SEMINÁRIO: CONSOLIDAÇÃ O DA REDE URBANA NACIONAL
A QUALIDADE DE VIDA NAS GRANDES AGLOMERAÇÕES
URBANAS: CENTROS E SUBÚRBIOS
PAULO V. D. CORREIA
Feira Internacional de Lisboa - 8 e 9 de Julho de 1993
A QUALIDADE DE VIDA NAS GRANDES AGLOMERAÇÕES URBANAS: CENTROS E SUBÚRBIOS - PAULO V. D. CORREIA
A QUALIDADE DE VIDA NAS GRANDES AGLOMERAÇÕES
URBANAS: CENTROS E SUBÚRBIOS
Paulo V. D. Correia
1. . INTRODUÇÃ O
.... O objectivo de topo do processo de planeamento urbaní stico e da polí tica de
solos que lhe está subjacente consiste em promover o bem est ar e qualidade
de vida das populações. Este objectivo está aliás consagrado na Constituiçã o
da República (Art.º 9º ), no âmbito das t arefas fundament ais do Estado. As
principais vias apontadas para o alcance deste objectivo sã o a modernizaçã o
da estrutura produtiva, a salvaguarda do património, a gestã o dos recursos
naturais e o ordenamento do território.
.... As razões que estã o na base da falta da qualidade de vida urbana têm sido
frequentemente equacionadas segundo diversos pontos de vista ao longo dos
últimos anos. No entanto, nã o têm surgido propostas concretas para o alcance
deste objectivo geral que integrem as suas múltiplas componentes. Os
sensí veis progressos feitos nos últimos anos no paí s no sentido de o equipar,
infraestruturar e modernizar correm o risco de, a ní vel local e a longo prazo,
serem desperdiçados por falta de integraçã o inter-sectorial das soluções
entretanto execut adas. Estas têm correspondido, duma forma geral, à
execuçã o de programas sectoriais a cargo dos diferentes sectores da
Administraçã o Pública aos seus vários ní veis e de entidades vocacionadas
para fins especí ficos (educaçã o e formaçã o profissional, saúde, desporto,
estradas, caminhos de ferro, saneamento básico, etc.). Assim, interessa mais
equacionar pistas para novas concepções e sua execuçã o do que aprofundar
a caracterizaçã o dos problemas já conhecidos de falt a de qualidade de vida.
.... Neste sentido, é necessário definir objectivos de polí tica, objectivos
operacionais e metas que reflictam os padrões de qualidade visados e os
anseios de cada comunidade, nã o esquecendo a riqueza da diversidade dos
localismos de cada sí tio e regiã o.
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.... O alcance dos objectivos requer a escolha das vias a adoptar na sua
prossecuçã o. A natureza conflitual da realidade que o planeamento procura
alterar, devida ao permanente confronto entre interesses privados divergent es,
e entre o interesse público e o interesse privado, bem como a necessária
erudiçã o das regras que sã o est abelecidas pelo próprio planeamento, tornam
a execuçã o dest e processo numa t arefa muito complexa. O êxito da execuçã o
do planeamento depende largamente da permanent e capacidade de
mobilizaçã o das vontades (individuais e colectivas), o que implica uma
participaçã o pública ampla mas organizada, que assegure o progressivo
enraizamento das regras e das soluções na cultura e nos hábitos das
comunidades.
.... Finalmente, as vias só sã o exequí veis se existirem meios adequados à sua
implementaçã o. O meio mais important e é o próprio solo adaptado (ou a
adaptar) aos usos e actividades planeados, que tem que estar sempre
disponí vel em tempo, localizaçã o e preço adequados. Acrescem,
naturalment e, os meios técnicos e humanos, bem como os meios financeiros,
outros recursos naturais, etc.. A desadequaçã o dos meios às vias pode
comprometer o futuro dos habitats por incapacidade, a prazo, de se manterem
e conservarem as estruturas fí sicas entretanto executadas, ou por estas nã o
suportarem novos modelos de organizaçã o funcional.
.... A qualidade de vida nas áreas urbanas, em especial nas grandes aglomerações
urbanas depende pois fundament almente da adequaçã o do produto do
planeamento urbaní stico (melhor ou pior explicitado) aos seus destinatários desde que os promotores das actividades económicas à populaçã o em geral.
.... Esta adequaçã o traduz-se numa multiplicidade de component es, que vã o
desde aspectos fí sicos, funcionais e económicos, a aspectos sociais, culturais
e institucionais, int er-relacionados de forma complexa, e cuja evoluçã o cabe,
ao processo de planeamento conduzir ou influenciar.
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2. . ASPECTOS FÍ SICOS E FUNCIONAIS
.... A concepçã o e planeamento da adaptaçã o do espaço às actividades urbanas
faz-se simultaneamente a diferentes escalas. As questões que cabem ao
planeamento resolver sã o horizont ais, na medida em que cruzam vários
sectores, mas t ambém verticais, no sentido da sua soluçã o passar pela
actuaçã o simultânea às várias escalas territoriais e aos vários ní veis
institucionais.
.... A concepçã o fí sica geral das áreas urbanas começa pela sua estrutura, isto é,
com base nos invariantes naturais e const ruí dos que se deverã o manter a
longo prazo. Destes fazem parte as infra-estruturas principais, os
equipamentos colectivos de hierarquia superior e as áreas urbanas centrais,
onde se localizam o comércio e os serviços especializados. A geografia de
acessibilidades e as distâncias (e tempos de deslocaçã o) casa-trabalho e
casa-serviços sã o, à partida, determinadas por esta estruturaçã o fí sica.
.... Ao longo das últimas décadas tem-se assistido a uma progressiva
concentraçã o das funções centrais nos centros urbanos mais importantes
(sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa), segundo uma lógica em grande
parte determinada pelo mercado, que tem conduzido à progressiva
segregaçã o entre as actividades urbanas de acordo com as rendas fundiárias
que sã o capazes de suportar. Esta evoluçã o vai sendo apoiada pelas novas
infra-estruturas de circulaçã o e transportes, cujas prioridades de execuçã o
vêm acentuando modelos concêntricos em vez de promoverem a
desconcentraçã o e a poli-nucleaçã o de funções urbanas centrais para novos
pólos potenciais mais desafogados.
.... A Administraçã o Pública (central e local), mesmo sem assumir um
protagonismo na conduçã o do mercado de solos urbanos, dispõe no entanto
de três importantes vias para influenciar decisivament e a evoluçã o das áreas
urbanas de maiores dimensões, no sentido do seu descongest ionamento e
poli-nucleaçã o:
• pelo estabelecimento de prioridades na modernizaçã o das redes de
infra-estruturas e de sistemas de transport e e de telecomunicações que
sejam indutoras de novas centralidades, e nã o apenas numa lógica de
reduçã o dos estrangulamentos actuais;
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• pela escolha de localizações desconcentradas para os grandes
equipamentos colectivos (a criar ou a re-localizar), que cabem a iniciativas
do sector público;
• através do planeamento urbaní stico a todos os ní veis, agregando os
programas e polí ticas públicas sectoriais de forma articulada.
.... A poli-nucleaçã o, acompanhada duma relativa especializaçã o de cada centro,
para além de permitir evitar a sobredensificaçã o das áreas centrais, e evitar o
crescimento urbano em mancha de óleo de cada pólo regional dominante,
permite ainda que cada unidade de classe de uso urbano venha a dispô r de
remates qualificados junto aos espaços agro-florestais, ou espaços naturais
marginantes ou envolventes. Estes poderã o evoluir para espaços de usos
múltiplos, fundament ais nã o só para desafogo e enquadramento das áreas
urbanas, mas também para actividades de recreio e de lazer, cada vez mais
importantes para a qualidade de vida.
.... Os subúrbios deixariam assim de constituir áreas de franja urbana
desqualificada e as áreas centrais evitariam o seu congestionamento
progressivo. Também as áreas ditas turí sticas, ou mais genericamente para
recreio e lazer, devem respeitar os valores que estiveram na origem da sua
localizaçã o e os limiares e limites de transformaçã o de cada sí tio. Turismo e
recreio de qualidade devem ser sinónimos de salvaguarda e valorizaçã o do
património natural e construí do de cada sí tio e paisagem.
.... Énecessário e urgente recuperar o papel do desenho e composiçã o urbanos,
indispensáveis ao planeamento à escala urbana e humana, bem como
desenvolver as capacidades criativa e de sí ntese necessárias à concepçã o de
soluções de arquitect ura urbana e de planeamento de pormenor de qualidade,
nã o deixando o crescimento urbano dependente da definiçã o de í ndices
urbaní sticos e zonamentos do uso do solo. Estes devem destinar-se, por
natureza, cada vez mais à avaliaçã o de situações e soluções do que a fins
regulament ares.
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.... O planeamento de pormenor visa mais do que a simples formataçã o da
divisã o da propriedade para fins urbanos e sua infraestruturaçã o. Neste
sentido, as operações de loteamento urbano promovidas por particulares
devem ser sempre enquadradas por Planos de Pormenor e nunca constituirem
seus sucedâneos. Os Planos de Pormenor, para além de " libertarem" a
composiçã o do espaço urbano da divisã o original do cadastro da propriedade,
permitem assegurar a coerência do espaço urbano, a ordem arquit ectónica dos
espaços exteriores e dos volumes edificados, e estabelecer as regras para a
sua execuçã o - nomeadamente através de contratos que vinculam tanto o
sector privado como o sector público nas obrigações e nos direitos próprios de
cada um.
.... A qualidade do espaço fí sico construí do está na riqueza da concepçã o e das
utilizações e vivências que proporciona, sem sobredensificações e, com
desafogo adequado. Assim, e a tí tulo de exemplos, enumeram-se as seguint es
preocupações:
• Na concepçã o dos espaços exteriores urbanos há que t er em conta nã o só
as necessidades de desafogo dos edifí cios e das circulações, mas também
a sua utilizaçã o como espaços de encontro, de est adia, de recreio e de
lazer, no prolongamento dos espaços interiores dos fogos e dos locais de
emprego.
Neste sentido, as circulações devem ser hierarquizadas no sentido de evitar
más vizinhanças ent re os espaços canais principais e as actividades
marginantes, e proporcionar condições de circulaçã o seguras e agradáveis
aos peões. Os perfis transversais dos espaços canais devem ser adequados
às funções de cada via e disporem de faixas de prot ecçã o e
enquadramento sempre que se justifiquem. Os espaços de estadia e os
espaços exteriores urbanos em geral devem ser acessí veis (em distância e
tempo de percurso) a toda a populaçã o, em especial às crianças, aos
jovens, aos idosos e aos deficientes.
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• A qualificaçã o dos espaços urbanos e a sua estabilizaçã o a prazo começa
pelos seus remates junto aos espaços nã o urbanos ou a grandes espaços
verdes urbanos/metropolitanos. Corresponde a qualificar o uso urbano a
partir do subúrbio para o urbano consolidado. A periferia deve t ornar-se
assim sinónimo de qualidade (em si mesmo e no seu enquadramento) e de
desafogo em oposiçã o à degradaçã o e carência.
• A supressã o progressiva das carências habitacionais levará à concorrência
(entre promotores) pela qualidade e nã o apenas pelo preço e localizaçã o.
Mas esta qualidade nã o se pode limitar aos fogos - prolonga-se na ordem
arquitectónica do edificado, que urge recuperar, na sua relaçã o com os
espaços exteriores urbanos e na diversificaçã o tipológica dos modelos
urbanos que sã o construí dos ou renovados, indo ao encontro do perfil
também diversificado da populaçã o que procura habitaçã o.
• A sustentabilidade, a prazo, dos tecidos urbanos depende da flexibilidade
da sua adequaçã o fí sica à cada vez mais rápida evoluçã o da organizaçã o
funcional dos sistemas urbanos. Esta é determinada pela evoluçã o da
estrutura da populaçã o, pelo aumento do rendimento disponí vel das
famí lias e da sua motorizaçã o, das alterações estruturais do tecido
produtivo e das actividades económicas de cada regiã o. A estrutura
fí sica, que se deseja estável a longo prazo, deve permitir (pelas
caracterí sticas da sua concepçã o) esta evoluçã o funcional.
3. . ASPECTOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
.... A maior parte da populaçã o que habita nas principais áreas urbanas do paí s é
originária de pequenos aglomerados urbanos ou de áreas rurais, nã o tendo por
base cultural referências urbanas. A migraçã o para as grandes áreas urbanas
ter-se-á devido à procura de maiores oportunidades de emprego, melhor
remuneradas e a uma maior proximidade dos equipamentos colectivos e
serviços melhores ou mais especializados.
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.... As áreas de expansã o urbana produzidas para acolherem esta nova
populaçã o " urbana" pouco têm a ver com as suas ref erências culturais de
origem, excepto (em alguns aspectos) as áreas de loteamento clandestino. A
apropriaçã o social e cultural que esta populaçã o faz dos espaços em que
habita procura reproduzir, na medida em que os diversos modelos urbanos o
permitam, os padrões de origem. Quanto menor é o desafogo económico e
mais baixo o ní vel de instruçã o mais a apropriaçã o do espaço tende a
afastar-se da legalidade e de modelos planeados e projectados. O logradouro
privado e os sucedâneos de pequenos espaços agrí colas assumem, para estas
populações, uma grande importância. A possibilidade de construçã o evolutiva
à medida das disponibilidades financeiras de cada famí lia e da sua
necessidade de espaço habitável ét ambém importante.
.... Os padrões estéticos e arquit ectónicos destas novas áreas urbanas
reportaram-se inicialmente à arquitectura popular, tendo posteriormente
evoluí do para modelos estereotipados, geralmente em rotura com a praxis da
arquitectura (popular ou erudita).
.... Nas populações das grandes áreas urbanas, a procura de segunda residência a
distâncias relativamente próximas da primeira residência resulta da procura dos
valores de desafogo e de qualidade paisagí stica que as áreas urbanas mais
centrais nem sempre proporcionam, e da conjugaçã o da concentraçã o do
emprego com o congestionamento dos sistemas de transportes, que impedem
que a segunda residência se torne na primeira.
.... As diferentes comunidades procuram afinal vias para controlar o seu habit at, a
partir do seu lote de terreno ou do seu fogo, condiçã o necessária a
desenvolver o sentimento de pert ença aos sí tios, mesmo que sejam novos
espaços ainda por est abilizar. Éclaro que ninguém anseia o que desconhece e só
o aceita se nã o dispuser de margem de escolha (por inexistência de of erta
alternativa, por incapacidade económica, ou por incapacidade cultural).
.... A supressã o de carências significa o alcance de padrões de qualidade definidos
tecnicamente por especialistas. Esta supressã o só é entendida e bem aceit e
pela populaçã o se coincidir com os seus anseios. Por outro lado, existem
sempre anseios que nã o correspondem a padrões técnicos mí nimos pelo que
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só sã o satisfeitos quando os decisores ent endem estar reunidas as condições
necessárias (polí ticas, económicas, et c.) para a sua satisfaçã o. Éevident e que
é nas áreas onde habitam as populações mais desfavorecidas (subúrbios e
áreas consolidadas degradadas) que esta dualidade cultural, social e
económica se põe com maior acuidade. Assim, no processo de planeamento,
a divulgaçã o pedagógica de soluções, de regras, de padrões, e a sua
justificaçã o é indispensável à evoluçã o cultural que é necessário operar nas
populações urbanas, t endo em vista enraizar a necessária erudiçã o, pela qual
passa afinal a formaçã o de uma opiniã o pública informada.
.... Simultaneamente, a auscultaçã o dos int eresses é t ambém indispensável à
manifestaçã o dos anseios e do ent endimento que a opiniã o pública vai
formando sobre o processo de planeament o, as suas medidas e acções.
.... O entendimento individual do alcance de " bem estar" e de " qualidade de vida"
corresponde a ter sat isfeito a maioria dos seus anseios, de acordo com as
referências culturais individuais.
.... Numa sociedade desenvolvida, o bem estar e qualidade de vida só sã o
alcançáveis quando, salvaguardada a diversidade cultural dos localismos de
cada sí tio e regiã o, os padrões técnicos e os anseios das comunidades
convirjam para um entendimento comum sobre os modelos a alcançar.
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