RECURSO ESPECIAL Nº 176.662 - MG (1998/0040502-0) RELATOR RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : : : MINISTRO BARROS MONTEIRO ESDEVA EMPRESA GRÁFICA LTDA GERALDO GUARINO BRIGATTO COLADESI INDUSTRIAS QUÍMICAS LTDA WANIA ADRIANA RACHEL DE CASTRO E OUTROS BANCO RURAL S/A JOSÉ GERALDO VILELA VIEIRA DE CASTRO FERREIRA EMENTA DUPLICATA SEM CAUSA. OPERAÇÃO DE DESCONTO. ENDOSSO. PROTESTO DO TÍTULO. NULIDADE. PERDAS E DANOS. – Nulidade da duplicata, não somente em relação à emitente, mas também com referência ao Banco endossatário que promoveu o protesto, apesar da solicitação da sacadora no sentido de que fosse dada a baixa, no sistema, daquele título. – Responde por danos morais o Banco que recebe, em operação de desconto, duplicata desprovida de causa e a leva a protesto, a despeito de advertido acerca da origem espúria do título. Recurso especial conhecido e provido parcialmente. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas: Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Brasília, 13 de abril de 2004 (data do julgamento). MINISTRO BARROS MONTEIRO Relator Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 1 de 9 RECURSO ESPECIAL Nº 176.662 - MG (1998/0040502-0) RELA TÓR IO O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: “Esdeva Empresa Gráfica Ltda.” ajuizou ação ordinária de nulidade de duplicata, cumulada com pedido de indenização por danos morais e precedida de medida cautelar de sustação de protesto, contra a “Coladesi Indústrias Químicas Ltda.” e o “Banco Rural S/A”, sob a assertiva de que o título foi emitido sem que houvesse ela feito nenhuma compra junto à emitente. O MM. Juiz de Direito julgou procedentes ambos os pedidos, declarando nula a duplicata e tornando definitiva a sustação de protesto. Condenou os réus, outrossim, ao pagamento dos danos morais, arbitrados em dez vezes o montante do título, com correção monetária. Apelaram os suplicados e o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, à unanimidade, deu provimento ao recurso do Banco para: a) julgar a demandante carecedora de ação, por ilegitimidade de parte passiva da instituição financeira, quanto ao pedido de declaração de inexistência da dívida, e improcedente o pleito quanto aos danos morais, permitindo o protesto da cártula com a ressalva de que servirá exclusivamente para atestar a falta de aceite. De outro lado, deu parcial provimento ao apelo da co-ré “Coladesi” apenas para excluir os danos morais. São estes os fundamentos expendidos pelo v. Acórdão: Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 2 de 9 "O caso dos autos é um exemplo da situação anormal pretendida. Sacado o título, não houve aceite; endossado ao Banco Rural, carecendo de protesto para o exercício de seus direitos cambiais, o endossatário o teria perdido. A apelada, na verdade, não tem nenhuma relação cambial com a primeira apelante; esta em conseqüência não pode responder pela ação de declaração de inexistência de dívida cambiária, muito menos por dano moral, quando o que fez foi apenas o exercício de um direito que lhe é reconhecido em lei, qual seja, o de atestar, via protesto, a pretensão de o sacado não vincular cambiariamente, para que ela, endossatária, pudesse voltar-se contra o endossante. Poder-se-ia argumentar que o endosso teria no caso função de pura cessão de direito, mas a interpretação seria excessiva, posto que a caracterização cambial do endosso não permite entendê-lo como forma de cessão civil. Poder-se-ia ainda afirmar que o endossatário de título não aceito teria obrigação de pesquisar sobre a cártula. Data vênia, porém, a afirmação afrontaria os princípios fundamentais da cambial, que são exatamente a abstração, a independência e a autonomia do título e das obrigações cambiariformes. Estaria de pleno acordo com a r. sentença, se a apelada estivesse, em título devidamente aceito, ou instruído com a prova de recebimento da mercadoria, pleiteando sua nulidade por defeito formal, porque aí, evidentemente, estaria estabelecida relação de débito e crédito entre endossatário e sacado, mas o mesmo não ocorre quando o fundamento da inoperância do título é apenas o negócio subjacente, sem nenhuma relação com o direito do endossatário contra o endossante. Sendo, por outro lado, o protesto simples exercício do ato administrativo que a lei concede ao endossatário, com exclusivo fito prático de fazer valer seus direitos contra o endossante, não pode o sacado, não aceitante, impedi-lo, facultando-lhe, quando muito, o socorro aos órgãos competentes – e contra estes até jurisdicionalmente – para coibir os abusos cartorários. Houve mesmo alegação de que a empresa sacadora do título teria recomendado à primeira apelante que não fizesse o protesto e desse baixa em qualquer forma de cobrança. Ocorre, porém, conforme bem argüiu o segundo apelante, que não se trata de relação de débito e crédito entre ele e a apelada, mas entre ele e a primeira apelante que lhe teria endossado o título” (fls.66/67). (...) Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 3 de 9 Sabido que o título de saque, sacado e circulado, é plenamente válido com relação a seus subscritores, é de se analisar o pedido exclusivamente para questionar-se da validade ou não da obrigação combiária contestada. Conforme ficou bem esclarecido, a apelada não realizou negócio mercantil que autorizasse o saque da duplicata, razão pela qual é de se declarar a nulidade da obrigação respectiva. Quanto aos danos morais, com a vênia devida de brasileiros e americanistas, não os tenho como provenientes da simples práticas do fato. O dano moral, no meu modesto entender, é provocado por dor, sofrimento, sentimento de revolta, inteiramente inavaliável em dinheiro, servindo a indenização respectiva para efeitos compensatórios e não ressarcitórios. Isto quer dizer que a pessoa jurídica, não tendo sentimento próprio, jamais poderá argüir dano moral. Podem tÊ-lo, reconhece-se, seus administradores, mas, evidentemente, se pretenderem indenização, deverão requerer em nome próprio. Diz-se que a pessoa jurídica pode ter abalo de crédito. O dano, porém, na hipótese, é avaliável e pode ser arbitrado, mas para ser considerado, é preciso que dele se faça prova, pelo menos circunstancial, o que, na espécie, não ocorreu, mesmo porque nenhum protesto chegou a ser tirado” (fl. 69). Rejeitados os declaratórios, a autora manifestou este recurso especial com arrimo na alínea “c” do autorizativo constitucional, apontando dissídio interpretativo com arestos do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e desta Corte. Sustentou que, endossada a duplicata, é de impedir-se o protesto, uma vez reconhecida a inexistência da obrigação, cumprindo apenas ressalvar-se o direito de regresso do endossatário contra o endossante. Defendeu, de outra parte, a admissibilidade dos danos morais em favor da pessoa jurídica. Oferecidas as contra-razões pela co-ré “Coladesi Industrias Químicas Ltda.”, o apelo extremo foi admitido na origem. É o relatório. Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 4 de 9 RECURSO ESPECIAL Nº 176.662 - MG (1998/0040502-0) V O T O O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (RELATOR): 1. A co-ré “Coladesi Indústrias Químicas Ltda.” emitiu a duplicata contra a autora – ora recorrente – sem que tivesse havido o negócio jurídico subjacente. Endossou-a ao “Banco Rural S/A”, o qual, a despeito da solicitação da sacadora para dar baixa no título, levou-a a protesto por entender tratar-se de exercício regular de um direito seu. A divergência pretoriana acha-se evidenciada quantum satis no caso em exame, pois, enquanto o Acórdão recorrido considerou inexistente a relação jurídica entre a sacada e o Banco endossatário, sendo cabível o protesto da cártula por falta de aceite, os arestos colacionados como paradigmas entenderam ser inadmissível o protesto pela instituição financeira endossatária, sem proceder à necessária pesquisa previamente. Por igual, demonstrada a dissonância interpretativa quanto à possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito passivo de danos morais. 2. Assiste razão à recursante. Em primeiro lugar, a jurisprudência maciça desta Corte admite seja impedido o protesto de duplicata por falta de aceite quando desprovida de causa, ou seja, quando não corresponde, como na espécie, a transação comercial alguma. Dentre outros, confira-se o REsp nº 10.542-SC, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, de conformidade Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 5 de 9 com o qual “a posição do sacado que não aceitou não é afetada juridicamente pelo protesto. Em vista, entretanto, das enormes conseqüências que o comércio empresta ao ato, admissível seja impedido aquele ato, com ressalva expressa do direito de regresso do endossatário”. Segundo ainda a orientação jurisprudencial hoje pacífica do STJ, o Banco, que recebe para desconto duplicata sem lastro e a leva a protesto contra pessoa que nenhuma relação tem com a sacadora, responde por perdas e danos. “Quem assim age, sem verificar suficientemente a legitimidade da operação, corre o risco da sua atividade e deve reparar o prejuízo que causa a terceiros (REsp nº 331.359-MG, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar). Na mesma linha podem ser evocados os REsp's 363.957-PR, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; 262.541-PR e 327.828-MG, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar; 185.269-SP, Relator Ministro Waldemar Zveiter; 218.428-SP, de minha relatoria; o AgRg no Ag nº 235.041-SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito; e o AgRg no REsp nº 543.547-RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi. Mais ainda se acentua a responsabilidade do Banco endossatário ao considerar-se que in casu a emitente da duplicata lhe requisitou a baixa do título, recomendando-lhe não procedesse ao protesto (fl. 67). Conforme salientado acima, não se pode reconhecer boa-fé a quem, advertido sobre a ilegitimidade do saque, ainda assim leva a duplicata a protesto sob a alegação de que se trata de um direito seu. Há pouco tempo teve este órgão fracionário do Tribunal assentar a respeito que: Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 6 de 9 "(...)I. Se o banco endossatário recebe título emitido por terceiro para protesto e, inobstante previamente advertido pela suposta devedora de que a venda geradora da cambial fora desfeita, prossegue na cobrança, enviando as cambiais a protesto, possível a sua inclusão no pólo passivo de ação anulatória cumulada com pedido de indenização por danos morais" (REsp nº 401.574-PR, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior). Nesses termos, a duplicata em questão é nula não somente em relação à emitente que a sacou sem nenhum negócio jurídico subjacente (nesse ponto a decisão recorrida passou em julgado), mas também com referência ao co-réu “Banco Rural S/A” que promoveu o protesto do título, apesar da solitação da sacadora no sentido de que desse baixa, no sistema, daquele título (fl. 16). 3. No tocante à indenização pelos danos morais, a postulação também é procedente, em consonância com o entendimento jurisprudencial hoje sumulado nesta Corte. Reza a Súmula nº 227 que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Ainda que o protesto não tenha sido tirado em face da sustação requerida, oportunamente, pela empresa sacada, claro está que sofreu esta última transtornos com a providência tomada pelo Banco, cuja origem se prende ao comportamento indevido da co-ré “Coladesi” que sacou o título sem lastro algum. A instituição financeira, por sua vez, portou-se de maneira ao menos negligente, ao desatender ao aviso da endossante e, ainda, por não tomar as cautelas devidas antes de levar a cártula a protesto. Além do mais, “o protesto indevido de duplicata enseja indenização por danos morais, sendo dispensável a prova do prejuízo” (REsps nºs. 254.433-SP e 218.428-SP). Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 7 de 9 Só que o montante indenizatório não deve atingir o quantum estabelecido pela sentença (dez vezes o valor da duplicata em foco), um verdadeiro exagero, dado que, sem a atualização monetária, o total da reparação alcançaria R$ 109.000,00 (cento e nove mil reais). Em hipóteses como esta, a Quarta Turma deste Tribunal Superior tem fixado a indenização por danos morais em quantia módica que não ultrapassa cinqüenta salários-mínimos. O caso dos autos possui uma peculiaridade: o protesto não chegou a ser efetivado, daí por que o abalo psíquico havido foi de menor monta. Considerado assim o porte econômico das partes, a gravidade da lesão e a intensidade do constrangimento, arbitro os danos morais devidos pelos réus à autora em R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), atualizáveis a contar da data deste julgamento. 4. Isto posto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, a fim de julgar procedentes os pedidos iniciais, declarando nulo o título também com relação ao “Banco Rural S/A”, tornando definitiva a sustação do protesto, e condenando os réus ao pagamento, a título de danos morais, da quantia de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais), acrescida correção monetária, a partir desta data; de juros, a contar da data do apontamento da cártula (Súmula nº 54-STJ); custas processuais (art. 21, parágrafo único, do CPC) e honorários de 20% sobre o valor atualizado da condenação. É o meu voto. Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 8 de 9 CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 1998/0040502-0 RESP 176662 / MG Números Origem: 2436440 243644098 9600085408 PAUTA: 13/04/2004 JULGADO: 13/04/2004 Relator Exmo. Sr. Ministro BARROS MONTEIRO Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES Secretária Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK AUTUAÇÃO RECORRENTE ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO RECORRIDO ADVOGADO : : : : : : ESDEVA EMPRESA GRÁFICA LTDA GERALDO GUARINO BRIGATTO COLADESI INDUSTRIAS QUÍMICAS LTDA WANIA ADRIANA RACHEL DE CASTRO E OUTROS BANCO RURAL S/A JOSÉ GERALDO VILELA VIEIRA DE CASTRO FERREIRA ASSUNTO: Comercial - Títulos de Crédito - Duplicata CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 13 de abril de 2004 CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK Secretária Documento: 466881 - Inteiro Teor do Acórdão - Site Certificado- DJ: 01/07/2004 Página 9 de 9