Acórdãos STA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:
Data do Acordão:
Tribunal:
Relator:
Descritores:
0187/13
22-05-2013
2 SECÇÃO
DULCE NETO
AUTOLIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
PRAZO
Sumário:
Nos casos em que a lei não obriga à prévia interposição de
reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o
acesso à via contenciosa de impugnação do acto de autoliquidação –
e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade com
orientações genéricas emitidas pela administração tributária e a
impugnação se restringe a matéria de direito – o contribuinte não fica
sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no
prazo geral previsto no art. 70º do CPPT (120 dias), podendo deduzila nos termos e prazo previstos no nº 1 do art. 131º do CPPT (2
anos).
Nº Convencional:
Nº do Documento:
Data de Entrada:
Recorrente:
Recorrido 1:
Votação:
Aditamento:
JSTA000P15784
SA2201305220187
08-02-2013
FAZENDA PÚBLICA
A........., SA
UNANIMIDADE
Texto Integral
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário
do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário
de Lisboa, exarada a fls. 159 e segs., que julgou procedente a
impugnação judicial que a sociedade A………, S.A., deduziu contra o
acto de indeferimento tácito da reclamação administrativa que
apresentara contra a autoliquidação de IRC e derrama do exercício
de 2007, restringindo o recurso à julgada inverificação da excepção
de caducidade do direito de acção suscitada em sede de
contestação.
1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso, interposto na sequência da douta sentença
proferida que julgou procedente a impugnação supra identificada, por
considerar que a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do
grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que
o integram, e condenou a FP ao pagamento de juros indemnizatórios
à taxa legal, cinge-se à improcedência da excepção de caducidade
do direito de acção, oportunamente suscitada pela Fazenda Pública
(doravante “FP”) em sede de contestação.
II. Nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 131º do CPPT, a impugnação da
autoliquidação é, em regra, obrigatoriamente precedida de
reclamação graciosa;
III. Só assim não acontecerá, não dependendo de prévia reclamação,
a impugnação da autoliquidação quando se verifiquem,
cumulativamente, dois requisitos, a saber:
- O fundamento da impugnação for exclusivamente matéria de direito
(cfr. Ac. do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/5/2008);
- E a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações
genéricas emitidas pela administração tributária;
IV. Neste sentido, assim foi decidido pelo STA, no Acórdão nº
0860/10, de 2011/10/12.
V. De acordo com o citado aresto, “a autoliquidação, que é efectuada
pelo contribuinte, não constitui um acto administrativo e, por isso, não
é impugnável directamente, exigindo-se antes da impugnação uma
actuação da A T no sentido de “administrativizar” o acto.”
VI. Efectivamente, no caso em que a autoliquidação tenha sido
efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela
administração tributária, justifica-se a dispensa de reclamação prévia
porque, nesta hipótese, a AT já se pronunciou previamente sobre a
questão suscitada e encontra-se vinculada pelas orientações (cfr. art.
68º, nº 4, da LGT), motivo porque seria inútil suscitar a sua
intervenção através de reclamação graciosa, que teria de ser
indeferida;
VII. No caso dos autos, a impugnante, enquanto sociedade
dominante do Grupo A………, tributado pelo RETGS, deduziu a
presente impugnação contra o indeferimento tácito da reclamação
graciosa da autoliquidação de IRC e derrama do exercício de 2007,
apresentada em 2009/02/13;
VIII. Aquela foi apresentada contra a legalidade da liquidação da
derrama, no valor de € 11.334.409,93, apurada de acordo com as
instruções administrativas constantes do Oficio-Circulado nº 20132,
emitido em 2008/04/14, pela DSIRC;
IX. Consequentemente, nos termos do nº 3 do art. 131º do CPPT,
uma vez que o fundamento da reclamação graciosa foi
exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação foi efectuada de
acordo com orientações genéricas emitidas pela administração
tributária, o prazo para deduzir impugnação não depende de
reclamação prévia, devendo ser apresentada no prazo previsto no nº
1 do art. 102º do CPPT;
X. Considerando que a declaração de rendimentos Modelo 22 de
IRC, foi apresentada em 2008/07/25, a impugnante dispunha de 120
dias a contar daquela data para, querendo, apresentar reclamação
graciosa, ou de 90 dias para deduzir impugnação judicial;
XI. Ou seja, tendo a reclamação graciosa sido apresentada em
2009/02/13 (fls. 3 do processo de reclamação graciosa, apenso aos
presentes autos), a mesma foi apresentada fora de prazo, o mesmo
sucedendo com a presente impugnação, apresentada em 2009/09/10,
sendo portanto, claramente intempestiva;
XII. No mesmo sentido do entendimento preconizado pela FP, foi
decidido pelo Acórdão do TCAS, de 2011/10/04, proferido no âmbito
do proc. nº 03520/09 (disponível em www.dgsi.pt):
“4. Nos termos do art. 131, nº 3, do C.P.P.T., só não depende de
prévia reclamação a impugnação da autoliquidação, quando se
verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:
a)A autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações
genéricas emitidas pela administração tributária;
b)O fundamento da impugnação for exclusivamente matéria de
direito.”
XIII. O prazo para dedução de impugnação é extintivo do respectivo
direito potestativo de acção, pois trata-se de um prazo de caducidade
cujo decurso é causa de extinção do direito invocado pelo autor e
constitui excepção peremptória de conhecimento oficioso, que tem
como consequência a absolvição do réu do pedido, nos termos do
disposto nos arts. 493º nº 3 e 496º, ambos do CPC, aplicáveis aos
presentes autos ex vi alínea e) do art. 2º do CPPT (neste sentido,
veja-se o já citado Ac. TCAS, de 2011/10/04. proc. nº. 03520/09);
XIV. A impugnação judicial apresentada pela A………, S.A., não foi
apresentada no prazo previsto no nº 1, do art. 102º do CPPT, o que
determina a procedência da excepção de caducidade do direito de
acção invocada pela FP e, em consequência, a sua absolvição do
pedido, nos termos das citadas normas do CPC.
XV. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e
violou por erro de aplicação e de interpretação, o disposto no nº 3 do
art. 131º, o nº 1 do art. 70º, e o nº 1 do art. 102º, todos do CPPT, bem
como o disposto no nº 3 do art. 493º e o art. 496º°, ambos do CPC,
aplicáveis aos autos ex vi alínea e) do art. 2º do CPPT, devendo
assim, ser revogada, com as legais consequências.
1.2. A Recorrida apresentou alegações para sustentar a manutenção
do julgado.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu
douto parecer no sentido de que devia ser dado provimento ao
recurso, com a seguinte argumentação:
«2. Fundamentação que se defende.
No sentido de que o inciso inicial constante do art. 131.º n.º 3 é de
entender como sendo a via da reclamação graciosa a utilizável, “a
menos que” ocorram as 2 condições no mesmo prevista, em que se
abre logo a via contenciosa, para utilizar a terminologia acima
referida, se fundamenta no acórdão do S.T.A. de 5-7-12, proferido no
proc. 0417/12, acessível em www.dgsi.pt.
E que é em função de uma “pronúncia expressa” que tenha já sido
efectuada pelas orientações genéricas emitidas que é de entender
ser ou não de considerar ainda aplicável a reclamação graciosa, se
decidiu ainda no ac. do S.T.A. de 12/10/11, proferido no proc.
0860/11, acessível na mesma base de dados.
No sentido de que as circulares proferidas pelos serviços da
administração podem ser de incluir no conceito de “orientações
genéricas”, e de que nas mesmas se actua com poderes
discricionários, se pronunciou o parecer do Conselho Consultivo da
P.G.R. de 28-5-98, n.º 00021996, acessível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, também relevante doutrina se vem pronunciando em
sentido contrário àquele que se decidiu.
Que no caso de autoliquidação se encontra, em regra, previsto na lei
que seja utilizada a reclamação graciosa para a “administrativização”
do acto se pronuncia o prof. Casalta Nabais, em Direito Fiscal, 2012,
7.ª ed. Almedina, p. 361, que no acórdão citado pela recorrente se
reproduz.
Contudo, conforme o mesmo autor refere a p. 362, “em relação aos
actos de autoliquidação”(...)”dispensa(-se) a reclamação prévia para o
órgão periférico regional quando o fundamento da sua impugnação for
exclusivamente matéria de direito e as autoliquidações (...) tenham
sido efectuadas de acordo com as orientações genéricas emitidas
pela administração tributária. Neste caso a impugnação judicial deve
ser deduzida no prazo de 90 dias a contar dos factos referidos nos
termos do nº. 1 do art. 102.º (ex vi do n.º 3 do art. 131º e do n.º 6 do
art 132º)”.
Também o prof. Freitas do Amaral em Curso de Direito Administrativo,
Almedina, ed. 2002, vol. II, p. 399 a 402, referia já quanto ao erro que,
assentando o mesmo em vício da vontade, era de entender que
perdia autonomia no domínio de matéria de poderes discricionários.
Assim, e segundo já considerado pela jurisprudência e por relevante
doutrina, não fará sentido a interpretação efectuada na sentença
recorrida, bem como a que defende a recorrida, segundo a qual o
meio aplicável resultaria de uma opção do contribuinte, sendo certo
que a recorrida sempre teria ao seu dispor a via prevista no corpo do
art. 131.º n.º 3 do C.P.P.T., que não utilizou no prazo de 90 dias
previsto no n.º 1 do art. 102.º do mesmo diploma, a contar do acto
lesivo do interesse legalmente protegido que se arroga ter em fazer
incidir a derrama, adicional ao IRC declarado até final de Abril de 2007
sobre o grupo das sociedades que engloba, em vez de sobre o lucro
tributável da cada uma delas.
Com efeito, tendo a recorrida apresentado apenas reclamação
graciosa a 13/2/09, e vindo a intentar a presente impugnação judicial
a 10-9-09, quanto ao “exercício de 2007 a 12 de Fevereiro de 2009”
manifesto é ter sido exercido para além desse prazo, quanto aos
exercícios já vencidos de 2007 e 2008, sendo apenas eventualmente
de admitir a tempestividade do interesse manifestado quanto ao
exercício de 2009.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos,
cumpre decidir em conferência.
1. Na sentença recorrida deu-se por assente a seguinte factualidade:
A) A impugnante «A……… SA» é a sociedade dominante de um
grupo de sociedades, ao qual é aplicável o regime especial de
tributação dos grupos de sociedades (RETGS), previsto nos artigos
63º a 65º do Código do IRC (cfr. fls. 30 do PAT apenso);
B) Em 25-7-2008, a impugnante apresentou declaração de
rendimentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
(IRC) — Modelo 22 de substituição, relativo ao lucro tributável do
grupo do exercício de 2007 (cfr. fls. 30 a 34 do processo de
reclamação graciosa apenso);
C) Na referida declaração, a impugnante autoliquidou derrama relativa
a 2007, declarando, no campo 364, do quadro 10, da declaração
Modelo 22, o valor de € 11.334.409,93, correspondente ao somatório
das derramas calculadas e indicadas individualmente por cada uma
das sociedades pertencentes ao grupo nas respectivas declarações
periódicas de rendimentos individuais (cfr. fls. 30 a 34 do processo de
reclamação graciosa apenso);
D) Esta autoliquidação de derrama foi efectuada de acordo com as
orientações genéricas da Administração Tributária, emitidas através
do Oficio Circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, da Direcção de
Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
(cfr. fls. 60 e 61 do PAT apenso).
4. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou
inverificada a excepção que a Fazenda Pública suscitara na sua
contestação, de caducidade do direito de impugnar judicialmente a
autoliquidação de IRC e derrama relativa ao exercício de 2007,
decisão que se encontra motivada do seguinte modo:
«Na contestação que apresentou, excepcionou a Exmª Representante
da Fazenda Pública a intempestividade da presente impugnação
judicial.
Argumentou, para tanto, que, nos termos do nº 3 do art. 131º do
CPPT, considerando que o fundamento da reclamação graciosa
constitui exclusivamente matéria de direito e tendo a autoliquidação
sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela
Administração Tributária, a impugnação judicial não dependia de
reclamação graciosa prévia, devendo ser apresentada no prazo
previsto no nº 1 do artigo 102º do CPPT, e não havendo obstáculo a
que a reclamação graciosa seja apresentada de acordo com o
disposto no artigo 70º do CPPT, ou seja, no prazo de 120 dias
contados a partir da entrega da declaração, nos termos conjugados
dos artigos 131º, nº 3, in fine e 102º, nº 1, alínea f) do CPPT.
Julgamos, porém, que sem razão.
Com efeito, sem querer aceder à controvérsia sobre se a presente
impugnação judicial tem ou não por fundamento exclusivo matéria de
direito, certo é que a mesma é deduzida do indeferimento tácito de
uma reclamação graciosa apresentada pela impugnante contra o acto
de autoliquidação de IRC e derrama relativamente ao exercício de
2007.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 131º do CPPT, em caso de
erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente
precedida de reclamação graciosa, no prazo de 2 anos após a
apresentação da declaração.
E, em caso de indeferimento expresso ou tácito dessa reclamação, o
contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que
efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do
indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito
(nº 2 do artigo 131º do CPPT).
Por sua vez, dispõe o nº 4 do citado art. 131º do CPPT que “Sem
prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu
fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação
tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas
pela administração tributária, o prazo para a impugnação não
depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser
apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º” (sublinhado nosso).
Por outro lado, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 137º do
CPPT, a faculdade de reclamar administrativamente ou impugnar
judicialmente a autoliquidação é conferida nos termos e prazos
previstos no supra citado art. 131º do CPPT.
Nos termos conjugados das disposições legais citadas, resulta, desde
logo, a necessidade de o contribuinte apresentar reclamação graciosa
em caso de erro na autoliquidação, no prazo de dois anos após a
apresentação da respectiva declaração de rendimentos. Resulta,
igualmente, que o prazo para impugnar judicialmente a autoliquidação
é de 30 dias contados a partir da notificação do indeferimento ou da
formação da presunção do indeferimento tácito da reclamação
graciosa.
Por último, quando o fundamento for exclusivamente matéria de
direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com
orientações genéricas da administração tributária, deixa de ser
necessária a reclamação prévia, podendo ser apresentada
impugnação judicial directa no prazo referido no nº 1 do art. 102º do
CPPT.
Ora, nestes casos de desnecessidade de reclamação prévia, e
conforme se deixou sublinhado, o nº 3 do art. 131º do CPPT ressalva
o disposto nos números anteriores, relativamente às garantias
processuais dos contribuintes em caso de autoliquidação,
designadamente, o prazo e o momento a partir do qual o mesmo se
conta para a apresentação da reclamação graciosa (cfr. nºs 1 e 2).
Prazo esse que, reitere-se, é de dois anos após a apresentação da
declaração.
Assim, tendo a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC sido
entregue em 25-7-2008, e a reclamação graciosa sido apresentada
em 13-2-2009, mostra-se esta, claramente, tempestiva, deste modo
falecendo toda a argumentação tecida a este propósito pela Fazenda
Pública.».
Insurge-se a Recorrente contra o assim decidido, advogando que nos
casos em que a lei não obriga à prévia interposição de reclamação
graciosa prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o acesso à via
contenciosa de impugnação da autoliquidação – e que são os casos
em que esta foi efectuada em conformidade com orientações
genéricas emitidas pela administração tributária e a impugnação se
restringe a matéria de direito – o contribuinte é obrigado, caso queira
reclamar do acto, a deduzir essa reclamação no prazo geral previsto
no art. 70º do CPPT, o que não foi observado nos presentes autos.
Por conseguinte, no entender da Fazenda Pública, nos casos em que
a lei dispensa a prévia reclamação para abrir a via contenciosa, o
prazo para reclamar deve determinar-se nos termos do artigo 70º do
CPPT (120 dias) e não nos termos do número 1 do artigo 131º do
CPPT (2 anos).
Neste contexto, e sendo inquestionável que a Impugnante, ora
Recorrida, apresentou reclamação da autoliquidação de derrama
referente ao ano de 2007 (única em causa nos presentes autos)
dentro do prazo de 2 anos a que alude o nº 1 do art. 131º do CPPT, e
que impugnou o acto de indeferimento tácito dessa reclamação no
prazo legal de 30 dias a que alude o nº 2 daquele preceito, a questão
que cumpre analisar é, tão só, a de saber se a sentença errou ao
julgar que nos casos em que a lei dispensa essa prévia reclamação
prevista no art. 131º, o contribuinte é obrigado, caso queira reclamar
da autoliquidação, a apresentá-la no prazo geral de 120 dias previsto
no art. 70º do CPPT.
E, avançando para a análise da questão, logo diremos que ainda que
se considere que a presente impugnação judicial se reconduzia à
mera discussão de questões de direito (o que não é inteiramente
líquido), entendemos que a reclamação que a precedeu foi
tempestivamente apresentada como bem julgou o Tribunal “a quo”.
Com efeito, conforme sanciona a mais autorizada doutrina e se
encontra muito bem explicado por JORGE LOPES DE SOUSA, no
“Código de Procedimento e de Processo Tributário”, 6ª Ed., vol. II,
págs. 408/409, «apesar da incongruência que existe no
estabelecimento de prazos distintos de impugnação judicial e de
reclamação graciosa, a interpretar-se o nº 3 do art. 131º como
manifestação de uma opção legislativa no sentido da aplicação do
«regime normal» de impugnação nos casos em que estiver em causa
apenas matéria de direito e o contribuinte tenha seguido orientações
genéricas da administração tributária, seria corolário dessa opção
pelo afastamento do regime especial de impugnação de actos de
liquidação que a reclamação graciosa também se fizesse nos termos
normais previstos nos arts. 69º e seguintes do CPPT.».
No entanto, prossegue esse Ilustre Conselheiro, tal interpretação
lógica «no sentido de que, quando estiver em causa apenas matéria
de direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da
administração tributária, os prazos de impugnação judicial e de
reclamação graciosa seriam os normais, previstos nos arts. 70º. e
102º, é inconciliável com a indicação feita na parte inicial do n.º 3 do
art. 131.º de que o que aí se estabelece é «sem prejuízo do disposto
nos números anteriores», o que se traduz na possibilidade de
reclamação graciosa no prazo de dois anos.
Aliás, não se justificaria adoptar um prazo curto para a reclamação
graciosa com base em fundamentos de direito e um prazo mais longo
para a reclamação graciosa que inclui no seu objecto matéria de
facto, cumulada ou não com matéria de direito, pois, o contribuinte
facilmente poderia beneficiar deste prazo mais longo, mesmo que a
sua discordância real assentasse apenas em matéria de direito,
bastando para isso «inventar» discordância com qualquer matéria de
facto para juntar ao seu fundamento de direito, o que, naturalmente,
não representaria dificuldade apreciável. (...)
Por outro lado, se não há razões de segurança jurídica que, nestes
casos de autoliquidação em que está em causa matéria de direito e se
seguiram orientações genéricas da administração tributária, exijam
uma restrição a 90 dias do prazo de impugnação judicial, a imposição
desnecessária da perda do direito de impugnação contenciosa directa
será incompaginável com os princípios constitucionais da
necessidade e proporcionalidade (art. 18º, n.º 2, da CRP). Por isso, é
duvidosa a constitucionalidade da fixação de prazo feita no nº 3, e a
considerar-se que é inconstitucional deverá admitir-se a possibilidade
de deduzir impugnação judicial até ao prazo de dois anos.
Ainda por outro lado, não se pode encontrar qualquer justificação
razoável para que, decorrido o prazo de 90 dias, se vá impor ao
contribuinte a apresentação de uma reclamação graciosa para
recuperar a possibilidade de impugnação judicial quando a previsão
da possibilidade de impugnação contenciosa directa prevista no n.º 3
só se pode justificar porque, nesses casos, na perspectiva legislativa,
ela se considera desnecessária.».
E remata o seu raciocínio, concluindo impressivamente que «na linha
jurisprudencial que o STA tem vindo a adoptar em situações
semelhantes em que há incontornáveis contradições na previsão de
prazos de impugnação contenciosa e administrativa, nos casos em
que há suporte textual na lei para os contribuintes formarem
expectativas sobre possibilidade de impugnação em prazo alargado,
nunca deverá resolver-se a contradição no sentido de uma
interpretação restritiva da norma que prevê o prazo alargado, pois
uma interpretação desse tipo, que se reconduzisse à aplicação de um
prazo mais curto do que o que resulta do texto da lei poderia ofender
o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos,
constitucionalmente garantido, que supõe que a via de acesso à
impugnação contenciosa seja clara e não labiríntica, o que é
reclamado com mais veemência quando estão em causa meios
processuais que podem ser accionados pelo próprio contribuinte, sem
representação por advogado (art. 6., n.º 1, do CPPT)».
No mesmo sentido se pronunciou este Supremo Tribunal no recente
acórdão proferido em 13 de Março de 2013, no recurso nº 825/12,
cuja fundamentação acompanhamos e onde, em suma, se deixou
afirmado que em caso de erro na autoliquidação a lei exige a
reclamação graciosa prévia como forma de abrir a via contenciosa, a
menos que (i) o fundamento da impugnação seja exclusivamente de
direito e (ii) a autoliquidação tenha sido efectuada de acordo com
orientações genéricas emitidas pela AT (art. 131º, nºs. 1 e 3, do
CPPT), mas nos casos em que não há lugar a reclamação necessária
não fica vedada a possibilidade de ser apresentada reclamação
graciosa nos termos do nº 1 do citado art. 131º do CPPT.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se
conclui que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser
confirmada.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento
ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de Maio de 2013. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Isabel
Marques da Silva - Lino Ribeiro.
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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Nos casos