, afasto-me da concepção de que o conhecimento escolar é mera
simplificação do conhecimento científico, partindo da premissa de que há diferenças
entre o saber a ser ensinado e os objetos de ensino. São muitos os estudos sobre a
constituição dos saberes escolares que colaboraram para o desenvolvimento do campo
educacional. Dentre esses, aproximo-me das formulações de Goodson (1997, 2005) e de
Lopes (2002, 2008) por entender que ambos trazem significativas contribuições para as
pesquisas sobre a organização do conhecimento escolar.
Inicio com a compreensão de Lopes (2008) sobre a diferenciação entre o
conhecimento escolar e o científico. Ela adverte sobre o equívoco de se acreditar na
seleção desinteressada dos conhecimentos científicos para o contexto escolar,
sinalizando que tal ideia prejudica a análise do processo de construção do currículo. Na
sua percepção, essa visão não nos permite refletir sobre os processos de estruturação e
organização do conhecimento escolar, assim como sobre as relações de poder
constitutivas da trama escolar e do contexto social.
Dessa forma, ainda que seja possível afirmar alguma sintonia entre o mecanismo
regulatório da disciplina escolar e os princípios disciplinares das ciências, isso não
significa que ambas tenham a mesma trajetória sócio-histórica, sendo necessário
analisar as diferenças de como esses mecanismos se efetivam e de como historicamente
se constituem nos diferentes campos de produção do conhecimento científico e de sua
recontextualização (p.55). Sob esse aspecto, Goodson (1997) confere especial atenção à
compreensão do percurso histórico da disciplina escolar, afirmando que esta não pode
ser analisada apenas por critérios epistemológicos, nem tampouco enxergada como
Ângela Fernandez Porto de Chades
5709
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
mera simplificação das disciplinas científicas ou acadêmicas. O autor considera que as
disciplinas escolares têm finalidades sociais específicas e guardam motivações próprias.
De fato, o saber traduzido no currículo escolar é fruto de interferências
complexas e não imediatas do processo didático, mas também e, principalmente, de
expectativas e demandas do macro contexto. Assim, podemos reconhecer a
especificidade epistemológica2 da disciplina escolar na medida em que ela busca
responder às demandas do projeto escolar, mas será preciso também considerar outros
fatores internos e externos à sua constituição, promotores de sua estabilidade e
reconhecimento social.
Esses fatores que alimentam a estabilidade de uma disciplina e a possibilidade
dela manter-se nos currículos básicos estão associados às demandas de ordem política e
social, expressas nos textos curriculares, que definem as racionalidades e a retórica da
disciplina. No entanto, mesmo que haja intenções educativas e manuais práticos sobre a
organização do conhecimento escolar fixando parâmetros sobre a prática da sala de
aula, há variações locais que contribuem para influenciar o processo de organização
curricular e, consequentemente, a constituição de uma disciplina.
O autor reforça a ideia de que a função social do ensino define perspectivas e
incentivos claros para os atores envolvidos na construção das disciplinas escolares, ou
seja, o conhecimento escolar é produzido no seio de um conjunto de interesses e de
relações de poder que atuam na escola e sobre a escola. Nessa produção, encontram-se
imbricados processos de seleção e de organização dos conteúdos, os quais não incluem
apenas os conhecimentos científicos, mas todos os saberes considerados válidos naquele
momento histórico.
Um estudo realizado por Frank Musgrove (apud Goodson, 1997), indica que as
disciplinas formam um conjunto de sistemas sociais alicerçados em redes de
comunicação, recursos materiais e ideologias (1968, p. 101) e no que diz respeito às
ideologias, há que se pensar que os professores que trabalham com suas disciplinas são
porta-vozes das comunidades disciplinares de referência e estão envolvidos com
conhecimentos, regras, crenças e comportamentos muito próprios dos seus grupos. Não
há como negar que junto a toda e qualquer experiência vivida na sua rede de relações
2
Forquin (1993) aponta a necessidade de resgate da dimensão epistemológica na discussão do
conhecimento escolar.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5710
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
sociais e profissionais, o professor carrega traços identitários das comunidades
disciplinares de referência com os quais lida ao longo de sua trajetória profissional.
Segundo Veiga-Neto (1996), aprender história, gramática ou matemática é
também aprender sobre as formas pelas quais criamos “as verdades” sobre o mundo em
que estamos inseridos. A disciplina define uma verdade de consciência e sensibilidade
sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos. Esse movimento está relacionado
com questões de poder e regulação.
Numa perspectiva foucaultiana, a disciplina possui manifestações que resultam
de um princípio: a vontade de poder. Nesse sentido, o saber estaria associado ao poder.
Veiga-Neto (op.cit.) propõe que (...)a vontade de poder engendra uma vontade de
saber; mas esse saber não é nem todo o saber nem é qualquer um saber, senão um
saber que é tanto específico ou circunscrito, quanto verdadeiro (p.112). E é a disciplina
que estabelece a circunscrição e informa as condições de veracidade de um saber, sendo
considerada elemento estruturador do currículo.
A organização do currículo disciplinar é frequentemente associada à lógica
divisionista das ciências que também seria determinante na construção das disciplinas
escolares. Constituído por disciplinas de fronteiras bem marcadas, o currículo
disciplinar vem sendo considerado uma organização impeditiva de práticas e desenhos
curriculares alternativos. Alguns autores, no entanto, consideram que, em função do
crescente processo de globalização, das mudanças do modelo econômico e político e da
universalização da informação, caberia à escola reorganizar seu conhecimento de
maneira a responder às demandas macro estruturais que parecem estar mais voltadas
para o processo de integração de conteúdos disciplinares.
Morin (2001, p.68) defende que a história das ciências não é somente a da
constituição das disciplinas, mas também a das rupturas de fronteiras disciplinares, de
invasões de um problema de uma disciplina sobre outra, de circulação de conceitos, de
formação de disciplinas híbridas (...) e conta a história da “revolução biológica” dos
anos de 1950:
(...) físicos como Erwin Schrödinger projetaram sobre o organismo
biológico, os problemas da organização física; depois pesquisadores
marginais tentaram descobrir a organização do patrimônio genético, a
partir das propriedades químicas do DNA. A biologia celular, nascida
desses concubinatos “ilegítimos”, não possuía nenhum estatuto
disciplinar nos anos de 1950 e somente o adquiriu na França após o
Ângela Fernandez Porto de Chades
5711
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
prêmio Nobel de Monod, Jacob e Lwoff. Ela autonomizou então, antes
de, por sua vez, fechar-se até tornar-se imperialista... (p.69)
Tal reflexão nos mostra dois aspectos que julgo significativos. O primeiro diz
respeito ao movimento da disciplina científica em busca de reconhecimento social e
regimes de verdade, capaz de torná-la ainda mais especializada e resistente à
reciprocidade e à possibilidade do contato. Essa hiperdisciplinaridade (Morin op. cit.) é
fruto da constituição de uma racionalidade monolítica e do espírito de propriedade que
impede a circulação do estranho na sua parcela do saber. O estranho passa a ser tudo
aquilo que é perturbador e incompreensível aos códigos de verdade definidos no interior
das fronteiras disciplinares.
Para Santos (1989) a constituição da ciência moderna está marcada pela recusa à
vida prática e aos objetivos do senso comum, caracterizando-se pela especialização e
profissionalização do seu estatuto de verdade (p.37). Apoiada nesse argumento, acredito
que a territorialização das práticas científicas seja um princípio sobre o qual as
disciplinas busquem seus padrões identitários. Se, por um lado, um território constituído
coloca limites de contato, por outro, organiza sentidos, valores, posturas, que regem os
modos de movimento de determinado grupo.
O outro aspecto que sinalizo, traz a esta análise, a compreensão das experiências
que nascem à margem do que é colocado como verdade, capazes de reinventar formas
alternativas ao que é instituído. Os possíveis concubinatos ilegíveis e invisíveis à lógica
da fragmentação científica dão novos sentidos a partir de outros interesses, não menos
conflitantes e provisórios, fazendo emergir novas formas de conhecer e intervir no
mundo.
Sobre essa idéia, penso que os mecanismos de consolidação e institucionalização
de uma disciplina científica, ou mesmo de uma disciplina escolar, serão reformulados
em virtude de objetivos e múltiplos interesses situados nos diversos campos sociais.
Sendo assim, podemos compreender que no campo político que envolve a organização
do currículo escolar estarão em disputa diferentes valores e ideologias, assim como
diferentes padrões disciplinares e práticas sociais à espera de novas posições de poder.
Voltando à questão que envolve os processos globais e a necessidade de revisão
do currículo disciplinar, retomo ao pensamento de Lopes (2008) que considera
questionável a retórica do “novo perfil” das ciências no mundo global por não se levar
Ângela Fernandez Porto de Chades
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Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
em conta as dinâmicas sociais e históricas das práticas científicas de produção do
conhecimento. A autora aponta que, frequentemente, o trabalho de aproximação entre
disciplinas acaba gerando outro território disciplinar, com seus respectivos modelos
teóricos e métodos de pesquisa. Diante disso, ainda que o pensamento em defesa da
integração entre disciplinas escolares seja recorrente, assim como com as disciplinas de
referência, há elementos epistemológicos diferenciados, não sendo cabível a relação
direta entre elas.
Macedo e Lopes (2002) indicam que há uma tecnologia de estruturação
curricular funcionando como princípio organizativo e de controle de processos de
escolarização. Nesse sentido, é preciso atentar para o fato de que, mesmo que haja
argumentos epistemológicos para justificar a divisão que se estabeleceu no currículo,
assim como nas ciências, outros fatores estão concorrendo para a construção das
disciplinas escolares. Elas se desenvolvem a partir de demandas sociais que vão sendo
incorporadas aos saberes científicos e pedagógicos, ou seja, há uma inter-relação entre
os três campos: científico, pedagógico e social. Dessa forma, podemos considerar que as
disciplinas escolares são produções culturais próprias da escola e representam
comunidades autônomas, tanto em relação às disciplinas científicas quanto em relação
às disciplinas acadêmicas, embora em alguns momentos haja uma aproximação entre
elas. (p.78)
Para compreender o processo de aproximação entre as disciplinas, recorro a
Goodson (1997, 2005) que afirma que as disciplinas escolares, assim como as
acadêmicas, podem atender a finalidades sociais muito próximas. Elas regulam as
relações de trabalho quando, a critério das necessidades e pretensões do mercado de
profissões, são escolhidas para a disposição de uma matriz disciplinar. Ou seja, de certa
forma, ambas guardam um conhecimento autorizado e legitimado oficialmente para a
organização dos currículos. Desse modo, o conhecimento distribuído socialmente e as
profissões dele decorrentes passam a ter um valor de moeda adquirido pela certificação
que lhes é conferida.
A estandartização de diplomados, através do uso de tipos estandartizados de
professores, alunos, temas e atividades (Goodson, 1997, p.27), associada a uma
organização disciplinar do currículo evidencia a gana e a disputa entre as disciplinas por
maior reconhecimento e status social.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5713
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
Assim, as disciplinas de maior prestígio social terão maior valor de moeda e
serão mais requisitadas para assumirem posições de poder na organização do currículo,
além de atrair maiores recursos materiais e financeiros para seus projetos e demandas.
De acordo com essa lógica de mercado, as disciplinas de maior status conferirão
certificados mais valiosos e concorridos, o que parece atrair mecanismos de estruturação
de uma comunidade disciplinar forte no campo da política curricular. A retórica de
valorização desse conhecimento específico configurará uma territorialização da
disciplina que, em menor ou maior escala, terá como meta definir seus limites,
assegurados em interesses idealistas e morais, assim como em recursos materiais
(Goodson, 1997).
Há, também, outros fatores que determinam a composição dos territórios
disciplinares. É preciso levar em conta que o mercado, ao tentar controlar as
desigualdades nas relações de trabalho, contribui para aumentar a disputa entre as
comunidades disciplinares, que precisam estabilizar os valores dos seus certificados que
circulam socialmente. Cabe aqui pensar que as pressões que acompanham o princípio de
mercado estabelecem regras para a educação que poderão limitar ações e propostas por
mudanças na organização curricular.
De certa forma, a disciplina escolar permanece como um arquétipo da
divisão e fragmentação do conhecimento nas nossas sociedades.
Enclausurados dentro de cada micro-disciplina, os debates mais vastos
sobre os objetivos sociais do ensino tendem a ser travados de forma
isolada e segmentada (...) entre os diferentes níveis internos e externos e
entre os domínios públicos e privados do discurso (Goodson, 1997, p.32)
Nessa perspectiva apontada por Goodson, a disciplina escolar, da forma como
ela se institucionalizou, conserva um padrão disciplinar no currículo difícil de ser
superado. Isso não significa que não ocorram movimentos internos e externos às
comunidades disciplinares a favor de mudanças de ordem epistemológica e cultural.
É preciso lembrar que as comunidades disciplinares configuram um espaço
heterogêneo de valores, identidades e tradições, que irão compor uma pluralidade de
sentidos e discursos que estabelecem entre si uma disputa pela hegemonização de um
modelo, inclusive aqueles contrários à fragmentação disciplinar do conhecimento.
Sendo assim, é possível que membros de numa mesma comunidade disciplinar lutem
Ângela Fernandez Porto de Chades
5714
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
tanto pela estrutura disciplinar do currículo, quanto por sua flexibilização. Há, nesse
sentido, disputas de poder entre grupos, cada um com interesses e influências diferentes
e muitas vezes divergentes em prol da garantia de recursos e status.
Isso significa que a estruturação disciplinar poderá se consolidar diante de ações
externas a ela. Nesse sentido, podemos destacar não só a força que exercem as políticas
globais e nacionais em torno das questões curriculares, mas também fatores internos,
cujos interesses específicos serão potencializadores de novos arranjos identitários.
Na escola, é possível perceber os professores como representantes das
comunidades disciplinares porque compartilham do conjunto de conhecimentos
construídos e dados como legítimos. Compartilham, portanto, da identidade que se
forma em torno de cada território disciplinar, facilmente expressada na linguagem e na
condução do processo didático.
Cabe aqui ressaltar que o professor estará sendo desafiado permanentemente a
mobilizar os referenciais da comunidade disciplinar sempre que precisar reafirmar seu
prestígio social. Para isso, poderá usar conhecimentos mais abstratos de tradições
acadêmicas, afastando-se das tradições pedagógicas e utilitárias. Entretanto, defendo
que esses praticantes, ainda que influenciados pela construção social e política das
disciplinas de referência, estarão envolvidos numa rede complexa e dinâmica que
movimenta a trama escolar, podendo fazer emergir outras maneiras de fazer (Certeau,
1994) a trajetória de suas disciplinas e do currículo da sua escola. Ainda que o currículo
formal ofereça um ideário legitimador de escolarização, a partir das definições sobre o
que é conhecimento escolar e como ele deve estar organizado, será preciso atentar para
reinterpretações possíveis que brotam da prática e do processo escolar. Nesse caso, não
podemos desconsiderar o que vem sendo produzido no cotidiano escolar, através das
inúmeras experiências que demonstram como a disciplina escolar se relaciona com a
prática. Esse argumento pode ser compreendido com o comentário da professora de
Biologia do CAp:
O governo vende o peixe dizendo que isso aí é novidade. Aqui no CAp,
por exemplo, já fazemos a integração há muito tempo. Eu aprendi com os
colegas mais velhos... os que iniciaram o trabalho. Não é nada fácil, tem
que abraçar o projeto. Lembrar que aqui fizemos uma escolha. A gente
trabalha muito junto, planeja a aula, a prova... (...) vai achando uma
ligação entre uma disciplina e outra, com os projetos ou só com o
conteúdo. Às vezes sai briga, mas no final dá certo.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5715
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
A partir do que é colocado pela professora, focalizo a troca de experiências, os
conflitos e os acordos potencializadores de novas práticas disciplinares. Nesse viés,
ainda que o território disciplinar seja um elemento capaz de criar mecanismos de
diferenciação e representatividade no currículo, temos que considerar que há uma rede
de sujeitos na escola que, por motivações próprias, convivem, aprendem, escolhem e
constroem outros sentidos sobre o que lhes é dado, sendo capazes de tecer novos fios de
saberes e fazeres, num constante processo político de criação curricular.
A partir do que é considerado como currículo inovador, algumas recentes
reformas curriculares3 propõem um novo desenho de organização do conhecimento
escolar, materializado por concepções pedagógicas preocupadas com a aproximação dos
conteúdos disciplinares à realidade do aluno. As Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (OCNem), publicadas em segunda reimpressão no ano de 2008, assinalam as
intenções do MEC quanto à organização dos currículos para o ensino médio. No texto
de apresentação do documento, são propostos cinco itens para a organização curricular.
Entre eles destaco dois itens que caracterizam a temática em questão: (...) planejamento
e desenvolvimento orgânico do currículo, superando a organização por disciplinas
estanques e integração e articulação dos conhecimentos em processo permanente de
interdisciplinaridade e contextualização. (p.7)
Ainda que haja, nos documentos legais e nas publicações que circulam nos
diversos contextos educativos, uma diversidade de fundamentações, o princípio
integrador é hegemônico.
Vejamos como a integração, via contextualização aparece nas OCNem, quando
se referem às disciplinas de Biologia, Física e Química:
Se a realidade dos alunos, seus conhecimentos e vivências prévias, forem
considerados como ponto de partida, o ensino de Biologia fará sentido
para o aluno e a compreensão dos processos e fenômenos biológicos será
possível e efetiva (p. 34).
(...) o conhecimento científico se origina de problemas bem formulados,
mas o aluno chega à escola com conhecimentos empíricos, chamados
comumente de senso comum e originados da sua interação com o
cotidiano e com os outros. Na contextualização dos saberes escolares,
busca-se problematizar essa relação entre o que se pretende ensinar e as
3
Considero recentes os documentos surgidos a partir da LDB 9394/96. Em especial destaco as Diretrizes
Curriculares para o Ensino Médio (DCNem) publicadas em 1998, os Parâmetros Curriculares para o
Ensino Médio (PCNem) publicados em 1999 e as Orientações Educacionais Complementares (PCN+),
publicadas em 2002.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5716
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
explicações e concepções que o aluno já tem, pois a natureza faz parte
tanto do mundo cotidiano como do mundo científico. (...) O que se
pretende é partir da reflexão crítica ao senso comum e proporcionar
alternativas para que o aluno sinta a necessidade de buscar e compreender
esse novo conhecimento. (p.50-51)
Os processos de construção do conhecimento escolar supõem a interrelação dinâmica de conceitos cotidianos e químicos, de saberes teóricos
e práticos, não na perspectiva da conversão de um no outro, nem da
substituição de um pelo outro, mas, sim, do diálogo capaz de
potencializar a melhoria da vida. (p.118)
A partir do exposto acima, enfatizo a aproximação e ao mesmo tempo o
distanciamento entre o conhecimento escolar e o científico. No texto, o conhecimento
escolar se constitui da relação entre os conceitos teóricos definidos por cada ciência de
referência e a articulação destes com a realidade do aluno, ou seja, a disciplina científica
torna-se escolar por meio da sua capacidade de diálogo com a realidade do aluno e da
sua aproximação com o processo didático (Chevallard, 1991)4. Dessa forma, a
contextualização é considerada como um princípio metodológico do ensino, capaz de
dar sentido às formulações científicas apresentadas ao aluno.
O texto aponta que a contextualização é própria do processo de ensino (p.83) e
aparece intimamente ligada à idéia de transposição didática 5:
A contextualização não pode ser feita de maneira ingênua, visto que ela
será fundamental para as aprendizagens a serem realizadas – o professor
precisa antecipar os conteúdos que são objetos de aprendizagem. Em
outras palavras, a contextualização aparece não como uma forma de
“ilustrar” o enunciado de um problema, mas como uma maneira de dar
sentido ao conhecimento matemático na escola. (p.83)
Em outras passagens do documento, encontramos a diferenciação entre a
disciplina escolar e a científica. Vejamos:
A Física escolar é diferente da ciência Física, embora ambas estejam
intimamente relacionadas. Os saberes ensinados são simplificados para
4
Para Chevallard (1991), um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a
partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre
os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é
chamado de transposição didática (p.39).
5
Conforme as OCNem (2008) a transposição didática é o processo pelo qual um objeto de saber chega à
escola como objeto de ensino.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5717
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
possibilitar seu ensino. Seria então a ciência do cientista a única
referência para os conteúdos disciplinares? Ao que parece, a transposição
direta não seria suficiente. (p.46)
Parece-me que há no mesmo documento um sentido ambíguo dado ao conceito
de disciplina escolar. No primeiro momento, a disciplina escolar nasceria da pedagogia
das disciplinas científicas (Japiassu, 1993, p.11), o que reforçaria o tom epistemológico
com que são tratadas as questões referentes à organização curricular; noutro, elas teriam
identidades diferentes.
A
disciplina
escolar,
portanto,
difere
da
disciplina
científica
pela
contextualização, mas, ao mesmo tempo aproxima-se dela pela necessidade particular
de consolidação de seu território.
Tomando
a
interdisciplinaridade
como
outro
tópico
de
análise
do
comportamento das disciplinas no texto das OCNem, é possível perceber diferentes
interpretações sobre a temática, ou seja, há variações no modo de conduzir a prática
interdisciplinar.
No texto construído pela comunidade disciplinar de Biologia é definido que (...)
professores de diferentes disciplinas e áreas podem descobrir conteúdos que permitam
um trabalho em conjunto (p.37). Em Física, a interdisciplinaridade não deve negar as
características específicas de cada saber (...) o objeto de estudo é o mesmo, mas levará a
um novo saber, que não é necessariamente da Física, da Química ou da Biologia (p.
52). Na disciplina de Língua Portuguesa, o texto coloca que (...) o objeto em foco seja
construído/abordado por meio de diferentes lentes, isto é, a partir de diferentes olhares
advindos do conjunto de disciplinas escolares que compõem o currículo (...) (p. 27).
Em função do espaço do texto, limito-me a trazer esses exemplos para mostrar o
tratamento diferenciado da interdisciplinaridade curricular no documento, fruto de
concepções historicamente construídas e das reinterpretações geradas no interior de
cada comunidade disciplinar.
Por fim, saliento com Lopes (2000) que a compreensão do processo de
construção e reconstrução de uma disciplina escolar e o modo como ela se comporta
num currículo integrado exige a consideração dos contextos sócio-histórico,
institucional e biográfico (p.60), os quais estarão permanentemente produzindo novas
configurações identitárias.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5718
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
Parte II
A integração curricular no CAp
O Colégio de Aplicação Renato Azevedo se propõe a desenhar formas
alternativas de organização curricular. Compreender esse processo, seus conflitos,
sucessos e dificuldades, é um dos objetivos da pesquisa que venho realizando. Para isso,
entendo ser necessário atentar para o cotidiano das redes de saberes, poderes e fazeres
que nele se tecem e que o habitam (Oliveira, 2008:73) no CAp, em busca de perceber
nessa experiência local, aquilo que ela promove de vivência democrática no interior da
escola.
O estudo dessas práticas de integração curricular6 abrange não só uma análise
mais cuidadosa da organização e estrutura curricular, mas também, das relações de
poder exercidas pelos praticantes da escola. Não há como pensar numa abordagem
alternativa à disciplinarização do conhecimento e à hierarquização dos saberes sem que
se toque na questão das relações de poder engendradas nos processos sociais e
pedagógicos que ocorrem no espaçotempo escolar. Portanto, captar as experiências
cotidianas de currículo integrado é também perceber como as relações de poder
encontram-se envolvidas em situações específicas, nas quais escolhas, pertenças e
regimes de verdade são colocados em meio ao processo pedagógico da escola.
Observo que, embora a organização disciplinar do currículo do CAp permaneça,
a abordagem de ensino através de projetos de trabalho integrados7 possibilita maior
entrosamento entre os saberes das diferentes disciplinas. Nesse contexto, compreendo
que os professores operam, não apenas dentro do que lhes é possível, com o currículo da
proposta oficial, como também com aquilo que se recria no cotidiano das práticas.
Os trabalhos coletivos8 e a dedicação a projetos cujos conteúdos abordem temas
científicos, culturais e sociais têm esquentado o debate entre os professores sobre a
função dessa escola. Em novembro de 2008, os professores discutiram o projeto
6
Apresento mais adiante a concepção de currículo integrado, a partir da teorização de Bernstein.
7
O trabalho com projetos no CAp tem favorecido a colegiabilidade na instituição. Eles acontecem
trimestralmente, seus temas são escolhidos a partir de situações-problema e podem variar conforme a
turma.
8
Aqui me refiro às atividades que os alunos realizam fora do horário das aulas matutinas. São atividades
curriculares que ocorrem à tarde, duas vezes na semana, em que os grupos se reúnem para estudar, fazer
pesquisa e ter aulas.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5719
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
político-pedagógico e várias questões curriculares foram levantadas em meio ao
processo de reconstrução do documento. Foram momentos de muito debate a respeito
dos princípios que norteiam a proposta integrada e a sua materialização. Em um dos
momentos, discutiu-se a dificuldade que algumas disciplinas encontram para se
integrarem aos projetos.
Ainda que haja maior entrosamento entre o corpo docente – facilitado pelas
reuniões semanais de trabalho – observo as dificuldades de alguns professores em
articular os saberes disciplinares com seus pares. Numa conversa com a professora de
Matemática, ela explicou: Fui formada assim, em gavetinhas, e apesar de saber dos
prejuízos disso, muitas vezes não encontro um modo de participar das aulas integradas.
Analisando o argumento, compreendo que cada disciplina configuraria um
espaço territorializado, com seus limites e também barreiras de contato. Deleuze &
Guattari (1997) apontam que o território exprime um ritmo, uma organização de sentido
que se torna a marca constituinte de um domínio, não de um sujeito. O problema surge
quando tal território torna-se impermeável aos contágios e encontros, produzindo um
enrijecimento das fronteiras e um “isolamento autístico”. Nesse sentido, a integração
teria como função a interlocução entre os grupos disciplinares, sem que os limites
identitários de cada disciplina precisem ser negados. Ressalto, ainda, que se os perfis
disciplinares são diferentes, essa diferença não precisa ser de subordinação e ou
hierarquização, mas de complementariedade e reciprocidade.
Com relação ao processo de integração curricular no CAp, ficou decidido, a
partir de votação em duas reuniões, que os eixos temáticos dos projetos seriam
escolhidos pelos professores e pela coordenação, sendo apresentados aos alunos para
que com eles fosse realizado o planejamento posterior das atividades. Os professores
entenderam que a inclusão de todos os atores do processo pedagógico na elaboração do
plano escolar seria um mecanismo facilitador para o trabalho de integração.
Todavia, as dificuldades na tessitura de um trabalho integrado são variadas e o
CAp vai construindo seu projeto pedagógico com avanços e recuos conseqüentes dos
limites e possibilidades da escola. Uma questão que me parece importante destacar é o
fato de que, mesmo que o currículo tenha uma estrutura disciplinar, isso não impede que
abordagens pedagógicas integradas possam acontecer efetivamente. Como indicam
Lopes & Macedo (2002), a integração pode ser desenvolvida tanto em uma matriz
Ângela Fernandez Porto de Chades
5720
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
disciplinar como em outras matrizes, permitindo-se, portanto, a coexistência das
disciplinas com a integração.
Refletir, pois, sobre as possibilidades de integração curricular é pensar nas
trajetórias em direção à alteridade, não apenas no campo científico, mas, especialmente,
nas relações sociais constitutivas do contexto escolar. Trata-se de tornar os campos de
saberes habitáveis, com a diluição de práticas potencialmente excludentes, permitindo a
tessitura de relações menos hierárquicas entre os diferentes saberes e práticas. Como
aponta Oliveira (2008: 81), a democratização das relações entre conhecimentos e
modos de estar no mundo está, assim, também indissociavelmente ligada à
democratização social.
Porém, nem sempre é fácil construir espaços de diálogo na escola, pois, além das
dificuldades internas de negociação e estabelecimento de acordos, esta recebe a todo o
momento kits curriculares – documentos legais, livros didáticos, cursos de capacitação
etc. – que oferecem um discurso a ser consumido, sem maiores questionamentos, pelos
professores. As tensões geradas a partir da tentativa de regulação e controle sobre a
escola, ainda que a proposta oficial associe o currículo interdisciplinar a uma
perspectiva progressivista, estão imbricadas nos processos sociais e políticos em que
estamos enredados, nos quais as diferentes perspectivas e propostas se misturam. Penso
que Bernstein (apud Lopes, 2008) aprofunda essa questão das tentativas de controle
quando, ao analisar os processos de compartimentação dos saberes, postula que o
currículo é um conjunto de conhecimentos selecionados e organizados de acordo com os
códigos de poder e controle que se baseiam em dois princípios regulativos: a
classificação (classification) e o enquadramento (framing) dos saberes. A classificação
refere-se às relações entre conteúdos, isto é, se a relação é mais ou menos integrada.
Quanto mais forte a classificação, maior o isolamento entre as disciplinas, menor a
integração entre elas. Já o enquadramento refere-se ao controle na transmissão dos
conhecimentos. Quanto maior o controle do processo de transmissão, maior é o
enquadramento, ou seja, maior é o controle do tempo, do ritmo, do que pode ser dito ou
não, como, por quem e quando.
É com base nesses dois princípios que o autor identifica dois tipos de currículo:
o currículo tipo coleção, com alto grau de enquadramento e classificação, e o currículo
tipo integrado, com baixo grau de enquadramento e classificação. O currículo tipo
Ângela Fernandez Porto de Chades
5721
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
integrado apresenta relações menos hierarquizadas, maior diálogo e trânsito entre as
disciplinas e menor controle do processo de transmissão de conhecimentos.
Nas OCNem percebo que a interdisciplinaridade é defendida a partir da
existência de permeabilidade entre as disciplinas, podendo favorecer a interlocução
entre as mesmas. No entanto, essa possibilidade de inter-relação, que configuraria uma
classificação fraca, não garante sozinha um projeto integrador. É preciso considerar que
a integração também depende do grau de participação de professores e alunos sobre a
seleção e a organização dos conhecimentos (enquadramento) Lopes (2008).
Na análise das práticas curriculares do CAp, vem sendo importante investigar os
graus de classificação e enquadramento que movimentam a dinâmica desse contexto
específico. Algumas atividades docentes e discentes realizadas no colégio apontam
experiências em que é possível identificar um enfraquecimento das barreiras
disciplinares – plano integrado, aulas integradas – como, também, práticas colegiadas na
organização da escola – elaboração coletiva de projetos didáticos, reuniões
administrativas e pedagógicas com a presença de alunos e professores etc. Nesse
sentido, Bernstein indica o que para mim é um dos maiores desafios na materialização
desse tipo de currículo: o entendimento de que alterações nos códigos de organização
curricular são, sobretudo, alterações nas relações de poder e de controle. Para tanto, é
preciso
uma
prática
organizacional
que
privilegie
uma
gestão
negociada
potencializadora da experiência de uma autoridade partilhada (Santos, 2006).
A dinâmica dos processos escolares, na medida em que permite acessar outros
caminhos pedagógicos e de socialização democrática, desempenha importante
contribuição para a multiplicação de práticas escolares emancipatórias. Com essa
perspectiva, sinalizo que a integração disciplinar não é somente um projeto
epistemológico alternativo, mas um projeto político, em que as relações entre diferentes
formas de conhecimento existentes no mundo e o diálogo entre elas tornam-se
constitutivos da luta política por relações mais igualitárias (Santos, 2001).
Considerações Finais
O texto das OCNem deixa claro que a integração curricular deveria configurar o
projeto de toda instituição escolar desse país. As experiências cotidianas do CAp vêm
Ângela Fernandez Porto de Chades
5722
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
demonstrando as dificuldades na materialização dessa proposta. Ainda assim, vejo que
os praticantes dessa escola buscam espaços de contato e interação facilitadores de maior
diálogo entre os saberes.
Como vimos, a permanência do modelo disciplinar no currículo não impede que
práticas integradas ocorram. No caso do CAp, isso é facilitado pela criação de espaços
de discussão e planejamento, associados a fatores de ordem administrativa e
pedagógica.
Acredito que as formas com as quais os praticantes da escola constroem seus
currículos resultam de esforços coletivos e de práticas dialógicas, mas também de
disputas por posições de poder. Essas posições de poder parecem estar mais diluídas
numa proposta de currículo integrado.
No caminho dessa pesquisa, compreender as práticas curriculares do CAp me
ajudam a pensar nos limites e possibilidades de construção e permanência do seu
projeto cujas ações coletivas façam parte dos processos de luta por uma escola pautada
em princípios mais democráticos.
Referências Bibliográficas
BERNSTEIN, Basil. A estruturação do Discurso Pedagógico: Classe, códigos e
Controle. Petrópolis: Vozes, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
MEC/SEMTEC, 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes,
1994.
CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctica: del saber sábio ao saber enseñado.
Buenos Aires/Argentina: Aique, 1991.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix – Mil Platôs. São Paulo: Editora 34, Vol. 4,
1997.
GOODSON, Ivor F. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997.
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 7ª ed. 2005.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5723
Integração Curricular: definições oficiais e prática cotidiana
LOPES, Alice Casimiro. Políticas de Integração Curricular. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2008.
LOPES, Alice & MACEDO, Elizabeth. A estabilidade do currículo disciplinar: o caso
das ciências. In: LOPES, Alice C. & MACEDO, Elizabeth (orgs). Disciplinas e
Integração Curricular: História e Políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
MORIN, Edgar. Articular os saberes. In: ALVES, Nilda e GARCIA, Regina Leite
(orgs). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
OLIVEIRA, Inês B.; SGARBI, Paulo. Estudos do cotidiano & Educação. Belo
Horizonte: Autêntica ed, 2008.
SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. São Paulo: Cortez, 2001.
______________________. A gramática do tempo: para uma nova cultura política.
São Paulo: Cortez, 2006.
______________________. Ciência e senso comum. In: SANTOS, Boaventura de
Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989
VEIGA-NETO Alfredo. A ordem das disciplinas. Porto Alegre, 1996. Tese de
Doutorado. Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996.
Ângela Fernandez Porto de Chades
5724
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
REPERCUSSÕES DAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE
PEDAGOGIA: A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
PARA ATUAÇÃO EM AMBIENTES ESCOLARES E
NÃO ESCOLARES
Cláudia da Mota Darós Parente
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
REPERCUSSÕES DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O
CURSO DE PEDAGOGIA: A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA ATUAÇÃO
EM AMBIENTES ESCOLARES E NÃO-ESCOLARES
Cláudia da Mota Darós Parente
Universidade Federal de Sergipe
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discutir os espaços formativos e os
espaços de atuação do pedagogo na atualidade. Para isso, recorre à análise das
Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, enfatizando a referência à atuação
do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares. Ao fazer essa referência, as
Diretrizes Curriculares afirmam a ampliação da atuação do pedagogo para além da
escola e trazem à tona a discussão sobre os projetos pedagógicos do curso de Pedagogia.
Há que repensar os currículos dos cursos de formação de professores, abarcando
inclusive o surgimento e/ou proliferação de outros ambientes sócio-educativos e
culturais, nos quais o pedagogo também poderia oferecer contribuição significativa.
Defende-se que é preciso devolver aos cursos de Pedagogia as demandas sociais das
diferentes instituições sociais, de educação formal e não-formal, de ambientes escolares
e não-escolares. O Curso de Pedagogia deve ser um espaço rico em discussões e
momentos de reflexões sobre a prática e a função do pedagogo nas instituições sociais.
Somente assim, será possível, aos poucos, delinear o novo perfil dos profissionais da
educação.
PALAVRAS-CHAVE: Pedagogo, espaços escolares e não-escolares, diretrizes
curriculares.
Introdução
O presente trabalho discute os espaços formativos e os espaços de atuação do pedagogo
na atualidade, recorrendo à análise das Diretrizes Curriculares para o Curso de
Pedagogia, a qual enfatiza a atuação do pedagogo em ambientes escolares e nãoescolares.
À análise das Diretrizes Curriculares Nacionais soma-se à discussão dos espaços
educativos existentes atualmente na sociedade, os chamados ambientes não-escolares,
Cláudia da Mota Darós Parente
5728
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
compreendidos também como espaços de atuação do pedagogo. Em vista disso, o artigo
incita à análise e/ou revisão dos projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia em
vigor, já que seu histórico nem sempre contemplou a formação dos profissionais da
educação para além dos ambientes escolares.
A formação e a atuação do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares: o que
dizem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
A Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que estabeleceu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, evidencia alguns aspectos
constitutivos da formação do pedagogo, bem como a abrangência dos espaços de sua
atuação em ambientes escolares e não-escolares. (BRASIL, 2006)
Em seu artigo 4º explicita que o curso de Pedagogia forma para a atuação em áreas
diversas daquelas tradicionais no ambiente escolar, ou seja, “em outras áreas nas quais
sejam previstos conhecimentos pedagógicos”, englobando “planejamento, execução,
coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas nãoescolares”, bem como “produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do
campo educacional, em contextos escolares e não-escolares”.
No artigo 5º, reforça que o egresso do Curso de Pedagogia deverá estar apto, entre
outros, a: “trabalhar em espaços escolares e não-escolares na promoção da
aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos
níveis e modalidades do processo educativo”; “participar da gestão das instituições
planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais,
em ambientes escolares e não-escolares”; “realizar pesquisas que proporcionem
conhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que
estes desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de ensinar e de
aprender, em diferentes meios ambiental ecológicos; sobre propostas curriculares; e
sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas”.
No que se refere à estrutura curricular (Artigo 6º), ressalta-se que o Curso de Pedagogia
deve, no Núcleo de Estudos Básicos, entre outros, articular: “aplicação de princípios da
gestão democrática em espaços escolares e não-escolares”; “observação, análise,
planejamento, implementação e avaliação de processos educativos e de experiências
Cláudia da Mota Darós Parente
5729
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
educacionais, em ambientes escolares e não-escolares”; “atenção às questões atinentes à
ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, em âmbitos
escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a
prática educativa”.
No Núcleo de aprofundamento e diversificação dos estudos, deve-se possibilitar ao
estudante de Pedagogia, entre outros: “investigações sobre processos educativos e
gestoriais, em diferentes situações institucionais: escolares, comunitárias, assistenciais,
empresariais e outras”. (Artigo 6º)
No Núcleo de Estudos Integradores (Artigo 6º), deve-se proporcionar, entre outros:
“atividades práticas, de modo a propiciar vivências, nas mais diferentes áreas do campo
educacional, assegurando aprofundamentos e diversificação de estudos, experiências e
utilização de recursos pedagógicos”.
No que se refere propriamente ao estágio curricular, as Diretrizes Curriculares ressaltam
a obrigatoriedade de
300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando
também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto
pedagógico da instituição. (Artigo 7º)
Mais adiante reforça que a integralização dos estudos, será feita, entre outros, por meio
de:
estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar
aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes
escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas,
conhecimentos e competências:
a) na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
prioritariamente;
b) nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal;
c) na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar;
d) na Educação de Jovens e Adultos;
e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no
planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação
de atividades e projetos educativos;
f) em reuniões de formação pedagógica. (Artigo 8º)
A análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia leva à
compreensão de que o Projeto Pedagógico da instituição de educação superior deve
prever que parte da carga horária do estágio deva ser realizada em outros ambientes, os
chamados “não-escolares”.
Cláudia da Mota Darós Parente
5730
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
Diante das indicações legais, compreende-se que a formação do pedagogo para atuação
em ambientes escolares e não-escolares – objeto deste estudo - deve ser vista como uma
construção sócio-histórica, o que significa também identificar as demandas e
necessidades sociais em relação ao profissional da educação.
Analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia e questionar os
projetos pedagógicos dos referidos cursos, significa incitar reflexões sobre a própria
noção de currículo e sociedade. O currículo é um elemento de organização da instituição
de ensino. Entre outros, é resultado das determinações sócio-históricas, econômicas,
políticas e culturais. Analisar o curso de Pedagogia a partir desta vertente, significa
recorrer à análise das forças internas e externas à instituição de ensino na formatação e
consolidação do currículo. (SILVA, 2007; APPLE, 1982).
Espaços Formativos e Espaços de Atuação do Pedagogo: apontamentos para
discussão dos projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia
A formação dos profissionais que atuam na área educacional sempre foi alvo de muitas
discussões. Entre os principais tópicos debatidos: os requisitos mínimos para atuação
profissional, o espaço mais adequado para que ocorra essa formação, os conteúdos e
competências necessários ao Pedagogo, as exigências de continuidade, a diversidade
dos campos de atuação, a necessidade de linhas e enfoques diferenciados, a constituição
do ser-professor. (ARROYO, 2002; PIMENTA, 1999) Essas são questões que já vêm
sendo amplamente debatidas principalmente no campo da educação básica.
No entanto, deve-se atentar para o fato de que a discussão sobre a formação dos
profissionais da educação deve antes privilegiar a discussão sobre a ampliação dos
espaços formativos e educativos existentes na sociedade, o que conduzirá a uma
reflexão do perfil do educador para esses diversos contextos.
É imprescindível uma discussão acerca da formação dos profissionais da educação para
atuação em ambientes escolares e não-escolares, verificando-se a existência (ou não) de
novas exigências de formação, diante da proliferação de instituições que atuam na
educação não-formal, ou, mais genericamente chamadas de ambientes não-escolares.
Essa discussão pauta-se em alguns questionamentos principais:
Cláudia da Mota Darós Parente
5731
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
- Quando nos referimos a ambientes não-escolares, que tipos de espaços e ambientes
estamos considerando?
- Se pudéssemos mapear os ambientes escolares e não-escolares, quais seriam os
principais espaços de atuação do Pedagogo na atualidade?
- Com base nesse mapeamento, seriam necessárias alterações (ou não) nos Projetos
Pedagógicos dos Cursos de Pedagogia, nos Planos de ensino das disciplinas, de modo a
contemplar discussões que compreendam a atuação do Pedagogo nestes diferentes
espaços?
- Em que medida os professores do curso de Pedagogia consideram a atuação do
pedagogo em ambientes escolares e não-escolares?
A bibliografia da área indica que as relações entre Estado e sociedade civil possibilitam
repensar a sociedade e suas formas de organização. No que se refere à educação, podese verificar o surgimento de diferentes iniciativas da sociedade civil no âmbito
educacional, muitas delas desenvolvidas paralelamente e/ou de forma complementar à
oferta da educação formal sob a responsabilidade dos sistemas de ensino.
O desenvolvimento de iniciativas educacionais no âmbito do terceiro setor na área de
educação trouxe inúmeras divergências e dicotomias, muitas delas decorrentes dos
temores a respeito da diminuição do papel do Estado. (GRACINDO, 1997)
Nesse contexto de diminuição do Estado, as políticas sociais de caráter universalista
perderam espaço e passaram a ser substituídas por políticas que focalizassem clientelas
específicas ou políticas emergenciais de combate à pobreza (GOHN, 2005;
ABRANCHES, 1987) Essa particularização levou necessariamente a uma nova
configuração das demandas e dos atores que coordenavam e que reivindicavam as
políticas sociais. Isso porque, em certa medida, a defesa das minorias e dos grupos
sociais marginalizados e excluídos passa pela sociedade civil, pelos movimentos sociais.
E quem passa a gerenciar estas políticas? São as novas parcerias entre o
Estado e a comunidade organizada, no setor público não-estatal, lócus dos
novos espaços de negociação e de conflito social e das práticas da educação
não-formal. (GOHN, 2005, p. 12)
A autora ressalta que períodos de crise não levam apenas a catástrofes, mas também a
formas de resistências e inovações. Ou seja, a crise vivida no Brasil, sobretudo nas
Cláudia da Mota Darós Parente
5732
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
últimas décadas do século XX, possibilitou o fortalecimento do associativismo e da
organização popular:
(...) novas formas de gestão dos negócios públicos, em políticas de parceria
entre
entidades da sociedade civil e governos; novas formas de fazer política entre
os movimentos sociais rurais, com o uso de recursos da mídia e de espaços
urbanos para dar visibilidade às ações; e novas articulações entre ONGs,
governos e empresários, no chamado terceiro setor da economia (...) As
novas ONGs passaram a atuar como mediadoras de ações desenvolvidas em
parceria entre setores da comunidade local organizada, secretarias e
aparelhos do poder público, segundo programas estruturados para áreas
sociais como: educação, saúde, saneamento, meio ambiente, geração de
renda etc. Ou seja, as ONGs, via terceiro setor, entraram para a agenda das
políticas sociais. (p. 15)
Autores como Gohn (2005) e Nogueira (2004), ao discutirem as relações entre Estado e
sociedade civil, contextualizando as transformações econômicas, políticas e sociais,
mostram as condições específicas para o fortalecimento do terceiro setor ou de meios
não-estatais para minimização dos problemas sociais. Também promovem rico debate
sobre as possibilidades e alternativas de repensar tais relações de forma mais positiva.
Em meio ao contexto de diminuição do Estado em virtude do ideário neoliberal e do
crescimento das ações não-estatais, muitos acabam por defender que o Estado se isente
de suas funções históricas, fazendo apologias à sociedade civil em detrimento do
Estado. Entretanto, deve-se atentar para o fato de que a sociedade civil está impregnada
de diferenças e antagonismos.
A sociedade civil não é a extensão mecânica da cidadania política ou da vida
democrática. Longe de ser um âmbito universal, é um território de interesses
que se contrapõem e que só podem compor-se mediante ações políticas
deliberadas. Não é uma área social organizada exclusivamente pelos bons
valores ou pelos interesses mais justos, mas um terreno que também abriga
interesses escusos, idéias perversas e valores egoísticos, no qual podem se
desenvolver muitas atitudes e condutas ‘incivis’. Destacada do Estado e
concebida como campo oposto e não integrado a ele, a sociedade civil
converte-se em terra de ninguém. (NOGUEIRA, 2004, p. 111)
No Brasil, no setor educacional, o papel da sociedade civil organizada cresceu
significativamente a partir dos anos de 1990, devido ao desenvolvimento do terceiro
setor. De acordo com Fernandes (2005),
Cláudia da Mota Darós Parente
5733
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
O Terceiro setor é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e
mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito nãogovernamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da
filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios,
graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas
múltiplas manifestações na sociedade civil. (p. 27)
A construção de projetos e alternativas que dêem conta das necessidades e demandas
sociais por educação é premente. Em cada momento histórico, essas demandas e suas
motivações modificam-se diante da diversidade de fatores que interferem nessa
formação.
No campo da educação, as organizações da sociedade civil tiveram um espaço
importante na educação não-formal. A educação não-formal refere-se às ações
educativas diretas que a cidade oferece, por meio daquelas instituições, atividades,
meios, âmbitos de educação que, não sendo escolares, têm determinados objetivos
educativos e ocorre de forma sistematizada. Ela pode ocorrer através de instituições
públicas ou privadas que atendem públicos específicos (crianças, jovens e/ou adultos) e
com finalidades específicas (prestar assistência social, promover saúde, lazer e
entretenimento, favorecer as manifestações culturais, complementar as ações da escola
etc). (GOHN, 2005; TRILLA, 1993)
Nesse contexto de ampliação dos espaços formativos, chama a atenção a ausência de
diálogo entre as instituições de educação formal e as de educação não-formal, sejam
elas mantidas pelo Poder Público ou por instituições do terceiro setor. As escolas e seus
profissionais desconhecem, muitas vezes, o fato de que seus alunos freqüentam outros
ambientes educativos, que aprendem outros saberes, que desenvolvem outras
habilidades. Por sua vez, as instituições não-formais, muitas vezes, evitam o diálogo e
fecham-se no assistencialismo que ainda figura em várias instituições.
Daí a importância de estimular que o estudante de Pedagogia veja nestes espaços mais
um campo de atuação profissional e que durante o desenvolvimento de suas práticas e
competências, seja estimulado a construir propostas que promovam o diálogo entre os
diferentes tipos de ambientes educativos.
As relações entre Estado e sociedade civil não são vistas de forma negativa, mas de
forma crítica. O crescimento das instituições educativas no contexto do terceiro setor é
compreendido dentro de um movimento econômico, político e social. Entende-se que
esse crescimento está associado a diferentes intencionalidades e objetivos, a diferentes
Cláudia da Mota Darós Parente
5734
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
atores e demandas. É nesse contexto sócio-político, econômico e cultural que
procuramos entender as diretrizes curriculares do curso de Pedagogia e suas
repercussões nos diferentes projetos pedagógico em curso.
As instituições de ensino superior não podem negar à sociedade a inserção do pedagogo
nos espaços não-escolares sob a alegação de não desejarem compactuar com políticas
neoliberais. Há muitos projetos sócio-educativos sendo consolidados na contramão das
políticas neoliberais e que, justamente, necessitam da responsabilização das instituições
formadoras. Se não for o pedagogo o responsável por organizar a ação educativa
existente em determinada instituição não-escolar, quem o fará?
Além disso, compreende-se que, onde quer que exista a função educativa, há espaço
para a atuação do pedagogo. Para isso, é preciso que o estudante de pedagogia vivencie
e experimente as mais diferentes práticas pedagógicas e conheça as mais variadas
instituições sócio-educativas onde possa atuar ao mesmo reconhecer as aproximações,
intersecções e diálogos entre elas.
Considerações Finais
No âmbito dos cursos de formação de professores têm sido poucas as discussões sobre a
atuação do pedagogo em ambientes escolares e não-escolares. Justificar que isso ocorre
devido ao caráter indissociável da formação do pedagogo (ou seja, de que formar para o
ambiente escolar seria formar para atuar em qualquer ambiente) é não ver as nuances, as
transformações e as características sócio-históricas da profissão e das próprias
instituições sociais.
Sabe-se que a formação do pedagogo deve ser permanente. No entanto, a formação
inicial, por meio da graduação, é temporalmente definida e é desse tempo que o aluno
dispõe, sob orientação de seus professores, para preparar-se adequadamente e exercitar
os conhecimentos, práticas e competências adquiridas.
Mas não basta que as instituições de educação superior simplesmente indiquem a
realização de estágios em ambientes escolares e não-escolares. É importante que o
Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia passe a incorporar discussões sobre as
relações entre Estado e sociedade civil, o desenvolvimento do Terceiro Setor, educação
e movimentos sociais, organizações da sociedade civil, entre outros. São estes alguns
Cláudia da Mota Darós Parente
5735
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
dos temas que podem auxiliar os alunos no entendimento da ampliação do próprio papel
do Pedagogo na sociedade atual e das transformações nas funções das várias instituições
sociais.
Com base nas discussões apresentadas defende-se que é preciso devolver aos cursos de
Pedagogia as demandas e necessidades sociais das diferentes instituições sociais, de
educação formal e não-formal, de ambientes escolares e não-escolares.
O Curso de Pedagogia deve ser um espaço rico em discussões e momentos de reflexões
sobre a própria prática e a própria função do pedagogo nas instituições sociais. Somente
assim, será possível, aos poucos, delinear o novo perfil dos profissionais da educação.
Cláudia da Mota Darós Parente
5736
Repercussões das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: a formação do pedagogo para
atuação em ambientes escolares e não escolares
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TRILLA, Jaume. La educación fuera de la escuela: ámbitos no formales y
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Cláudia da Mota Darós Parente
5737
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
IMAGENS E NARRATIVAS DE EDUCADORESPESQUISADORES: COMPARTILHANDO
EXPERIÊNCIAS DE UMA PEDAGOGIA
VIVENCIAL PARA (AUTO)FORMAÇÃO
HUMANESCENTE
Evanir de Oliveira Pinheiro
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
IMAGENS E NARRATIVAS DE EDUCADORES-PESQUISADORES:
COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS DE UMA PEDAGOGIA VIVENCIAL
PARA (AUTO)FORMAÇÃO HUMANESCENTE
Profª Ms. Evanir de Oliveira Pinheiro
BACOR - PPGEd – UFRN
[email protected]
RESUMO: Nesse trabalho discutimos as finalidades dos discursos da qualidade total
em educação e destacamos as implicações dos interesses políticos e econômicos na
formação humana dos educadores. Com ênfase nesse processo de formação,
interpretamos algumas experiências humanescentes vivenciadas no semestre 2009. 1
com os educadores-pesquisadores da Linha de Pesquisa Corporeidade e Educação
(BACOR/UFRN) a partir dos olhares de Morin (2007), Moraes (2008), Maturana e
Varela (2001), Freire (1996) e Merleaut-Ponty (1999;1984). Elegemos momentos
vividos por três educadores-pesquisadores da Linha, vivenciados com o jogo de areia ou
sandplay e com produções plásticas de massa de modelar. “As atividades foram
estratégias pedagógicas para criação de cenários lúdico-reflexivos”, a fim de promover
o sentipensar dos sujeitos sobre ludicidade e formação humana. A partir das narrativas
dos educadores-pesquisadores, visualizamos uma Pedagogia de formação humana na
Pós-graduação e nos demais seguimentos de ensino, distanciada do formalismo técnico
e autoritário de pesquisa e de formação docente, uma prática humanescente de
aprendizagem para uma educação para vida.
PALAVRAS-CHAVE: Atelier; (auto)formação; humanescente; vivência.
1- O que podemos considerar como educação de qualidade nas turbulências
dos dias atuais?
A antiga retórica da qualidade de ensino ecoa nos discursos dos diversos âmbitos
políticos, educacionais e sociais, assumindo significados contraditórios e/ou dramáticos
por partes de personagens que se utilizam de seus “palanques” para apregoar um
modelo de educação sem muitas vezes abrir mão do conservadorismo intelectual e
Evanir de Oliveira Pinheiro
5741
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
autoritário que o constitui. Usam máscaras de homens intelectuais, figuras ilustres de
“boas intenções” econômicas e sócio-culturais.
Gentili (1995) nos lembra sobre as finalidades desses discursos da qualidade total
em educação e destaca os interesses políticos e econômicos que afetam a estruturas
pedagógicas, ao importar modelos de caráter empresarial para o setor de ensino. Ou
seja, a qualidade de ensino emerge numa política educacional com fins de manutenção e
produtividade do mercado, em que educadores e educandos compõem a máquina de um
sistema de consumo, denominado “democracia social”.
O que está em questão, não é apenas o tipo do discurso, mas os significados em que
eles se inserem. Os desdobramentos que eles produzem nos conceitos de educar e de
aprender, a noção de educando e educador, o sentido de práticas educativas e
curriculares, e, sobretudo, no “para quê” desse modelo de educação.
Observando as palavras de Gentili (1995, p.177) de que [...] “qualidade na educação
para poucos, não é qualidade, é privilégio”; o sentido de “qualidade” nesse caso nos
remete a refletir sobre o papel que um determinado modelo político educacional exerce
historicamente sobre a qualidade de vida de minorias privilegiadas e sobre a grande
maioria excludente em nossa sociedade capitalista.
Entre tantos discursos que ouvimos desde os bancos escolares aos palanques
políticos, um bastante conservador inquieta nossa memória: a função da escola é formar
cidadãos participativos e comprometidos com a sociedade, cumpridor dos seus deveres
e fies a sua pátria. Nesse instante nos vem à lembrança as vozes dos nossos antigos
mestres e dos versos impressos em nossos livros escolares. Entendíamos então, que a
educação nos formaria homens de bem que por sua vez, serviriam a sua pátria.
Sentíamos até alegria em cantar animadamente na sala de aula a famosa música: - Eu ti
amo meu Brasil, eu ti amo, meu coração é verde amarelo, branco, azul anil...
Éramos crianças presas de um sistema controlador que nos impedia de expressarmos
nossas idéias, de pensar e repensar criticamente o mundo que nos cercava. Também,
com tantas cópias para fazer, com tantas matérias para decorar e provas e testes para
enfrentar, não sobrava tempo para olhar a vida que passava. A banda passou e fomos
proibidos de segui-la ao som de sua irreverente musicalidade.
Hoje, na qualidade de educadora-pesquisadora, entendemos porque não suportamos
ouvir mais canções patriotas. Embora tenhamos uma formação na área de Artes, nos
Evanir de Oliveira Pinheiro
5742
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
reservamos a expressar uma outra musicalidade em que nossa expressão estética seja
livre e consciente. Se antes, o sentido de formação educativa intensificava formar
sujeitos dóceis a serviço da nação, será que hoje as políticas de ensino mudaram ou
transcenderam desse propósito?
Deixando de lado, a retórica das críticas as práticas educacionais da infância,
dirigimos nosso olhar sobre o que Arroyo (2002) a respeito das lutas dos professores
por melhores condições de ensino e de trabalho ao longo da história da educação
brasileira. O autor destaca que houve um processo de auto-educação por parte da
categoria em relação a consciência política e social.
Segundo ele nos professores foi aumentando a preocupação sobre seus direitos e
compromissos políticos e diminuindo a ênfase sobre a competência técnica que outros
proclamavam. Um novo perfil de professores foi se formando sob diferentes
manifestações.
Arroyo(2002) nos mostra que esses processos de politização da classe docente
vieram das universidades, de outros sindicatos e dos partidos políticos e geraram grupos
partidários de grande influência sobre as visões dos professores especialmente da
educação básica em torno da análise da lógica do capital, da ideologia neoliberal e da
estrutura produtiva. De forma concomitante, o processo de politização e de
conscientização foram se desenvolvendo junto a história de reorganização da categoria
dos professores na pluralidade de suas expressões e afirmações.
O dado fundamental que queremos destacar nesse contexto de formação política da
classe de professores, é o mesmo ressaltado por Arroyo (2002, p.205): [...] ”até que ponto
nesses processos redefiniu sua autoconsciência e avançou ns conscientização profissional? “
Arroyo (2002, p. 205) argumenta que encontramos profissionais tão politizados, mas
que desprezam o fazer cotidiano, a qualificação para a prática educativa. Ele declara:
[...] a ênfase tão centrada na consciência política que descuidou da
consciência profissional, que marginalizou a escola, o seu fazer, suas
cotidianas e velhas questões como se fossem meros produtos de
estruturas e de lógicas maiores, de mecanismos externos à escola.
Diríamos que nos descuidamos também de nossa formação humana e como esta tem
sido afetada ou afeta nossa autoconsciência de educação e de aprendizagem.
Evanir de Oliveira Pinheiro
5743
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
Não é nossa pretensão ou interesse nesse trabalho discutir alargamente as
fragmentações da formação política da categoria docente, mas trazer o enfoque de que
os nossos processos de politização ou despolitização expressam os contextos históricos
e perceptivos de nossa corporeidade. Isto é, como profissionais da educação, a
identidade profissional, se insere numa corporificação de saberes e fazeres que
manifestam a inteireza humana. Precisamos atentar para a imprudência que nós mesmos
temos com a reflexão sobre a nossa formação humanescentei.
Há um século e meio Marx e Engels gritavam em favor das classes
trabalhadoras do mundo contra a sua espoliação. Agora, necessária e
urgente que nos atinge, a da negação de nós mesmos como seres
humanos submetidos à fereza da ética do mercado (FREIRE, 1996, P.
145).
Freire (1996) nos remete a pensar que qualquer teoria da transformação políticasocial do mundo que não reconheça os legítimos interesses humanos, que não reconheça
a educação a partir da liberdade do ser e da ética humana, se reveste em privilégio de
poucos e na submissão da maioria excludente em função da ética de lucro. Para ele a
educação é ideológica, mas sua ideologia não pode está a serviço do mercado e sim a
serviço da vida.
A nossa presença no mundo não se insere como profissionais de uma área
especializada, sujeitos a adaptar-se a um sistema que oprime corpo e alma, mente e
espírito.
Como seres humanos nós estamos expostos às adversidades que
cotidianamente põem em xeque nossa criatividade e sabedoria de lidar com elas e
supera-las. Por isso, mesmo correndo o risco de sermos tachados de sonhadores e
idealistas, assim como Paulo Freire nos recusamos a compactuar com os progressos
científicos e tecnológicos, que permeiam as pesquisas em educação e os programas de
formação docente, que não reconhecem a necessidade de priorizar os interesses
humanos nas suas relações entre vida e processos de ensino-aprendizagem.
Talvez possa soar estranho para alguns, falar de vida quando se discute práticas de
educação e políticas educacionais, entretanto, a escola que temos, traduz o que somos o
que pensamos e o que sentimos sobre educar e aprender. Não podemos mais nos omitir
a necessidade de considerar a intima ligação entre vida e aprendizagem que brilhantes
Evanir de Oliveira Pinheiro
5744
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
Neurocientistas como Humberto Maturana e Francisco Varela, nos mostram em suas
pesquisas sobre o fenômeno da autopoieseii, como um processo de auto-refazimento e
auto-organização do ser humano em suas interações com o outro e o meio.
A formação humana como um processo autopoiético, remete a atualizarmos os
conceitos de ensino-aprendizagem em todas as áreas e níveis de ensino a partir do
reconhecimento da emergência de uma eco-formação, de uma educação para a vida
como proclamam ardentemente Moraes (2008, 2003), Morin (2007), Boff (2002) e
Mariotti (2001).
Nosso Mestre Paulo Freire já dizia em seu pequeno, porém, célebre livro “A
Pedagogia da Autonomia”, de que “Ensinar é uma especificidade humana”(FREIRE,
1996, p.102). Além disso, afirmava de que educar exige alegria e esperança e que para
isso, implicava diminuir as razões objetivas de desesperança que nos imobiliza
diariamente no exercício da docência.
Padilha (2007) com base no pensamento freireano, argumenta que uma educação
para a vida, para a satisfação individual e coletiva, que possibilite um contato sensível e
consciente com o belo e uma postura de cuidado com o planeta, requer uma educação
que forme para o exercício da cidadania ativa, para um ciclo da vida mais feliz e para a
busca de alternativas eco-pedagógicas.
O próprio Freire (1996) admitia que a educação não podia resolver todos os
problemas do homem e da sociedade, mas que todos esses problemas de um modo ou de
outro, passavam por ela. Padilha (2008, p.65) acrescenta que a qualidade na educação
pressupõe além da vigilância as políticas publicas, o repúdio ao descuido com todas as
formas de vida. Ele ainda ressalta:
[...] necessário é, na sociedade e no âmbito das práticas educacionais,
o exercício permanente da convivência respeitosa, democrática,
solidária, amorosa, gentil e colaborativa, onde todos trabalham pelo
bem de todos. Uma educação que vivencie esses valores, entre tantos
outros, merece o nosso sim. E isso é também falar em qualidade
sociocultural e sócio-ambiental.
Uma eco-pedagogia transcende da formação profissional, considera as estruturas
pelas quais nos constituímos humanos e não apenas docentes ou profissionais da
Evanir de Oliveira Pinheiro
5745
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
educação. Uma educação que favoreça a qualidade de vida tão pregada hoje em dia em
prol da vida no planeta, requer um processo de humanização das práticas de formação
docente, o que implica a (auto)formação humanescente dos educadores.
Evidentemente, que titulações podem nos fazer mais intelectuais em alguns
assuntos, porém não garantem o desenvolvimento da sensibilidade, da amorosidade, da
alegria e da esperança de saber ser e saber-fazer docente. Infelizmente, o que vemos é
uma crescente arrogância e prepotência nos contextos de ensino e pesquisa, a
produtividade intelectual sobrepuja a sensibilidade e solidariedade humana, daqueles
que são formadores não de meros profissionais da educação, mas de seres humanos. A
violência silenciosa ou verbal é expressa nas atitudes de controle e de autoritarismos por
parte dos professores especialmente nos níveis de ensino superior e da pós-graduação.
Lembramos que “Educar exige a corporeificação pelo exemplo”, assim afirmou
Freire (1996). Tanto os professores como os alunos, se tornam parceiros ou inimigos
nos contextos de ensino-aprendizagem. Configuram-se seres humanos que se toleram,
criando máscaras para conviver numa “harmonia” superficial ou produzindo couraças
para se defenderem como podem das opressões do outro, sem tomarem consciência
disso. A negação do outro, expressa o próprio desconhecimento de sua humanescência,
como bem evoca Maturana e Verden-Zoller (2004), na bela obra Amar e brincar.
Esse desconhecimento de si repercute no distanciamento do outro, por meio de
atitudes e ações. Os modos de ser e de fazer, conviver e conhecer, que manifestamos
nas atitudes do educar e do aprender, revelam que encarnamos em nossa corporeidade o
vivido e não apenas as informações que nos repassam. Freire (1996) já nos advertia
que ensinar não é transmissão de conhecimentos, enquanto que Maturana (1995)
acrescenta que aprendemos na corporificação das atitudes que reconstruímos
incessantemente nas relações com o outro e o meio. As atitudes expressam o
comportamento humano na sua ação no mundo conforme destaca Merleaut-Ponty
(1994).
E a partir desse foco sobre a corporeidade humana que queremos discutir a
qualidade de educação que defendemos. Não temos a pretensão de ditar um modelo
educacional, ou dar resposta para os problemas das práticas de ensino-aprendizagem,
mas refletirmos as possibilidades de uma educação para a (auto) formação
humanescente, a partir de uma proposta de Pedagogia Vivencial lúdico-reflexiva que a
Evanir de Oliveira Pinheiro
5746
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
Linha de Pesquisa Corporeidade e Educação, vem desenvolvendo no Programa de Pósgraduação em Educação da UFRN.
O núcleo, há quase vinte anos, vem desenvolvendo no PPGEd ateliês e seminários
sobre uma séries de temas da formação humana que tem por finalidade contribuir nos
processos de auto-eco-formação e heteroformaçãoiii dos sujeitos. O núcleo de pesquisa
tem alcançado novos patamares do processo formativo dos indivíduos, embora tenha
também suas limitações.
Nesse trabalho, elegemos algumas experiências vivenciadas no semestre 2009. 1
com os educadores-pesquisadores que fazem parte da BACOR1, no sentido de descrever
e interpretar especialmente a partir dos olhares de Morin (2007), Moraes (2008, 2003),
Maturana e Varela (2001), Freire (1996) e Merleaut-Ponty (1999;1984), as experiências
humanescentes vividas por Mestrandos e Doutorandos da linha.
Como pesquisadora-pesquisadora participante do atelier, consideramos que é
mensuravelmente impossível interpretar com propriedades tudo o que vivemos,
sentimos e apreendemos nesse contexto. Para da conta de tal desafio, mencionaremos
nossas próprias vivências e sensações, buscando interpretar as manifestações dos outros
com os quais vivenciamos interações interpessoais e inter-culturais.
Não se trata de apenas profissionais da educação que se envolveram num
trabalho em função de suas particularidades acadêmicas, mas na verdade, de aprendizes
que dialogam de forma aberta com as ciências humanas, com a arte, a literatura, a
poesia e a experiência espiritual.
2-A teia teórico-metodológica da experiência
Nóvoa (1995, p.116) deixa evidente a incapacidade de se pensar a educação dos
adultos fora de uma perspectiva de [...] " de reflexividade crítica e assumir que
"ninguém forma ninguém" e que "a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão
de vários saberes que o constitui. Essa multiplicidade de saberes é reconstruída de
modo singular por parte de cada docente. Ocorre que muitas vezes os sujeitos não se
envolvem por inteiro no trabalho e por isso, não conseguem perceber ou efetivar o papel
que tem como pesquisadores de suas próprias práticas.
1
Chamaremos de BACOR a Linha de Corporeidade e Educação do PPGEd da UFRN.
Evanir de Oliveira Pinheiro
5747
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
A partir de Morin (2007) e de Merleaut-Ponty (1994), entendemos que a
corporeidade de cada educador, expressa sua inteireza humana em sua complexidade.
Assim, embora tenham personalidades singulares e distintas, se enriquecem e se
constroem nos seus modos de educar e aprender, e se refazem constantemente sobre as
circunstancias que desafiam as suas habilidades e criatividades de administrar a vida
pessoal e profissional.
A participação de um sujeito no processo de ensino-aprendizagem num atelier ou
seminário vai além de suas ações de estudo e de colaboração conjunta nos processos
investigativos, pois envolve seus modos de ser e de pensar impregnados em sua
corporeidade e não apenas nas suas habilidades profissionais.
Mediante uma proposta de estudo, o individuo antes de se envolver na experiência
investigativa precisar sentir auto-satisfação em participar da mesma, agregá-la a um
sentido maior em relação a sua vida, mesmo que esta seja realizada no seu contexto de
trabalho. Do contrário, o envolvimento poderá se traduzir numa mera participação
“imposta” ou aceita em função do outro e não do próprio sujeito em questão.
Como enfatiza Araújo (2008, p.77):
A nervura das afecções humanas, com suas potencias mobilizadoras,
tanto podem se desdobrar na fecundez de posturas e atitudes criadoras,
como podem descambar na destrutividade de posturas dilapidantes.
Ou seja, um corpo comprimido tende a ser recalcado pelas normas institucionais,
pelos estatutos e dogmas morais, encavernado pelos espectros do medo, se encolhe e
não se potencializa. Todo o corpo do educador precisa se engajar, com autonomia e
liberdade para fluir com criticidade o exercício da docência, para isso, as ações de
aprendizagem precisam atrair seus interesses, atender suas necessidades pessoais e
profissionais. O encantamento da liberdade do jogo lúdico permite viver experiências
estéticas significativas, pois a ludicidade conforme nos lembra huinzinga (2001) tem
um fim em si mesma em função do sujeito que a produz e a recria.
Com base em Morin (2007), Moraes (2003), Maturana & Varela (1997),
compreendemos a formação humana como um sistema auto-eco-organizativo cultural e
histórico que continuamente resulta em transformações internas de suas estruturas de
modo singular, que desencadeia modificações externas no meio ambiente. Ressaltando
Evanir de Oliveira Pinheiro
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
que nessas interações os indivíduos se auto-organizam continuamente sem perder sua
singularidade, apesar da diversidade de referenciais que o cerca, posto que não as
absorva passivamente, mas as reconstrói enquanto sujeito gestor do seu saber-ser e
saber-fazer.
Utilizamos nas vivencias o jogo de areia ou sandplay, como estratégia pedagógica.
O mesmo criado por Dora Kalff, analista de orientação junguiana, e originalmente
concebido para ser uma técnica terapêutica no contexto da Psicologia Analítica. O jogo
representa uma metodologia não verbal de psicoterapia (AMMANN, 2004), porém, o
uso desse recurso como metodologia pedagógica, é recente sendo desenvolvido na
BACOR/UFRN não como recurso terapêutico, mas com o foco de ensinar-aprender.
O método utiliza uma caixa de areia e miniaturas para criação de “cenários” das
concepções de mundo, exploração do eu interior e provocar problematizações consigo e
com o outro, sobre uma temática ou conceito. Essa metodologia denominamos de
caráter lúdico-reflexivo e não a utilizamos como atividade terapêutica.
Segundo Cavalcanti (2008), o Jogo de Areia é uma ferramenta metodológica de
caráter transdisciplinar que facilita a verbalização, utilizada como estratégia
educacional, tanto na produção de conhecimento como no processo investigativo que
possibilita o fluir da imaginação, ludicidade, criatividade e reflexividade.
Também utilizamos a modelagem com massinhas industriais e caseiras, com
vários matérias brilhantes como miçangas, pedras e uma diversidade de recursos
plásticos, para instigar a tatilidade sensorial dos partícipes. Nessa atividade não apenas
as mãos, mas todo o corpo vive o fenômeno de apreensão perceptiva, por meio das
interações sensitivas e cinestésicas com as texturas, com os aromas das massas
artesanais produzidas por nossa orientadora.
De acordo com Montagu, (1988) e Condillac, (1993), esses fenômenos táteis e
sensoriais, são singulares por parte de cada sujeito, pois estão intimamente relacionados
com a corporeidade de cada ser, pela qualidade e quantidade das emoções que se revela
e se vivencia no mundo.
Também por meio de registros reflexivos, os educadores relatam de forma
escrita suas vivencias e compartilham com o grupo utilizando colagens, desenhos que
ilustram ou compõem o imaginário de suas auto-análises e percepções sobre as
experiências vivenciadas.
Evanir de Oliveira Pinheiro
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
3-
Compartilhando
experiências
lúdico-reflexivas
de
educadores-
pesquisadores
O grupo de educadores-pesquisadores é composto por mais de 30 pessoas entre
alunos regulares do Mestrado e do Doutorado da BACOR como alunos especiais.
Infelizmente não é possivel expor todas as memórias lúdicas do grupo (fig. 06),
como
sujeito dessas vivências, percebemos a beleza dos cenários, iluminando o
ambiente e alimentando os corações abertos, de modo registramos com zelo as
narrativas de vários parceiros.
Nesse trabalho selecionamos três momentos vividos para compor nossa narrativa
reflexiva. Esses momentos serão mediados pela inspiração com o nosso Mestre Paulo
Freire, num processo de sentipensar (MORAES & LATORRE, 2004) os registros do
vivido e do aprendido com nossos parceiros educadores do atelier.
No primeiro momento, apreciaremos as memórias lúdicas de três educadores a
partir de suas narrativas sobre os cenários que produziram nos seus Jogos de Areia
(figuras 01 e 02).
No segundo momento, nossa apreciação será nas produções plásticas com massas
de modelar, de dois educadores sobre os pilares da educação.
No terceiro momento, estaremos ouvindo as avaliações desses educadores sobre
essas experiências vivenciadas.
3.1-Ensinar exige alegria e esperança: as memórias lúdicas o que recordamos e
apreendemos como seres humanos (ver fig 01 e fig. 02):
Vivenciar com esses parceiros momentos de descobertas profundas, sobre nossas
memórias lúdicas na infância nos amadureceu como ser humano e profissional. A forma
como cada partícipe produzia suas simbolizações na caixa de areia (sandplay) emergiam
relações estéticas que singularmente expressava a dimensão artística de cada ser
representar seus conceitos e sentimentos, suas narrativas e suas memórias lúdicas. Isso
nos acendeu as chamas da esperança de que é possível aprender com alegria conectando
ludicidade e ciência como defende Negrini (2001).
Abaixo selecionamos recortes de duas memórias lúdicas:
Evanir de Oliveira Pinheiro
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
Educadora Terra (figura 01) -Representar minhas memórias lúdicas se reveste
num prazer desafiador de explorar as linhas, formas, cores, texturas e volumes que
desenham contextos biofísicos e sócio-históricos de minha corporeidade. Das flores
prateadas, nasce o perfume da alegria de viver que exala da abertura do meu coração.
As cores e formas que as areias produzem, são minhas ações e intenções de promover
essa ludicidade vital no ir e vir das experiências nos contextos em que me insere. O
amarelo é a energia, a força que irradia e se mescla ao azul da alegria que se
confundem no verde turquesa que deságua sobre as pedras que intentam me prender e
me obstruir. Porém a corrente turquesa as carregam no fluxo de uma enxurrada de
desejos e conquistas, quebram, retiram ou separaram as pedras. Ei assim que aço das
pedras meus jogos de aprender a viver com e intensidade em meio aos desafios
impostos pelas normas padrões da sociedade e das condições machistas e puritanas de
ser mulher e criança.
As narrativas das recordações mais encantadas da infância de nossos parceiros nos
transportaram as nossas memórias infantes, as caminhadas descalças sobre as areias
macias e folhas secas dos cajueiros, das mangueiras do enorme quintal de minha avó
paterna. Sentimos o gosto das cirigoelas frescas e doces tiradas do pé, ouvimos os risos
dos nossos irmãos por trás das bananeiras carregadas de frutos dourados e perfumados.
A Educadora Fogo revela suas memórias lúdicas com muita emoção (ver figura
02): Procurei expor a minha infância que foi marcada pelos momentos mais felizes de
minha vida. Separei a travessa em três partes para poder citar pelo menos três
acontecimentos vividos por mim. Na 1ª parte relato os domingos de encontros com
minha família. Eram domingos maravilhosos, acordávamos cedo para ir para casa dos
meus avôs Abigail e Antônio,
encontrava meus primos e logo começava as
brincadeiras [...] Adorava ver minha família junta, rindo, conversando, planejando as
viagens para o interior. Na 2ª parte,relato a visita aos parentes, à barragem, ao
lajeiro, eu brincava com os primos, a noite tinha a festa da padroeira com parques,
barracas, som. Todo ano fazíamos esse encontrão da família. Na 3ª parte relato meus
momentos na escola Instituto Sagrada Família. Estudei quase toda a minha vida nesse
colégio, os colegas me acompanhavam a cada série, conhecia todos os professores, esse
ambiente não se limitava a estudo, era uma extensão da minha casa.
Evanir de Oliveira Pinheiro
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
As narrativas de tanta beleza sob diferentes aspectos, expressam a sede e a
fome de sentir-se livre, amado, querido e feliz nesse mundo. Essas sensações
demonstram o que Lowen (2007; 1995; 1990; 1984) em seus estudos revelam sobre a
alegria da entrega ao corpo e à Vida e sobre o prazer criativo de vivenciar a
espiritualidade do corpo em sua plenitude. Esses momentos marcam e se efetivam,
porque conectam as emoções com os nossos processos mentais. Não se trata de
atividades superficiais de caráter apenas intelectual, mas diluído na inteireza
corpo/mente.
As imagens produzidas com tanto encanto e cuidado, evocavam desejos,
saudades, pureza, saberes e valores estéticos diversos, que exaltavam as lembranças das
infancias numa diversidade de cores e movimentos de vida.
Nessa viagem de multiplos reconhecimentos sobre a nossa ludicidade e a do
outro, a partir das memórias lúdicas, encontramos alguns achados, ao reconstruir com
Schiller (1991) e Caillois (1990) o que
vinhamos pensando com os estudos de
Huinzinha (2001) sobre a finalidade do lúdico na vida humana. Os encontros com esses
autores nos ajudou a pensar sobre o valor do brincar na formação humana, avaliar
nossas percepções e valores, e pensar na formação humanescente a partir do espaço do
lúdico em nossa própria vida.
Que prazer foi conversar com esses estudiosos sobre o brincar na vida humana.
3.2 - Ensinar exige estética e ética: apreendendo os quatro pilares da educação com
beleza e reflexividade (ver figuras 03, 04, 05 ).
Nesse encontro refletimos os quatro pilares da educação (DELORS, 1999), a
partir de produções em massa de modelar. Os saberes que se fundem na formação
humana: saber-fazer, saber-ser, saber-conhecer e saber-conviver foram configurados em
três dimensões sob diversas formas e sentidos, nessa experiência lúdico-reflexiva muito
especial.
O Educador Água nos revela essa comunhã na sua representação dos quatro
pilares (ver figura 04): As quatro dimensões que mencionei não estão acontecendo
separadamente, nem no tempo nem no espaço. Ao agir sobre o real através da criação
narrativa (fazer), estou ressignificando o vivido aprendendo a partir dele (conhecer),
Evanir de Oliveira Pinheiro
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
compartilhando a minha experiência para contribuir na produção coletiva de
conhecimentos (conviver) e enriquecendo a minha bagagem existencial (ser). Isto está
acontecendo exatamente aqui e agora, ao mesmo tempo. Não posso ser sem conviver, já
que somente na inter-relação podemos conceber e construir uma identidade individual
(CYRULNIK, 1999). Nada existe por si só, tudo precisa de tudo o mais para existir
(HANH, 2000). Não posso conviver sem conhecer, pois a interação com os outros
produz universos intermentais que estruturam o mundo que experiencio (CYRULNIK,
1999), existe uma osmose permanente com o meu ambiente - natural, social, cultural –
com o qual troco constantemente matéria, informação e energia (MATURANA e
VARELA, 2001). Não posso conhecer sem fazer, pois todo ato de ressignificação do
mundo é uma modificação do real e toda ação sobre o real gera novos olhares e
significados. Todos nós somos, conhecemos, fazemos e convivemos o tempo todo. Não
há separação nem seqüência, mas compenetração, entrelaçamento.
A beleza não é uma característica inerente a experiência do jogo lúdico,
conforme aborda Huisinga (2001), mas nessa experiência lúdico-reflexiva, a boniteza
que nos fala Freire (1996) se constituiu numa especificidade sem definições.
Se encantar com esses cenários de massas multicores e aromáticas, de texturas e
formas diversas, cuja beleza e iluminação estética de cada obra prima, manisfesta suas
singularidades e essências poéticas e autopoiéticas, de vida, desejos e sonhos, é se
permitir vivenciar seu sistema sinergico, fluir [...] “através das nervuras das sensações,
da vivência sensorial inteiror que nos atravessa, nos aproxima e nos comunga/nocom o
mundo o intersensorial” (MERLEAU-PONTY,1994, p. 214).
Os cenários iluminam nosso olhar, na medida em que nos atiçam a adentrar sob
as descobertas dos nossos parceiros. As composições nos presenteiam a alma com o
bem estar da poesia das formas e cores, ao mesmo tempo, inquieta os pensamentos
crítico-reflexivo de nossa curiosidade cientifica, por meio das cores, dos volumes, dos
aromas e das formas. As modelagens traduzem os sentidos do estado poético, de
emoção, de espírito e de afetividade que é declarado por Morin (2007) como teceduras
da condição humana. As simbolizações são tão ricas em plasticidades orgânicas, quanto
arquetípicas e epistemologicamente.
Em outras palavras, expressam campos
imaginários histórico, socioculturais e antropológicos como enfatiza Duran (2002). .
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
3.3- Ensina exige saber escutar: as auto-avaliações dos educadores e as emocionantes
revelações de seus saberes e desejos.
Educadora Terra se refere as interações e as produções de todo o grupo(figura
05 e 06): As imagens de exuberantes belezas mostram e ao mesmo tempo escondem as
sutilezas que agregam os saberes propostos para a educação contemporânea.
Convidamos que cada leitor faça inicialmente suas próprias interpretações, se
permitindo apreciar com minúcia as linhas formas, texturas e cores que evocam modos
de ver e sentir o educar(se) e o aprender, as conexões com o mundo e o outro se fundem
incessantemente para dar corpo aos “quadros” e as obras de artes dos educadorespesquisadores. Quanta magia e sabedoria nós tivemos a felicidade de experimentar ao
apreciar essas construções. Sob diversos ângulos, sentidos e significados todos de
forma pessoal agregou as representações dos quatro pilares, seus sonhos, desejos e
anseios como educadores e aprendizes.
Educador Água se refere a avaliação de suas produções e ao grupo(fig. 03 e fig. 06): O encontro, então, foi ao mesmo tempo uma experiência de mergulho reflexivo na
nossa forma de viver os quatro talentos da educação, uma oportunidade de
ressignificação do nosso fazer educacional a partir da tomada de consciência das
diversas possibilidades de inter-relação e até inter-penetração dos talentos, e um
exercício de inter-transculturalidade ao permitir-nos não apenas compor nossos
próprios cenários, mas integrá-los numa mandala (ver fig. 05) e construirmos
conjuntamente, interligando as nossas respectivas reflexões, um significado ao mesmo
tempo uno e múltiplo: uno porque atravessado pela percepção comum da nãoseparabilidade dos quatro talentos; múltiplo porque composto por uma riquíssima
polifonia de experiências, intuições, conhecimentos, formas de ser, fazer e conviver.
Educadora Fogo avalia seu jogo de areia sobre suas memórias Lúdicas (fig. 02): - Este
encontro foi marcado por muitas lembranças, na verdade desde a preparação durante a
semana, selecionando as miniaturas, pensando no que iria fazer, deixou-me com o
coração apertado. A maioria das miniaturas selecionadas tem uma história, não
comprei na rua, a boneca nua, ganhei da minha avó quando tinha seis anos, as três
bonecas de plástico foram de minha tia, a vela de 18 anos foi do meu aniversário, a
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
bíblia pequena foi de minha mãe, e assim por diante. Quando estava na sala
preparando o jogo de areia estava muito feliz, minha mente estava voltada para cada
momento que descriminei acima, passavam filmes na minha mente, fiz uma viagem ao
meu passado, que estava dentro de mim.
Apreciações reflexivas sobre as vivências
As linguagens que constituíram as vivências e descobertas dos educadorespesquisadores configuram experiências estéticas do estar no mundo, fluindo as
multiplicidades do existir a partir da abertura de nossa sensibilidade que nos conduz aos
riscos e desafios que nos comovem.
Ao nos permitirmos o fruir de nossa sensibilidade, proporcionamos vivenciar um
processo de autoconhecimento e de reconhecimento do outro e do meio circundante.
Desse modo, percebemos a nossa impregnância corporal como expressão biocultural.
Ou seja, as envolturas de nossa corporeidade que se revelam nos seus múltiplos
processos expressivos que compõem nossa espessura biocultural (orgânica e simbólica)
como acentua Araújo (2008, p. 78):
O corpo é um substrato que sente e pensa simultaneamente e
alternadamente como declara Araújo (2009,p.78) ele celebra suas
danças em que [...] “o espírito vibra e lampeja na carnalidade do
corpo
.
Nessa perspectiva, a educação de caráter humanescente desenvolvidas nos
proporcionou sentipensar o valor essencial do lúdico em nossas vidas, na medida em
que vivenciamos nossa condição de homo ludens destacada por Huizinga (2001, p.06),
em que o jogo é inerente à própria natureza do Ser:
[...] reconhecer o jogo é, forçosamente, reconhecer o espírito, pois o
jogo, seja qual for sua essência, não é material. Ultrapassa, mesmo no
mundo animal, os limites da realidade física.
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
A ludicidade como fenômeno dos seres vivos expressa espontaneamente a alegria
do estar no mundo, projeta de forma criativa e energética as emoções, sensações,
impressas nas evocações e nas imagens dos sujeitos.
A nosso ver, as possibilidades de (auto)formação humanescente, são nítidas
nessas experiências estéticas vividas, considerando as manifestações simbólicas e
existenciais dos sujeitos, encarnadas nas falas, nas imagens e nas emoções, de tal modo,
que só podem ser fielmente interpretadas pelos mesmos.
Esse seminário contribuiu para revitalizar nossas reflexões sobre as questões da
corporeidade e da educação,
Pensamos que na condição de seres brincantes que somos, além de homo sapiens,
precisamos como educadores-pesquisadores reconhecer a ludicidade como um dos
alimentos de auto-regulação estrutural essencial no processo de nossa autopoiese.
A partir dessas narrativas dos educadores-pesquisadores, visualizamos uma
Pedagogia de formação humana no contexto da Pós-graduação e nos demais
seguimentos de ensino. Uma Pedagogia imersa a partir do pensamento freireano, que se
distancie do formalismo técnico, linear e autoritário de pesquisa e de formação docente
e favoreça uma visão mais ampla e humanescente a respeito da vida e da aprendizagem,
o que pressupomos ser elementos interdependentes de uma educação para vida.
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IMAGENS DAS NARRATIVAS*
Fig. 01 As memórias lúdicas da Educadora Terra:
Evanir de Oliveira Pinheiro
5759
Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
Fig. 02: As memórias lúdicas da Educadora Fogo:
Cenários dos quatros pilares da educação.
Educadora Terra (Fig. 03)
Educador Água(Fig. 04)
Fig. 05: A mandala final que compôs uma ciranda de coloridas representações dos 4 pilares da
educação:
Evanir de Oliveira Pinheiro
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Imagens e Narrativas de Educadores-Pesquisadores: compartilhando experiências de uma pedagogia vivencial
para (auto)formação humanescente
Fig. 06: Ateliê corporeidade e educação da BACOR/UFRN- A ciranda do grupo de pesquisadoreseducadores e suas produções nos Jogos de Arei
*FOTOS EVA PINHEIRO & NARLA MUSSE
i
Humanescência como capacidade inerente aos seres humanos de irradiar energia positiva quando vivem
e vivenciam situações e emoções que possibilitam a liberação de um fluxo energético multidirecional e
multifocal para si, para os outros e para o entorno. Todos os seres humanos possuem a capacidade de
humanescer, porém a forma de ser e estar no mundo vai determinar a qualidade e quantidade de seu fluxo
energético humanescente (CAVALCANTI, 2008; ASSMAMM, 1995).
ii
Fenômeno de auto-produção contínua, em que o organismo se autogere, organizando seu conhecer a
partir do próprio ato de viver na relação com outros com outros sujeitos autopoiéticos (MATURANA &
VARELA, 2001a, 1997).
iii auto-eco-formação e heteroformação são abordados respectivamente por
interações que o sujeitos tem consigo mesmo e com o outro e o meio circundante.
Evanir de Oliveira Pinheiro
Pineau 2003, como
5761
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
A POLÍTICA CURRICULAR OFICIAL DO CICLO
BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ
NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE
VÁRZEA GRANDE - MT
Ludemila Izabel Silva
Jorcelina Elisabeth Fernandes
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
Várzea Grande-MT
A POLÍTICA CURRICULAR OFICIAL DO CICLO BÁSICO DE
ALFABETIZAÇÃO CIDADÃ NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE
VÁRZEA GRANDE-MT
Ludemila Izabel Silva – UFMT/IE/ PPGE
Jorcelina Elisabeth Fernandes – UFMT/ IE/PPGE
RESUMO: O trabalho apresentado é parte da pesquisa que estamos realizando no
Mestrado em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso/UFMT sobre a Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização
Cidadã-(CBAC), em Escolas da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande/MT. O
objetivo é compreender como professores, Coordenadores/Supervisores Pedagógicos e
Diretores Escolares interpretam e recontextualizam a política no contexto da prática.
Neste trabalho será apresentada parte da análise realizada no documento oficial,
representando o contexto de produção, e parte da análise realizada sobre o contexto da
prática curricular. Utilizamos para análise o referencial teórico da abordagem do Ciclo
de Política formulada por Stephen Ball, os estudos de Alice Lopes e Jefferson
Mainardes sobre as políticas de currículo e de ciclos, no Brasil. Em uma visão parcial
pode-se dizer que a política curricular do CBAC não é uma produção pura, nem está
orientada em teorias únicas, mas são “cópias de fragmentos e partes de idéias de outros
contextos, são negociações”. (Ball, 2001)
PALAVRAS-CHAVE: Política Curricular - Ciclo Básico de Alfabetização – Práticas
Curriculares.
Introdução
No decorrer da história da educação, muitos Países, Estados e Municípios já
alteraram suas diretrizes educacionais com intenções de melhorar a qualidade da
educação escolar.
Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Educação de Várzea Grande-MT
propõe, para o período de 2001 a 2004, uma reestruturação na forma de organizar a
educação escolar na sua Rede Municipal de Ensino. Para isso mobilizou todos os atores
escolares que faziam parte da Rede de Ensino para juntos construírem uma Escola
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5765
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
Várzea Grande-MT
orientada pelos princípios da educação cidadã defendida por Paulo Freire. A
metodologia utilizada foi a do Planejamento socializado ascendente, ou seja, uma forma
de ação coletiva que pretendia,
[...] quebrar a espinha dorsal do planejamento educacional autoritário, de
cima para baixo [...] invertendo a relação de poder na educação e, por
conseguinte, na própria sociedade. Estará também contribuindo para superar
a resistência à participação no âmbito escolar, que considera com razão, o
planejamento atualmente praticado na escola uma atividade meramente
burocrática, sem sentido, de caráter tecnicista e com objetivos apenas
formais. (ROMÃO; PADILHA, 1997, p. 85).
Desse processo, dentre outros aspectos, resultou a implantação, em 2004, do
Regime Misto de Organização Escolar para o Ensino Fundamental, sendo: Ciclo Básico
de Alfabetização Cidadã - CBAC, nos três primeiros anos, abrangendo a infância na
fase dos 06 aos 08 anos e Séries Anuais do 4º ao 9º. Ano.
Nesta pesquisa meu objeto de estudo é a Política Curricular constituída para o
Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã tendo como objetivo compreender como os atores
escolares1 a interpretam e recontextualizam o contexto da prática. Adoto como base da
investigação, a abordagem da pesquisa qualitativa de cunho interpretativo, por seu
caráter descritivo e indutivo, que subsidia a apreensão do fenômeno dentro da sua
realidade histórica. Os instrumentos de coleta dos dados são: documentos oficiais,
questionários e grupo focal. O lócus da pesquisa são 09 Escolas Municipais de Ensino
Fundamental – anos iniciais, tendo como sujeitos 18 professores efetivos que atuam nas
salas do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, 09 Coordenadores/Supervisores2
Pedagógicos e 07 Diretores Escolares.
Neste trabalho, apresento as primeiras análises do documento intitulado “Projeto
de Reorganização do Ensino Fundamental e Implantação do Ciclo Básico de
Alfabetização Cidadã-CBAC3”, onde estão contidos os fundamentos e diretrizes da
política curricular do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, representando o contexto
1
Os atores escolares envolvidos como sujeitos desta pesquisa são: professores efetivos que atuam em
turmas do CBAC, Coordenadores/Supervisores Pedagógicos e Diretores Escolares.
2
A Coordenação se apresenta desta forma Coordenação/Supervisão porque existe nas Escolas Municipais
de Várzea Grande/MT, a função de coordenadores pedagógicos, que são ocupados por professores
efetivos eleitos pelos seus pares e profissionais concursados para o cargo de supervisor Escolar.
3
Nas citações referentes a este projeto a denominação utilizada será: PROJETO CBAC/VG.
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5766
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
Várzea Grande-MT
de produção da política, e os dados coletados no contexto da prática dos sujeitos da
pesquisa através dos questionários. Estas análises visam também contribuir para
desvelar as conexões que podem existir, ou não, entre o oficial e o vivido na escola. Nas
palavras de Lopes (2004, p.11) “nas propostas oficiais, os sentidos da prática estão
expressos e nas práticas do cotidiano das escolas, as marcas do discurso oficial também
estão inscritas” num diálogo complexo e multifacetado tendo em vista a produção de
múltiplos sentidos para as políticas curriculares.
Considero que este estudo está contribuindo para ampliar minha compreensão
sobre a produção das políticas curriculares em nível nacional e local e o sentido desta no
contexto da prática escolar. E enquanto relevância social espera que possa contribuir
para ampliar e enriquecer as discussões sobre a política curricular do e para o ensino
organizado em Ciclo.
Alguns conceitos orientadores de contextualização da Política Curricular
O referencial teórico da abordagem do ciclo de políticas, formulada pelo sociólogo
inglês Stephen Ball e colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994),
propõe que o foco da análise de políticas recaia sobre a formação dos textos da política
e sobre a interpretação que os atores escolares que atuam no nível das escolas fazem
para organizar os textos instrucionais em textos pedagógicos. O Ciclo de Política é um
ciclo contínuo, onde os três principais contextos que o formam estão interrelacionados,
sem uma dimensão temporal ou seqüencial e não são etapas lineares. Cada um deles
apresenta arenas, lugares e grupos de interesses e envolve disputas e embates.
(MAINARDES, 2007, p.28).
O contexto de influência é o espaço onde ocorre a formação do discurso das
políticas públicas, onde elas são iniciadas e construídas. O contexto de produção de
texto, normalmente trabalha com uma linguagem do interesse do público mais geral.
Atuam neste contexto grupos que transformam os discursos políticos em textos das mais
variadas formas: textos legais oficiais, documentos referenciais oficiais, dentre outros.
Contudo, segundo Mainardes (2007), amparado pelas ideais de Ball e Bowe, é no
contexto da prática que a “política está sujeita à interpretação e recriação e onde ela
produz efeitos e conseqüências que podem representar mudanças e transformações
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5767
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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significativas na política original”. A abordagem do Ciclo de políticas assume que “nas
propostas expressas em documentos oficiais, os sentidos da prática também estão
expressos; nas práticas no cotidiano das escolas, as marcas do discurso oficial também
estão inscritas”. (LOPES, 2004, p. 11).
Por ser a base inicial das formulações de Stephen Ball (2001, 2006) fazem parte
desta pesquisa algumas formulações de Basil Bernstein. E apoiados nos estudos de
Stephen Ball e Bernstein também utilizo os estudos e ideias de Alice Lopes (2004,
2004a., 2005, 2006) e Jefferson Mainardes (2006, 2007, 2008, 2009). São autores que
também destacam a natureza complexa e controversa da política curricular e que
indicam a necessidade de articulações entre o macro e micro contexto, no processo de
análise das políticas.
Para Lopes (2004), toda política curricular é constituída de
propostas e práticas curriculares e como também as constitui, não é possível de forma
absoluta separá-las e desconsiderar suas interrrelações.
1.1 O Contexto de Produção da Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de
Alfabetização Cidadã
As ideias de Ball sobre o Ciclo de Políticas estimulam a pensar que as políticas
curriculares não são puras, nem estão fincadas em teorias únicas, concepções e
ideologias específicas, totalmente progressistas ou conservadoras, mas uma integração
interdependente de interesses, compromissos, tendências que se mesclam para dar
sentido à reforma pretendida.
Orientados por estas ideais destacamos para analisar o “Projeto de Reorganização do
Ensino
Fundamental
e
Implantação
do
Ciclo
Básico
de
Alfabetização
Cidadã”(PROJETOCBAC/VG) os seguintes eixos que poderão ajudar a compreender
melhor o processo no contexto da prática: a concepção de educação escolar e os
fundamentos teóricos metodológicos que orientam o ciclo, currículo, planejamento,
alfabetização, o serviço de apoio pedagógico e a avaliação.
Vale ressaltar que este projeto foi elaborado pela equipe da Secretaria de Educação e
Cultura no período compreendido entre 2001- 2004. A partir das discussões coletivas
desencadeadas no interior da Secretaria de Educação e Cultura (SMEC) e das Escolas,
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5768
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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foi designado um grupo de redação que interpretou e organizou as ideias coletivas
sistematizando o documento.
Quanto ao documento, ele possui 69 páginas, incluindo anexos e a Resolução
nº. 003/2004 do Conselho Municipal de Educação, que estabelece as diretrizes legais
para a Implantação do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, nas Unidades Escolares,
da Rede Municipal de Ensino do Sistema Municipal de Educação de Várzea Grande.
Com relação a sua base teórica sobre educação escolar, o texto evidencia os
princípios da educação cidadã de Paulo Freire. Nesse sentido, no documento ressalta
que a proposta tem por objetivo,
[...] a construção de uma cultura escolar humanizadora e transformadora,
através da ampliação das vivências curriculares para além dos conteúdos
disciplinares, da melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem,
da melhoria na aplicação dos recursos públicos e do aumento da equidade
social. Tal proposta pretende alcançar esse objetivo desenvolvendo a
capacidade de administração colegiada ou de gestão participativa tanto no
âmbito da Secretaria de Educação como das escolas, criando condições para
adequada construção de uma escola de nova qualidade: participativa,
aprendente, prazerosa, mas, sobretudo humana e transformadora. [...]
Queremos uma escola que propicie a experiência profunda e total da
cidadania para todos [...] um trabalho realizado com gente em permanente
processo de busca. [...] Gente formando-se, mudando, crescendo,
movimentando-se, melhorando... Gente mais gente. (PROJETO CBAC/VG,
2004, p.03, 19).
Dessa forma, a proposta afirma que o trabalho educativo da Rede Municipal de
Várzea Grande deve caminhar numa perspectiva democrática, humanizadora e
transformadora de educação. A escola deve ampliar seu compromisso de ensinar para
além dos conteúdos disciplinares. (Ibid., 2004, p. 17, 29) Aponta assim, uma
perspectiva de ciclo voltada para o sucesso escolar e para a superação da exclusão dos
estudantes nos moldes das propostas de Belo Horizonte (1993-1996) e Escola Cidadã de
Porto Alegre (1995).
Nessa perspectiva, a escola deve se organizar como espaço público de cultura
viva, possibilitar aos alunos participar de forma criativa e crítica na elaboração pessoal e
grupal da cultura de sua comunidade. Nela o aluno aprende conhecimentos, habilidades,
comportamento, vivencia sentimentos, toma decisões, participa de ritos e celebrações;
serão vistos como sujeitos cognitivos, afetivos e sociais na sua dimensão globalizadora
(PROJETO CBAC/VG, 2004, p.17-18).
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
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A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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Quanto ao currículo, os conhecimentos estão pautados numa perspectiva
progressista e transformadora, busca ressignificar as áreas do conhecimento,
interrelacionado-as com a diversidade cultural e a sociedade no seu sentido mais amplo.
Dessa forma “o currículo e conhecimento são duas idéias indissociáveis, pois tem a ver
com o processo pelo qual o individuo adquire, assimila e constrói conhecimentos em um
tipo particular de experiência proporcionada pela práxis da escola.” (Ibidem, p.17).
Quanto à abordagem para o currículo, o documento revela que será
“intertransdisciplinar e globalizada” [...] cabendo às escolas definirem a metodologia
mais coerente [...] sugerindo nesse aspecto: tema gerador, projetos, centro de interesse,
eixos temáticos e atividades significativas. (Ibid., p.20). Assim, apesar de todas as
metodologias sugeridas possibilitarem a abordagem globalizada, integrada, o
documento mostra discursos ambíguos ao expor formas de organização do currículo e
do ensino que por sua vez estão em correntes educativas diferentes.
De modo geral, o documento expressa um currículo mesclado por conceitos e
ideias de habilidades, competências, com influências dos pressupostos da educação
defendidos pela UNESCO - Pilares da Educação; com a educação popular política e
libertadora de Paulo Freire; com os PCNs e com a perspectiva de conteúdos na visão de
Neidson Rodrigues. Estes pressupostos se revelam mais forte onde se explicita a
importância do currículo, dos conteúdos:
Do ponto de vista dos conteúdos, diz Neidson Rodrigues “não se estará a
inventar novos conhecimentos e habilidades. O que há de novo refere-se ao
sentido que se dá aos conhecimentos, quando eles não são tomados como
principio e fim da educação, mas como mediadores na formação dos
alunos”. [...] Um currículo que amplia o compromisso de todas as áreas do
conhecimento, não só de desenvolver as habilidades de ler e escrever,
interpretar, produzir textos e pesquisar, mas de trabalhar para além dos
conteúdos disciplinares - Saber Ser, Saber Fazer, Aprender a Aprender e
Saber Conviver. [...] O conteúdo escolar é organizado a partir de uma
pesquisa socio-antropológica realizada na comunidade escolar, onde são
buscadas questões-problemas reveladoras da contradição entre a realidade de
vida da comunidade e da escola e o sonho e a utopia projetados pela
comunidade e pela escola. (PROJETO CBAC/VG, 2004, p.14, 17 e 18).
Com relação aos conceitos e concepções de Ciclo, a política está embasada nas
ideias da Escola Plural de Belo Horizonte e Escola Cidadã de Porto Alegre, tendo como
base os estudos de: Elvira Sousa Lima (2001,2002), Andréa Krug (2001), Luiz Carlos
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5770
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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de Freitas (2003) e Agnela Giusta (2000) e o Ciclo de Aprendizagem defendido por
Phillipe Perrenoud (2004).
A educação em ciclo deve promover a formação da comunicação através de
sistemas expressivos, movimentos, atividade estética, como, dança teatro,
mímica, desenho, grafismo; a linguagem enquanto sistema expressivo literatura, poesia, etc. e o desenvolvimento da linguagem simbólica - a
escrita, a linguagem matemática e as linguagens das ciências naturais,
sociais e humanas. [...] No Ciclo de Alfabetização cidadã, a escola deverá
também estar preocupada com a formação moral, social, afetiva e corporal
dos alunos. [...] Ao concluir o Ciclo Básico de Alfabetização o aluno deverá
ter desenvolvido no âmbito da linguagem simbólica as habilidades de ler,
escrever, produzir texto, interpretar, pesquisar e resolver problemas. (Ibid.,
2004, p. 15, 24, 35)
Vale ressaltar que não há referencia no documento sobre o porquê da escolha do
termo Ciclo Básico - CBA, muito menos alguma relação do mesmo com o contexto
teórico histórico do CBA. O que há é uma justificativa de organização do CBAC
voltado para os ciclos de formação e de aprendizagem.
Quanto aos fundamentos para a Alfabetização, os pressupostos estão centrados
nas ideias de Paulo Freire e de Emilia Ferreiro com seus estudos e experiência na linha
construtivista da psicogênese da língua escrita. O processo de organização da prática
pedagógica está essencialmente orientado pelo trabalho com diagnóstico das fases da
escrita, do agrupamento produtivo e elaboração de atividades para superação e avanço
das fases, conforme demonstra as páginas 54, 55 e 56 ao descrever cada uma das fases
do desenvolvimento da escrita na perspectiva da psicogênese, bem como traz em seus
anexos uma ficha de acompanhamento da evolução da escrita para o trabalho do
professor de sala e outra para os serviços da Coordenação Pedagógica (Ibid., 2004, p.57 e
58).
Quanto à avaliação da aprendizagem, o objetivo expresso é que ela tem como
finalidade “anteceder, acompanhar e suceder o trabalho da sala de aula, possuindo
funções diferentes [...] Ela será dialógica apresentando as características diagnóstica,
formativa, participativa e somativa”. Revelando que a avaliação é o primeiro eixo a ser
alterado no processo de escolarização uma vez que a modificação do tempo escolar
“desloca definitivamente o papel da avaliação tradicional, da avaliação que serve para
determinar a progressão ou retenção, para uma dimensão formadora e dialógica.”
(PROJETO SMEC, 2004, p.33-34).
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5771
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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Entretanto o documento traz prescrito para toda a rede de ensino instrumentos de
avaliação padronizados e ambivalentes, como: caderno de campo, ficha de
acompanhamento Mensal da evolução da Escrita e leitura do aluno, Mapa
demonstrativo e Relatório Descritivo Bimestral de Aprendizagem do aluno. São
documentos que possuem finalidades diferentes e atendem teoricamente às perspectivas
e conceitos diferentes de avaliação. Por exemplo, a finalidade do caderno de campo
revela uma dimensão processual, formativa e dialógica e as fichas de acompanhamento
padronizadas para todo sistema revela uma visão forte de controle, perdendo de vista a
dimensão de processo de formação e desenvolvimento de cada criança. Na linha das
formulações de Stephen Ball (2001), podemos dizer que “são discursos ambíguos que
em que as marcas supostamente originais permanecem, mas são simultaneamente
apagadas pelas interconexões estabelecidas em uma bricolagem visando sua
legitimação.” (LOPES, 2005, p.57).
Contudo, há que se ressaltar que o conceito e finalidades da avaliação
constituída para o Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã da Rede Municipal de Várzea
Grande/MT apresenta uma perspectiva formadora, dialógica atrelada ou negociada com
o caráter da avaliação somativa, classificadora e seletiva. Esta constatação fica explícita
ao referir-se que,
“No final do 3º ano do Ciclo o aluno poderá ficar retido. A retenção só será
efetivada após discussão, análise e avaliação do Conselho do Ciclo. A avaliação
do aluno deverá levar em conta todo seu processo de desenvolvimento”.
(PROJETO CBAC/VG, 2004, p.36)
O documento traz ainda a implantação do serviço de apoio à aprendizagem com
professor específico de apoio para atender os educandos com dificuldades de
aprendizagem. Este profissional deve articular-se com o professor de sala e
coordenador/supervisor pedagógico para organizar atividades para as aulas. Quanto ao
planejamento de ensino, deve ser sempre coletivo, participativo onde as decisões e
responsabilidades são sempre coletivas. Isto é explicitado no documento, nas palavras
de Krug (2001),
[...] no ciclo os professores e professoras formam um coletivo, por isso a
responsabilidade pela aprendizagem é sempre compartilhada por um grupo de
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5772
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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docentes e não mais por professores e professoras individualmente. (KRUG,
2001 apud Ibidem, 2004, p.13)
Estes argumentos são dados que nos levam a “compreender que o que mais se
destaca numa escola organizada por ciclo é sua postura de inquieta e conflituosa, uma
vez que são postos em questionamento à forma de avaliar a maneira de entender o
conhecimento, a didática utilizada, a organização dos tempos e espaços”
(FERNANDES, C., 2005, p.79).
Nessa perspectiva é possível compreender a Política Curricular do Ciclo Básico
de Alfabetização Cidadã da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT como
uma mistura de concepções, entre perspectivas e interpretada como uma mescla de
“discursos curriculares produzidos por processos de recontextualização”. (LOPES,
2002, p.3). A Política Curricular é assim, “uma produção de múltiplos contextos sempre
produzindo novos sentidos e significados para as decisões curriculares nas instituições
escolares”. (id., 2006, p.39)
1.2 Uma análise inicial sobre o contexto da prática
1.2.1 Informações básicas pessoais e profissionais
Nas 09 Escolas Municipais que atendem o Ensino Fundamental Anos Iniciais,
aceitaram participar desta pesquisa 18 professores, que atuam em turmas do Ciclo
Básico de Alfabetização, 07 Diretores Escolares e 09 Coordenadores/Supervisor
Escolares. São atores escolares formados em sua maioria em Pedagogia, um em
Educação Física e outro em Letras. Os cursos de pós-graduação em geral estão na área
da educação com especializações em Gestão Escolar, Alfabetizações e Metodologias, O
fazer Pedagógico nas Séries iniciais, Psicopedagogia, Lingüística e Gestão Escolar,
Planejamento Educacional. Doze (12) desses sujeitos cursaram em nível médio o
Magistério e apenas 01 deles não tem experiência efetiva em sala de aula. A experiência
docente está entre 08 a 40 anos de trabalho. As idades cronológicas destes sujeitos
variam de 29 a 61 anos.
Dos sujeitos que responderam sobre os anos de experiência na alfabetização,
todos passaram por turmas de alfabetização inicial. Quanto à jornada de trabalho, com
algumas exceções, os sujeitos revelam que possuem em média 50 horas semanais.
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5773
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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Alguns professores que possuem jornada de 50 horas exercem suas funções em escolas
diferentes.
1.2.2. Os Eixos de análise
Antes de revelar o que os dados coletados apontam sobre a Política Curricular
do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã no contexto da prática, vale ressaltar que esta
pesquisa é uma versão parcial e provisória dos dados, uma vez que os resultados
expressam apenas uma construção da realidade a partir de minhas interpretações, meus
pressupostos teóricos metodológicos e do recorte que faço da realidade escolar na Rede
Municipal de Ensino de Várzea Grande-MT.
Para este trabalho a análise do contexto da prática tem como eixos orientadores:
objetivo do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã, a alfabetização, a organização
curricular e mudanças na escola e prática pedagógica.
Assim, no campo do primeiro eixo, os dados mais recorrentes revelam que o
objetivo do CBAC, além de se justificar na necessidade de se combater o fracasso
escolar nos anos iniciais do ensino fundamental comungando com os objetivos do Ciclo
Básico historicamente constituído encontra sua fundamentação no “meio, fusão,
associação, combinação” (CORAZZA, 2001, p.106) do Ciclo de Formação Humana e o
Ciclo de Aprendizagem na base do desenvolvimento de habilidades e competências na
área da linguagem. Com relação ao Ciclo de Formação as evidencias são reveladas
quando os dados mostram que o objetivo do CBAC. As respostas mais recorrentes dos
sujeitos ressaltam que o objetivo do CBAC é,
Garantir mais tempo com maiores oportunidades para o aluno aprender,
romper com a organização seriada, respeitar as características das etapas de
desenvolvimento humano. [...] Possibilitar aos alunos o pleno
desenvolvimento cognitivo, sócio-cultural, afetivo, emocional e corpórea
[...] ensinar o aluno de forma global e não fragmentada. [...] Garantir o fazer
pedagógico com ênfase na ação formativa da educação. (P)
E quanto ao Ciclo de Aprendizagem centrado no desenvolvimento de
habilidades e competências quando os sujeitos ressaltam o objetivo do Ciclo Básico de
Alfabetização Cidadã,
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5774
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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Que o aluno seja capaz de ler, interpretar e produzir textos com eficiência
respeitando seu próprio ritmo. [...] Desenvolver as habilidades necessárias
principalmente na leitura e escrita, ou seja, atingir o perfil de saída do ciclo.
E [...] Alcançar o parâmetro mínimo das habilidades nos aspectos
cognitivos, sócio-afetivos, emocional e cultural [...] (S)
Estes aspectos revelam que tanto a política curricular oficial quanto o currículo
vivido se apresentam como interrelacioandos. Isto talvez se deva ao fato desta Política
ter sido construída com a participação dos atores escolares da Rede Municipal que
desenvolvem suas funções no Ensino Fundamental Anos Iniciais. Esta situação ressalta
que “não há mais um centro fixo de poder, de produção e trabalho, de capital, cultura,
de formação de sujeitos”. [...] “Não há mais enraizamento, nem raízes, só rizomas, só
redes de poder que movem o mundo”. (CORAZZA, 2001, p.102).
Com relação aos propósitos e intenções da Alfabetização da política oficial
ressaltar os pressupostos Freireanos, os dados mais recorrentes revelam que as
mudanças ocorridas na escola e na prática pedagógica dos sujeitos centram
essencialmente pela introdução da psicogênese da língua escrita na base dos estudos de
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Uma linha pedagógica voltada para a tentativa
de compreender como aprendem os que conseguem aprender a ler e escrever sem
dificuldade e o que pensam sobre a escrita dos que ainda não se alfabetizaram. Sobre
este aspecto, os atores escolares sujeitos desta pesquisa revelam sua presença com muita
intensidade:
“Hoje a escola aplica o diagnóstico para descobrir o desempenho e aos
níveis da escrita que os alunos se encontram”. [...] Os professores passaram
a conhecer melhores seus alunos através dos testes das hipóteses de leitura e
escrita. Hoje a organização dos planos de aula se dá a partir dos diagnósticos
(níveis da escrita). (D)
Vale ressaltar que a influência da Psicogênese da língua escrita, na prática
pedagógica dos atores escolares da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande, teve
início com a adesão do Município em 2001 ao Programa do Governo Federal
denominado: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA/MEC e
que mais tarde, em 2003 foi reorganizado, porém, permanecendo com a base
pedagógica orientada pela psicogênese da língua escrita, pela equipe da Secretaria de
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5775
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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Educação e Cultura para atender todos os profissionais da rede. Nesse sentido, o
documento oficial também reforça na pagina 44 quando ressalta que,
A Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Várzea Grande promoverá
a formação continuada para todos os profissionais que irão atuar no Ciclo
Básico de Alfabetização Cidadã. A formação dar-se-á através de oficinas
pedagógicas com encontros semanais, cursos mensais ou semestrais. As
oficinas
estarão
abordando
os
temas:
Alfabetização
e
Letramento/Abordagem sócio-construtivista [...] Fundamentos e Princípios
da educação (Piaget e Wallon). (PROJETO CBAC/VG, 2004, P.44)
Além deste aspecto, há ainda como anexo do documento oficial nas páginas 53,
54, 55, 56 e 57 orientações sobre as hipóteses silábicas, ficha de acompanhamento da
evolução da escrita para o professor e ficha de acompanhamento da aprendizagem por
turma para o Coordenador/Supervisor Pedagógico.
Com relação a Organização Curricular na Escola, os dados mais recorrentes
demonstram que a escola utiliza:
”A proposta curricular da escola teve como base a proposta da Secretaria
Municipal de Educação sendo que as adaptações para a realidade escolar são
feitas através da inclusão de outras habilidades”. (P.L. L)
E o ensino está basicamente organizado por Ensino por Atividade e por Áreas de
Conhecimento, e esta escolha se justifica porque facilita a interdisciplinaridade, dá
maior flexibilidade para o trabalho do professor e é um caminho mais viável para
contextualizar as atividades. Estas evidências reflete o texto oficial da política
curricular, quando na página 20 onde aborda especificamente as referências curriculares
diz que,
[...] as propostas curriculares só poderão ser, de fato, organizadas pelos
sujeitos – profissionais da educação e alunos – que nela estão envolvidos
[...] construindo o Currículo Vivo do Ciclo. [...] Além disso, não podemos
esquecer de que a abordagem intertransdisciplinar e globalizada
proporcionará o enriquecimento da ação educativa. (PROJETO CBAC/VG,
2004, P20)
Com relação ao currículo, uma fala que chama a atenção diz que uma das
dificuldades encontradas pela escola para desenvolver o currículo do CBAC se dá por
que:
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5776
A Política Curricular Oficial do Ciclo Básico de Alfabetização Cidadã na Rede Municipal de Ensino de
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“Os Parâmetros mínimos da Secretaria de Educação estão definidos por ano
e não para o período do Ciclo (3 anos) e isto dificulta o desenvolvimento do
currículo”. (DIRETOR).
Entretanto existem também vários indicadores de mudanças e melhoria no
contexto da escola e das práticas pedagógicas.
Em jeito de conclusão provisória
Pode-se dizer provisoriamente que há um esforço enorme, principalmente no
contexto da prática, em desenvolver um ensino e uma aprendizagem mais significativa e
com sentido para os educandos. Nas palavras de Santos (2008) queremos “reafirmar o
discurso de que modificar mentalidades e práticas não é fácil, mas não é impossível” e
também não se dá de forma linear.
No caso da Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande/MT é possível
argumentar provisoriamente que, o contexto da prática vem produzindo efeitos e
conseqüências que revelam a força do currículo escrito oficial sobre o cotidiano bem
como apresentam considerações que pode representar mudanças e transformações
significativas na política original.
Nesse sentido, de modo geral tanto o texto da Política Curricular do CBAC da
Rede Municipal de Ensino de Várzea Grande quanto às práticas desenvolvidas no
contexto da prática apresentam como uma mescla entre construtivismo, aprendizagem
por habilidades e competências e educação emancipadora, dialógica e transformadora.
Evidenciando assim uma diversidade de experiências e vozes que interelacionadas
assumem diferentes meios e procedimentos didáticos pedagógicos para dar conta de
ensinar na diversidade, complexidade e contradições que existem no mundo em
permanente transformação. Esta situação revela “um discurso ambíguo em que as
marcas supostamente originais permanecem, mas são simultaneamente apagadas pelas
conexões estabelecidas numa bricolagem”. (LOPES, 2005).
REFERENCIAS
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Currículo sem Fronteiras, v.1., n.2, pp.99-116, jul/dez 2001.
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_____________. Sociologia das Políticas Educacionais e Pesquisa Crítico-Social:
uma revisão pessoal das políticas educacionais e da pesquisa em política
educacional. Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2, pp.10-32, jul/dez, 2006.
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FETZNER, A. R. Ciclos de Formação: uma proposta transformadora. Porto Alegre:
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MAINARDES, J. Reinterpretando os Ciclos de Aprendizagem. São Paulo: Cortez,
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______________. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma contribuição para a
análise de políticas educacionais. Educação e Sociedade, v. 94, Campinas Jan./Abr.,
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SANTOS, Delma Marcelo dos. O avesso do avesso: (re) construindo práticas
pedagógicas por meio da heterogeneidade. In: Ciclos em Revista, v.3: a
aprendizagem em diálogo com as diferenças, Rio de Janeiro: Wak Ed. 2008.
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA DE VÁRZEA GRANDE/MT. Projeto
de Reorganização do Ensino Fundamental e implantação do Ciclo Básico de
Alfabetização Cidadã, Várzea Grande, MT, 2004.
Ludemila Izabel Silva & Jorcelina Elisabeth Fernandes
5779
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PRÁTICAS DIFERENCIADAS NO ENSINO DA
LITERATURA DE LÍNGUA INGLESA
Maria do Rosário Silva Leite
Maria das Graças Alves Rodrigues
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
PRÁTICAS DIFERENCIADAS NO ENSINO DA LITERATURA DE LÍNGUA
INGLESA
Maria do Rosário Silva Leite
(UFPB/CNPq)
Maria das Graças Alves Rodrigues
(UFPB/Especialista)
RESUMO: A literatura e o seu ensino promove um panorama acerca da sociedade de
uma determinada época e suas tradições elencadas a sua história. Ao abordarmos uma
literatura em língua estrangeira, seu conteúdo literário torna-se um guia cultural, este
por sua vez, permite ao educador estabelecer relações histórico-culturais, que interligam
o texto literário transportando o aluno para um momento pertinente nesta história
cultural, em nosso caso a literatura de língua inglesa e sua repercussão nos escritos de
uma nação, como nos diria Alexander Meireles da Silva (2006, p. 4), “de marinheiros e
viajantes, e esses personagens se refletem em sua literatura, assim como o mar frio e
tempestuoso”. Enfrentando as intempéries, sua literatura conta com origens dos povos
Celta, romanos e das mais diversificadas tribos nórdicas. Assim, no intuito de fomentar
estratégias que permitam a interação dos alunos com a literatura de língua inglesa, o
conhecimento acerca de sua cultura e o estímulo para o aprendizado de sua língua, é que
pretendemos, mediante as referências curriculares, que tem por base a Lei de Diretrizes
e Bases estabelecer o contato com as adaptações literárias em língua estrangeira (cada
qual em seu nível adequado de inglês beginner, elementary, pre-intermediate,
intermediate, upper- intermediate e advanced), bem como suas adaptações fílmicas para
o reconhecimento e familiaridade com esta cultura, que nos legou grandes autores. Por
fim, seremos guiados também pelo relatório da UNESCO (1999, p. 89-102) o qual
propõe uma educação voltada para os quatro tipos fundamentais de aprendizagem
sugeridos para o século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver
com os outros, aprender a ser.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Adaptação. Ensino.
A literatura, porém, é coletiva, na medida em
que requer uma certa comunhão de meios expressivos
(a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas
que congregam os homens de um lugar e de um
momento, para chegar a uma “comunicação”.
Antonio Candido, Literatura e Sociedade
Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
5783
Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
O ensino de um língua estrangeira no Brasil percorre uma longa caminhada, dos
jesuítas dedicados a doutrinar e, posteriormente ao ensino das primeiras letras e do
latim, durante o período da colonização, posteriormente, com o advento do Império o
grego e o latim tornaram-se uma prioridade. Já na Primeira República surgiram às
línguas modernas, contudo, apenas por volta de 1930 é que o ensino de línguas
estrangeiras é imposto, com as devidas alterações em seus métodos e conteúdo.
Estando, pois sob forte influência do inglês, nos aspectos concernentes a política
mundial e ao desenvolvimento tecnológico e comércio internacional, de acordo com a
Lei de Diretrizes e Bases de 1996, torna-se obrigatório, a partir da quinta série do ensino
fundamental (sexto ano do ensino fundamental), o ensino de uma língua estrangeira.
Assim, deparando-nos com a condição emergente, em nosso caso o ensino de
língua Inglesa, pretendemos refletir e dispor dos bens atuais, como as adaptações
fílmicas e literárias para em sala de aula promover maior integração entre os alunos e o
aprendizado de uma língua estrangeira, tornando a experiência estimulante e dinâmica,
segundo afirma Edgar Morin (2004, p. 39), “a educação deve favorecer a aptidão natural
da mente em formular e resolver problemas essências e, de forma correlata, estimular o
uso total da inteligência geral”.
Sendo notória a importância do inglês para as negociações, acesso a rede
mundial de computadores e diversos aspectos sociais de globalização e, conhecendo a
língua se conhece a cultura, neste processo, com o desenvolvimento da internet, a
intercomunicação para o conhecimento de terras dantes longínquas foi facilitado e, o
fenômeno da globalização fez surgir novas demandas educativas pelo desenvolvimento
tecnológico, estabelecendo novos padrões de relações sociais, e consequentemente
novas formas de aprendizagem.
O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte
do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo,
como um todo, está cada vez mais presente em cada
uma de suas partes. Isto se verifica não apenas para as
nações e povos, mas para os indivíduos. Assim como
cada ponto de um holograma contém a informação do
todo do qual faz parte, também, doravante, cada
indivíduo recebe ou consome informações e substâncias
oriundas de todo o universo. (MORIN, 2004, p. 67)
Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
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Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
Concomitantemente “nasce” outro tipo de aluno, mais informado, com um
conhecimento prévio advindo das novas tecnologias (internet) e com muito mais
interesse pela informação /conhecimento, e para tal, como o nosso foco promove uma
viagem à ilha da Grã- Bretanha e o conhecimento de sua respectiva cultura, tendo em
vista a vasta dimensão da literatura inglesa, que passa desde a literatura da idade média
até a literatura modernista, se faz mister nos restringirmos a literatura inicial, já que
nossa intenção é transportar nossos alunos até a cultura britânica através da criação da
civilização que deu origem a uma raça, uma língua e um país – o Reino Unido. Faremos
uso das primeiras obras do período medieval (já que no Brasil não passamos por esta
fase) e concluiremos na literatura de Shakespeare referente ao período elisabetano,
como primeira etapa.
Nesse sentido retomamos por base, os Referencias Curriculares de Línguas
Estrangeiras, que estão estruturados em um tronco comum e tem por base a Lei de
Diretrizes e Bases (1996). As Orientações Curriculares do Ensino Médio de 2004 e
2006 bem como, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas Estrangeiras (1998),
evidencia a principal perspectiva da LDB, que é a formação de alunos preparados para
viver o mundo atual e cria as orientações complementares aos PCNEM. O volume
dedicado especialmente às linguagens, Códigos e Tecnologias tem como um dos
objetivos “trazer elementos de utilidade para o professor de cada disciplina, na
definição de conceitos estruturantes, conteúdos e na adoção de opções metodológicas”
(Vilar,p 113). Sendo assim, baseando-nos nessa concepção acreditamos que uma dessas
opções metodológicas nos possibilita criar um método de ensino de língua estrangeira
que se insira a literatura. Entendemos que há importância de conhecer uma língua não é
falando ou escrevendo e sim envolvendo os falantes nessa cultura. A importância de
saber uma língua estrangeira, não é somente importante para o futuro do aluno no
mercado de trabalho, mais acreditamos sim, que formaremos cidadãos mais cultos e
verdadeiramente conhecedores de uma língua.
É necessário ensinar não mais a opor o universal às
pátrias, mas a unir concentricamente às pátrias –
familiares, regionais, nacionais européias – e a integrálas no universo concreto da pátria terrestre. Não se deve
mais continuar a opor o futuro radiante ao passado de
servidão e de superstições. Todas as culturas tem
Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
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Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
virtudes, experiências, sabedorias, ao mesmo tempo que
carências e ignorâncias. (MORIN, 2004, p. 77)
Com a indicação de que a escrita se afasta da simples memorização das idéias, e a
leitura em muito ultrapassa o processo de decodificação de sinais, definiu-se o texto
(oral e escrito) como unidade básica do ensino de língua, e a gramática passou a ser
vista como uma, entre tantas outras formas de manifestação das práticas de linguagem.
Propomos uma prática de ensino interligada com outras disciplinas, como por exemplo,
as disciplinas de História e Geografia em comunhão com a disciplina de Língua Inglesa,
as quais caberão o desenvolvimento das competências e habilidades das disciplinas
correlacionadas, pois segundo Morin (2004, p.57) “o ser humano é ao mesmo tempo
singular e múltiplo”.
É somente no início da Idade Média que aparecem as primeiras palavras em inglês
(devido ao fato de a herança galesa e romana ter sido quase totalmente apagada por
invasões das populações da baixa Alemanha e Escandinávia) escritas em dialeto AngloSaxônico agora conhecido como inglês antigo (Old english; o texto sobrevivente mais
antigo é Cædmon's Hymn de Cædmon). A tradição oral era muito forte nos primórdios
da cultura inglesa e a maioria dos trabalhos literários foram escritos para serem
representados. Os poemas épicos eram assim muito populares e muitos, incluindo
Beowulf, sobreviveram até aos dias de hoje entre as obras que constituem a literatura
anglo-saxônica A reflexão na prática pedagógica cotidiana nos levou a avaliarmos as
concepções atuais relacionadas ao ensino da língua inglesa nas escolas de ensino médio.
Em sala de aula tem ficado claro que o envolvimento do aluno, se dá a partir de sua
identificação com situações retratadas. A proposta de trabalho com clássico literário em
sala de aula, mediada por adaptações, seja da obras literárias e ou cinematográficas,
propicia aos alunos experimentar pontos de vista diversos, e interagir nesse processo
dialógico e, experimentar novas situações enunciativas e estimulantes, tornando-os
capazes de se lecionar os textos que lhe são importantes.
Segundo Chartier (2002), alguns aspectos parecem ser primordiais para a
constituição de um leitor competente. Assim, enquanto na escola fundamental, a leitura
literária tem como principal motivação despertar o leitor infantil para o mundo da
linguagem literária, no ensino médio, uma obra literária tem de levar o leitor a pensar
Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
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Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
sobre a obra como um ícone de uma cultura, de uma língua como uma importante
manifestação da linguagem, pois entendemos que a escola deve tratar a relação entre
Língua e Leitura. Propomos, portanto gerar uma sensibilidade intercultural e mostrar a
relevância de se conhecer a História, a Geografia, a Cultura, a Literatura e a Língua do
Reino Unido.
Observar o contexto de produção através de práticas de linguagem e escrita para
que o aluno compreenda a formação da língua que iremos estudar, e não apenas através
do método formal do Ensino da Língua Inglesa. Acreditamos assim, no despertar dos
alunos através de um processo dinâmico e de compreensão da formação da Língua,
neste caso a Língua Inglesa, desde o nascimento na forma do primeiro poema lírico
"The story of Caedmon" (658) e em poemas anglo-saxônicos como "The Wanderer"
(975) até o século XVI, com Hamlet de William Shakespeare (1601-1602).
Propomos uma prática de ensino interligada com outras disciplinas as quais caberão o
desenvolvimento das competências e habilidades das disciplinas correlacionadas com a
disciplina de Língua Inglesa.
Partindo para uma organização metodológica da disciplina, acompanhamos três
princípios básicos: primeiramente a transformação do aluno em sujeito ativo do
processo de ensino-aprendizagem; por conseguinte, a precedência de competências e
desenvoltura
sobre
conteúdos
pesquisa
e
vocabulário;
finalizando
na
interdisciplinaridade das práticas metodológicas em uma mesma série. Esses três
princípios deveriam organizar os eixos de formação em que se distribuiria com o
desenvolvimento das competências e habilidades referentes à análise, reflexão
lingüística e verbal de textos literários em geral de Língua Inglesa, com o
desenvolvimento e habilidades relativas ao seu uso, habilidades da produção e da
recepção da escrita; e o eixo da Pedagogia, com o desenvolvimento das competências e
habilidades relativas à prática de sala de aula.
Como proposta pedagógica, dividiremos os temas abordados sob a seguinte
ordem e, sob constante orientação do professor, os alunos pesquisariam obras, filmes e
sites sugeridos. O primeiro grupo trataria da pesquisa sobre os símbolos da Ilha, a
personalidade do inglês e suas origens, por exemplo, por meio do olhar Shakespeareano,
através da obra The Tempest - A Tempestade, que faz uso da simbologia da ilha de
Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
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Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
várias maneiras. Resultando para os alunos o esclarecimento de como surgiu esta ilha
em meio a tempestades, pois o simbolismo da ilha está intimamente ligado a história da
literatura Inglesa, bem como sua cultura e língua. Por ventura seriam despertos os
devidos questionamentos, por que o nome Bretanha, Grã-Bretanha e Reino Unido?, nos
quais os aspectos histórico, político e geográfico estariam inseridos. Posteriormente, o
tema perpassaria pela formação do povo, com sua origem nos Celtas Romanos e
Germânicos. Os Celtas (2000 a.c-43 d.C) – chegada e desenvolvimento, dos Druidas e a
associação do personagem simbólico Merlin (político e religioso, sacerdote do povo
Celta e a origem do Halloween, a contribuição Romana na cultura britânica (43 d.C. –
409 d.C.) e a simbologia dos personagens Asterix e Obelix, a influência do latim na
língua inglesa e a queda do império romano, as invasões germânicas (43 d.C.-1066 d.C.)
e o surgimento do nome “Inglaterra” e por fim, a chegada dos Vikings e suas
influências, como o “simbólico” Thor, na língua inglesa. Todo este construto teria forte
relação com a disciplina de História e, portanto, promoveria uma união entre elas. Na
parte fílmica sugere-se As Brumas de Avalon (2001) baseado na obra de Marion
Zimmer Bradley, que retrata a condição feminina na corte arturiana e o Gladiador
(2000), que tem por panorama geral, a vida na sociedade romana e, inclusive são
mostradas as estratégias utilizadas pelas legiões romanas para subjugar as tribos
germânicas, já que os romanos dominaram a Inglaterra, difundindo a língua, ideais e o
cristianismo.
Num outro momento, a literatura anglo-saxônica teria destaque com Beowulf
poema épico, que faz uso do emprego de aliteração, é constituído de 3.182 linhas,
formando o poema mais longo do pequeno conjunto da literatura anglo-saxã e um
marco da literatura medieval, por filmografia temos Beowulf (1998), O 13º Guerreiro
(1999) e o Senhor dos Anéis- A Sociedade do Anel (2001), As Duas Torres (2002) e o
Retorno do Rei (2003), justificamos a sugestão, por tratarem da estrutura de poemas
épicos, tanto Beowulf quanto o Senhor dos Anéis mostram heróis de culturas
escandinavas que se estabeleceram na Bretanha se fixaram na literatura inglesa. Dando
continuidade, a seguinte temática adentra a literatura medieval Inglesa I, com foco nas
peregrinações dos cavaleiros e o surgimento de figuras lendárias, o nascimento de um
santo, Thomas Becket (1170), Ricardo Coração de Leão, Robin Hood (Lorde de
Locksley). Nessa fase, damos destaque à obra The Canterbury Tales (1386-1387) de
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Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
Geoffrey Chaucer, registro da literatura Medieval, com a seguinte filmografia, O Feitiço
de Áquila (1985), O Nome da Rosa (1986), Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões
(1991) e As Aventuras de Robin Hood (1938), Coração Valente (1995), Coração de
Cavaleiro (EUA, 2001).
Na segunda parte desta temática, Literatura Medieval Inglesa II, concluiremos o
ciclo dos cavaleiros com a obra Morte do rei D’Arthur, publicada em 1485, de autoria
de Thomas Malory, este romance de cavalaria será acompanhado dos seguintes filmes:
Excalibur (1981), Merlin (1998) e Rei Arthur (2004). Por fim, voltados para o século
XVI período da “era elisabetana” e “era dos Tudor”, teremos Shakespeare, com
considerações sobre o teatro e a história deste período marca pelo renascimento, fim da
época feudal e surgimento dos intelectuais e artistas de novas idéias, vista através de
obras como Hamlet, Romeu e Julieta, Muito barulho por nada, A megera domada,
Henry VIII e finalizando com Macbeth, por filmografia teremos: Henrique VIII e Suas
Seis Esposas (1973), Elizabeth (1998), Shakespeare Apaixonado (1998), Hamlet (1997),
Muito barulho por nada (1993), Romeu e Julieta (1968 e 1996), A megera domada
(1967), Macbeth (1948), A tragédia de Macbeth (1971), A outra (2008).
Com a divisão temática apresentada, acreditamos ser possível formar alunos,
com disposições e interesses, que os tornariam aptos a enfrentar os desafios da
educação, transformando a escola em um lugar de efetiva interação e interlocução,
comprometida com o respeito e a tolerância à diferença.
A discussão semanal da realidade do dia-a-dia permitiria perceber que a reforma
curricular muito pouco significaria, se não fossem também alteradas as práticas e
posturas pedagógicas dos professores.
Buscamos então, a formação do aluno interpelado pelas novas concepções de
língua e literatura com desenvolvimento das competências e habilidades referentes à
análise e à reflexão lingüística, concomitantemente interação verbal e habilidades na
produção e na recepção da escrita.
A formação do aluno/pesquisador, com o desenvolvimento das competências e à
obtenção e compilação dos dados relacionados às situações de ensino-aprendizagem da
língua e literatura Inglesa, bem como à sua análise e interpretação no trabalho final com
representações teatrais, criação de blog spot com todos os trabalhos escritos, com as
Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
5789
Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
filmagens da apresentação dos grupos na escola, onde observaremos os resultados
obtidos com relação ao conhecimento não só da língua Inglesa (língua falada) dentro do
contexto da escola, mais também o conhecimento literário, histórico e geográfico
desenvolvidos no decorrer do ano letivo e se os objetivos traçados paralelamente com os
professores, do sistema de avaliação desenvolvido paralelamente com os professores de
geografia e história. Formar-se-iam, por este motivo, não apenas alunos capacitados
(porque investidos das competências e habilidades envolvidas em sala de aula), mas
politicamente engajados no processo de socialização da escola brasileira.
REFERÊNCIAS
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Difel/Bertrand Brasil, 1990.
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Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
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Práticas Diferenciadas no Ensino da Literatura de Língua Inglesa
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mudança. São Paulo: Libertad, 1998.
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Editora Universitária/UFPB, 2004.
ZILBERMAN, Regina. Critica Literária Romântica no Brasil: Primeiras
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Maria do Rosário Silva Leite & Maria das Graças Alves Rodrigues
5791
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
HEGEMONIA CURRICULAR: A PRODUÇÃO DE
UMA CULTURA DE CONSCIÊNCIA
Rogéria Pereira Fernandes Soares
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
HEGEMONIA CURRICULAR: A PRODUÇÃO DE UMA CULTURA DE
CONSCIÊNCIA
Rogéria Pereira Fernandes Soares
RESUMO: Na construção do pensamento no contexto das Políticas de Currículo é
importante lembrar que “o currículo não é um elemento inocente e neutro de
transmissão desinteressada do conhecimento social. (...) o currículo produz identidades
individuais e sociais particulares.” (MOREIRA, p. 8, 2002). Compreendendo, em uma
perspectiva crítica, os pressupostos teóricos dos estudos sobre currículo, conectado com
a realidade local, e suas relações históricas, epistemológicas e políticas, este trabalho,
desenvolvido a partir de uma revisão bibliográfica, longe de conceituar currículo,
analisa o mesmo, considerando-o como espaço de construção e de autonomia, modelo
de conduta, indutor de desigualdade, política de estado, instrumento de formação
humana e processo de inovação pedagógica. Alertando as intenções e significados das
relações de poder que envolvem o tema, entendendo o currículo pela forma como se
organiza e se desenvolve, em meio a uma ideologia de poder, que envolve economia,
política, cultura, raça e gênero. Pensar os currículos como o que direciona nossa
construção do conhecimento e por sua fez nos transforma no que somos, leva a
questionar que identidades estão sendo construídas pelos atuais currículos, e a refletir
que identidades poderiam ser construídas, dependendo do caminho percorrido para tal
construção.
PALAVRAS-CHAVE: Desigualdade Social, Políticas de Currículo, Identidades e
Inovações Pedagógicas.
Historiando
“Se a história serve para os estudos culturais do currículo, como então os
currículos servem aos estudos culturais do ensino de história?” (MARTINS,
2007)
Esta pergunta traz o “ensino de história”, que neste trabalho é citado, por um simples
trocadilho de palavras, desejando na realidade questionar a compreensão de como se
Rogéria Pereira Fernandes Soares
5795
A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
produz o conhecimento no campo do saber contemporâneo, como ele é legitimado, a
que sujeito e forma de vida referencia, quais as aprendizagens significativas desse
sujeito em relação à formação curricular nas escolas, se no campo curricular continua-se
a enfatizar que a interface seja feita pelas clássicas formas de organização dos saberes
da educação? Como um campo pode interpelar o outro, dialeticamente?
Aponta Godson (1997), ser a abordagem histórica do currículo precisa a fim de acabar
com a “amnésia histórica”, que segundo o autor “(...) permite que a reconstrução
curricular seja apresentada sempre como uma revolução curricular”. E é nesta
abordagem histórico-curricular que se deve questionar quais conhecimentos foram
considerados válidos em cada momento histórico. Tendo o currículo como construção
social, as condições históricas contribuíram para a emergência de determinadas formas
de organização educacional e para a valorização de determinados pensamentos
educativos, onde as idéias e as práticas em educação foram transformando as
necessidades dos grupos sociais.
Fazendo-se um rápido passeio na história da construção curricular, encontra-se uma
escola que desde cedo se utiliza de práticas curriculares para ser detentora do ato
educativo, legitimando desta forma a escolarização com ações autoritárias de
planejamento, seleção e organização de um determinado conhecimento.
O currículo como objeto de estudo, apesar de já nos anos de 1840 se notar uma atenção
mais direcionada à forma como o ensino estava sendo organizado e planejado, aparece
no final da década de 1920, ligado ao processo de industrialização e conseqüentemente
a massificação escolar, passando a ser aceito como procedimento de medida para
obtenção de um resultado. Surgindo, desde que visto como campo de estudo, teorias
para explicá-lo e questioná-lo. Teorias estas que discutem a importância de um dado
conhecimento como parte integrante de um currículo a ser seguido.
Surge então a preocupação da relação de poder, compreendendo o currículo como
orientador do que se vem a ser, no dia a dia escolar. Seja na relação professor/aluno e/ou
direção/professor, ultrapassando o muro da escola, no que diz respeito às relações de
classe, raça e gênero, que vai muito além da questão da escolha de conteúdo. Um
currículo que no exercício da função social escolar, ajude a compreender a
Rogéria Pereira Fernandes Soares
5796
A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
complexidade dos fenômenos da sua contemporaneidade, articulando-se ao todo social
de que faz parte.
“(...) da modernização dos currículos, da renovação das idéias
pedagógicas, o trabalho dos professores evolui lentamente (...), porque
a relação educativa obedece a uma trama bastante estável e porque as
condições de trabalho e sua cultura profissional instalam os
professores em rotinas. É por isso que a evolução dos problemas e dos
contextos sociais não se traduz “ipso facto” por uma evolução de
práticas pedagógicas.” (PERRENOUD, 1999, p. 12)
Nas últimas décadas, a sociedade contemporânea vem passando por mudanças
significativas. Vê-se então na história que a noção de currículo tem sido várias vezes
modificada, por não depender apenas de um planejamento, mas, acima de tudo, por ser
determinada pelo contexto, adquirindo neste, longe de ser uma marca distintiva dos
sujeitos, diferentes sentidos de acordo com os diversos atores sociais, a fim de ampliar
os conceitos e valores das distintas formas históricas de identidade.
Nas teorias de ensino o assunto currículo aparece em diferenciadas abordagens ao longo
do tempo, em uma conseqüência da preocupação com a coerência dos aspectos
pedagógicos e com a própria forma de repassar um determinado conteúdo, na relação
ensino/aprendizagem, desenvolvendo na história da educação diferentes teorias.
● Teoria Tradicional
Uma idéia de planejamento curricular que buscava resultados no modelo industrial,
baseado na teoria da gestão científica desenvolvida por Taylor, em 1911, para a
indústria, “(...) partindo da chamada job analysis, ou seja, da análise detalhada de
gestos, seqüências e tempos necessários para a execução de tarefas.” (FINO; SOUSA,
2003:3). Possuindo como meta uma educação geral e o trabalho especializado. Um
currículo centrado na organização de conteúdos e ensino dos mesmos, tendo como norte
a eficiência nos resultados, na produção.
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
● Teoria Crítica
Os anos 60 foram marcados por grandes movimentos sócio-culturais, surgindo dentre
eles as primeiras teorias que iam de encontro à estrutura escolar tradicional vigente, em
particular, a maneira de conceber e organizar o currículo.
Um
currículo
guiado
e
justificado
por
questões
sociológicas,
políticas
e
epistemológicas, marcado por um modelo fabril, mecânico. Um saber do sujeito, um
sujeito submetido e controlado por diferentes poderes, agindo como outro saber sobre
ele, que o diagnostica e que o leva a caminhar em um mundo guiado por modelos, que
atropelam sua criatividade, que dizem o que fazer e como fazer, e em nenhum momento
é colocado em questão o para que fazer. Em uma cultura sócio-escolar de transmissão
do saber e não de construção, onde falta dar-se sentido ao conhecimento adquirido.
Uma tendência contrária a teoria tradicional curricular que afirmava a dominação, uma
vez que para o sucesso do capitalismo, o currículo deveria sedimentar as desigualdades
sociais e econômicas. Uma nova tendência que ao contrário, privilegiava sujeitos, suas
subjetividades, suas experiências e as realidades dos lugares em que viviam.
● Teoria Pós-Crítica
É, porém na modernidade e pós-modernidade que a crença fica face a face com a
dúvida, e a desconstrução das crenças, enquanto produções sócio-históricas indicam a
multiplicidade presente nos diferentes objetos que estão no mundo, negando com isso a
possibilidade de apreendê-los de forma objetiva e neutra, colocando em questão o
conhecimento baseado em verdades.
Surgem então as teorias pós-críticas, a multiculturalista em duas perspectivas a liberal
ou humanista e a mais crítica. A primeira defende um espaço cultural harmônico, já a
segunda, continuando com sua base centrada no poder, defende a liberação de um
espaço pela cultura dominante à dominada. Essas teorias trazem a tona críticas às
desigualdades geradas nas instituições escolares, as quais conseguem ultrapassar as
questões de uma desigualdade de classes sociais voltadas para uma economia dominante
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
e alcançam um domínio de classes em relação também as questões de gênero e de raça.
A crítica a um currículo preparado para “homens brancos”, que valoriza a separação dos
sujeitos, o domínio, o controle, o individualismo e a competição, voltados ao interesse
masculino.
Considerando a Teorização Curricular como Modelador de Conduta
No Brasil os Jesuítas entram pela via da educação, através de escolas, usando a
instrução como um meio de assegurar a eficácia do intento da Coroa. Surge então uma
Nova Ordem, pelo caminho da missão educativa. Uma instrução que se cumpre em um
processo de aculturação centrada nas tradições e costumes do colonizador, modelando
condutas a partir de uma catequese que trazia a religião católica como obra de Deus,
enquanto que as religiões dos índios e dos negros vindos da África como obra do
demônio.
Uma tendência tradicional que se caracteriza por uma visão essencialista do sujeito, isto
é, o sujeito concebido como constituído por questões universais e imutáveis. Onde a
educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência
universal e ideal que o define enquanto ser humano.
Nos anos 30 do século XX surge o movimento renovador através da ocupação dos
principais postos da burocracia educacional e criação de órgãos que buscavam a
hegemonia do campo educacional.
A “teoria do capital humano” (SCHULTZ, 1973), nos anos 60, foi instituída como
demonstração do “valor econômico da educação” (SCHULTZ, 1967). Uma educação
que passou a ser tida como ponto decisivo do desenvolvimento econômico, como um
bem de produção.
Com o passar dos anos, surge uma tendência crítica, tentando clarificar a subordinação
que a “teoria do capital humano” coloca a educação, tornando-a funcional ao sistema
capitalista. Colocando-a a serviço dos interesses de uma classe dominante, onde ao
Rogéria Pereira Fernandes Soares
5799
A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
qualificar a força de trabalho, reforçava-se a produção da mais-valia, e em
conseqüência, as relações de exploração.
“O processo de escolaridade era interpretado como um elemento
fundamental na formação do capital humano necessário para garantir a
capacidade competitiva das economias e, conseqüentemente, o
incremento progressivo da riqueza social e da renda individual.”
(GENTILI, 2002, p. 50).
Mais adiante, surge uma crítica das “críticas”, uma tendência pós-crítica que coloca a
existência da escola baseada na formação da cidadania. Surgindo uma tendência que
fala de uma escola sem vínculo, seja positivo ou negativo, com a teoria do capital
humano. Uma escola desvinculada do processo de produção, que passa a questionar a
verdade do conhecimento adquirido.
“As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de
cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu
formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao
mesmo tempo: conteúdos(culturais ou intelectuais e formativos),
códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e
modelam conteúdos e formas.” (SACRISTÁN, 2000, p. 16).
Observa-se que, ao longo das décadas acima citadas, a teorização curricular modelando
as condutas dos sujeitos, do dogma à teoria, desde os jesuítas, para os quais a religião
dos outros era obra do demônio, a Karl Marx, para o qual a religião dos outros é obra
dos homens. Onde a escolha de uma teoria está orientada pela ética, “Ethos” a morada
do homem, ou seja, na forma de conceber o ser no mundo. Pois ao se produzir
saber/conhecimento, oriundo de uma diversidade de forças que regula a vida, se afeta o
que se está conhecendo, se produz subjetividade, se produz o sujeito.
“(...) uma teoria não é o conhecimento, ela permite o conhecimento;
uma teoria não é um ponto de chegada, é a possibilidade duma
partida; uma teoria só desempenha o seu papel cognitivo, só ganha
vida com o pleno emprego da actividade mental do sujeito.” (MORIN,
1990, In SOUSA, p.21, 2000)
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
Considerando o Currículo como Indutor de Desigualdade
Um currículo que vem ao longo da história, pela forma como se organiza e se
desenvolve, sugerindo desigualdades. Que privilegia uma tendência do pensamento a
considerar as categorias, normas e valores de uma própria sociedade ou cultura como
parâmetro aplicável a todas as demais. Uma aculturação, uma despersonalização, que
não tendo flexibilidade para absolver o diferente, gera desigualdade e por fim exclusão.
Um currículo de uma “escola para todos”, que não passa pela subjetividade de que
“todos são diferentes”, perdendo cada vez mais na disputa pela atenção dos alunos.
Desde a Política do Estado do Bem-Estar que, na chamada era de ouro do capitalismo,
propagava o pleno emprego, entendendo a educação como tendo por função preparar o
sujeito para atuar num mercado que exigia força de trabalho educada, à nova situação de
um currículo que capacita para empregabilidade, que não garante mais o emprego,
diante de um número considerado de doutores desempregados. Uma verdadeira
metamorfose social, que a formação educacional não mais acompanha, tendo em vista,
as desigualdades até mesmo entre os “iguais”, curricularmente falando.
Um currículo que no campo científico se preocupa com a didática e não com a educação
propriamente dita, esquecendo ser a mesma uma atividade social. Um currículo que não
é possível ser mapeado devido às diversas definições, sendo concebido como formal,
quando composto por disciplinas e integrado, quanto plano pedagógico. Levando um
sonho inatingível entre os sujeitos, diferentes por natureza e cujas diferenças são
enaltecidas face às diferenças culturais, de se tornarem “iguais”. Direcionando, desta
forma, cada vez mais, uma educação que leva a angústias, frustrações e acentuada
desigualdade.
Como poderia o currículo, sendo ele próprio elaborado pela classe dominante, que tem
nas entre linhas uma adequação da conduta do ser quanto saber/conhecimento sob forma
de poder, gerar um bem estar social? Em uma sociedade contemporânea, onde ser
sujeito é uma opção de consumo, atrelada a conforto e segurança, em que a velocidade
das mudanças que geram instabilidade às condições de sobrevivência, destrói a
possibilidade da prática dos seus ideais, e o leva a queixas e angústias não mais ligadas
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
as dificuldades de se alcançar os objetivos, mas ao emaranhado das possibilidades
oferecidas.
Considerando o Currículo como Política de Estado
Focalizando estas possibilidades, as políticas e práticas do currículo visam oferece aos
alunos, posto que, estes em sua grande maioria não saem da escola, preparados para
atuarem em um cenário neoliberal que se contrapõe à tendência anterior de aumento da
intervenção governamental, em economias capitalistas, como resultado da adoção de
políticas sociais de natureza assistencial e de políticas econômicas, valores como
eficiência, produtividade e competitividade. A “orientação” curricular de um mundo
desigual e globalizado que leva a refletir sobre a qualidade que se pode esperar do
sistema educacional diretamente ligado a Política de Estado.
Considerando a escola, reconhecida e apoiada pela sociedade, em meio a um sistema
governamental que substitui o poder pela ação, encontra-se um novo objetivo de escola
que se ajuste a “finalidade” de uma nova ordem global, levando-a a novas formas de
sistematizar o conhecimento. Resignificando nas Políticas de Estado, através do
currículo, o conceito de aprender, colocando o Estado como guardião da educação
pública.
Um Estado que deve esforçar-se para alcançar o aumento das questões morais,
intelectuais e sociais dos sujeitos. Buscando melhorias nas atividades educativas,
através dos inúmeros programas educacionais impostos a sociedade, funcionando como
instrumento de promoção da aquisição do conhecimento da população.
Nesse contexto existe a iniciativa do Estado no sentido de um planejamento que vise
“assegurar”, nas escolas, a preparação da população para ocupar postos de trabalho, mas
não mais no mercado do pleno emprego. Agora se trata de uma iniciativa do Estado em
oferecer, através de uma política curricular que não abrange a sociedade como um todo,
“qualidade de ensino”. Mas é o sujeito, que no exercício de suas capacidades deverá se
tornar competitivo no mercado de trabalho. Fornecendo, deste modo, o Estado,
oportunidades escolares que dependendo do próprio sujeito, sem levar em conta sua
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
dinâmica individual, e por assim ser, gerar desigualdade, estará ou não apto em nível de
empregabilidade.
“Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e
demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade
das empresas, a riqueza social etc.) para uma lógica econômica
estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e
competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional
para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho.” (GENTILI,
202, p.51).
Uma educação dita como um investimento, onde se registrar a presença do Banco
Mundial na definição de nossas políticas educativas, fato que demonstra a prevalência
da lógica financeira sobre a lógica social como um todo. Um crescimento econômico
que aparentemente convive muito bem com a alta taxa de desemprego, gerada pelo
grande número de excluídos “naturalmente” do processo do “igual para todos”. Uma
exclusão que caminha lado a lado com o discurso da inclusão e de justiça social.
O currículo, longe de ser neutro, possui um papel político que gera mecanismos de
poder, dominação e desigualdade. Uma forma de adaptar o sujeito ao sistema de uma
sociedade de consumo, onde tudo passa a ser normal porque é relativo, gerando sujeitos
passivos, desarticulados, sem espaço para pensar, desenvolvendo interesses e conflitos
concretos. Onde regras que levam a divisão dos sujeitos em capazes ou não, são préestabelecidas por uma classe minoritária dominante, reafirmando o poder em suas
diferenciadas formas.
Considerando o Currículo como Instrumento de Formação Humana
O currículo como instrumento de formação humana deve estar diretamente associado às
necessidades sociais de sua época, vinculado as questões sócio-históricas. Um currículo
instrumento educacional, social e cultural que ao organiza suas funções e significados
reflita os objetivos do sujeito quanto sujeito, mantendo-se atualizado, não funcionando
apenas como grade curricular do sujeito/objeto. Um currículo longe de ser, como cita
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
Moreira (1997, p.9), “(...) um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressado
do conhecimento social.”
Uma proposta que pode ser trabalhada em diversos sentidos, um projeto, algo em
construção, que não diz respeito apenas a professor e aluno, mas a todos os atores
sociais e ao próprio conhecimento. Que não pode ser fechado em uma linha, visto que
abrange toda uma sociedade, devendo por isso ser o resultado de uma seleção em um
universo mais amplo de conhecimentos e saberes, na perspectiva de uma interação
humana entre os protagonistas sociais.
O Currículo como Processo de Inovação Pedagógica
A Inovação Pedagógica se da em um pensar/ação, que vai além do se pensar o hoje, um
não ser contemporâneo, uma elaboração sensível e criativa de futuros educacionais
possíveis, ativando a curiosidade e fomentando tendências e mudanças na esfera da
educação como um todo. Um saber lidar com estranhamentos e incertezas e se
maravilhar com o desconhecido em face de uma metodologia de investigação que
abrace, sem saudosismos, imagens alternativas, em uma inovação diferente de mudança.
Um ir ao futuro ainda no presente, em uma busca e em nome do desejo, pois só quando
o desejo bate forte, ele se transforma em sonho. Logo, é preciso sonhar, acompanhar
experiências novas e inovadoras. Tendo como foco educacional o sujeito, o conjunto de
sujeitos e o equilíbrio social.
“É a sociedade, pois, que devemos interrogar; são as suas
necessidades que devemos conhecer, porquanto a elas é que nos
cumpre atender. Limitar-nos a olhar para dentro de nós mesmos, seria
desviar nossos olhos da realidade que nos importa atingir, e isso nos
colocaria na impossibilidade de nada compreender do movimento que
arrasta o mundo, ao redor de nós e nós próprios com ele.”
(DURKHEIM, 1975, p. 90).
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
Nesta linha de raciocínio, o currículo como processo de inovação pedagógica é uma
ação que aponte possibilidades de uma prática pedagógica diferenciada na escola. As
inovações pedagógicas acontecem na organização e na dinâmica do trabalho
pedagógico, na perspectiva de um currículo que atenda à realidade dessa prática durante
a sua construção. Um currículo inovador quanto mudança e construção consciente de
identidade escolar, do lugar do sujeito na contemporaneidade, em uma análise das
conseqüências das ações
deste
sujeito,
diferente
dos
demais
identificados
historicamente, que ressalta um espaço de diversas referências identificatórias.
Nesta composição, ter um novo olhar a um currículo que exerce um papel fundamental
na formação do cidadão, e que não deve ser apenas analisado quanto ao sentido, mas
decifrado, em uma análise de conseqüências, para ser à base de enfrentamento da
compreensão da nova ordem de um mundo globalizado. A fim de compreender o
processo educativo no verdadeiro papel que o currículo desempenha frente ao equilíbrio
das instituições sociais e seus diversos atores.
Neste sentido, a relevância do currículo como processo de inovação pedagógica, diante
de um mundo palco de rápidas mudanças, onde a distância entre o presente e o futuro é
cada vez menor, é de negar a partir de uma análise crítica e reflexiva, ser a escola uma
sucessão das práticas contemporâneas, mas sim, ter um novo olhar sobre as práticas de
aprender e de organizar a aprendizagem no sentido de ter a escola mudanças própria.
Onde o profissional da educação, lançando mão da construção de um currículo que parta
de uma observação local, possa compreendê-la a fim de poder identificar suas
necessidades, sendo desta forma agente de uma nova organização educacional,
requerendo na busca de um pensamento estratégico de futuro, a consciência, como
afirma Kramer (1999), de um currículo que não deve ser entendido como pronto para
ser usado, mas como algo a ser aprimorado continuamente, que não deve ser
implementado e sim plantado no ambiente ao qual faz parte.
Portanto, como bem aponta Karel Kosik (1976), “a realidade pode ser mudada só
porque e só na medida em que nós mesmos a produzirmos, e na medida em que
saibamos que é produzida por nós”.
Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
Considerações Finais
Para compreender o significado do currículo no processo educacional, é necessário
conhecer na história os caminhos pelos quais percorreram seus estudos. Neste trabalho,
procurou-se, não conceituar currículo, mas analisar as teorias sobre o currículo. Uma
compreensão da atuação do currículo no social, através de suas teorizações, desde seu
papel burocrático e mecânico em uma escola quanto empresa, até o que precisa ser
mudado para que ele possa se tornar processo de inovação pedagógica.
Uma análise das elaborações e práticas curriculares, e os interesses que envolvem a
construção das mesmas, que determinam as práticas sociais em detrimento aos
interesses das classes dominantes que embotam o papel social e político do currículo,
mantido em meio a uma ideologia de poder, mas que pode vir a ser um espaço de
construção e de autonomia.
Na contemporaneidade, a evolução do conhecimento, o avanço das TIC, as
transformações políticas e sociais e o processo de globalização, levam o currículo, a
uma necessidade de movimento e inovações profundas em sua construção. Onde sem
negar o universal, mas atento ao singular, o que é sintoma para Freud ou indícios para
Conan Doyle em Sherlock Holmes, deve ser visto como um sinal, uma pista de que algo
não vai bem, onde muitas vezes o “estranho” é muito familiar.
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Rogéria Pereira Fernandes Soares
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A Organização do Currículo no Contexto da Política de Ciclos em Mato Grosso
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
CURRÍCULOS POR PROJETOS: A CONVICÇÃO
QUE INSPIRA
Soraneide Soares Dantas
Suzyneide Soares Dantas
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Currículo por Projetos: a convicção que inspira
CURRÍCULO POR PROJETOS: A CONVICÇÃO QUE INSPIRA
Soraneide Soares Dantas 1
Suzyneide Soares Dantas2
RESUMO: O presente artigo traz a contribuição ao debate sobre o currículo por
projetos na perspectiva de integrar os conhecimentos a partir dos desafios de uma
realidade. O currículo por projetos vem sendo praticado como um modelo curricular
inovador e superador da lógica disciplinar-fragmentária e abstracionista que a tradição
curricular cultivou secularmente (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998). Integrar
conhecimentos e pensá-los com as realidades contextualizadas. Nesse sentido,
realizamos uma pesquisa-ação em que uma escola da rede pública do Estado do Rio
Grande do Norte, que adotou como prática inovadora, o currículo por projetos, nos anos
iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º anos). O currículo por projetos foi desenvolvido
durante um ano letivo com a temática, “Educação e Ética” articulada por dois eixos: “ O
SER: IDENTIDADE” e “ HOMEM – NATUREZA”. A análise interpretativa dos dados
revelou que o modelo curricular por projetos contribuiu de forma significativa no
processo ensino e aprendizagem, promovendo a compreensão articulada entre diversos
saberes.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo por projeto. Prática inovadora. Aprendizagem
significativa.
INTRODUÇÃO
O conhecimento atual permite-nos situar a necessidade de estabelecer
formas de organizar os conteúdos de aprendizagem nas quais os critérios disciplinares,
apesar de continuarem sendo fundamentais, não são os prioritários. Conceitos como os
de significatividade e funcionalidade da aprendizagem, o sentido que esta deve ter para
o aluno, a necessidade de desvelar a atitude favorável e a motivação pela aprendizagem,
a importância no número e na qualidade das relações existentes nas estruturas de
1
Doutora em Educação. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2
Mestre em Educação. Docente da Universidade Potiguar.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
5812
Currículo por Projetos: a convicção que inspira
conhecimentos, entre outros, permite-nos assegura que a organização dos conteúdos
deve corresponder a alguns critérios muito mais amplos e complexos do que aqueles
determinados pela lógica das disciplinas acadêmicas.
(...) a fragmentação da atividade intelectual e cultural em uma massa
de disciplinas e subdisciplinas leva a uma dispersão do conhecimento
que ultimamente cria um processo mais ou menos espontâneo de
cooperação interdisciplinar motivada por necessidades de ordem
intelectual ou científica. (ZABALA, 2002, p.24)
O currículo por projetos orienta na perspectiva de integrar os conhecimentos
a partir dos desafios que a realidade concreta se apresenta, desta forma, vem sendo
praticado como um modelo curricular inovador e superador da lógica disciplinarfragmentária e abstracionista que a tradição curricular cultivou secularmente.
A essência da proposta curricular por projetos, consiste em integrar
conhecimentos e pensá-los em realidades contextualizadas, proporcionando a
experienciação de forma globalizada, a partir de uma compreensão relacional. E, as
estratégias didático-pedagógicas incentivam e desafiam os protagonistas possibilitando
o processo de construção do conhecimento.
Antunes (2007) evidencia que a essência e a chave do de um projeto é o
esforço investigativo que deve instigar todos os envolvidos, que estarão voltados a
encontrar respostas convincentes para questões sobre o tema. O autor ainda salienta que,
os objetivos de um projeto não se esgotam apenas em buscar respostas corretas e
abrangentes, mas principalmente em aprender de maneira significativa.
A experiência ora apresentada foi realizada em uma escola pública da rede
estadual de ensino do Rio Grande do Norte, que se propôs a elaborar o seu currículo por
projetos para promover aos seus alunos uma construção ativa do conhecimento, de
forma articulada e não fragmentada, como era de costume. Esse desafio ocorreu devido
a constatação dos baixos índices de desempenho dos conteúdos escolares dos alunos nos
anos iniciais do ensino fundamental.
Para tanto, o professorado da escola, com o apoio pedagógico das
pesquisadoras, formadoras de professores, discutiram, estudaram e elaboraram uma
proposta inovadora para a escola: o currículo por projetos.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
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Currículo por Projetos: a convicção que inspira
O tema “Educação e Ética” foi escolhido como temática geral para o
projeto, o que possibilitou o seu desmembramento em dois eixos articuladores: O SER:
IDENTIDADE e HOMEM – NATUREZA. Cada sub-tema foi desenvolvido em um
semestre letivo.
A análise interpretativa dos dados revelou que o modelo curricular por
projeto contribuiu de forma significativa para a formação dos conhecimentos
sistematizados pelos alunos, promovendo a compreensão articulada dos diversos saberes
envolvidos.
PONTO DE PARTIDA: NECESSIDADE DE MUDANÇA
Na perspectiva do conhecimento globalizado e relacional inspirou-se o
currículo por projetos. Essa modalidade de articulação dos conhecimentos escolares é
uma forma de organizar a atividade de ensino e aprendizagem que considera que tais
conhecimentos não se ordenam de uma forma rígida, nem em função de algumas
referências disciplinares preestabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos, mas
de forma articulada.
A função do projeto é
(...) favorecer a criação de estratégias de organização dos
conhecimentos escolares em relação ao tratamento da informação, e a
relação entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou
hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus
conhecimentos, a transformação da informação procedente dos
diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio.
(HERNÁNDEZ e VENTURA, 1999, p.61)
O currículo por projetos se organiza seguindo um determinado eixo: a
definição de um conceito, um problema geral ou particular, um conjunto de perguntas
inter-relacionadas, uma temática. Dando ênfase na articulação da informação o projeto
é construído, identificando o problema objeto de estudo e os procedimentos requeridos
pelos alunos para o seu desenvolvimento, ordenando-o, compreendendo-o e
assimilando-o.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
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Currículo por Projetos: a convicção que inspira
Um elenco possível de aspectos é preciso considerar em uma proposta como
essa, em que os processos comunicativos de ensino e a aprendizagem recomenda o
favorecimento do alunado atitudes positivas em relação à aprendizagem, como prérequisito importante do ensino.
Olhar o ensino como processo é uma imagem útil, embora seja
necessário precisar muito mais do que isso, porque essa experiência
vivida a partir de dentro implica uma acumulação favorável de fatores
que combinam interesse, compreensão e um certo grau de sucesso.
(RUÉ, 2003, p.31)
Nesse sentido, considerar a diversificação dos vários tipos de tarefas de
aprendizagem para promover e desenvolver experiências e oportunidades de
aprendizagem que potencializem atitudes e hábitos de pensamento nos diferentes
alunos.
Compreendendo ainda que, as experiências de aprendizagem mais
envolventes são as que podem ser percebidas como relativamente próximas do campo
de experiência do próprio sujeito, seja em um sentido mais ou menos real, seja no do
que pode ser intuído como próximo por quem aprende.
Partindo dessas premissas, no início do ano letivo de 2007 as professoras
dos anos iniciais do ensino fundamental de uma escola pública estadual do Rio Grande
do Norte, iniciaram o currículo por projetos, a partir da problemática do baixo
desempenho escolar de seus alunos, diagnosticado no final do ano letivo de 2006.
Para tanto, na semana pedagógica realizada no início do novo ano, a nova
proposta de trabalho foi discutida e elaborada, objetivando proporcionar mudanças
significativas no processo ensino e aprendizagem da sua escola. Para tanto, a formação
continuada dos professores na Escola foi o primeiro passo para a apropriação da nova
proposta de trabalho pedagógico: o currículo por projetos.
Inicialmente, para a elaboração do currículo por projetos, as professoras
partiram de alguns questionamentos:
o que pretendemos que os nossos alunos
aprendam com o projeto? Nesse sentido, inovações, paradoxos, contrastes com outras
formas, cenários educativos e experiências trazidas pelos próprios protagonistas foram
consideradas.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
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Currículo por Projetos: a convicção que inspira
Hernández e Ventura (1998) enfatizam que, como ponto de partida, o
currículo por projetos começa com a escolha do tema. Acrescentam ainda que, em cada
nível de escolaridade, essa escolha adota características diferentes. Escolhido o tema do
projeto e construídas as percepções sensibilizadoras, em termos do que se queriam
saber, as perguntas a que se deveria responder, estruturam a esquematização do fio
condutor.
Nessa perspectiva, o tema escolhido foi “Educação e Ética”, que por sua
vez,
conduziu a elaboração de dois eixos temáticos: “O SER(Identidade)”
e
“Homem/Natureza”. As professores da Escola justificaram a escolha do tema pelo
compromisso com a construção da cidadania que, por sua vez, pede necessariamente
uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e
responsabilidade em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. A partir daí, o ponto
de partida fora lançado.
A CONVICÇÃO QUE INSPIRA
Diante do cenário retratado anteriormente, a experiência do currículo por
projetos foi sendo construída em uma escola pública estadual do Estado Rio Grande do
Norte, em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental.
As professoras iniciaram o 1º semestre letivo com o projeto O SER numa
perspectiva identitária, partindo do pressuposto que a criança como todo ser humano é
um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inscrita
em uma sociedade, com uma determinada cultura em um determinado momento
histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas
também o marca.
Até pouco tempo, a educação não priorizava a formação do educando
enquanto sujeito participante da história, construtor de um processo dinâmico, apesar
desse sujeito ser aquele que age, interage e modifica a sociedade. As crianças pensam o
mundo de um jeito especial e muito próprio. É a partir das relações que estabelecem
com a realidade em que convivem, com o meio familiar e com as pessoas que
necessitam se relacionar no cotidiano, que elas passam a “ler” e compreender o mundo.
Cabe à educação facilitar essa “leitura” e compreensão dessa realidade.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
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Currículo por Projetos: a convicção que inspira
Nesse sentido, no primeiro semestre letivo, as professoras trabalharam
objetivando possibilitar a construção da Identidade da criança a partir das relações
sócio-histórico-culturais, de forma autêntica, consciente e contextualizada. Como
objetivos específicos: conhecer a origem do nome e seu significado; apropriar-se da
escrita do nome; desenvolver conceitos matemáticos de classificação, seriação e
ordenação, presentes nos contextos trabalhados; explorar conceitos de identidade,
família, bairro, estado, país; desenvolver o conceito de tempo, explorando os dias, os
meses do ano através das datas de nascimento das crianças e noção de espaço
geográfico, localizando as cidades onde nasceram.
O projeto curricular O SER (IDENTIDADE) foi subdividido abordando as
seguintes temáticas: “Eu e os que me rodeiam”. Essa temática foi desencadeada a partir
das seguintes questões desencadeadoras: - Como é o meu nome completo? - Qual o
significado do meu nome? - Para que serve o nome? - Por que sei que este nome é meu?
– minhas características físicas( meu corpo- higiene pessoal), alimentar, lazer, vestuário;
o nome dos meus pais, data nascimento, a cidade em que nasci, o estado, o pais –
certidão de nascimento( apelidos não são nomes); o que gosto de fazer; minhas
preferências; o número em minha vida; minhas brincadeiras favoritas; meu animal de
estimação.
Foram abordados outras sub-temas como: “Meus direitos e meus deveres
(estatuto da criança e do adolescente)”; “Direito a família” destacando temáticas como:
aqueles que cuidam da criança; seus irmãos e suas irmãs; os parentes; meus amigos; o
que minha família faz que me ajuda a ser feliz, entre outras questões. “.Direito a uma
Escola de qualidade” destacando discussões sobre: Minha Escola - Localização;
Endereço; mapa da escola; os vizinhos da escola; espaço físico; sala de aula; historia da
escola; origem do nome; a missão da escola; seus funcionários, entre outras questões.
“Direito a moradia (meu bairro)”: o lugar aonde moro; minha rua(endereço); localização
no mapa; referencias; local de moradia; entre outras questões relevantes. “Direito a uma
qualidade de vida: minha cidade, para a turma do 3 ano; e “Direito a uma qualidade de
vida: Meu Estado”, desenvolvido pela turma do 4 ano do ensino fundamental.
Como conteúdos atitudinais foram trabalhados: o saber ouvir; esperar a vez
de falar; respeitar as opiniões dos outros; respeitar as pessoas; perseverança; tolerância;
assiduidade; pontualidade; compromisso; cooperação.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
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Currículo por Projetos: a convicção que inspira
E, dentro dos conteúdos procedimentais foram realizadas: conversas;
discussões, debates; leitura, produções de textos, pesquisas, elaboração de situaçõesproblemas; confecção de painéis; confecções dos diversos gêneros textuais trabalhados
no ano (cartas, bilhetes, telegramas, avisos).
O processo de avaliação transcorreu durante todo o processo de ensinoaprendizagem, utilizando como instrumentos os registros e observações de sala de aula
ocorridos durante as atividades trabalhadas, objetivando a reestruturação ou o avanço
dos conhecimentos almejados.
Para o segundo semestre letivo, a temática trabalhada foi
HOMEM –
NATUREZA. Compreendendo que a vida cresceu e se desenvolveu na Terra como uma
trama, uma grande rede de seres interligados, interdependentes. Essa rede entrelaça de
modo intenso e envolve conjuntos de seres vivos e elementos físicos. Para cada ser vivo
que habita o planeta existe um espaço ao seu redor com todos os outros elementos e
seres vivos que com ele interagem, por meio de relações de troca de energia: esse
conjunto de elementos, seres e relações constitui o seu meio ambiente.
Explicando dessa forma, pode parecer que, ao se tratar de meio ambiente,
se está falando somente de aspectos físicos e biológicos. Ao contrário, o SER
HUMANO faz parte do meio ambiente e as relações que são estabelecidas – relações
sociais, econômicas e culturais – também fazem parte desse meio e, portanto, são
objetos da área ambiental. Ao longo da história, o homem transformou-se pela
modificação do meio ambiente, criou cultura, estabeleceu relações econômicas, modos
de comunicação com a natureza e com os outros. Mas é preciso refletir sobre como
devem ser essas relações para se tomar decisões adequadas a cada passo, na direção das
metas desejadas por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio
ambiental.
Nesse sentido, o projeto curricular O HOMEM – NATUREZA trabalhou os
seguintes conteúdos conceituais: O espaço de circulação de trabalho e lazer; Diferentes
paisagens: o espaço urbano e o espaço rural; A paisagem no meu município; Ambientes
ameaçados.
Como conteúdos atitudinais foram trabalhadas as seguintes atitudes: sabe
ouvir; esperar a vez de falar; respeitar as opiniões dos outros; respeitar as pessoas;
perseverança; tolerância; assiduidade; pontualidade; compromisso; cooperação. E, os
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
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Currículo por Projetos: a convicção que inspira
conteúdos procedimentais, ocorreram através de pesquisas, conversas; discussões,
debates; leitura, produções de textos, pesquisas, elaboração de situações-problemas;
confecção de painéis; confecções dos diversos gêneros textuais trabalhados no ano
(cartas, bilhetes, telegramas, avisos).
O processo de avaliação transcorreu durante todo o processo de ensinoaprendizagem, utilizando como instrumentos os registros das observações de sala de
aula ocorridos durante as atividades trabalhadas, objetivando a reestruturação ou o
avanço dos conhecimentos almejados.
O compromisso com o aprendizado ativo e a criação foi tratado como mola
mestra do trabalho realizado em um ambiente pedagógico motivador, incentivado para
realçar e valorizar a consciência do sentido da aprendizagem grupal.
Trabalhou-se para se conceder e instituir uma avaliação processual, ou seja,
de início, verificou o que os alunos sabiam sobre o tema, quais eram as suas perguntas,
hipóteses e referências de aprendizagem, e, ao longo do projeto, se estavam aprendendo,
como estavam acompanhando o sentido do projeto, para finalmente fosse percebido o
que aprenderam em relação às propostas iniciais e se foram capazes de estabelecer
novas relações.
Hernández e Ventura (1998) enfatizam que partindo da perspectiva geral os
projetos geram um alto grau de autoconsciência e de compreensão nos alunos com
respeito a sua própria aprendizagem, ainda que num determinado período ou momento
da formação possa estar desenvolvendo projetos de uma forma menos intensa. Segundo
os autores, essa variedade é um elemento de contraste, dinamiza a discussão.
Enfim, o que nos parece importante salientar, no veio dos argumentos das
nossas perspectivas curriculares, é que nenhum dispositivo ou modelo curricular deve
ser compreendido ou implementado como mais uma nova panacéia educacional. A
superação dessa expectativa aplicacionista junto de uma abertura para avaliar a
inovação já seria um grande avanço para a superação dos nossos hábitos reprodutivistas
e totalizantes em termos pedagógico-curriculares.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
5819
Currículo por Projetos: a convicção que inspira
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O currículo por projetos trata-se de uma inovação que pode ser aplicada
articulando as diversas áreas do conhecimento. Observamos, na pesquisa realizada que,
o currículo por projetos adotado pela professoras da Escola favoreceu o empenho de
forma efetiva de todos os envolvidos.
Nesse sentido, a realização do currículo por projetos promove alternativas
de conecções entre conteúdos, articulando uma diversidade saberes promovendo
situações educativas em que os alunos participavam de forma ativa como protagonistas,
demonstrando prazer e satisfação, ao longo de todo o desenvolvimento do projeto.
Salientamos ainda que, do ponto de vista da prática docente, verificamos
nessa pesquisa que, a formação continuada dos professores é um marco relevante para a
mudança no currículo escolar.
Fundamentados com um conjunto de ferramentas
funcionais como sujeitos que as dominem e nas situações em que o fazem são fatores
relevantes em um processo de transformação. Porque aprender não pode ter outro
sentido senão o desenvolvimento ou aprimoramento pessoal.
Acreditamos ainda que, qualquer que seja o tipo de aprendizagem
estimuladora que se proponha, qualquer que seja a modalidade de trabalho proposta,
deverão proporcionar aos alunos, entre outras coisas, no mínimo as referências
fundamentais como: a possibilidade de desenvolver um projeto pessoal de
aprendizagem; a possibilidade de visualizar este projeto tanto como produto quanto
como forma específica de apropriar-se dos conhecimentos que lhe é proposto; oferecerlhes ou dispor de um repertório de perguntas estruturais para o desenvolvimento da
aprendizagem; oferecer-lhes oportunidades de realizar trabalhos de análise e/ou de
síntese;
oferecer-lhes
oportunidades
de
autocontrole
ou
de
auto-regulação;
contextualizar o ensino proposto nas experiências e habilidades dos alunos; propor-lhes
atividades cognitivamente complexas que se encontrem dentro de seu campo de
possibilidades; oferecer-lhes oportunidades de envolvimento na aprendizagem mediante
o debate e o diálogo, por meio das estratégias de demonstrar, argumentar, analisar e
valorizar o que estão fazendo.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
5820
Currículo por Projetos: a convicção que inspira
Enfim, o nosso objetivo foi, sobretudo, compartilhar um processo repleto de
singularidades e oferece reflexões que possibilitarão aberturas de novas possibilidades
de inovação no interior do universo escolar, tão carente de mudanças.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Vozes, 2007.
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1998.
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formação. São Paulo: Moderna, 2003.
ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o
currículo escolar. Porto Alegre: ARTMED, 2002.
Soraneide Soares Dantas & Suzyneide Soares Dantas
5821
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
(RE)PENSANDO O ATO DE ENSINAR NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Suzyneide Soares Dantas
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
(RE)PENSANDO O ATO DE ENSINAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Suzyneide Soares Dantas1
RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos exige de seus professores a
possibilidade de (re)pensar o ato de ensinar. Requer o (re)construir de tempos escolares
que atendam as especificidade desse estudante. O objetivo da pesquisa foi investigar a
prática pedagógica docente na Educação de Jovens e Adultos em uma instituição federal
de ensino técnico integrado ao ensino médio. Recorremos a Freire(1999), Nóvoa(1995),
Schön(2000) entre outros, pesquisadores que enfatizam a sala de aula como o espaço em
que se aprende a pensar, elaborar e expressar idéias no processo de (re)construção de
saberes. A análise inicial dos dados revela que, no gesto de ensinar, guardam-se
enormes oportunidades do professor aprender, possibilitando reflexões significativas
sobre a sua prática docente.
PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos. Prática docente. Formação
Docente.
1 INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) trata-se de uma modalidade de
ensino que, segundo o Parecer Conselho Nacional de Educação no. 11/2000, implica um
próprio modo de fazer a educação, indicando que as características dos sujeitos jovens e
adultos, seus saberes e experiências do estar no mundo são guias para a formulação de
propostas curriculares político-pedagógicas de atendimento.
Nesse sentido, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) torna-se mais que um
direito. Trata-se da chave para o século XXI. Conseqüência do exercício da cidadania
como condição para uma plena participação na sociedade.
Além disso, trata-se de um poderoso argumento a favor da democracia, da
justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico.
1
Mestre em Educação. Docente da Universidade Potiguar. Assistente Pedagogia do IF-RN.
Suzyneide Soares Dantas
5825
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
Um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar
ao diálogo e à cultura da paz baseada na justiça, conforme a Declaração de Hamburgo,
Alemanha, 1997.
A necessidade de contribuir na diminuição dos altos índices de exclusão dos
jovens e adultos na Escola, no ano letivo 2006.2, o Centro Federal de Educação
Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN), na Unidade de Ensino
Descentralizada da Zona Norte de Natal (UNED Zona Norte) inseriu no seu contexto
das políticas públicas de aumento da escolaridade do trabalhador-cidadão do Governo
Lula, duas turmas de Ensino Médio Integrado na modalidade Educação de Jovens e
Adultos.
Compreendendo que, a inclusão escolar do estudante EJA consiste em
trabalhar com pessoas marginalizadas ao sistema, com atributos sempre acentuados em
conseqüências de alguns fatores adicionais como: raça/etnia, cor, gênero, entre outros.
Negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos,
pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados,
trabalhadores informais são emblemáticos representantes das
múltiplas apartações que a sociedade brasileira, excludente, promove
para grande parte da população desfavorecida econômica, social e
culturalmente. (BRASIL, PROEJA, 2007, p.11)
Portanto, superar o não-acesso à educação presente num contexto de
desigualdades sociais, no campo da modalidade de Educação de Jovens e Adultos,
tornou-se um desafio permanente.
A Educação de Jovens e Adultos(EJA), a partir de 2003, por meio de um
Programa, o Brasil Alfabetizado, em disputa organizada pela luta dos educadores de
EJA, em fóruns estaduais e regionais fez aumentar a preocupação e destinação de verbas
para os municípios com vistas à continuidade de estudos desses jovens e adultos
brasileiros.
Esse público, requer políticas públicas efetivas e permanentes que sejam
pautadas no desenvolvimento de ações baseadas em princípios epistemológicos que
resultem em um corpo técnico bem estabelecido e que respeite as dimensões sociais,
econômicas, culturais, cognitivas e afetivas do jovem e adulto em situação de
aprendizagem escolar.
Suzyneide Soares Dantas
5826
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
Além disso, a sociedade brasileira não conseguiu reduzir a desigualdade
socioeconômica em que, as famílias de baixa-renda buscam no trabalho das crianças,
uma alternativa para a composição de renda mínima, retirando de seus filhos o tempo da
infância e o tempo da escola.
Consequentemente, esses jovens retornam, quando
possível, por intermédio da EJA, convictos de que a falta da escolaridade em suas vidas
está associando a sua exclusão do mercado de trabalho, desobrigando o sistema
capitalista da responsabilidade que lhe cabe pelo desemprego estrutural.
Portanto, percebe a necessidade urgente de uma política pública estável
voltada para a Educação de Jovens e Adultos que contemple a elevação da escolaridade
com profissionalização, objetivando contribuir para a integração sociolaboral desses
cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma
formação profissional de qualidade.
No sentido de contribuir para a integração sociolaboral dessas pessoas,
o
Governo Federal publica o Decreto no. 5.478/2005, remetendo para o contexto da Rede
Federal de Educação Tecnológica, a responsabilidade de prestar sua parcela de
colaboração para implementação e expansão do Programa de Integração da Educação
Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, o
PROEJA.
Verificou-se que, algumas instituições da Rede já desenvolviam
experiências de educação profissional com jovens e adultos, de modo que, juntamente
com outros profissionais, a própria Rede, instituições parceiras, gestores educacionais e
estudiosos dos temas abrangidos pelo Decreto passaram a questionar o programa,
propondo sua ampliação em termos de abrangência e aprofundamento em seus
princípios epistemológicos. Indicavam a necessidade de ampliar seus limites, tendo
como horizonte a universalização da Educação Básica, aliada à formação para o mundo
do trabalho, com acolhimento específico a jovens e adultos com trajetórias escolares
descontínuas.
Questões como essas, levaram a revogação do Decreto no. 5.478/2005, pela
promulgação do Decreto no. 5.840/2006, trazendo diversas mudanças para o programa,
entre elas a ampliação da abrangência, no que concerne ao nível de ensino, pela inclusão
do ensino fundamental, e, em relação à origem das instituições que podem ser
proponentes, pela admissão dos sistemas de ensino estaduais e municipais e entidades
Suzyneide Soares Dantas
5827
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
privadas nacionais de serviço social, aprendizagem e formação profissional, passando a
denominação para Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
De acordo com o Documento Base do PROEJA (IRELAND, MACHADO,
PAIVA apud Documento base do PROEJA, 2007, p.13).
Pensar a perenidade dessa política pressupõe assumir a condição
humanizadora da educação, que por isso mesmo não se restringe a
“tempos próprios” e “faixas etárias”, mas se faz ao longo da vida, nos
termos da Declaração de Hamburgo e 1997.
E, o Documento Base do PROEJA ( 2007, p.13) acrescenta ainda que,
(...) o que realmente se pretende á a formação humana, no seu sentido
lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e
tecnológicos produzidos historicamente, integrada a uma formação
profissional que permita que ao educando compreender o mundo,
compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das
próprias condições de vida e da construção de uma sociedade
socialmente justa.
Diante desse cenário, portanto, é fundamental investir na formação de
professores para que possam compreender esse jovem e adulto, refletindo sobre o que
lhes permeiam, e a partir de reflexões e discussões da prática pedagógica poder decidir
coletivamente, quais as metodologias e as intervenções pedagógicas que possibilitarão o
atendimento, de forma satisfatória desse universo de cidadãos.
2 O DIÁLOGO SE FAZ NA DIFERENÇA
Os resultados e análise dos dados coletados permitiram revelar que a
Educação de Jovens e Adultos em um contexto de formação escolar precisa estar
pautada em uma pedagogia dialógica, defendida por Paulo Freire. E, reafirmando as
idéias freireanas de educação, o papel do professor-educador no grupo,
não é de
repassar ou transmitir conhecimentos, mas o de promover situações de aprendizagem
considerando o educando como um sujeito ativo, histórico.
Suzyneide Soares Dantas
5828
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
Acreditando que não basta ter acesso a uma escola de qualidade, mas as
instituições de ensino, precisam promover situações de permanência para os estudantes
da Educação de Jovens e Adultos.
Partindo desses pressupostos, organizamos a análise e discussão dos dados
coletados, a partir de três eixos articuladores: o contexto de formação, o Centro Federal
de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFE T-RN), UNED Zona
Norte/Natal-RN e o PROEJA; sala de aula, espaço formador de aprendizagens; e a
metodologia dialética, algumas contribuições teóricas. Esses eixos serão apresentados a
seguir.
2.1 PONTO DE PARTIDA
O contexto da pesquisa ocorreu no Centro Federal de Educação Tecnológica
do Rio Grande do Norte (CEFET-RN)/Unidade Zona Norte, como instituição que tem
por finalidade (BRASIL, CEFET-RN, 2004, p. 23)
(...) formar e qualificar profissionais no âmbito da educação
tecnológica, nos diferentes níveis e modalidade de ensino, para os
diversos setores da economia, redefiniu sua função social em
consonância com as necessidades identificadas a partir da
compreensão do cenário mundial.
Consciente do seu papel social, o CEFET-RN(2004) entende que é
imprescindível uma ação efetiva que possibilite a definição de projetos que permitam o
desenvolvimento de um processo de inserção do homem na sociedade, de forma
participativa, ética e crítica. Objetivando responder à demanda social por políticas
públicas perenes relacionadas a Educação de Jovens e Adultos, as quais envolvam ações
educativas baseadas em princípios epistemológicos integrados, incluiu a Educação
Profissional ao Ensino Médio na Modalidade da Educação de Jovens e Adultos no seu
projeto de expansão a partir de 2007, de acordo com o Decreto no. 5.840/2006.
Os procedimentos metodológicos utilizados na construção das discussões
dessa pesquisa contemplam os princípios e técnicas da abordagem exploratória,
bibliográfica, situando-nos, especificamente, no campo da formação docente, enfocando
a relação teoria e prática na perspectiva de sua teorização, com o propósito de
construirmos um referencial consistente. Esperamos, dessa forma, atingir os objetivos
Suzyneide Soares Dantas
5829
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
propostos anteriormente e contribuir com uma análise mais elaborada acerca dessa
relação.
Utilizamos como instrumentos de coleta de dados: filmagens de
aulas(6h/aula), registros fotográficos, diários de campo, entrevistas semi-estruturadas
com a professora e os alunos na tentativa de desvelar e decifrar falas, ações e reações
que aconteciam na sala de aula.
A professora, sujeito da pesquisa, formada em Química com doutorado na
mesma área. A mesma resolveu participar de um curso de formação continuada, PósGraduação Lato Senso em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na
Modalidade Educação de Jovens e Adultos, na expectativa de conhecer sobre o seu
objeto de atuação, os alunos da EJA, no âmbito do PROEJA, um novo perfil de aluno
que a mesma estava atuando profissionalmente.
Portanto, a sala de aula dessa professora foi o cenário da pesquisa,
objetivando investigar qual(is) os significados compartilhados entre professora e alunos
da EJA no processo de construção do conhecimento científico na sala de aula,
compreendendo-a como espaço formador de aprendizagens tanto para o docente quanto
para o discente.
2.2 SALA DE AULA: ESPAÇO FORMADOR DE APRENDIZAGENS
A sala de aula se configura de múltiplas formas, em que a aula está sujeita a
um constante rearranjo estrutural de suas partes. Desta forma, compreendendo a sala de
aula como espaço formador de aprendizagens tanto para o docente quanto para o
discente, discorremos a análise e interpretação dos dados coletados, objetivando analisar
o papel da rede de significados compartilhados entre os mesmos.
O universo da sala de aula trata-se de uma turma do Curso Técnico de Nível
Médio Integrado em Eletrotécnica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, no
âmbito do PROEJA. Investigou-se esse cenário de formação durante 6h/aulas da
professora que ministrava a disciplina de Química I, que tem carga horária de 60h. A
turma era composta por 27 alunos, dos 40 que ingressaram, com idade de 18 a 37 anos,
que estavam cursando o 2º período do Curso. Com freqüência, em média, de 60%,
durante as aulas observadas.
Suzyneide Soares Dantas
5830
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
A análise e interpretação inicial dos dados coletados foram organizados, até
o momento, em duas categorias: o tempo/espaço na sala de aula e as relações inter e
intrapessoais construídas durante a aula.
O espaço de sala de aula se vincula à dimensão física- local apropriado para
realização de ações, ao passo que a aula assume a dimensão organizacional do processo
educativo, tempo e espaço de aprendizagem, de (des)construção. Compreender as
relações que se estabelecem nesse contexto de alunos nos remete há duas relações
fundamentais: de tempo e de espaço.
Silva(2008) enfatiza que a dimensão temporal assumirá destaque, pelo fato
da aula envolver o tempo como definidor do espaço. È o tempo-aula que gere os
conteúdos, os métodos, as técnicas e a avaliação, com vistas à garantia da
aprendizagem, que pode ocorrer fundamentada em concepções, teorias e métodos
diferenciados – tradicionais, intuitivos, ativos, tecnicistas, entre outros.
Durante a pesquisa, observou-se que a professora estabelecia os seguintes
tempo-aula: conversa informal dialogando com/sobre os alunos; retomada da aula
passada; relações entre conteúdos passados e novos; exposição do novo conteúdo;
exercícios compartilhados; explicações individuais.
Percebe-se que esses tempos-aula facilitavam a compreensão dos conteúdos
sistematizados. Por reinterpretar a formação de jovens e adultos, acreditando que essas
pessoas apresentam suas peculiaridades na maneira de pensar, na forma de enfrentar os
problemas, com ritmos próprios e qualidades que situam a pessoa adulta em uma
dimensão particular, a professora reinterpretava suas indagações sobre os conteúdos
ministrados, possibilitando a articulação entre o senso comum e o conhecimento
sistematizado.
Nesse contexto, as relações intra e interpessoais aconteciam formando uma
rede de significações. A professora recebia seus alunos dialogando com eles sobre
vivencias pessoas reforçando a auto-estima de cada um, ouvindo-os em seus
questionamentos, chamando-os pelo nome para reforçar a aprendizagem e atendendo
àqueles que, percebia serem mais tímidos em suas exposições.
Concorda-se com Salvador(2000) quando enfatiza que, as relações
interpessoais são ingredientes essências, pela natureza social e comunicativa dos
padrões de atividades que possuem as atividades educativas. De acordo com esse autor,
Suzyneide Soares Dantas
5831
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
a relação professor-aluno e as relações entre alunos são relações interpessoais
estruturadas, condicionadas ou determinadas pela maneira como professores e alunos
percebem-se a si próprios e percebem-se mutualmente no contexto escolar.
O autor acima citado acrescenta ainda que, essas representações são
construídas por informações diretas e indiretas que chegam ao professor e ao aluno, a
partir da interpretação dessas informações. Nessa representação, usam “lentes” distintas.
Essas “lentes” interpretativas variam a partir da experiência pessoal e profissional,
influenciadas por fatores ideológicos, tanto em sentido amplo como, sobretudo, em
sentido mais restrito de ideologia educativa: função da educação, papel da educação na
sociedade, pensamento pedagógico do professor, como os alunos aprendem, o que fazer
para lhes ensinar, entre outras.
Observou-se que a professora e os alunos estabeleciam relações afetivas no
decorrer das atividades realizadas em sala de aula, condicionadas pelas representações
mútuas que os sustentam. Essas representações faziam com que a professora esperasse
determinadas coisas dos alunos e vice-versa, repercutindo satisfatoriamente no
desempenho escolar do aprendizado alcançado pelos alunos.
Desta forma, verificou-se que a professora depositava expectativas positivas
para com seus alunos que por sua vez, acreditavam que seria possível. E, isso foi o que
realmente ocorreu.
As notas obtidas no final da unidade (2º bimestre) foram
satisfatórias, representando 90% em um “salto” na aprendizagem escolar.
Percebeu-se, na análise dos dados coletados que, a incidência do
autoconceito e auto-estima promovidas pela representação satisfatória que a professora
tinha sobre os seus alunos foi um fator promotor do sucesso dos mesmos no
desempenho escolar, confirmada nas entrevistas com os protagonistas.
Verificou-se ainda que, negociações são realizadas nesse contexto de
formação. Na perspectiva de tomada de decisões para o grupo, a professora aprofundava
os conteúdos conceituais a partir de negociações por intermédio do questionamento,
possibilitando a compreensão desses significados.
Salvador(2006) enfatiza que, frente à diversidade de saberes do grupo
(turma) representativo de diferentes lugares sociais, ele apercebe-se da especificidade
dos próprios conhecimentos, que por sua vez, passam por um processo de reconstrução.
Suzyneide Soares Dantas
5832
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
Frente ao outro (professor ou aluno), através da livre conversação e da fala
argumentativa, o professor se constitui como sujeito que aprende.
Assim, observou-se que a complexidade de ser professor, não está somente
em ser professor da Educação de Jovens e Adultos, mas sim ser profissional – pessoa e
ter a sensibilidade de perceber que o ser humano esta inserido no mundo complexo,
onde a cultura, a razão, o afeto e a vida em sociedade podem conduzir os diversos
caminhos da existência, e através desta trajetória, assim como afirma Tardiff(2002,
p.149),
O profissional do ensino é alguém que deve habitar e construir seu próprio
espaço pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que só ele pode
assumir e resolver de maneira cotidiana, apoiando necessariamente em visão de mundo,
de homem e de sociedade.
Ser professor e ser pessoa, exige saberes muito mais amplos que estão além
do saber ensinar. Nóvoa (1995, p.14), enfatiza que “o saber ensinar é algo relevante na
profissão professor e salienta que a “maneira de ensinar evolui com o tempo e com as
mudanças sociais”.
A evolução histórico-socialcultural em que vivemos, traz para as
práticas educativas a realidade, e neste ponto podemos destacar o contexto social atual,
que exige do professor saberes específicos para atuar na modalidade de ensino
Educação de Jovens e Adultos.
Enfim, a análise introdutória dos dados revela pistas que indicam a sala de
aula
como
espaço
promotor
de
situações
transformadoras
no
âmbito
do
desenvolvimento profissional e pessoal dos atores sociais nela envolvidos.
2.3 (RE)PENSANDO O PROCESSO METODOLÓGICO DE CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO
Objetivando refletir sobre o processo metodológico de construção do
conhecimento, acredita-se que passa, fundamentalmente, por uma radical e profunda
mudança de atitude, de concepção, de procedimentos teórico-metodológicos, no sentido
de que todos sejamos considerados sujeitos no processo de construção de saber,
construindo, coletivamente, um compromisso ético-político de transformação social.
Suzyneide Soares Dantas
5833
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
Assim, quando inicia-se qualquer processo educacional, se o objetivo é
promover o aspecto democrático no desenvolvimento da experiência, precisa-se partir
do princípio de que todos somos sujeitos no ato de produzir saberes, de compreender, de
transformar a realidade.
Freire(1987) evidencia a dicotomia entre a educação bancária e a educação
libertadora, sendo, essa última, sempre a serviço da humanização, jamais desconsidera
os sujeitos concretos na produção crítica do saber. A primeira, bancária, sempre a
serviço da desumanização, absolutiza a ignorância no outro, objeto a ser pesquisado,
manipulado, alienado.
Assumindo e vivenciando uma metodologia humanizante, sustentada e
construída com base no materialismo histórico de Marx, Freire(1987) afirma que,
(...) o que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como
se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem
referido à realidade, os níveis de seus percepção desta realidade, a sua
visão do mundo em que se encontram ( FREIRE, 1987, p. 88)
Nesse sentido, métodos e técnicas articulam-se diretamente no processo de
(re)construção e ressignificação das ações dos sujeitos envolvidos. Nesse aspecto,
precisamos, como ilustram Shor e Freire(1996, p.48)
Estar atentos para o fato de que a transformação não é só uma questão
de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma
questão de métodos, então o problema seria mudar algumas
metodologias tradicionais por outras mais modernas. Mas esse não é
o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação diferente
com o conhecimento e com a sociedade.
A análise introdutória dos dados revela pistas que indicam a sala de aula
como espaço promotor de situações transformadoras no âmbito do desenvolvimento
profissional e pessoal dos atores sociais nela envolvidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A transformação da escola exige reflexão teórico-prática, respaldada em
uma formação crítico-reflexivo do profissional docente, capaz de desenvolver a práxis
Suzyneide Soares Dantas
5834
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
necessária na educação e na sociedade. Nesse sentido, para que a escola cumpra a sua
função social de socializar saberes e produzir conhecimentos, os professores precisam
estar em processo constante de aperfeiçoamento, construindo a gestão do ensino e da
aprendizagem com o debate, a mediação e a intervenção crítica.
Para tanto, se faz necessário um maior investimento na formação docente e
no desenvolvimento profissional do professor. A formação docente, tanto a inicial
quanto a contínua, precisa ser consistente, crítica e reflexiva, capaz de fornecer os
aportes teóricos e práticos para o desenvolvimento das capacidades intelectuais do
professor, direcionando-o ao seu fazer pedagógico. O professor ao ter domínio do
conhecimento dos aportes teóricos relativos às concepções de aprendizagem, de ensino,
de currículo, de aluno, entre outras, fica clara sua decisão de escolher as melhores
formas de trabalhar.
Portanto, a transformação de práticas pedagógicas ingênuas e acríticas em
práticas pedagógicas reflexivas, intencionais, críticas, emancipatórias não é um ato
voluntário, espontâneo, sem intencionalidade. Tal transformação exige trabalho
conjunto, disciplina intelectual, procedimentos metodológicos, fontes teórico-práticas
enraizadas no contexto de ações concretas,
inscrevendo-se nas consciências dos
sujeitos, formação continuada, condições materiais de trabalho, coordenação,
acompanhamento pedagógico sistemático.
Enfim, a formação continuada de professores que atuam na modalidade de
ensino da Educação de Jovens e Adultos(EJA),
necessitam de garantir políticas
públicas de formação nos contextos espaçotemporias das escolas, políticas construídas
com a participação e envolvimento dos segmentos da comunidade escolar,
transformando a escola, dessa forma, em comunidade reflexiva. Esta é a luta maior,
sem a qual não há possibilidade de uma escola de qualidade, àquela tão desejada
educação.
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Suzyneide Soares Dantas
5835
(Re)Pensando o Ato de Ensinar na Educação de Jovens e Adultos
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Suzyneide Soares Dantas
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PARTICIPAÇÃO: BASE DE DEMOCRATIZAÇÃO
DO CURRÍCULO ESCOLAR
Vera Lúcia de S. Neves
Ilda Maria B. N. Duarte
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Participação: Base de Democratização do Currículo Escolar
PARTICIPAÇÃO: BASE DE DEMOCRATIZAÇÃO DO CURRÍCULO
ESCOLAR
Vera Lúcia de S. Neves – UMINHO/Pt
Ilda Maria B. N. Duarte – UMINHO/Pt
RESUMO: Este estudo objetivou levantar uma proposta de participação dos alunos na
definição dos conteúdos curriculares. Duas Escolas do Ensino Médio, da Baixada
Fluminense, foi o local dos professores entrevistados, quando se verificou a
possibilidade de espaços de participação para planejar currículos, a partir de uma
possível negociação, entre professores e alunos, para a definição de matrizes
curriculares, e os principais conteúdos a ser ministrados, entendendo ser importante para
a análise do contexto e com isto, também auxiliar no desenvolvimento da formação. No
processo de diagnose da seleção de conteúdos e de delinear a percepção do professor,
no quotidiano escolar, a respeito da participação do aluno no processo de seleção de
conteúdos, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas como questões abertas para
que os docentes respondessem e, deste modo, viabilizassem a análise qualitativa dos
dados. Após, realizar as entrevistas, transcrevê-las e analisá-las, apoiadas em Bardin
(2007), destacou-se “unidades de sentido” apresentadas em ordem decrescente.
Percebemos, durante as entrevistas, a falha na formação de docentes. O futuro professor
precisa participar do planejamento do curso, por meio da negociação. A negociação
favorecerá o diálogo, o que reverterá este quadro hierarquizado.
PALAVRAS-CHAVE: Participação. Negociação. Cidadania.
I-
INTRODUÇÃO:
Este estudo teve por objetivo levantar possibilidades de uma proposta de
participação dos alunos na definição dos conteúdos curriculares. Para atingir este fim
escolhemos duas Escolas de Ensino Médio, situado na Baixada Fluminense, onde foram
entrevistados professores, na tentativa de se verificar espaços de participação e
sobretudo a ação democrática para planejar currículos, a partir de uma possível
negociação entre professores e alunos.
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Desde o início dos anos 80, com a redemocratização da sociedade brasileira,
foram iniciadas avaliações sobre a situação do ensino no Brasil. Nesta década, alguns
estados nos quais governos populares venceram as eleições, os profissionais de ensino
foram convocados para que analisassem o sistema e apresentassem sugestões que
visassem sua melhoria. Ensaiava-se as primeiras medidas de “participação” de ordem
política.
Sabemos que a participação é o inicio dos primeiros passos para o exercício
da democracia e conseqüente cidadania. No entanto, não é só com a participação que se
transforma um ser em cidadão, mas na sua verdadeira atuação nas etapas do
planejamento, do desenvolvimento e da avaliação, em cada unidade escolar responsável
pelo ensino de seus alunos.
Desta forma, cada unidade escolar necessita responsabilizar-se pela
elaboração de seu projeto pedagógico, para tanto é necessário que cada professor
precise ter seu próprio projeto pedagógico, Demo (2004, 690), no sentido de ensinar aos
seus alunos a procurar viver em uma sociedade como a que se vive hoje, com tantos
desafios, perplexidades e incertezas. Há muito já se enfatizava que a participação é um
direito e uma necessidade, em princípio inquestionável que atravessa todo o processo
educativo, o desejável dinamismo das instituições escolares. (Sanches Torrado,
1998:28)
Para ensinar ou aplicar a metodologia da participação, o professor também,
precisa atuar em escolas democráticas, ser participativo e se sentir respeitado quando
emitir suas sugestões e com ela se comprometer no alcance do objetivo definido. O
professor necessita desenvolver autocrítica, ser reflexivo.
Esta autocrítica, esta reflexão dão suporte ao reconhecimento das tendências
tradicionais (autoritárias) da educação brasileira e a subserviência do aluno, numa
relação dominador-dominado, e a partir deste conhecimento, estabelecer a necessidade
de abrir caminhos que possam reduzir ou até, se possível, extinguir esta dominação para
favorecer a participação do aluno numa parceria na busca de soluções dos problemas de
aprendizagem, embora seja obrigatório seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais:
Linguagem, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza; matemática e suas
tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias. As três áreas devem estar presentes
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na base nacional comum dos currículos das escolas do Ensino Médio. (Diretrizes
Curriculares, 1998:51)
Apesar das escolas terem sua identidade de acordo com o seu meio social e
clientela há um eixo comum que são as Diretrizes Nacionais, agregando diferentes
saberes que são avaliados através de mecanismos nacionais como o Sistema de
Avaliação da Educação Básica – SAEB, Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM,
com a função de diagnosticar e otimizar ou não do processo ensino-aprendizagem, ou
seja, o nível de conhecimento de alunos.
Nossa proposta de verificar espaços para a participação dos discentes na
definição de matrizes curriculares, juntamente com os principais conteúdos a ser
ministrados, ajudaria a desenvolver a análise do contexto e com isto, também auxiliar
no desenvolvimento da formação de educandos reflexivos, vivendo e convivendo em
uma escola reflexiva definida como: uma organização escolar que continuadamente se
pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o
desenrolar de sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e
formativo. (Alarcão, 2002:25). Neste sentido, aptos a viverem em sociedade e a
colaborar com as suas transformações. Para que tais propostas sejam alcançadas, é
necessário estabelecer parcerias com os discentes e desta forma, compartilhar a
definição dos conteúdos de acordo com os interesses, relacionados aos problemas de sua
realidade social, bem como identificar suas necessidades futuras, como por exemplo, na
hora de se escolher sua profissão, motivo de muitas idas e vindas no ensino. Alunos
optam por profissões e não sabem das exigências especificas e dos conhecimentos
básicos necessários a seu exercício, causando muitas frustrações na vida acadêmica e
evasões de cursos.
II-
DESENVOLVIMENTO:
Educação, sem dúvida, contribui para o desenvolvimento humano, sendo que
sua maior importância está em ser instrumento de desenvolvimento tanto para o
indivíduo como para o país, conforme vem sendo destacado em todas as entrevistas que
tratam do assunto, em várias mídias, pois diversos sociólogos e economistas declaram
que um dos maiores problemas do Brasil é a educação, além da segurança, obviamente.
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No entanto, além de ser necessário tratar a educação como prioridade da
vontade política dos governantes, é preciso salientar que o espírito da democracia
também necessita ser praticado para ajustar-se aos novos paradigmas da globalização.
De um modo geral, o professor passa a ter papel fundamental no momento
do exercício profissional. É este que detém a fórmula de pôr em prática, na sala de aula,
por meio de oportunidades de participação de seus alunos, o aprendizado, do respeito às
diferenças, o saber ouvir os contrários.
No entanto, sabemos que o professor, ao longo do curso de nossa história,
vem desempenhando um papel centralizador das decisões administrativas pedagógicas,
principalmente no que se referem ao planejamento escolar, quando estabelece os
conteúdos, as metodologias e as avaliações. Precisamos dividir estas responsabilidades,
incluindo a participação do aluno nas etapas anteriores e também no desenvolvimento
das atividades da sala de aula.
Para definir participação como metodologia importante no encaminhamento
das diretrizes das ações, utilizamos a seguinte assertiva:
Na verdade, educação que não leva à participação já nisto visto é
deseducação, porque consagre estruturas impositivas e imperialistas,
transformando o educador manipulador em figura central do
fenômeno, em vez de elevar o educando ao centro de referência.
(Demo, 1996:77)
É este o professor necessário, aquele que tenta desequilibrar as estruturas
impositivas, dando oportunidades de participação para seus alunos, num diálogo franco,
apresentando conteúdos definidos “a priori” que podem vir, como sabemos,
estabelecidos por órgãos superiores ou selecionados a critério do professor com base no
diagnóstico dos conteúdos adquiridos pelos alunos, nos anos anteriores e por meio do
diálogo: Quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa. Esta alguma coisa
deveria ser o novo conteúdos programático da educação (Freire, 1983:108), tente
negociar o que ensinar, ou seja, o que é mais importante a ser ensinado, conforme a
afirmação: capazes de se tornarem os processos de ensino-aprendizagem mais
significativos e atraentes para os alunos, de garantirem a promoção das
especificidades locais e de estimularem uma autêntica vivência democrática. (Morgado;
Ferreira, 2006:69)
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Ressaltamos que, considerando ser objeto deste estudo o educador
democrático para planejar com a participação dos alunos, este levaria em conta o
diagnóstico dos conhecimentos adquiridos anteriormente, para negociar os conteúdos
mais necessários, em parceria com os alunos. Negociação entre professores e alunos é
importante porque acarreta o compromisso mútuo, dentro do qual a participação passa
a ser metodologia fundamental. (Demo, 1996:77)
Desta forma, participação como metodologia dentro do espaço da sala-deaula, favorecendo viver e formar o futuro cidadão a partir do exercício da democracia,
ressaltando.... as questões essenciais da igualdade, da liberdade e da democracia, ela
acaba por ser um outro nome da educação, de uma boa educação. (Estevão, 2009:8).
Deste modo, a sala de aula passa a ser um espaço onde a participação se faz presente em
toda tomada de decisão, e também facilita experimentar a emoção que a democracia
traz.
Análise e interpretação das entrevistas realizadas com professores
Para desenvolver a pesquisa Participação: base de democratização do
currículo escolar, de posse de um gravador, grafou-se discursos e falas. Foram
entrevistados quarenta docentes de turmas do Ensino Médio, sendo 20 de cada unidade
escolar da Baixada Fluminense. Uma dessas unidades pertence à rede particular e outra,
faz parte da rede pública estadual.
Ambas foram escolhidas como objeto de estudo porque refletem “a priori”
realidades distintas: a primeira, além de reunir docentes contratados sob a égide da
CLT, os docentes estão sempre na expectativa de perder o emprego, submetidos à
cobrança instituída na rede particular, pois sabemos das pressões para atualização,
aperfeiçoamento e resultados positivos. Na segunda, predominam docentes estatutários,
com estabilidade, onde em princípio não se observa nenhum mecanismo determinante
de pressão para a busca de novas experiências, seja por incentivo financeiro, material ou
profissional, a não ser o compromisso assumido quando da formação e da vida na
profissão, incluindo valores.
Os referidos professores das duas unidades distintas atuam em cursos
diferentes para se observar a diferença entre os que professoram e um curso técnico
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profissionalizante e os de um curso pedagógico, no que se refere à própria influência da
formação dos docentes.
A direção da escola particular era empossada por indicação e possui unidade
particular possui organização curricular com os respectivos programas, por disciplinas
planejadas por professores sob a supervisão de uma orientadora pedagógica. Tentaram
implantar a interdisciplinaridade
por meio de projetos organizados em reuniões
mensais. Nesta oportunidade, era possível trocar experiências
que auxiliavam o
processo ensino-aprendizagem.
A avaliação era bimestral, entretanto não se detinha única e exclusivamente
nas provas. Havia testes, trabalhos individuais e em grupos, todos considerados no
resultado final, após o Conselho de Classe quando havia espaço para alunos, num
determinado horário da agenda, o aluno apresentava as questões relevantes da turma que
representava, logo após se retirava para que os professores pudessem tecer as
considerações e buscassem as possíveis soluções, no coletivo, para os problemas
apresentados.
A administração da unidade pública é eleita pela comunidade escolar de
acordo com as diretrizes emanadas pela SEEDUC/RJ Resolução nº 2659 de 19 de abril
de 2004, onde estabelece os procedimentos de consulta para indicação de diretores de
Unidades Escolares da Rede Pública Estadual, tendo em vista a necessidade da efetiva
transparência dos mecanismos administrativos, financeiros e pedagógicos das unidades
escolares inclusive a gestão participativa da respectiva Comunidade Escolar nos
mencionados mecanismos.
A organização curricular é feita por disciplinas, obedecendo também as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, mas nesta unidade os
professores procuravam trabalhar em conjunto, segundo orientações superiores por meio
de projetos interdisciplinares e o diálogo entre as disciplinas, facilitando a tarefa de
planejar, desenvolver e avaliar.
A avaliação do rendimento dos alunos era efetuada bimestralmente,
considerando todas as atividades realizadas pelos alunos diariamente, como testes,
trabalhos de grupos e individuais, participação no desenvolvimento do processo ensinoaprendizagem etc.
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Os conselhos de classe bimestrais também incluíam o aluno representante de
turma, orientado e acompanhado pelo professor representante que também é eleito do
mesmo modo que o aluno. O aluno representante apresentava as observações e
sugestões da turma para posterior comentário e soluções do coletivo de professores,
feitas após a retirada dos alunos.
Análise e interpretação das entrevistas realizadas com os professores das duas
escolas
No processo de diagnose da seleção de conteúdos e de delineamento da
percepção do professor, no quotidiano escolar, a respeito da participação do aluno no
processo de seleção de conteúdos, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com
questões abertas para que os docentes respondessem e, desse modo, viabilizasse a
análise qualitativa dos dados. Após, realizar as entrevistas transcrevê-las para analisálas, utilizamos como referência a análise de conteúdos de Bardin (2007), possibilitando
destacar “unidades de sentido” das respostas obtidas, e apresentá-las em ordem
decrescentes de freqüência. Ressaltamos, porém, que muitas respostas foram longas,
pois os professores faziam questão de descrever conteúdos ministrados e metodologias
utilizadas, além de no presente artigo citarmos somente as mais citadas ou as que
mesmo sendo minoria foi considerada como expressiva.
Para levantar a metodologia utilizada na seleção de conteúdos, a maioria dos
professores da escola particular (A) respondeu que seleciona o conteúdo a ser
ministrado (6) e na rede pública, informaram que era pela especialista da área (6), ou
pela equipe pedagógica (6), porém queremos chamar a atenção para entrevistados da
Escola particular que respondeu: - A seleção de conteúdos na nossa escola é feita da
seguinte maneira: nós pegamos o livro e fazemos o planejamento de acordo com a série
que trabalhamos.
Da escola pública (B), outro respondeu: - É a equipe pedagógica, agora e eu
não sei o critério que ela usa para fazer a seleção de conteúdos (sic).
Nestas duas exposições, fica clara a falta de participação dos alunos numa
decisão de suma importância no processo ensino-aprendizagem, e que possibilitaria o
comprometimento tanto do professor quanto do aluno na aprendizagem.
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Para detectar como o professor vê a contribuição do aluno na seleção de
conteúdos, na escola (A) a maioria respondeu que desde que parta da sua realidade (8)
ou o aluno não tem condições de participar (8) e na escola (B), a maioria respondeu que
deve ser feita pelo professor sem contribuição do aluno (10); outros criticaram os
planejamentos que são feitos e as seleções de conteúdos sem conhecimento da realidade
do aluno (4).
Um professor da escola particular reforça o uso do sumário do livro didático
para a seleção dos conteúdos:
- Na minha opinião, o aluno não contribui na seleção de conteúdos,
ele aceita como uma coisa imposta, como o professor também passa
os conteúdos e não seleciona esse conteúdo. Ele vem com o livro,
segue-se um livro adotado, um livro didático e daí o conteúdo é o
livro.
E para esta questão, na escola pública um professor disse o seguinte:
- Eu não vejo porque não existe, os alunos não têm, como vou dizer,
não têm, não sabem o que vão estudar ... nosso aluno hoje está tão
deficiente de conteúdos que ele não sabe o que vai estudar.(sic)
Para a questão da possibilidade de se prever a participação do aluno no
processo, na escola (A) os professores informaram que os alunos participaram na sala
desenvolvendo as atividades (6) ou nunca pensaram nesta participação (6). Na escola
(B), muitos responderam que não há condições de contribuições por parte do aluno,
consequentemente não há condição de previsão (6), mas houve (2) que destacaram que
seria necessário para a formação da cidadania, (2) que disseram que facilitaria formar
profissionais competentes e (2) que destacaram que poderia resolver dificuldades
pedagógicas anteriores.
Para a questão, quais as oportunidades que os alunos teriam para fazer
críticas aos conteúdos definidos e as metodologias utilizadas, os professores da escola
(A) responderam o seguinte: não há oportunidade devido ao conteúdo extenso a ser
dado pela falta de tempo (6); ao final de cada capitulo de livro (4) e nunca é dado, mas
ele cria o espaço (4), no entanto (2) informaram que “todas as oportunidades por ser a
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sala de aula um espaço democrático”. Na escola (B), reiteraram que ao final do bimestre
(6) e todo o tempo (6).
Na escola (A) o número de “unidade de sentido” de não dar oportunidades é
superior mesmo quando se pode destacar o seguinte depoimento favorável:
- Todas as oportunidades porque eu tenho a sala de aula como uma
casa democrática, sabia? Eu acho que o espaço mais democrático
que, como é que se diria. em que eu convivo, é justamente a sala de
aula..
Por outro lado, nesta mesma escola, destacamos o seguinte depoimento: - Eu
não dou oportunidade nenhuma. Assim como eu não tenho oportunidade nenhuma de
decidir a seleção de conteúdos.
Na escola (B), permanecem as oportunidades todo o tempo ou ao final do
bimestre, mas podemos destacar uma preocupação que aparece na seguinte resposta:
- Todas, desde que ele queria falar. Agora ... o problema é fazer o
aluno falar. O aluno em princípio, ele tem medo de fazer críticas, ele
tem medo de fazer sugestões, mesmo quando o professor senta
diante dele e diga: - fala, faça sua crítica, faça sua sugestão. Como é
que podemos caminhar melhor, que podemos modificar, o que
podemos transformar? Ele se cala, porque ele aprendeu a se calar,
não é? Durante toda a sua vida, o processo foi este: - Senta! Cala a
boca! Atenção! Ouve! E assim sucessivamente, então...
Para a questão proposta por este estudo, diante das divergências entre
professor/aluno é possível utilizar “uma negociação”? De que forma? Na escola (A) os
professores responderam ser possível por meio da realidade do aluno e da necessidade
do contexto (6) e é possível usando-se o diálogo (4). Na escola (B), informaram ser
possível com o diálogo (10) e sempre é possível (6).
Observamos que a maioria dos professores respondeu que é possível desde
que se leve em conta a realidade do aluno e a necessidade do contexto para resolver a
divergência entre professor e aluno, que a melhor forma de se começar a trabalhar a
negociação seria por meio do diálogo, conforme os seguintes depoimentos da escola
(A):
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- É possível, aí no caso é questão de nos dialogarmos. É a questão do
diálogo.
- É possível, não sei ainda, tá? A gente pode começar a estudar isso
mas eu creio que sim, não totalmente cem por cento mas eu acho que
pelo menos cinquenta por cento a gente pode negociar, tá?
Destacamos nas falas, acima, a necessidade de atualização e um certo receio
de negociar todo o conteúdo proposto no desenvolvimento curricular, embora a escola
(B) tenha apresentado um encaminhamento mais democrático no relacionamento
professor, aluno, um professor apresentou o seguinte depoimento para esta questão:
- Sim, acho que se surgir uma divergência, eu acho que a gente
sempre negocia, se surgir. De uma forma geral, a divergência, eu
sinto muito, mas a divergências é resolvida no “cala boca!” Eu acho
que sim, é duro dizer isso, ainda mais gravando. Eu não sei o
professor, ele hoje, se sente muito ameaçado. O professor hoje tem
tão pouco conteúdo para passar para o aluno, que ele escolhe o
conteúdo mais difícil e dá, e aí o aluno fica assustado com aquilo e
não pergunta nada.
O “cala a boca” citado na fala pode ser entendido como uma certa
insegurança do professor em resolver conflitos e até problemas do domínio de
conteúdos. Acreditamos que seja por falta de preparo durante a sua formação. Os cursos
não estão adequados às novas necessidades da situação educacional, na atualidade. Não
preparam o docente para enfrentar os jovens de uma sociedade em permanente
mudança, num quadro de avanço científico e tecnológico desenfreado.
É preciso que os cursos de formação de professores apresentem um modelo
mais flexível, visando incluir a participação desse futuro professor nas decisões
acadêmicas e pedagógicas, propiciando um espaço de diálogo aberto para que ele possa
emancipar-se e no exercício da docência, abrindo espaços para desenvolver a
responsabilidade de avaliar, de aprender, e de trabalhar em grupo e também de dialogar
com seus pais.
III-
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A sociedade passa por um processo de transformação, a escola precisa estar
atenta para tentar acompanhar. Para que elas mudem, há necessidade da contribuição
dos cidadãos conscientes que participem da solução de seus desafios. Para tanto, a
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escola precisa mudar. Esta mudança exige a participação de todos os interessados e que
sofrem com as decisões arbitrárias. Não há como se trabalhar com decisões autoritárias
porque mais do que nunca somente é aceitável o que é discutível (Demo, 1998:102).
Neste estudo, pode-se considerar que na seleção de conteúdos, o professor
muitas vezes não participa ou define sozinho, quando não segue rigorosamente o
sumário do livro didático adotado, que embora seja escolhido por ele não deve ser a
única alternativa de conteúdos e de ações para o desenvolvimento do processo ensinoaprendizagem. Se o professor não participa, como incluir o aluno?.
Quanto a aceitar que os alunos façam críticas aos conteúdos, a maioria
informa que não pode dar oportunidades devido ao extenso conteúdo a ser dado e a falta
de tempo para fazê-lo, só no final do bimestre, quando os problemas do quotidiano já
foram esquecidos, a não ser os mais marcantes, na resposta:
Todo tempo (grifo nosso), significa na realidade perguntar após exposição
oral se os alunos entenderam ou não o conteúdo, ninguém se manifesta, como é comum,
(por medo ou inibição), continua-se o assunto e não se sabe realmente o que foi
aprendido.
Percebemos, durante as entrevistas, a falha na formação de docentes. Ela
precisa ser revista, e que nela, o futuro professor possa participar do planejamento do
curso, desenvolvimento e avaliação, por meio da negociação, só assim será possível
transformar a escola, experimentado uma prática vivida. A negociação favorecerá o
diálogo aberto. Com o diálogo será possível reverter este quadro hierarquizado e uma
prática tradicional, somente esta mudança poderá favorecer o alcance dos objetivos pois
contará com o esforço de cada um.
Outro aspecto importante é a atualização permanente dos docentes. É
necessário voltar a estudar, para aqueles que estão distantes dos bancos escolares e
continuar a estudar para aqueles que não se esquecem que a ciência e a tecnologia
avançam assustadoramente. Se a escola for aprazível, com conteúdos significativos,
definidos com a participação dos alunos, provavelmente o compromisso mútuo
facilitará o processo ensino-aprendizagem.
Incluímos na afirmativa que a participação efetiva do aluno, do maior
número possível de representantes da comunidade escolar, para negociar uma melhor
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qualidade de ensino contribuirá para a formação de um cidadão mais humano e menos
violento dentro da sociedade em que vivemos.
Para finalizar, citamos a afirmação de um professor da escola B – pública –
que ratifica a Pedagogia da Esperança de Paulo Freire (1998), quando lhe fora
perguntado qual a previsão da participação do aluno no processo de definição dos
conteúdos curriculares, disse: - não digo nem previsão, eu trocaria previsão por
esperança.
Esperança por uma escola melhor, pelo respeito mútuo entre professores e
alunos. Esperança por um mundo melhor, mais feliz que é o sonho da humanidade: a
paz e a felicidade.
IV-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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2001.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2009.
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FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 14. ed. SP: Paz e Terra, 1983.
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2006.
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educación em valores. Bilbao: Descléede Brouwer, 1998.
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