Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 227.655 - SP (1999/0075257-0)
RELATOR
RECORRENTE
RECORRIDO
ADVOGADO
:
:
:
:
MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
MARILENE MARQUES DA SILVA E OUTROS
EMENTA
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEAMENTO –
PARCELAMENTO
DO SOLO – CASAS POPULARES –
REGULARIZAÇÃO – VALORES URBANÍSTICOS E ECOLÓGICOS
(ARTS. 2º A 17) – REGISTRO IMOBILIÁRIO (ART. 18) – LEI
6.766/79 – PRECEDENTES DO STJ.
- A Lei 6.766/79 disciplinadora dos parcelamentos do solo não distingue
aqueles destinados à indústria, ao comércio, às residências de luxo ou às
casas populares, respeitando sempre os valores urbanísticos e ecológicos.
- O registro imobiliário, tutelado pela referida Lei 6.766/79, é necessário
para a segurança dos imóveis adquiridos, sobretudo pelos mais pobres.
- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a
seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os
Ministros Eliana Calmon (voto-vista), Franciulli Netto e João Otávio de Noronha. Não
participou do julgamento o Sr. Ministro Castro Meira. Presidiu o julgamento a Exma. Sra.
Ministra Eliana Calmon.
Brasília (DF), 10 de junho de 2003(Data do Julgamento)
MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
Relator
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RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:
Trata-se de recurso especial manifestado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO com fundamento na letra "a" do permissivo
constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça paulista que, por
unanimidade, deu provimento à remessa necessária e à apelação interposta pelo
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, nos autos da ação civil pública proposta pelo
"Parquet", objetivando a condenação do Município na obrigação de regularizar o
parcelamento, as edificações e o uso do solo, objeto de programas de mutirões
financiados pelo Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação
Subnormal - FUNAPS em convênio com associação de moradores - Associação
de Mutirantes da Lagoa-Heliopolis.
O v. acórdão, afastando a preliminar de impossibilidade jurídica do
pedido e de ilegitimidade ativa do Ministério Público, declarou que o
empreendimento não se reveste das características de loteamento, por isso
inaplicável a Lei 6.766/79. Decidiu, outrossim, que não há como sujeitar o Poder
Público a realizar obras, visto que está restrito ao poder discricionário da
Administração.
Irresignado, o Ministério Público interpõe embargos de declaração,
ao final rejeitados, alegando contradição, omissão e obscuridade no v. aresto
visto que o empreendimento realizado pelo Município não trata de loteamento,
mas ele reconheceu o parcelamento do solo, quando não se referiu
expressamente ao art. 4º, II, da Lei 6.766/79 e quando afirmou que não há como
constranger a Administração a realizar obras que dependem do poder
discricionário dela.
No recurso especial, o ora recorrente alega ter o v. acórdão negado
vigência à Lei 6.766/79, quando afirmou que não se aplica essa lei ao
empreendimento (loteamento) realizado pelo Município; violado o art. 37, caput, o
art. 30, VIII, 23, IX, da CF e os artigos 2º, 4º, 12, 13, 18 e 37 da Lei 6.766/79,
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quando afirmou que não há como constranger o Poder Público a realizar obras,
em virtude do poder discricionário da Administração.
Recurso extraordinário interposto simultaneamente.
Contra-razões às fls. 468/476.
Ambos os recursos foram inadmitidos no Tribunal "a quo". Contra os
despachos denegatórios foram interpostos os cabíveis agravos de instrumento.
Os autos subiram a esta eg. Corte, por força de agravo provido, onde vieram a
mim conclusos.
Solicitei a ouvida do Ministério Público Federal, que opinou pelo
provimento do recurso.
É o relatório.
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VOTO
EXMO.
SR.
MINISTRO
FRANCISCO
PEÇANHA
MARTINS(Relator): O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação
civil pública contra o Município paulista objetivando a condenação da
municipalidade na obrigação de regularizar o parcelamento, as edificações, o uso
e a ocupação do solo, no prazo não excedente a dois anos, objeto do convênio
celebrado entre o FUNAPS - Fundo de Atendimento à População Moradora e
Habitação Subnormal e a Associação dos Mutirantes da Lagoa - Heliópolis, ou
seja, a construção, sob administração e responsabilidade desta última, de 27
(vinte e sete)
unidades habitacionais destinadas ao uso das famílias ali
relacionadas, que tivessem trabalhado em regime de mutirão.
A sentença de 1º grau julgou procedente a ação condenando o
Município paulista na obrigação de fazer, como postulado na inicial.
A Municipalidade, irresignada, interpõe recurso de apelação que
restou provido pelo Tribunal de Justiça do Estado, em acórdão unânime, resumido
na ementa que ora reproduzo (fls. 419):
"APELAÇÃO - Empreendimento de habitação popular realizada
pelo Governo, em determinada área, não se configura loteamento,
o que afasta a aplicação da Lei nº 6.766/79 (lei de parcelamento de
solo).
APELAÇÃO - Ato de política governamental - incabível
intervenção judicial - recursos procedentes."
Embargos de declaração foram opostos pelo órgão ministerial
alegando omissão do v. aresto quanto ao art. 4º, II, da Lei 6.766/79 que se refere
expressamente aos conjuntos habitacionais de interesse social; os arts. 2º, 4º, 12,
13, 18 e 37 da mesma Lei 6.766, que determinam as providências a serem
observadas pelo loteador, ao implantar seu empreendimento. Aponta, ainda,
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preceitos constitucionais que foram ignorados pelo aresto hostilizado.
Rejeitados os aclaratórios, ao argumento de que a Lei nº 6.766/79
"não se mostra afeiçoada com o teor do julgado, porque ficou ali proclamado
que essa Lei visou por cobro aos loteamentos clandestinos, e por isso
inaplicável
ao Poder Público. Tampouco
se revelou uma hipótese de
loteamento, como se consignou no acórdão." (fls. 442)
Seguiu-se este recurso especial em que o recorrente sustenta
violação ao art. 4º, II, da
Lei nº 6.766/79, abraçando a tese de que o
empreendimento realizado pela Municipalidade consiste em loteamento para a
edificação de conjuntos habitacionais do interesse social. E que é dever da
Administração a regularização do parcelamento e da ocupação do solo, em
obediência aos preceitos constitucionais (art. 30, VIII da C.F.) e as providências
estabelecidas na referida Lei 6.766/79, em seus arts. 2º, 4º, 12 13, 18 e 37.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do
recurso, nos termos do parecer de fls. 514/516, resumido na ementa que ora
transcrevo (fls. 514):
"RECURSO
ESPECIAL.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
LOTEAMENTO. CONJUNTOS HABITACIONAIS CRIADOS PELO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SEM A OBSERVÂNCIA DOS
CRITÉRIOS PREVISTOS NA
LEI FEDERAL Nº 6.766/79.
APLICABILIDADE DE TAL NORMA AO PODER PÚBLICO (ART.
4º, II). PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO."
Assiste razão ao órgão ministerial recorrente.
Reporto-me à sentença de primeiro grau, transcrevendo trechos
elucidativos sobre a matéria em comento, adotando-a como parte deste voto, às
fls. 329:
"..............................................................................................
Aliás, o artigo 6º determina que antes da elaboração do
loteamento, o interessado deve solicitar à Prefeitura Municipal que
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defina as diretrizes para uso do solo, traçados dos lotes, do sistema
viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento
urbano e comunitário, apresentando para este fim, requerimento e
planta do imóvel, contendo pelo menos, uma série de exigências,
típicas às diferentes peculiaridades de cada aglomerado urbano,
assuntos de típico interesse local (art. 30, I da CF/88). Pode-se
pensar no exemplo da Lei de Zoneamento Urbano numa cidade
como São Paulo, dispensável, por exemplo numa cidade pequena,
na qual seja viável atividades mistas, numa mesma rua de moradia
e comércio. Nenhuma dessas funções desnatura a competência
privativa de cada município, como pretendeu a Municipalidade
contestante.
Retomando, é obedecendo às leis como a de n. 6.766/79, dentre
outras (de competência dos Estados, como por exemplo, a que
protege os mananciais), que os Municípios desempenham sua
função constitucional, quiçá a mais importante. Outro exemplo
lembrado, é a da necessária PRÉVIA APROVAÇÃO, que o projeto
de loteamento e desmembramento, deverá o interessado submeter
à aferição pela Prefeitura (art. 12), quando for o caso, cabendo a
ela, Municipalidade, a quem competem a fixação de diretrizes do
uso do solo, traçados dos lotes, do sistema viário, dos espaços livre
se das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário
apresentando requerimento e planta de uma série de itens (art. 6º),
tanto quanto ao art. 7º menciona a possibilidade de requerimento
dirigido a órgãos planejadores municipais e estaduais, nos sete
itens que o compõem."
No mesmo sentido vem se posicionando esta eg. Corte, a
exemplo do acordado no REsp. 126.372/SP (DJ de 13.10.98), do qual transcrevo
a ementa que o resumiu:
"ADMINISTRATIVO - PARCELAMENTO DO SOLO - CASAS
POPULARES - EMPRESA PÚBLICA - INCIDÊNCIA DA LEI
6.766/79.
I - A Lei 6.766/79 não exclui de sua regência os parcelamentos
(tanto loteamentos quanto desmembramentos) efetuados para
construção de casas populares. Tampouco, deixa ao largo aqueles
executados por empresas públicas (nem o poderia fazer, face ao
preceito constitucional do Art. 173, § 1º).
II - É que a disciplina dos Parcelamentos foi concebida em
homenagem a valores urbanísticos e ecológicos (arts. 2º a 17). O
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respeito a tais interesses é fundamental - nada importa que o
parcelamento se destine a indústria, comércio, residências de luxo
ou bairros populares.
III - Outro interesse tutelado através da lei 6.766/79 é a segurança
dos registros públicos (Art. 18). A disciplina do registro imobiliário
homenageia, sobretudo as pessoas que adquirirão os lotes
resultantes do parcelamento. É necessário que as pessoas sobretudo aqueles mais pobres - tenham em perpétua segurança a
propriedade que adquiriram."
Recentemente, em sessão desta 2ª Turma de 13.05.2003, ao
julgar o REsp. 247261/SP, ainda no aguardo de publicação, ficou decidido:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - LEGITIMIDADE
DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE INTERESSE EM
RECORRER - LOTEAMENTO - PARCELAMENTO DO SOLO REGULARIZAÇÃO
- CASAS POPULARES - REGISTRO
IMOBILIÁRIO - INCIDÊNCIA DA LEI 6.766/79 - PRECEDENTE.
- Reconhecida a legitimidade do Ministério Público pelo acórdão
recorrido, falece interesse ao órgão ministerial para recorrer quanto
ao tema.
- A Lei 6.766/79 disciplinadora dos parcelamentos do solo não
distingue aqueles destinados à indústria, ao comércio, às
residências de luxo ou às casas populares, homenageando sempre
os valores urbanísticos e ecológicos.
- O registro imobiliário regulado pelo art. 18 da Lei 6.766/79 é
necessário para a segurança dos imóveis adquiridos.
- Recurso especial conhecido e provido."
Assim, configurada a violação aos dispositivos da Lei 6.766/79,
conheço do recurso, dando-lhe provimento.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 1999/0075257-0
RESP 227655 / SP
Números Origem: 199700747085 2584461
PAUTA: 03/06/2003
JULGADO: 03/06/2003
Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAIS FILHO
Secretária
Bela. BÁRDIA TUPY VIEIRA FONSECA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
RECORRIDO
ADVOGADO
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
: MARILENE MARQUES DA SILVA E OUTROS
ASSUNTO: AÇÃO - CIVIL PÚBLICA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Após o voto do Sr. Ministro-Relator, conhecendo do recurso e lhe dando provimento,
pediu vista dos autos a Sra. Ministra Eliana Calmon."
Aguardam os Srs. Ministros Franciulli Netto e João Otávio de Noronha.
O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 03 de junho de 2003
BÁRDIA TUPY VIEIRA FONSECA
Secretária
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RECURSO ESPECIAL Nº 227.655 - SP (1999/0075257-0)
VOTO-VISTA
EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON:
1. Trata-se de recurso especial aviado nos autos de ação civil pública movida pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo contra o Município da Capital, cujo relator é o Ministro
Peçanha Martins.
2. A ação tem como objetivo condenar o Município a regularizar loteamento onde
foram criados e construídos conjuntos habitacionais sem a observância dos critérios previstos na
Lei 6.766/1979.
A ação, julgada procedente no primeiro grau, veio a ser reformada no Tribunal
que entendeu inaplicável a Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6.766/1979), por se tratar de
empreendimento de habitação popular e não loteamento. E como se trata de ato de política
governamental, é incabível intervenção judicial.
3. O relator deu provimento ao recurso para restaurar a sentença de primeiro
grau, apoiando-se em precedentes desta Corte (REsp 126.372/SP, DJ 13/10/1998 e REsp
247.261/SP, DJ 13/5/2003).
4. Pedi vista para melhor examinar a tese jurídica e estou convencida do acerto
do voto do relator.
Efetivamente, a Lei de Parcelamento do Solo se impõe em todas as situações,
devendo os projetos serem submetidos a prévia e indispensável aprovação, segundo as regras e
diretrizes do uso do solo, com o traçado dos lotes, as plantas do sistema viário, os espaços livres
etc.
Não se justifica fugir da rigidez de controle do parcelamento por ser obra de
governo ou loteamento de periferia.
Assim sendo, acompanho o relator, dando provimento ao recurso especial.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 1999/0075257-0
RESP 227655 / SP
Números Origem: 199700747085 2584461
PAUTA: 03/06/2003
JULGADO: 10/06/2003
Relator
Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MOACIR GUIMARÃES MORAIS FILHO
Secretária
Bela. BÁRDIA TUPY VIEIRA FONSECA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE
RECORRIDO
ADVOGADO
: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
: MARILENE MARQUES DA SILVA E OUTROS
ASSUNTO: AÇÃO - CIVIL PÚBLICA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana Calmon, a
Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro-Relator."
Os Srs. Ministros Eliana Calmon (voto-vista), Franciulli Netto e João Otávio de Noronha
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Castro Meira.
O referido é verdade. Dou fé.
Brasília, 10 de junho de 2003
BÁRDIA TUPY VIEIRA FONSECA
Secretária
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