UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO REITORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” PSICOMOTRICIDADE A Intervenção Psicomotora nos Casos de Fracasso Escolar por Vania Duarte Costa Santos Orientador: Prof. Marco Antônio Chaves Rio de Janeiro, RJ, agosto/2001 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO REITORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” PSICOMOTRICIDADE A Intervenção Psicomotora nos Casos de Fracasso Escolar por Vania Duarte Costa Santos Trabalho Monográfico apresentado com requisito parcial para obtenção do Grau de Psicomotricidade Rio de Janeiro, RJ, agosto/2001 Especialista em AGRADECIMENTOS A minha menina de ouro, MARÍLIA, que me conduziu indiretamente a esse estudo, demonstrando que TODOS nós temos nossas DIFICULDADES, mas somos capazes de CRESCER, quando encontramos pessoas dispostas a educar, respeitando e buscando sem desistir, o potencial de cada um. Dedico este trabalho de pesquisa a todos os profissionais que se envolvem de alguma maneira, com a Educação Especial ou com os casos de alunos que apresentam Dificuldades de Aprendizagem. O futuro não é uma coisa escondida na esquina. O futuro a gente constrói no presente. Paulo Freire RESUMO A criança não é um ser apenas em desenvolvimento cognitivo, mas um ser real e concreto em interação com o mundo que a cerca. Quando se instalam dificuldades no processo de aprender, percebe-se que algo não vai bem também com sua expressão corporal, sua relação, seu falar, seu agir, seu agir sobre o mundo. O trabalho da Psicomotricidade com crianças que enfrentam o fracasso escolar, visa recuperar o poder de se movimentar livremente e recriar os laços, as ligações, perturbadas, e retomar para si mesmo o próprio poder de desenvolvimento. SUMÁRIO Introdução....................................................................................................................... 07 1 - Dificuldades de Aprendizagem................................................................................... 10 1.1 - A Importância da Família na Questão do Aprender............................................ 11 1.2 - A Escola como Principal Referência.................................................................. 12 1.3 - O Papel do Novo Professor............................................................................. 13 1.4 - O Aluno e a Imaturidade para Aprender.......................................................... 15 1.4.1 - Dificuldades na Leitura......................................................................... 17 1.4.2 - Dificuldades Matemáticas..................................................................... 20 2 - O Fracasso Escolar................................................................................................ 25 2.1 - A Falta de Curiosidade.................................................................................. 25 2.2. - A Apatia do Aluno nas Aulas........................................................................ 26 2.3. - Métodos e Práticas de Ensino....................................................................... 27 2.4. - A Avaliação................................................................................................. 28 3 - Psicomotricidade e Aprendizagem.......................................................................... 3.1 - Quando o Aluno Fracassa e a Psicomotricidade atua...................................... 31 32 3.2 - Atividades Psicomotoras que promovem o aluno e devolvem o desejo de aprender........................................................................................ 34 3.2.1. - Nas Dificuldades de Linguagem........................................................ 34 3.2.2. - Nas Dificuldades Lógico-Matemáticas............................................. 35 3.2.3. - Nas Dificuldades Pessoais............................................................... 36 Conclusão................................................................................................................ 37 Referências Bibliográficas......................................................................................... 39 Bibliografia Consultada............................................................................................. 40 07 INTRODUÇÃO Percorrer escolas hoje e encontrar professores desesperados por “não saber mais o que fazer” ou como lidar com um grupo de alunos que não aprendem, é uma constância no dia-a-dia do trabalho do pedagogo e/ou psicopedagogo. As questões que se levantam para justificar o mau desempenho do educando, são inúmeras. São fatores e mais fatores influenciáveis. E são mesmo! A causa tem que ser mesmo investigada, com todo o cuidado e critérios específicos para que se possa detectar o que impede esse aluno de aprender. A baixa expectativa que o professor tem sobre o rendimento de seus alunos, terá influência em seu ritmo de aprendizagem. A concepção que se tem das causas dos problemas da aprendizagem constitui um elemento importante que expressa sua atitude e influi em sua prática docente. Atribuir essas dificuldades ou o fracasso do aluno somente a ele ou a sua família e nunca a escola ou a sua história educacional, é um erro. É importante que a escola se conscientize de que ela também pode ser responsável pelas limitações dos alunos e cabe a ela, enquanto instituição, modificar as condições em que esse aluno vem aprendendo, considerando inclusive, o que vai além da sala de aula. Avaliar constantemente se o programa inserido, com conteúdos estabelecidos para cada série, faz parte da vivência dos alunos. Considerar que a aquisição de novos conceitos, só será possível a medida que requisitos necessários são construídos anteriormente e que para isso é necessário que o professor esteja atento a cada etapa construída, percebendo onde está centrada a dificuldade do aluno. 08 Observar os recursos utilizados pelo professor em sala de aula ou fora dela, com o propósito de motivar o aluno e auxiliá-lo a desenvolver bem seu trabalho. Não somente o uso de materiais que diferenciam uma aula da outra, mas a aplicação de técnicas onde os alunos possam se sentir integrantes do processo. Levantar e analisar fatores sócio-emocionais que possam estar influenciando e prejudicando a aprendizagem. A relação afetiva que a escola estabelece ou não, com o grupo de alunos é decisiva, nesse trabalho. Observar constantemente o desenvolvimento físico dos alunos, levando em consideração só altura e peso não basta. É necessário também avaliar a percepção sensorial, espacial e temporal: a motricidade fina e ampla; a evolução do esquema corporal; a postura, atitudes e movimentos corporais. É nesta questão que se encontra a justificativa deste trabalho. A questão da qualidade desses movimentos observados e tratados na escola. As dificuldades que o aluno encontra em relação a elaboração e construção do conhecimento, entre outras, pode levá-lo ao fracasso escolar. E quando isso ocorre o que se constata é que a postura desse aluno se modifica. O corpo reage demonstrando uma inquietação muito grande ou pouco se manifesta em relação as propostas pedagógicas, se mostrando apático diante da maioria da atividades sugeridas pelo professor. E aí não basta o trabalho desenvolvido pela educação física no sentido de ampliar os sentidos, as percepções, a motricidade. Todos os profissionais envolvidos no processo, precisam se conscientizar da importância do trabalho com o corpo naqueles que vem enfrentando o insucesso escolar. 09 Vê-se então que é de fundamental importância que a escola inclua em suas atividades curriculares, a prática psicomotora, através de profissionais qualificados, de forma a auxiliar o aluno a exprimir-se com segurança, confiança e naturalidade, quando esbarrar com as dificuldades que possam surgir com relação aos conteúdos explorados e a forma de avaliação adotada pela escola. A afetividade da criança exprime-se sempre através da postura, das atividades e dos comportamentos. Assim, a evolução afetiva harmoniosa, os contatos bem sucedidos, a aceitação integral da criança pelo meio, também operam basicamente na formação de um esquema corporal adequado. A criança que obter esta integração completa terá muito mais possibilidade de ser bem sucedida, tanto no ponto de vista da aprendizagem escolar, como também em questões oficiais e emocionais. A prática psicomotora viria então, como trabalho de reeducação e apoio, aliada às intervenções pedagógicas e psicopedagógicas, através de vivências corporais que possam restabelecer o equilíbrio, a consciência corporal e a auto-estima necessários ao bom desempenho escolar. 10 CAP. I DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM O número de crianças e adolescentes que apresentam durante sua vida escolar, dificuldades na aprendizagem ou outras perturbações nesse processo, aumenta a cada dia no contexto da educação brasileira. O educando que enfrenta o problema é, na maioria das vezes, responsabilizado integralmente pela sua incapacidade. A escola e a família, acaba se isentando de suas responsabilidades. Nos grupos onde a condição sócio-econômica é menor, a questão é ainda mais grave. A família não dispõe de recursos para investir em seus filhos desde cedo, numa estimulação na educação infantil, ou quando alguma limitação mais acentuada aparece em seu desenvolvimento, ele recebe desde cedo o rótulo de deficiente. Todas essas perturbações, levam o educando a não adaptação ao currículo estabelecido pela escola, provocando uma ruptura na construção do conhecimento exigido, com sua realidade. A partir daí o que se tem é uma queda na produção escolar, a autoestima desse aluno diminui, abrindo todas as outras portas que levam ao caminho do fracasso escolar. Localizar e investigar todos os sintomas do fenômeno do “não aprender”, parece ser o primeiro passo na tentativa de reduzir os índices de repetência e evasão escolar. No entanto, novas alternativas devem ser levantadas sobre o problema, reforçando e ampliando a leitura desses sintomas que inevitavelmente serão encontrados não somente no portador de dificuldade de aprendizagem, mas em todos os outros veículos que tem como compromisso e responsabilidade, o ato de ensinar e o ato de aprender. 11 1.1. A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA QUESTÃO DO APRENDER A família é um complexo maior do que a simples soma de suas partes. Reflete, não apenas os modos individuais do ser, mas acima de tudo na maneira como os diferentes membros agem e interagem. Tem um jogo permanente de funcionamento global, porém influenciando nos padrões individuais de cada um. Como um sistema aberto, ela está em permanente interação com o mundo exterior, que a influencia e é por ela influenciado. O intercâmbio com outros sistemas e com a sociedade em geral, a cultura típica de cada sociedade, seus movimentos e sua evolução ou não, o conjunto de crenças, valores e regras que regem todo seu processo cultural, irá inevitavelmente interferir na vida familiar. O indivíduo é portador então, de uma herança não só biológica, mas herdeiro também de uma história familiar que transcende os limites da própria existência. Os pais, deliberadamente ou não, vão imprimindo ao longo do ciclo da vida familiar, uma organização e um modo de funcionamento que vão desempenhar papel primordial na definição das interações intra e interfamiliares e constituir, em grande parte, o paradigma das relações que os filhos vão desenvolver nos demais contextos e sistemas dos quais venham a participar. Pelos ideais e valores que orientam a vida familiar, pelo posicionamento político dos seus membros como cidadãos; pelo partido político que apóiam; enfim, pelas decisões que tomam a respeito de aspectos da realidade objetiva, tais como o que priorizar o dia-a-dia, seus gastos, sua organização e seus modos interacionais que vão construindo um sistema referencial que a criança/adolescente utilizará no ambiente escolar. E é com esse referente que vai interagir com seus parceiros de escola, companheiros de grupo, professores, orientadores, diretor, etc. 12 1.2 - A ESCOLA COMO PRINCIPAL REFERÊNCIA Durante um determinado tempo no Brasil - década 70 - movimentos diversos associavam os problemas do ensino à teorias sobre a carência cultural. Com isso, a causa principal do fracasso escolar, estava sempre centrada no aluno. À escola só era atribuída uma pequena parcela de responsabilidade. Todos que tinham a chance de estudar, conseguiriam se afirmar na sociedade e exerceriam uma profissão liberal. Os trabalhos braçais e os serviços pesados eram próprios das classes desescolarizadas, por se mostrarem incapazes para a cultura. Mudanças radicais em tempo acelerado, provocam o surgimento de uma outra sociedade, ou pelo menos com outra história. Nos anos 80, após o fictício milagre econômico, acabamos por cair em longa recessão. Indústrias investem na automatização, diminuindo os postos de trabalho e imprimem uma aceleração no ritmo produtivo, impensável até então. Com isso o número de desempregados aumenta e se soma ao contingente de novas gerações em idade de trabalho, em busca de qualquer forma de ganho. Nem mesmo trabalhadores da chamada classe média ficam impunes às modificações no modelo novo de produção. Assim, nenhum diploma garante mais nada ou seja, não significa nenhuma possibilidade de um emprego nobre. Apesar disso, o único caminho que se apresenta às crianças, é o da Escola. Uma instituição que se apresenta investida de promessas que ela própria não pode cumprir. Mas sem o “saber”, existem caminhos favoráveis a formação do verdadeiro cidadão? A escola de hoje deve reconhecer que apesar de confuso e de muito problemático, ela é verdadeira e soberana referência ao aprender, ao saber. Não pode caminhar sozinha, mas deverá fazer todos os esforços a fim de reduzir o número de crianças e adolescentes que abandonam a escolaridade por conta de perturbações na aprendizagem. 13 A responsabilidade do fenômeno do não aprender, não pode ser atribuída somente a escola, mas a leitura dos sintomas precisa ser revista por ela, considerando todos os casos de desinteresse pelo ato de aprender, e não somente os casos classificados como distúrbios. 1.3 - O PAPEL DO NOVO PROFESSOR: APRENDER PARA ENSINAR “O professor é aquele que aprende ensinando e, neste sentido, a grande lição do processo científico é a de acabar com o autoritarismo dos mestres e transformar todos , mestres e discípulos, em alunos. Ambos precisam aprender a formular problemas, pois estes não se apresentam por si mesmos.” - Jaime Paviani, Problemas de Filosofia da Educação Editora Vozes - 1990 - 5a. edição. Comparando-se a educação brasileira com uma peça teatral em cartaz há muito tempo, notar-se-á que a história começa a passar por uma revisão e a “apresentação” hoje, já indica algumas mudanças: Œ O texto foi reformulado. A contribuição de vários pesquisadores contribuíram enormemente para tais mudanças e a publicação dos Parâmetros Currículares Nacionais vem demonstrar a importância da nova postura do professor na sala de aula; Œ Os atores, no caso os alunos, entram em cena agora em número bem maior, graças a política de universatização do acesso à escola; Œ O papel da escola ganha mais importância e autonomia para gerir o sistema garantido pela nova LDB 99394/96); Œ A ética, cidadania, contextualização e interdisciplinaridade, são termos que forma incorporados a fala das agentes educacionais; Œ A platéia - sociedade - passa a se interessar quanto ao rumo do “espetáculo”; 14 Œ E o professor - personagem principal dessa peça - o que muda em seu papel? Quase tudo. Ao contrário do professor tradicional que se intitulava a autoridade maior da sala de aula e dono do saber, hoje ele pensa em sua qualificação, porque está consciente de que o perfil exigido no mercado é outro. Os referenciais para a formação de professores mudaram. O Conselho Nacional de Educação (CNE) vem trabalhando para a aprovação de novas diretrizes para as licenciaturas. As antigas Escolas Normais sofrem mudanças. Pela nova LDB, a formação do professor de Educação Infantil - 4a. série do Ensino Fundamental deverá ser feita nos Cursos Normais Superiores, com a intenção de permitir o aprimoramento do profissional que deve ser capaz de produzir e transmitir qualidade. Ao contrário do que se via a alguns anos em que nos programas e planejamentos educacionais somente o aluno deveria ser capaz de demonstrar suas habilidades, o professor do novo milênio tem que demonstrar também sempre, através de suas ações, sua capacitação para lidar com diferentes mentalidades, diferentes ritmos e situações. O novo perfil do professor, inclui características e habilidades tais como: Œ Dominar tecnologias que facilitem a aprendizagem dos alunos; Œ Contextualizar os conteúdos e articulá-los nas diferentes disciplinas; Œ Utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio, para enriquecer suas aulas; Œ Acolher e respeitar a diversidade em sala de aula; Œ Gerir a classe e saber lidar com o imprevisto; Œ Administrar seu desenvolvimento profissional, criando planos de estudo e trabalho; Œ Envolver-se nas questões da escola; Œ Estabelecer uma parceria constante com pais de alunos e comunidade; Œ Trabalhar em equipe com os outros profissionais da escola (professores, orientadores, etc). 15 Œ Enfrentar dilemas éticos da profissão; Œ Desenvolver projetos com a turma, tendo como ponto de partida a realidade local; Œ Realizar uma auto-avaliação periódica, refletindo sobre a própria prática. 1.4 - O ALUNO E A IMATURIDADE PARA APRENDER. A aprendizagem, como parte de um processo social de comunicação, requer a participação de elementos como o comunicador ou emissor, mensagem, receptor da mensagem e o meio ambiente. Se houver falha em qualquer um desses elementos, a comunicação se fará com obstáculo, o que poderá causar problemas na aprendizagem. A aprendizagem é gradual, já que adquire-se novas experiências e conhecimentos durante toda nossa vida. É um processo constante e contínuo. Cada indivíduo apresenta um ritmo próprio para aprender. Um ritmo biológico que aliado ao seu esquema próprio de ação, constituirá sua individualidade. Alguns alunos levam mais tempo para aprender, enquanto outros são mais rápidos. A aprendizagem é, portanto, um processo pessoal, individual, tem fundo genético e depende de vários fatores. Depende dos esquemas de ação inatos do indivíduo; do estágio de maturação de seu sistema nervoso; do tipo psicológico constitucional (introvertido ou extrovertido) e do grau de envolvimento, de seu esforço e interesse. Aprende-se então por si mesmo, não se pode aprender pelo outro. As novas aprendizagens do indivíduo dependem de suas experiências anteriores, ou seja, dos conceitos que já constituem em relação ao novo. A aprendizagem é então um processo cumulativo, ou seja, cada nova aprendizagem vai se juntar ao repertório de conhecimentos e de experiências que o indivíduo já possui como bagagem. 16 O processo de armazenamento de conteúdos não é uma coisa estática. A cada nova aprendizagem o indivíduo reorganiza suas idéias, estabelece relações entre as aprendizagens anteriores e as novas, faz juízos de valor, colocando seus sentimentos em julgamento (certo ou errado/bom ou mal, etc); tratando-se portanto de um processo integrativo e dinâmico. Para que todo esse processo ocorra, o aluno deverá estar cercado de certas condições favoráveis e de fatores fundamentais para que a aprendizagem seja efetiva: Œ saúde física e mental Œ motivação Œ prévio domínio Œ maturação Œ inteligência Œ concentração e atenção Œ memória. As dificuldades de aprendizagem manifestadas pelos alunos ao longo do processo educativo, tem sido estudada a partir de inúmeras perspectivas e vem gerando conceitos e teorias explicativas diversas. A princípio seja qual for a teoria da aprendizagem considerada, não se pode deixar de valorizar os fatores citados e a importância da harmonia do conjunto de todos os elementos mencionados, quando se pensa na eficiência da aprendizagem. No entanto, do ponto de vista psicológico, a criança deverá estar suficientemente amadurecida para que ocorra essa eficiência no aprender, ou seja, é impossível que uma criança com deficiência mental acentuada possa realizar aprendizagens no tempo de sua idade cronológica. A inteligência é um exemplo de comportamento adaptativo que vai se desenvolvendo desde os primeiros anos de vida, em um processo contínuo. É a capacidade que o indivíduo tem de interagir com o meio ambiente e se desenvolve através de estágios ou fases que sucedem sempre em uma mesma ordem, mas que, devido às diferenças individuais, podem ser alcançadas em idades diferentes, dependendo do ritmo de cada aluno. 17 Essas diferenças ocorrem em virtude das diferentes potencialidades de cada indivíduo, indicada por sua herança genética e influenciada pela motivação que recebe, do meio ambiente cultural e social que vive, além da exercitação de suas potencialidades. O grupo de crianças e adolescentes que manifestam dificuldades significativas na aprendizagem, demonstram transtornos na aquisição e uso da língua falada e escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. 1.4.1 - DIFICULDADES NA LEITURA Quando uma criança não lê bem, surge logo a primeira referência: ela não aprendeu a ler. A leitura mecânica ou aquela que somente extrai de frases e/ou textos elementos superficiais, são diagnósticos que afetam dimensões diferentes sobre a leitura. Muito ao contrário do que parece, a leitura não é uma atividade simples. Exige coordenação de uma ampla variedade de complexas atividades. Algumas, não são específicas das leitura, mas intervêm quando a linguagem está em jogo. A mais evidente é o reconhecimento de palavras, pois àqueles símbolos gráficos num conjunto, atribuímos um significado. O outro passo, mais complexo no ato de ler, está relacionado a compreensão do texto. O processo da leitura não acaba no reconhecimento de palavras. Ele é um fenômeno extremamente importante e não é exclusivamente perceptivo. Na interpretação de texto, quando o aluno lê uma palavra ele deve analisá-la e reconhecê-la dentro de uma unidade mais ampla. Na frase - “Maria rasgou a boneca cor de rosa - estão contidas duas preposições ou duas afirmações separadas, a saber que Maria rasgou a boneca e que a boneca era cor de rosa.” æ César Coll. Desenvolvimento Psicológico e Educação. Art Med. - Porto Alegre, 1995. 18 Isso significa que nossa mente não opera com conceitos isolados: Maria - bola - cor - de - rosa; o que ocorre é que estes se interelacionam, formando estruturas mais amplas como as propostas. Desta forma, compreende-se a oração anterior, ao atribuir a Maria e boneca um predicado, rasgar, com o que as duas entidades mantêm relações específicas e diferentes: uma delas, Maria, opera como o executor ou agente da ação expressa pelo predicado, e a outra boneca como receptor desta ação. Não basta então, encontrar uma relação nos significados das palavras, mas perceber que elas estão vinculadas entre si. A leitura aparece então como um processo interativo e para tal deve-se considerar diferentes componentes além do reconhecimento de formas (letras, sílabas, palavras): ¬ a tradução dos códigos fonológicos; ¬ a comparação com uma representação armazenada em nossa memória; ¬ ativação e atribuição dos significados semânticos; ¬ a construção de uma proposição; ¬ a vinculação entre as proposições apresentadas; ¬ a construção do significado global. Os alunos que lêem mal podem não encontrar dificuldades em todos os componentes indicados. Alguns podem estar insuficientemente desenvolvidos e outros operantes; por isso é comum encontrarmos alunos que lêem com uma certa fluência, num ritmo considerado, sem no entanto, entender o significado global do texto. Isso confirma o que já foi abordado anteriormente; a origem das dificuldades na leitura não se prende às funções perceptivas. Há uma outra linha de estudo que sustenta que a dificuldade tem caráter psicolingüístico. A teoria psicolingüistica mostra que a escrita é um sistema que representa a linguagem oral e se, por algum motivo, uma criança tiver deficiências em sua linguagem, maiores serão as deficiências que surgirão ao adquirir um sistema como a escrita, que serve exatamente para representar a linguagem oral. 19 O domínio deste sistema de regras pressupõe dar-se conta de que os grafemas representam “categorias de sons”, e isto pode ser algo mais complicado do que parece à primeira vista. Por exemplo, na palavra /bote/ e na palavra /cubo/ há um “som” em comum: [b]. Nessas duas palavras há dois sons fisicamente diferentes ( o b de bote tem um traço oclusivo, enquanto o b de cubo é fricativo), que pertencem a um mesmo fonema ou a uma mesma categoria, e como conseqüência, recebeu a mesma representação gráfica. Em outras palavras, as dificuldades podem aparecer na hora de estabelecer o que se representa em cada grafema. Para se estabelecer a equivalência entre os sons, é necessário isolá-los da corrente de sons que constituem essas palavras, e decompor as palavras em sílabas e as sílabas em seus sons. Convêm advertir que, para muitos autores, os problemas na aprendizagem da leitura não tem explicações simples. Defendem a existência de distúrbios como a dislexia, onde a criança pertence a um grupo disfonético, que corresponde às deficiências na leitura ocasionadas por uma lesão cerebral. No entanto nada é exposto como fato, com dados que confirmem que os disléxios têm danos cerebrais. A leitura, concebida em seu sentido mais amplo, está presente em toda a educação e como tal não pode residir na incapacidade do aluno em criar um significado global e ordenar a informação segundo a lógica organizacional do texto. As diferenças entre os tipos de problemas aqui abordados, mostram que aprender a ler é algo mais que adquirir um sistema de representação, envolvendo a capacidade de usar a linguagem de maneira mais consciente, deliberada, formal e contextualizada. Como conseqüência, os objetivos educacionais não deveriam concentrar-se somente na aprendizagem dos códigos ou no uso adaptativo desse sistema de comunicação. O uso da língua hoje, implica em pelo menos um objetivo claro e concreto: A capacidade de expor nossos pensamentos por escrito, deforma criativa. 20 “ A comunicação por escrito repousa no significado formal das palavras e requer um número maior de vocábulos que a linguagem oral para expressar a mesma idéia. É dirigida a uma pessoa ausente, que raramente tem em mente o mesmo tema do escritor.” æVygotsky, L.S. Pensamento, Lenguaje (1985) Buenos Aires: Pléyade apud Cesar Cool, Jesus Palácios e Álvaro Marchesi. Desenvolvimento Psicológico e Educação-vol.3-pág.114Art Med Edit.1995-Porto Alegre. 1.4.2 - DIFICULDADES MATEMÁTICAS O conhecimento e as habilidades matemáticas fazem parte da vida do indivíduo desde a mais tenra idade. Nas tarefas diárias, habituais ou relacionadas com o trabalho, entra-se em contato com as habilidades quantitativas. Bebês a partir de 6 meses trabalham com quantidades, quando empilham objetos, retiram ou acrescentam os mesmos, dos grupos que manipulam. Meninos menores de 6 anos, que em sua maioria ainda não tem vida escolar, vendem de tudo nos sinais, nas esquinas e com muita categoria dão troco, trocam notas, barganham seus produtos sem nenhuma dificuldade aparente, na atividade exercida. Mas o fato é que, o ensino da matemática constitui o núcleo de preocupações das escolas e a causa de muitas reformas educativas na educação brasileira. Alguns requisitos são considerados básicos para o êxito em atividades que envolvem raciocínio e cálculos matemáticos. Manuseando-se guias ou manuais de livros didáticos, com orientações ao professor da referida disciplina, observa-se que é comum apresentar-se idéias, sugestões de jogos e desafios e ainda a análise e avaliação desses requisitos, que demonstram o comportamento necessário para a aprendizagem das noções matemáticas. 21 A intenção é de integrar as idéias clássicas de Piaget e outros colaboradores com relação ao conceito de número, baseadas na teoria naturacionista. Para cada faixa etária vê-se a necessidade de demonstração de algumas capacidades. Na idade infantil de 3 a 6 anos o aluno deverá ser capaz de: ¬ compreender igual e diferente; ¬ ordenar objetos pelo tamanho, cor e forma; ¬ classificar objetos por suas características; ¬ compreensão dos conceitos de: longo, curto, pouco, algum, grande, pequeno, menos que, mais que; ¬ ordenar objetos pelo tamanho; ¬ compreender a correspondência 1 a 1; ¬ usar objetos para somas simples; ¬ reconhecer números de 0 a 9; ¬ contar até 10; ¬ reproduzir figuras com cubos; ¬ copiar números; ¬ agrupar objetos pelo nome do número; ¬ nomear formas; ¬ reproduzir formas e figuras complexas. De 6 aos 12 anos, deverá adquirir capacidade para: ¬ agrupar objetos de 10 em 10; ¬ ler e escrever de 0 à 999; ¬ reconhecer e dizer hora de diferentes formas; ¬ resolver problemas com elementos desconhecidos; ¬ compreender meios e quartos; ¬ medir objetos; ¬ nomear o valor do dinheiro; ¬ medir o volume; 22 ¬ executar operações aritméticas básicas; ¬ usar reagrupamento; ¬ compreender números ordinais; ¬ completar problemas mentais simples; ¬ iniciar as habilidades com mapas; ¬ analisar linhas de tempo. A partir dos 12 anos, os requisitos são mais complexo se necessários em toda vida escolar futura. Capacidade para: ¬ usar os números na vida cotidiana (receitas, medidas, troco, etc); ¬ usar o sistema métrico decimal; ¬ reconhecer os números romanos; ¬ usar cálculos, com ou sem calculadora; ¬ usar estimativas de custos comerciais e domésticos; ¬ ler quadros, gráficos, mapas; ¬ compreender direções; ¬ utilizar em projetos caseiros, a solução de problemas; ¬ compreender a probabilidade; ¬ desenvolver soluções flexíveis em diferentes problemas. A conquista e aprendizagem dessas habilidades matemáticas exige conhecer com clareza os processos e passos no desenvolvimento dos conceitos relacionados com o número. Diversos trabalhos acadêmicos identificam a situação e apontam como uma das causas a utilização de livros didáticos inadequados, alguns até bastantes radicais sugerem o desaparecimento dos mesmos, que incentivam a memorização e a aplicação mecânica de fórmulas, algorítmos e outros procedimentos que não estimulam o exercício do raciocínio. Tem-se então até aqui duas descrições: meninos se saindo muito bem em experiências matemáticas, sem auxílio da escola e a escola com um grande número de alunos que acha a matemática difícil ou enfadonha. 23 Seria então a matemática uma disciplina objetivamente difícil ou será que não é bem ensinada? O que impede ou dificulta a aprendizagem das operações matemáticas mais elementares? Pedagogicamente o que se vê hoje é um movimento grande no sentido de avaliar os conteúdos priorizados e as alternativas metadológicas adotados pelo professor, no sentido de rever estratégias onde a criança possa estar em contato com a matemática por meio do desenvolvimento do cálculo mental, da prática de estimativas, no estabelecimento de relações, da formulação e resolução de problemas, através de situações reais de seu dia-adia - a aplicabilidade da matemática. Todas essas medidas, no entanto, não alteram ainda as investigações sobre a Dificuldade de Aprendizagem em Matemática. Os estudos específicos sobre o tema também são escassos e a análise rigorosa mais ainda. Os conceitos tradicionais de “discalculia” descritos por clínicos e investigadores, concebem uma definição da dificuldade, como uma “entidade”; algo como uma doença ou infecção, e que provavelmente seria causado por alguma alteração neurológica. Recentemente estudos mais conclusivos, demonstram que podem ser produzidas alterações e perdas das capacidades de representação numérica e cálculo, associadas a lesões inequívocas em determinadas zonas cerebrais (parietal inferior, parieto-occipital, setores frontais, etc). O que os críticos que defendem a disfunção cerebral - discalculia negam é que estes conceitos sejam explicativos, e que possam ser aplicados a esta alta porcentagem de crianças que, apesar de suas funções intelectuais, emocionais e perceptivas normais, adquirem com lentidão os conceitos, representações e operações matemáticas. 24 Não se tem então definido com clareza diferenças neurológicas de grupos indicados, mas foram reunidas certas diferenças cognitivas que atualmente são pesquisadas em programas desenvolvidos em Universidades Brasileiras, inclusive, quanto as competências de memória, raciocínio e déficts de aprendizagem de um modo geral. Além de estar atenta aos resultados dessas investigações e pesquisas a respeito, é necessário que a escola esteja preparada para dar mais importância à aquisição de conceitos para facilitar a aprendizagem significativa, trabalhando a solução de problemas e diminuindo o hábito de cálculos abstratos, dando a criança a oportunidade de experimentar uma matemática viva e dinâmica. 25 CAP. II O FRACASSO ESCOLAR Como no capítulo anterior, a questão do fracasso escolar também não será tratada aqui em relação àqueles alunos que apresentam problemas neurológicos, e que por conta disso apresentam diversas dificuldades no processo ensino aprendizagem. O objeto de estudo é a postura que o aluno, que enfrenta o problema do insucesso na escola adota, e como esse movimento postural pode ser prejudicial a sua vida. Portanto, o fracasso escolar será abordado, sob o aspecto pedagógico. A partir de uma prática pedagógica bem cuidada, compromissada com a educação, será possível impedir que pequenas dificuldades se transformem em transtornos escolares. Para isso é necessário que se analise alguns sintomas do insucesso escolar. 2.1 - A FALTA DE CURIOSIDADE Observando crianças de diferentes faixas etárias, é comum notar-se uma constante e fantástica curiosidade a cerca de fatos e fenômenos, que ocorrem no seu dia-a-dia, mas que ainda não conseguem entender. Dependendo da idade a curiosidade infantil é demonstrada de diversas maneiras. Perguntas sem fim, comparações, experimentações, tudo é utilizado por eles, na ânsia de descobrir a resposta ou o caminho mais adequado, que os levem a compreender e entender o que se passa a sua volta, com a natureza, com o mundo. Isso é incontestável: A criança é por si, muito curiosa! 26 Essa curiosidade, que seria um excelente instrumento no auxílio à aprendizagem; não parece tão persistente, no ambiente escolar. A participação e reação de alunos, incluindo escolas da rede privada ou do ensino público, já não aparecem de forma tão intensa. Mesmo os alunos matriculados, nas diversas turmas de Educação Infantil, onde a faixa etária vai de 2 a 6 anos, quando a curiosidade é ainda maior, o que se observa é que ela, no mínimo, não é tão constante, na Escola. A vontade de conhecer e experimentar as novidades que a Escola traz, não aparecem com a mesma intensidade que as coisas “lá de fora”. A preocupação dos professores vem acompanhada de queixas, quanto ao rendimento de seus alunos e é comum comentários como: - Tudo é motivo para desviar a atenção desses pequeninos, durante as aulas. Basta um pequeno ruído, uma voz diferente, para que já não participem mais de corpo presente das atividades. Acompanhando mais de perto esse comportamento, poderá se notar que não são as normas que elas rejeitam. A sua recusa se dirige a atitude não criativa que delas é exigida perante essas normas. Não há jogo sem regras, nem civilização sem leis; isso as crianças já vivem, intuem, pressentem. Mas, o que vivem na escola é a impossibilidade de escolher, de decidir, de inventar. Outras já decidiram por elas o que devem vestir, a sala onde ficarão, a professora, os colegas com os quais terão que conviver, o que terão que absorver em informações, como com o que ocuparão seu tempo. Nesse contexto, qual o espaço, criado pela Escola, para que a criança possa exercitar seu pensamento, seu desejo e sua imaginação? 2.2 - A APATIA DO ALUNO NAS AULAS Essa é uma outra observação importante feita durante esse estudo. Alunos que embora permaneçam fisicamente presente na sala de aula, abandonam psicologicamente o processo escolar. São casos de alunos que passam pela Escola, alguns com aproveitamento até exemplar, mas apresentando pequeno interesse pelas aulas, pela pesquisa, pelo estudo. 27 É bastante comum encontrar alunos discutindo entre si, sobre a falta de aplicabilidade dos diversos conteúdos adquiridos, à sua vida diária. Consideram uma prática inútil e por conta disso tomam uma atitude de resistência passiva, conformando-se com a simples transmissão de informações, ao invés da troca. O passar dos anos escolares é somente um passaporte para um curso superior ou emprego. O fato de não enfrentarem problemas no aproveitamento, não indica, que tenham tido uma aprendizagem satisfatória. O mercado de trabalho virá numa escala muito mais exigente e cruel, onde vencerá o mais dinâmico, o mais polêmico, aquele que desempenhar-se de maneira mais construtiva e mais criativa no mercado. Por que essa vontade de conhecer e experimentar, muitas vezes se apaga na escola, fazendo daquele ser curioso, um aluno totalmente disperso e apático? 2.3 - MÉTODOS E PRÁTICAS DE ENSINO A condição básica da aprendizagem controlada, clara tanto para professores como para os alunos, é a submissão. Esta palavra é, entretanto, raramente usada na escola; ao contrário, dizemos que as crianças devem ser ensinadas a agir em cooperação, a tornar-se cidadãos conscientes de seus direitos e a agir como pessoas amadurecidas. Essa submissão é a mais grave, prática, onde o que se exige do aluno é que ele falsifique o seu comportamento, distribuindo sua liberdade de pensar, de sentir e de atribuir valores, abdicando do direito de se apresentar como um ser participante, livre e autêntico da realidade que conhece. Mas, cada professor tem suas próprias teorias a respeito do por que os alunos se comportam e se desempenham de maneiras diferentes. São essas teorias que lhe servem de base para o emprego de métodos também próprios, nas sala de aula. Pode-se então deduzir que uma das maiores causas do insucesso escolar é encontrada nas pressuposições injustificadas acerca da aprendizagem humana e do desenvolvimento, sustentadas pelos professores, e nas práticas de ensino que delas derivam. 28 De todas as convicções a respeito da aprendizagem humana e do desenvolvimento, a mais difundida no âmbito escolar e sobre a qual de fundamentam diversos métodos e processos de ensino indefensáveis, é a de que sem um conjunto predeterminado de condições, os alunos não tem possibilidade de aprender e de desenvolver-se de forma construtiva e válida para si mesmos e para a sociedade. Esta idéia está baseada em quatro suposições errôneas: 1 - a de que uma cuidadosa manipulação é necessária para que o aluno aprenda; 2 - a de que o adultos sabem melhor o que o aluno vai aprender; 3 - a de que existe um processo determinado de aprendizagem, através do qual todos os alunos devem ser orientados; 4 - a de que existe um determinado nível de conhecimento e de desempenho que todos os alunos devem alcançar. Haverá, no entanto, necessidade dessa cuidadosa manipulação, para que o aluno aprenda e se desenvolva de forma construtiva? 2.4 - A AVALIAÇÃO Os alunos diferem um dos outros quanto à média de desenvolvimento de suas capacidades físicas, emocionais e intelectuais; quanto à sua experiência com companheiros da mesma idade, com os pais e irmãos; quanto às suas atitudes, interesses e ambições; e quanto à forma pela qual todas estas características agem entre si. Em compensação, essas características de interação, particulares de um estudante, individualmente, resultam na existência de uma única forma de aprender, que ele traz consigo para a situação de aprendizagem. Deduz-se então que nem um único conjunto de objetivos, nem um único processo de aprendizagem e nem uma época determinada e adequada para que todos os educandos aprendam e se desenvolvam da mesma forma. Nenhum método de agrupar estudantes, quer por idade, sexo, tamanho ou rendimento é capaz de, sozinho, lidar com as 29 predisposições de aprendizagem significativa que cada aluno traz consigo para o trabalho escolar. Para tornar possível que cada aluno extraia de sua permanência na escola o máximo benefício, para assegurar objetivos, conteúdos e processos de aprendizagem válidos para cada estudante, a administração e os professores da escola devem construir condições e oportunidades para o tipo de desenvolvimento e para o quadro único das predisposições de aprendizagem de cada estudante. Na prática diária, isto significa que conceitos de práticas isoladas e de provas e testes ocasionais, não resultam sempre na maneira mais adequada de avaliar o desempenho de cada aluno. Em muitos casos, o estudo independentemente, grupos de trabalhos orientadas e auto-selecionados, a aprendizagem natural de acordo com a construção de conceitos significativos e a boa relação professor x aluno, garantem uma melhor e mais adequada maneira de se avaliar o desempenho de cada aluno. Avaliar todos os educandos, de uma determinada idade, através dos mesmos conteúdos, na mesma época e do mesmo modo, é um ERRO. É a suposição de que um padrão fixo de desempenho é igualmente aplicável a todos os alunos de um grupo, a despeito das diferenças individuais de capacidade e motivação. Isso indica que o emprego de um único critério de avaliação, com relação ao aproveitamento dos alunos é absurdo e destrutivo, quanto aos efeitos que produz na evolução da aprendizagem de cada um. O aluno quando reprovado, é alvo de uma grave injustiça. Por se encontrar abaixo do nível de sua série, em capacidade e motivação, não vão nunca ao encontro do sucesso. Teriam então, que desempenhar-se além de sua capacidade? Esta idéia, de que um determinado conjunto de condições de aprendizagem deve ser imposto a todos os alunos é injusta e constitui, uma premissa básica, na qual se fundamentam uma prática de se avaliar o educando, destruindo, sua capacidade de questionar e criticar, aceitando como sua verdade aquilo que lhe foi imposto como verdade. 30 Os sintomas levantados neste capítulo, que sinalizam o problema do insucesso ou fracasso escolar, são discutidos e analisados em diversas obras sobre a questão da avaliação no educação brasileira e resultariam em material para análise de várias outras questões decorrentes de nosso sistema educacional. No entanto foram abordadas de maneira mais superficial para que se tenha uma idéia de que o próprio sistema pode estar provocando esse insucesso. 31 CAP. III PSICOMOTRICIDADE E APRENDIZAGEM O desenvolvimento da criança tem início no momento da concepção, cerca de nove meses antes do nascimento. O desenvolvimento fetal se dá por meio de processos regulados exclusivamente pela lógica biológica, vindo entretanto, a ter continuidade após o nascimento, quando um por um, os órgãos e sistemas assumem suas funções no organismo, ainda que muitos deles ainda se manifestem de forma parcial. Após o nascimento, a motricidade, já manifesta na vida intra-uterina, prossegue em desenvolvimento constante, de forma paulatina e gradual, inicialmente de forma elementar e indiferenciada, passando posteriormente para um estágio mais organizado, com precisão do controle mental. Dessa maneira, todos os movimentos que a criança utiliza ao longo do processo de desenvolvimento pós-natal indicam-nos sua maturidade e sua integridade psicofísica. As etapas de maturidade obedecem ao que se compreende como processo de maturação, que ocorre no interior do cérebro e tem uma relação estreita com a evolução do controle postural e do outro controle motor. Quando se boceja, se espirra ou se saliva, demonstra-se uma manifestação primitiva de gestos. Os hábitos higiênicos são comportamentos copiados em aprendizagens básicas no convívio social. Já o grito, é um comportamento inato que se manifesta ao longo de toda vida do homem, de diversas maneiras e pode significar dor, medo, prazer, mas representa em qualquer situação a resposta do corpo - uma reação - que implica num determinado movimento. Esse movimento é então a chave da relação que faço da psicomotricidade com a aprendizagem, buscando recuperar a qualidade dos gestos corporais, a medida em que o aluno se fecha para um sistema que impõe regras e lhe cobra posturas e atitudes, ainda não reconhecidos por ele. 32 A aprendizagem é o resultado da estimulação do ambiente sobre o indivíduo, que se expressa, diante de uma situação - problema, sob a forma de uma mudança de comportamento em função da experiência. Somente saber sobre “algo”não capacita a pessoa a realizar esse “algo” de maneira adequada. Saber sobre algo significa o indivíduo colocar-se a si mesmo e ao objeto em um sistema de relações, partindo de uma ação executada sobre o mesmo. A construção do conhecimento não é algo adquirido de fora para dentro. Depende das ações sensório-motoras que, coordenadas, ativam, organizam e estruturam o sistema nervoso do organismo humano. E é a partir daí que se faz a diferença no agir sobre as coisas que aprende. 3.1. - QUANDO O ALUNO FRACASSA E A PSICOMOTRICIDADE ATUA. Na fase escolar, aproximadamente aos 6 anos, início de escolarização, a criança já é capaz de atender, e responder às exigências da escola nos aspectos motor, cognitivo e afetivo, e seu interesse principal volta a ser direcionado ao conhecimento da realidade. No entanto, inicia-se uma fase de apreensão de conhecimento produzido e sistematizado pela escola, que não analisa o aproveitamento e rendimento de cada um. O desenvolvimento não pode ser mais gradativo e de acordo com o ritmo individual. Todos serão avaliados sob um mínimo de conteúdos estabelecidos e para alcançar o sucesso, terão que atingir uma média também estabelecida pela escola. E aí aquela capacidade afetiva principalmente, cognitiva e motora antes adquirida, já não é a mesma. O esforço que todos tem que fazer, é muito grande, mesmo os mais inteligentes, pois estarão sob o julgamento constante do adulto. A esse julgamento, algumas crianças resistem, fazendo logo de início uma forma de rejeitação a aprendizagem. Essa resistência pode tomar a forma de passividade; a falta de interesse, de atenção, mas também esconder-se atrás de outros sintomas, alguns já citados em capítulos anteriores, que tornam inexplicável, seu fracasso. 33 A prática psicomotora na escola, deverá surgir nesses casos para levantar a autoestima desse aluno e melhorar sua postura que na maioria das vezes se mostra com as seguintes características: ¬ costas arcadas e curvadas; ¬ ombros fechados e rígidos; ¬ cabeça sempre baixa; ¬ braços e mãos soltos sem expressão ou atados um ao outro. Deve-se então trabalhar o que há de positivo na criança, reforçar o acerto, aquilo que faz de melhor; ajudando-o a superar suas dificuldades, o que acarretará em princípio, no reencontro com a confiança e segurança. Existe na criança, múltiplas potencialidades positivas que podem ser desenvolvidas ao longo de um trabalho, permitindo que aquela dificuldade apresentada se torne pequena diante de suas conquistas, não esquecendo de que cada criança, como todo ser, tem seu ritmo e sua individualidade. O contexto pedagógico deve incluir o trabalho psicomotor formando um meio coerente e estimulante à aprendizagem, com o propósito de liberar a criança da constante vigília do adulto. Formar criaturas criativas que questionam o conhecimento recebido, e constroem da maneira que lhe é possível, a aquisição desses conhecimentos. Fazer com que professores e outros profissionais envolvidos no processo de ensino, vivam situações e vivências simbólicas em diferentes etapas de integração e movimento, também contribuirá para a reformulação de todas as questões que envolvem o fracasso escolar. 34 3.2. - ATIVIDADES PSICOMOTORAS QUE PROMOVEM O ALUNO E DEVOLVEM O DESEJO DE APRENDER As atividades psicomotoras devem ser inseridas com o objetivo de penetrar no processo criativo de construção e expressão do movimento, do conhecimento e da personalidade do educando. Ao psicomotricista cabe resgatar o desejo de aprender, a curiosidade e a autonomia para que o desenvolvimento harmônico se faça e a criança seja capaz de desenvolver a contento, suas competências, dentro de suas possibilidades. A partir da ação, jogos e vivências, a prática psicomotora favorecerá a maturação psicológica e cognitiva do educando. 3.2.1. - NAS DIFICULDADES DE LINGUAGEM A capacidade de utilizar a linguagem para expressar e entender pensamentos, sentimentos, valores e idéias, só é adquirida se a criança obtiver um mínimo de coordenação motora ampla e fina, de verbalização, de memorização, análise e síntese, acuidade visual, coordenação visual, lateralidade, orientação especial e temporal. A atuação do psicomotricista deverá ser baseado num programa que leve em consideração os seguintes aspectos: ¬ Compreensão de conceitos: as crianças entendem os conceitos, por experimentação. Pegar, puxar, encaixar, jogar, pular, empurrar e outras atividades que se possa construir essas noções. ¬ Organização do pensamento: através de um jogo, real ou imaginário, o psicomotricista promoverá o uso da linguagem verbal e oral. Descrever personagens, vivências após os jogos, o que sentiram durante as brincadeiras, o que mais gostaram e o que não gostaram e outras questões que provoquem a verbalização. ¬ Percepção e estruturação espacial: quando a criança é levada a se orientar, a organizar e desenvolver a percepção e a relação espacial, adquire melhores condições para desenvolver a linguagem. A percepção deficiente ocasiona a troca de fonemas e grafemas. 35 ¬ Coordenação dinâmica global: a dimensão motora encontra-se interligada a dimensão cognitiva e deve ser trabalhada através de exercícios fonoarticulatórios, exercícios respiratórios, exercícios visomotor e coordenação motora específica. 3.2.2 - NAS DIFICULDADES LÓGICO-MATEMÁTICAS A lógica está relacionada a análise das situações, objetos e símbolos, da ordenação, da reordenação e da avaliação de quantidades. Desse modo, a atividade motora, a coordenação ampla e refinada, o equilíbrio, o freio inibitório e a relaxação são capacidades que necessitam de estímulo por auxiliar a criança na exploração dos objetos, onde irá desenvolver a capacidade de reconhecer quantidades, de agrupar, classificar, seriar e estabelecer relações de causa e efeito. Atividades que trabalham com a noção de quantidade, seriação, coordenação global, visomotora, específica e equilíbrio: ¬ selecionar e ordenar objetos; ¬ predizer ações e deduções; ¬ formular hipóteses para diversas questões; ¬ propor soluções para determinadas situações; ¬ criar, antecipar e ordenar ações, etc. 3.2.3. - NAS DIFICULDADES PESSOAIS A habilidade para lidar com sentimentos, emoções e motivações, envolve a capacidade de observar, fazer distinções entre desejos e intenções, de interagir e influenciar o outro e o grupo. A afetividade emerge e está presente o tempo todo. Diante do sucesso e insucesso do educando nesse processo, o que se vê é a libertação de sentimentos como a alegria, a tristeza, a angústia, a aflição, o medo, o amor, a raiva, a superação e outros conflitos. O psicomotricista deve interagir com o aluno/paciente nessas situações. 36 Deve estar atento, ser facilitador, empático, incentivador, acolhedor, solidário, dar limites e segurança. Deve fomentar atividades que propiciem a construção da imagem corporal, a auto aceitação, a autoconsciência, o fazer opções conscientes, o conhecer e interpretar em si e nos outros os sentimentos, a cooperação, a administração dos conflitos, o lidar com diferentes tipos de personalidade, a interação com o grupo, a participação, a cooperação, o declínio do egocentrismo, a construção de papéis sociais, o desenvolvimento da expressão, a percepção das intenções e motivações simples de si e dos outros, o aprimoramento dos esquemas de comunicação das emoções e sentimentos. Todos esses aspectos devem estar acoplados à descoberta do corpo, ao desenvolvimento das habilidades motoras finas e amplas, etc. Essa proposta de articular a psicomotricidade aos casos de crianças que enfrentam o fracasso escolar, é uma proposta viva que oferece a escola a oportunidade de transformar a ação de construção do conhecimento, numa atividade lúdica e prazerosa, que possibilitará a oportunidade de termos nossas crianças, crianças brasileiras, saindo da escola de asas abertas- abertas para o mundo - confiante, segura na construção de seu conteúdo psíquico, como um ser de comunicação e de criação. NUM SER OPERATÓRIO. 37 CONCLUSÃO Ao término deste trabalho e pela análise dos diversos materiais pesquisados, podese concluir que a educação brasileira, passa por grandes mudanças e reformas. A Escola, como se sabe, foi criada para resolver a questão da transmissão e socialmente valorizada. No entanto hoje, nos parece pertinente que essa instituição não tenha esse único intuito, já que se compromete com a formação e o desenvolvimento de um público que formará posteriormente uma cidadania. Confundiu-se também, por muito tempo, o termo ensinar. Esse ato era visto como sinônimo de transmitir, onde o aluno era agente passivo da aprendizagem e único responsável pelas dificuldades que encontrava nesse processo e portanto, merecedor do castigo da reprovação. Atualmente com estudos relacionados a aprendizagem, sabe-se que essa competência é também da escola e dos profissionais envolvidos. Sabe-se também que, de algumas questões, a instituição em si, sozinha não dará conta. É preciso que ela conheça cada aluno, cada história e o encaminhe em todas as direções possíveis, para alcançar o sucesso. A Escola tem que ser o espaço de levar o indivíduo ao sucesso, não ao fracasso. O professor é hoje um gerador de situações estimuladoras e eficazes, que comanda esse processo através de experiências e descobertas. É nesse contexto que a psicomotricidade ganha espaço como ferramenta ideal para o desenvolvimento de diferentes experiências no campo cognitivo e social. Desponta como uma prática que vem conquistando seu espaço dentro e fora da Instituição Escolar, tornando necessária uma maior reflexão sobre a importância do conhecimento do itinerário de maturação pela via motora. A possibilidade dessa intervenção favorecerá, sem dúvida, o desenvolvimento da criança, dando-lhe possibilidade de tornar-se uma pessoa única, diferente dos outros em sua maneira de se comunicar, de se expressar, de pensar e de crescer. CRESCER a sua maneira, dentro de suas possibilidades. 38 O desenho acima é da menina de ouro, quem eu dediquei esse trabalho. Marília depois de alguns insucessos, encontrou uma Escola que abraçou as dificuldades que trazia, como suas. Utilizando a prática psicomotora e revendo sempre sua proposta pedagógica, investiu o tempo todo em seu sucesso. Respeitou, apostou, valorizou, incentivou e abraçou a causa. Tempos depois, esse abraço é devolvido numa atividade de Educação Artística, com o tema: Essa é a minha Escola! Uma Escola de braços abertos. “A criança atrasada, abandonada a si mesma, não pode atingir nenhuma forma evolucionada de pensamento abstrato, e precisamente por isso, a tarefa concreta da Escola consiste em fazer todos os esforços para encaminhar a criança nessa direção, para desenvolver o que lhe falta.” Vygotsky 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - CÉSAR, Coll. Desenvolvimento Psicológico e Educação. Porto Alegre: Art Med, 1995. 2 - FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974. 3 - PAVIANI, Jaime. Problemas de Filosofia da Educação. Petrópolis: Editora Vozes, 1990. 4 - REGO, Tereza C. Vygotsky. Uma perspectiva histórico-cultural da Educação. Petrópolis: Editora Vozes, 1996. 5 - S.M.E.R.J. Multi-Educação - Núcleo Curricular Básico. Rio de Janeiro, 1996. 40 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 1 - FERNÁNDEZ, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 2 - FERREIRA, C.A.M.Psicomotricidade- Da Educação Infantil à Gerontologia. São Paulo: Ed. Lovise, 2000. 3 - GALVÃO, I. Henry Wallon - Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 4 - GARCIA, I.N. Manual de Dificuldades de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 5 - LAPIERRE, A et alli. O adulto diante da criança. São Paulo: Editora Monole, 1987. 6 - ______________. A simbologia do movimento.Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. 7 - LE CAMUS, Jean. O corpo em discussão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. 8 - VAYER, Pierre et alli. Linguagem Corporal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.