GÊNERO E DIREITOS DE PERSONALIDADE: OS CAMINHOS DA
JURISPRUDÊNCIA NOS CASOS DE IDENTIFICAÇÃO CIVIL DE
TRANSEXUAIS*
GENDER AND PERSONALITY RIGHTS: JUDICIAL DECISIONS IN CASES
OF TRANSSEXUALS CIVIL IDENTIFICATION
Gretha Leite Maia
Zaneir Gonçalves Teixeira
RESUMO
O trabalho que se apresenta busca refazer os caminhos da jurisprudência brasileira
quanto aos direitos de personalidade nos processos que tem como pedido a mudança de
nome e de sexo no registro público de nascimento (retificação de registro público). Há
abundante produção teórica sobre o tema da sexualidade junto a saberes como a
psicologia e a sociologia, e a pesquisa investiga qual a extensão do diálogo havido entre
os sujeitos produtores das decisões judiciais (juízes de direito, desembargadores e
ministros de tribunais superiores) nos procedimento de retificação de registro, na sua
condição de defensores dos interesses sociais, com estes saberes. Pelo exame de
decisões judiciais podemos verificar por onde andou o discurso jurídico, que teorias
foram desposadas na construção das decisões, argumentos de que ordem foram usados
na fundamentação das sentenças. A perspectiva que orienta esta análise é a do discurso
jurídico como prática ou acontecimento imerso nas relações de saber e poder que
envolvem o indivíduo, lugar privilegiado da articulação de saberes teóricos, práticas
sociais emancipatórias e escolhas políticas.
PALAVRAS-CHAVES: GÊNERO. IDENTIFICAÇÃO CIVIL. TRANSEXUAIS.
DIREITOS DE PERSONALIDADE. JURISPRUDÊNCIA.
ABSTRACT
The work intends to analyze the judicial decisions in Brazilian courts regarding the
rights of personality, in the processes that request the change of name and sex in the
public registration of birth (rectification of public registration). There are plenty of
theoretical discussion on the topic of sexuality in psychology and sociology, and this
research investigates the extent of dialogue occurred between the producers of judicial
decisions (judges and members of high courts), in their role as defenders of the social
interests, with these theories. By examining the decisions we can have an overview of
the judicial discourse, which theories have been espoused in the construction of the
decisions, arguments of which order were used in sentences. The perspective that guides
this analysis is that of judicial discourse as a practice or event immersed in the relations
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
5365
of knowledge and power involving the individual, an ideal place for a combination of
theoretical knowledge, social emancipatory practices and political choices.
KEYWORDS: GENDER. CIVIL IDENTIFICATION.
PERSONALITY RIGHTS. JUDICIAL DECISIONS.
TRANSSEXUALS.
INTRODUÇÃO
O trabalho que se segue investiga a possibilidade de uso do termo gênero como
categoria de análise das relações interpessoais afetivas, dimensionadas na perspectiva
dos seus efeitos jurídicos. O conceito de gênero tem origem nos estudos feministas que
desafiaram o modelo binarista do sexo como adequado à leitura dos comportamentos
sexuais do masculino e do feminino, e sugeriram como alternativa um termo
estabelecido em função das teorias de construção social do sujeito. Explorar estudos que
buscam a incorporação do conceito de gênero ao seu discurso, como a antropologia, a
história e a sociologia, desvelou um campo de estudos específico para os juristas: o uso
e as possibilidades do conceito de gênero na construção do discurso jurídico. Incluímos
como lugares do discurso jurídico tanto os dispositivos legais, ou seja, a definição legal
dos sujeitos de direitos e a identificação dos destinatários das normas prescritivas de
conduta, como, e em especial, o uso do termo na construção do raciocínio jurídico
decisional.
A pesquisa tem como objetivo também verificar a adequação do olhar de gênero sobre
os conflitos juridicamente qualificados, dialogando com a identificação civil dos
sujeitos e a identificação dos papéis sociais atribuídos aos indivíduos. Considerando a
chamada jurisdicização dos fenômenos políticos e sociais, pelo ingresso de uma ordem
constitucional democrática, que objetiva legitimar-se pelo diálogo com os mais diversos
segmentos sociais, verificaremos que trânsito pode se estabelecer na leitura jurídica dos
fenômenos sociais relativos à sexualidade, em especial à identificação civil dos sujeitos.
A pesquisa objetiva finalmente estabelecer um diálogo com outros saberes para verificar
as possibilidades do olhar de gênero como instrumental para o desafio que se lança aos
juristas no lidar com as questões contemporâneas dos marcadores da identidade, em
especial a sexualidade, quando o movimento social demanda uma resposta do Poder
Judiciário. Ao refazer os caminhos da jurisprudência nos últimos anos, veremos como
cada fundamentação buscou sustentar a decisão final em argumentos de diversas ordens.
A perspectiva que anima este trabalho é a de tomar a construção das decisões judiciais
como prática discursiva ou acontecimento discursivo[1]. Trata-se de renunciar à
compreensão do discurso jurídico como estrutura única e contínua, ordenada segundo
certas regras de formação e fundada em uma racionalidade imanente, com a função de
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decifrar a verdade jurídica sobre o indivíduo e as coisas. Compreensão voltada,
portanto, para as condições exclusivamente jurídicas, internas, de possibilidade. A
proposta é justamente tratar os discursos jurídicos como práticas ou acontecimentos
plurais e descontínuos, transformáveis e marcados por condições extrajurídicas de
possibilidade. Assim, o método aqui adotado não conduz tanto a uma análise do
conjunto de categorias jurídicas que informam as decisões envolvendo transexuais, mas
tenta investigar quais discursos e condições externas ao direito aparecem articuladas nas
decisões judiciais. Acima de tudo busca compreender o tema dos direitos de
personalidade e o campo correlato da autonomia privada segundo o espectro mais amplo
dos próprios mecanismos de saber e poder formadores da subjetividade contemporânea.
1 O OLHAR DE GÊNERO
Definida como sociologia do gênero e da sexualidade, esta área das ciências
sociais comporta estudos que discutem desde em que grau as características biológica
inatas têm impacto duradouro sobre nossas identidades de gênero e nossas atividades
sexuais até a natureza do comportamento sexual humano e as diferenças sexuais. A vida
sexual nas sociedades contemporâneas, assim como outras atividades humanas, passa
por acomodações de padrões, expressando-se por manifestações simbólicas que estão
intimamente ligadas às questões de desigualdade e poder. Por isso a questão principal é:
existe uma diferença entre homens e mulheres que legitime a existência de lugares
próprios nas estruturas sociais para cada um dos gêneros? Em caso afirmativo, de que
ordem são estas diferenças, naturais (biológicas) ou culturais?
O termo gênero foi adotado para distinguir-se de sexo, para designar a gama de
diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres (enquanto sexo
refere-se às diferenças anatômicas e fisiológicas que definem, pelo corpo, o homem e a
mulher). Assim, gênero é masculino e feminino, enquanto sexo define fisiologicamente
homem e mulher. Esta distinção é essencial para afirmar a idéia de que muitas
diferenças que tem aparência de naturais são na verdade socialmente construídas, e,
portanto, estão sujeitas à desconstrução.
Por que investigar a possibilidade do uso da categoria gênero pelo discurso
jurídico? Porque o discurso jurídico se expressa por meio de categorias legais, ficções,
atribuições de valores e de significados. Para cada fato social valorado há uma
correspondente expressão linguística que o designará como juridicamente relevante. Na
sua estruturação semiótica, o direito cria conceitos, estabelece conteúdos, descreve
fenômenos. Assim, quando descrevemos o parricídio, estabelecemos a categoria pai e
filho; quando falamos de crimes cometidos por servidores públicos, quando
estabelecemos regimes de aposentadorias especiais, enfim, o discurso jurídico é um
edifício linguístico em permanente construção, definindo destinatários da norma
jurídica, bem como agentes titulares específicos de atos jurídicos determinados.
5367
Por tais razões, quem se propõe a investigar o discurso jurídico necessariamente
investigará as teorias da subjetividade, da construção social da realidade, dos sujeitos,
das identidades, teorias ancoradas na psicologia, na psicanálise e nas teorias sociais.
Seguindo tais abordagens, temos os chamados marcadores de identidades, as escoras do
sujeito para direcionar-se no labirinto da convivência social. Os marcadores de
identidade podem ser de várias ordens e variam com o tempo e o lugar. A profissão, a
cor, a classe social, o estado civil, são os marcadores de identidade com os quais o
direito mais dialoga. Mas torna-se cada vez mais evidente a necessidade de expandir
este diálogo para as fronteiras da sexualidade como um dos principais marcadores da
identidade de cada um.
As fronteiras da sexualidade nos posicionam como homens e mulheres,
definindo o padrão da heterossexualidade como o modelo sob o qual se estabelece toda
uma série de mecanismos e estruturas sociais. O ingresso da tecnologia como
instrumento de construção do corpo ajudou a embaralhar essas fronteiras. A cada
avanço tecnológico, o corpo (biológico/natural) se sujeita ao agenciamento humano e às
escolhas pessoais, sem desconsiderar o contexto social. Paralelamente, teóricos sociais
desenvolvem teorias de que o gênero e o sexo/corpo são ambos objetos de construção
social. O corpo e o conjunto gestual específico que o acompanha são uma resultante de
uma construção social. Com base em argumentos desta ordem, algumas questões têm
sido levadas ao Judiciário, tendo por mérito o desacordo entre o registro civil de
nascimento, que tem como base de identificação o corpo biológico (o aparelho
reprodutor), e o corpo/gênero apreendido pelo sujeito no seu processo de construção
social.
2 O CAMINHO DAS DINÂMICAS SOCIAIS RUMO AO DISCURSO JURÍDICO
O movimento feminista e as lutas pelos direitos civis dos homossexuais
caracterizaram-se por produzir uma reflexão teórica em permanente diálogo com a
atuação política. As dinâmicas sociais têm provocado uma crise em instituições que
suportavam um determinado discurso jurídico até um período recente em nossa história.
Tomemos como exemplo conquistas do movimento feminista, como a lei do divórcio, a
nova família na ordem constitucional de 1988, políticas públicas e um aparelhamento do
Estado contra a violência doméstica praticada contra as mulheres. O direito sustentava e
legitimava a dominação dos homens sobre as mulheres, mas tem adquirido plasticidade
para moldar-se aos novos movimentos sociais.
A investigação mais atenta sobre estas lutas e movimentos é ainda posto privilegiado
para observar e compreender as relações de poder que estão em jogo na formação do
sujeito contemporâneo. Também para, em nossa análise do discurso jurídico, posicionar
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o direito como prática de emancipação e autonomia ou de normalização e sujeição[2]
dos indivíduos. Ao tomarmos a série mais ampla de oposições sociais que se
desenvolveram nas últimas décadas, na qual estão inseridos os movimentos feministas e
homossexuais (oposição ao poder dos homens sobre as mulheres, dos pais sobre os
filhos, da administração psiquiátrica sobre os doentes mentais, da norma sobre o modo
de vida das pessoas), é possível encontrar algo mais:
São lutas que questionam o estatuto do indivíduo: por um lado afirmam o direito de ser
diferente e enfatizam tudo aquilo que os torna indivíduos verdadeiramente individuais.
Por outro lado, atacam tudo aquilo que separa o indivíduo, que quebra sua relação com
os outros, fragmenta a vida comunitária, força o indivíduo a se voltar para si mesmo e o
liga à sua própria identidade de um modo coercitivo. Estas lutas não são exatamente
nem a favor nem contra o "indivíduo"; mais que isso, são batalhas contra o "governo da
individualidade".[3]
Assim, os direitos de personalidade, como expressão jurídica da individualidade,
e todo o campo da autonomia individual (entendida no conceito mais amplo do poder de
fazer as escolhas que recaem sobre si mesmo) tornam-se o ponto privilegiado de
convergência destas lutas sociais. E justamente no campo das intervenções sobre o
corpo e a sexualidade é que o direito como forma de "governo da individualidade" tem
sido mais questionado[4].
Os direitos à sexualidade ingressam na arena das disputas por políticas públicas e
direitos sob diversos argumentos justificativos: a sexualidade é importante na medida
em que existem doenças sexualmente transmissíveis que merecem atenção da saúde
pública; porque é necessário o controle de natalidade e crescimento populacional;
porque existem crianças exploradas sexualmente. Sérgio Carrara nos chama atenção
para a ausência do argumento pela felicidade:
Tal conhecimento justifica-se pelo simples fato de ser a sexualidade, de um lado, uma
poderosa fonte de prazer e de bem estar e, de outro, um plano fundamental para a
construção de nossas identidades pessoais e sociais (para estabelecer nossos lugares no
mundo, nossas redes de sociabilidade, o modo como nos vemos e como os outros no
vêem). [5]
No tocante à homossexualidade, temos uma história que vai desde a sua definição como
atividade criminosa, até a consideração da homossexualidade como uma patologia
biológica. De várias maneiras e após muitas lutas e conquistas, a homossexualidade
tornou-se mais aceita. Na dimensão das lutas por direitos, a mais emblemática tem sido
o reconhecimento das prerrogativas legais do casamento, haja vista as grandes
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implicações para os direitos de herança, pensões e benefícios e a definição do status
parental. O casamento na maioria das sociedades contemporâneas tem implicações
legais definidas, que garantem, por exemplo, ao parceiro o direito de tomar decisões de
caráter médico, envolvendo vida ou morte do seu companheiro. Envolve desde o direito
à visitação íntima aos encarcerados até o acompanhamento de parceiros em tratamentos
médicos que exijam internação e a iniciativa assegurada ao cônjuge supérstite de
preservação da integridade do corpo morto.
Outra discussão diz respeito ao registro civil dos transexuais. As primeiras
intervenções cirúrgicas para mudança de sexo ocorreram ainda na década de 60, não
sem envolver um debate intenso nos meios médicos. Os limites do individualismo
liberal avançariam para que o indivíduo pudesse escolher o próprio sexo? O que se
incluem em nosso livre arbítrio? Numa fase de compreensão de que a mudança significa
um ajuste biológico do sexo ao gênero, numa superação do determinismo biológico,
tornaram-se mais comuns as cirurgias retificadoras de sexo. Em que pese toda a
discussão havida no meio acadêmico médico, psicológico, sociológico, o foco deste
trabalho são as consequencias jurídicas de tal ajuste, uma vez que o registro civil é um
documento que declara o sexo do indivíduo no nascimento, declaração, portanto, sujeita
também a uma retificação.
Juridicamente, tratam-se de questões referentes à retificação de registro público
e aos chamados direitos de personalidade, definidos como poderes que o ser exerce
sobre si mesmo[6]. A ordem constitucional instalada sob o princípio da democracia
importou na necessária redefinição do tratamento jurídico dado à vida das pessoas,
reestruturando o sistema de direito civil, da interpretação à aplicação das normas,
aplicando-lhe a lógica de sistema aberto, poroso aos chamados novos direitos. Uma das
consequencias mais imediatas é a atribuição que recai sobre a decisão judicial de
moldar, em sua fundamentação, as novas fronteiras definidoras do discurso jurídico.
Assim, sob o aspecto jurídico, examinaremos três aspectos: o exercício dos direitos de
personalidade, a retificação de um registro público e o lugar da decisão judicial no
sistema normativo.
3 A IDENTIFICAÇÃO CIVIL DE TRANSEXUAIS: DIREITOS DE
PERSONALIDADE, RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO E DECISÃO
JUDICIAL.
Os direitos de personalidade têm recebido tratamento doutrinário e jurisprudencial que
contribui sobremaneira para sua afirmação. Estão dispostos de forma não taxativa dos
arts. 11 a 21 do Código Civil Brasileiro. Categorizado como direitos físicos (à vida, à
integridade física, ao corpo, as partes do corpo, ao cadáver e as partes, à imagem e à
voz), direitos psíquicos (à liberdade, à intimidade, à integridade psíquica e ao segredo) e
direitos morais (à identidade, à honra, ao respeito e às criações intelectuais), os direitos
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de personalidade são os incidentes sobre o modo de ser físico, intelectual e moral da
pessoa, compreendendo prerrogativas ínsitas em sua personalidade e em suas projeções
para a sociedade. São direitos essenciais da pessoa, que constituem componentes
indissociáveis de sua personalidade.
No caso dos transexuais, o direito ao corpo foi exercido sob o fundamento de que os
direitos físicos compreendem o direito de decisão individual sobre tratamento médico e
cirúrgico. A opção pela intervenção cirúrgica transgenital não ultrapassa os limites
impostos ao poder de decisão sobre o próprio corpo, limites estes estabelecidos quando
as disposições importarem em diminuição permanente da integridade física ou em atos
atentatórios da dignidade da pessoa humana. Num segundo momento, o direito à
identidade estende-se a identidade sexual. Uma vez obtido o ajuste da anatomia do
corpo à identidade pessoal/moral de gênero, os transexuais passaram a procurar o ajuste
civil de sua identificação, retificando nome e sexo no registro público de nascimento.
O atributo jurídico que confere status de pessoa (sujeito titular de direitos e obrigações)
é a personalidade, que se expressa por meio de três elementos: a capacidade, o nome e o
estado. O nome é o meio pelo qual o sujeito se identifica e se reconhece diante dos
outros. É, portanto, expressão maior da personalidade que constitui a individualidade da
pessoa. Maria Helena Diniz já expressava a possibilidade de alteração do prenome em
decorrência de cirurgia transexual, quando afirma que "embora o princípio da
inalterabilidade do nome seja de ordem pública, sofre exceções quando (...) houver
mudança de sexo[7]. Sobre estado, podemos dizer que é um modo particular de existir,
a posição jurídica da pessoa no meio coletivo em que está inserida. Para se constituir o
estado da pessoa são abordados o vínculo conjugal, o parentesco, a condição de
nacional ou estrangeiro, a idade e o sexo. Neste caso, sexo refere-se à anatomia do
corpo. Portanto, quando ocorre mudança de sexo por procedimento cirúrgico, alterandose a anatomia do corpo, juridicamente alterou-se o estado da pessoa, um atributo de sua
personalidade, que se encontra formalmente declarado no registro público de
nascimento.
O registro público é documento que reúne e formaliza acertamentos para expressar a
condição de pessoa (nome, filiação, idade, sexo, nacionalidade), contribuindo para o
sistema jurídico na medida em que carrega segurança aos atos praticados pelos
indivíduos na sua vida formal. Essa segurança completa-se pela sua condição de
publicidade, fazendo gerar para os outros o conhecimento da existência e situação
jurídica de alguém. Após sua constituição, qualquer alteração demanda um processo
judicial. Comumente, os processos de retificação de registro públicos existiam para
mudança de prenome em razão de constrangimento pessoal.
Quando, entretanto, processos judiciais traziam no pedido mudança de nome e sexo,
houve uma produção de decisões judiciais que refletem, em seu curso, o diálogo (ou a
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ausência dele) que os Tribunais brasileiros podem travar com as dinâmicas sociais.
Outrossim, nota-se a importante participação no Ministério Público como instituição
permanente a quem se incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e que tem manifestação necessária
dentro do procedimento de retificação de registro público. Temos, portanto, no processo
judicial de retificação de registro público as figuras do autor ou da autora do pedido, do
juiz e do membro do Ministério Público.
Em 1992, por decisão da 7ª vara de Família e Sucessões de São Paulo, pela primeira vez
um Cartório de Registro civil averbou retificação do nome João para Joana,
consignando no campo destinado ao sexo "transexual", não admitindo o registro como
mulher, apesar de ter sido feita cirurgia plástica, com extração do órgão sexual
masculino e inserção de vagina, cirurgia realizada na Suíça. Não tendo sido permitido o
registro no sexo feminino, exigiu-se que na carteira de identidade aparecesse o termo
transexual como sendo o sexo de sua portadora. A fundamentação foi a possibilidade
dada para habilitação ao casamento, induzindo 3º em erro, pois no organismo do
transexual não estão presentes todos os caracteres do sexo feminino[8]. Rosa Mª Nery
se posiciona: "constatada a mudança de sexo, o registro deve fazer a acomodação, pois
os documentos têm de ser fiéis aos fatos da vida, logo fazer a ressalva é uma ofensa à
dignidade da pessoa humana. Realmente, diante do direito à identidade sexual, como
ficaria a pessoa se se colocasse no lugar do sexo "transexual"?"[9]Sugere a autora então
que se faça uma averbação sigilosa no registro do nascimento, assim, o interessado, no
momento do casamento pode pedir na Justiça uma certidão de "inteiro teor", onde
consta o sigilo. Antônio Chaves[10] defende não se deva fazer qualquer menção nos
documentos, ainda que sigilosa, mesmo porque a legislação só admite a existência de
dois sexos: o feminino e o masculino, vedando qualquer discriminação.
Seguindo uma tradição do judiciário brasileiro, as primeiras decisões judiciais que
deferiam o pedido de mudança de prenome, oriundas de juízos de 1º grau, foram, em
sede de recurso promovido pelo Ministério Público, reformadas pelos Tribunais.
Arrimados em fortes argumentos biologicistas, afirmavam os acórdãos que o sexo
natural deveria prevalecer ao psicológico, sendo um absurdo, por contradição às leis
naturais, querer afirmar pertencer ao sexo feminino quem geneticamente integra o
masculino. Sexo não é opção, mas determinismo biológico estabelecido na fase da
gestação. Como consta em um dos acórdãos examinados: inviável a pretendida
alteração do sexo natural, certo ser inadmissível pretender priorizar, sobre o mesmo, o
chamado sexo psicológico, que representa uma pretensa e inusitada explicação para
desvios de conduta, em razão de alteração anormal de psiquismo[11]. Essa decisão data
do ano de 1994, no Estado do Rio de Janeiro.
Outra sentença, da mesma época, no Rio Grande do Sul, indefere pedido de mudança de
nome e sexo no registro de nascimento. Julgado improcedente o pedido, o autor recorre
e na condição de apelante tem seu pedido deferido sob o fundamento de que o registro
civil, mantido, não refletiria uma realidade: a realidade, inclusive sob a condição
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anatômica, de ser o apelante do gênero feminino. Outro fundamento aparece no voto do
desembargador relator: não há réu no processo de retificação de registro público. O
pedido se dirige ao Estado e é o Estado quem resiste à pretensão do autor. E, finalmente,
o argumento da felicidade: "o que quer o apelante em última razão? Quer ser feliz. No
Direito há a possibilidade de ser feliz. (...) O direito à identidade pessoal é um dos
direitos fundamentais da pessoa humana". E, ao final do voto: "a identidade pessoal é a
maneira de ser, como a pessoa se realiza na sociedade, com seus atributos e defeitos,
com suas características e aspirações, com sua bagagem cultural e ideológica; é o direito
que tem todo sujeito de ser ele mesmo" [12].
Verificando a tendência no sentido de deferimento do pedido, importa agora a análise da
seguinte questão: o registro é retificado ou averbado? O registro e os dados relativos a
nome e sexo por ocasião do nascimento podem ser desconstituídos em nome da nova
realidade do sujeito? É neste ponto que o Ministério Público torna sua participação
justificada, na medida em que, como dito acima, o registro público existe para gerar
informações para terceiros, e neste caso o terceiro está identificado na expressão
interesse social, que se inscreve nas funções do Ministério Público: a defesa dos
interesses sociais. O art. 57 da lei nº. 6015/73 adverte que qualquer alteração posterior
do nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do MP, será permitida
por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração na imprensa. A Lei nº. 9708/98 adverte que o prenome será
definitivo, a admitindo-se, todavia a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Como dito também, o processo não têm réu. Assim, pela lógica dos recursos, somente
se o Ministério Público recorre, no caso de deferimento do pedido, é que o processo será
objeto de manifestação pelos Tribunais. Assim, vejamos o próximo caso[13].
Sentença de 1º grau acolhe pedido de alteração do nome e do sexo no registro civil,
determinado também, como pedido, o segredo de justiça e vedando a extração de
certidões referente à situação anterior. Há, portanto, uma nova certidão, emitida por
força de sentença judicial, onde se registra nome e sexo escolhido por ato voluntário e
agora expresso para fins de relações jurídicas do sujeito. A sentença determinou a não
publicidade da condição de transexual do autor. O Ministério Público entende abusiva a
não publicidade do registro e recorre, por vislumbrar a possibilidade de prejuízo aos
terceiros de boa-fé que venham a se envolver com o autor. A oitava câmara cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul julgou desprovido o recurso, sob
um argumento bastante interessante.
O argumento do prejuízo a terceiros refere-se à possibilidade de um homem envolver-se
emocionalmente com o apelado e descobrir em determinado momento que não poderá
ter filhos, posto não ser mulher de nascimento. Voltamos à argumentação inicial de
gênero: o que é ser uma mulher? Desde Simone de Beauvoir, não nascemos mulheres,
nós nos tornamos mulheres... Ser mulher, então, é poder gerar filhos? E o que dizer
daquelas mulheres de nascimento que não podem gerar filhos uterinos? Será que em
nome da possibilidade de prejuízo à terceiros de boa-fé deveriam elas ter em seus
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documentos ou no registro civil contida a sua condição de estéril? A resposta é
evidentemente não. Expor condições íntimas perante a sociedade é estabelecer critérios
de discriminação. Ademais, continua o voto, trata-se de hipótese futura e incerta, que
não impossibilita de, no futuro, terceiro prejudicado buscar a Justiça para obter remédio
jurídico cabível. Ao final, assevera o relator que o Direito não pode ficar atrelado ao que
dispõem as normas vigentes no país; o Direito é a realidade, é o fato social. É o
excepcional.
O órgão ministerial recorreu, agora em sede de recurso especial, ao Superior Tribunal
de Justiça. Argumentava que os Tribunais brasileiros, predominantemente, entendiam
que a alteração pleiteada de nome e sexo deveria ser objeto de uma averbação à margem
do registro, deixando claro que a mudança de nome e sexo era decorrente de decisão
judicial, fundamentada na ocorrência de cirurgia de transgenitalização. Os dados de
nascimento deveriam ser preservados e expressamente ficava consignado que a
alteração do registro era decorrente da condição de transexual submetido à cirurgia de
modificação do sexo. O recurso especial foi conhecido e provido.
A fundamentação da decisão amparou-se em Santo Agostinho. Esclarece o Ministro que
julgamento como o dessa natureza precisam ser postos sempre debaixo do amor pela
humanidade, no sentido agostiniano de natureza criada, considerando o Ministro relator
particularmente infeliz a comparação do desembargador entre o transexual e a mulher
que por qualquer patologia não pode gerar filhos. Colocando de lado a questão do
direito de escolha do sujeito ao sexo, o recurso foi provido sob o argumento de que não
se pode esconder no registro, sob pena de agressão à verdade que ele deve preservar,
que a mudança decorreu de ato judicial, nascida da vontade do autor e que tornou
necessário ato cirúrgico complexo. Considerou tratar-se de registro imperativo, e por
esta qualidade não se poderia impedir que a modificação da natureza sexual ficasse
assentada para o reconhecimento do direito do autor. Assim, foi determinado em última
instância que fosse averbada no registro civil que a modificação do nome e do sexo do
recorrido/autor decorreu de decisão judicial.
Venosa[14] trata do tema utilizando os conceitos de resignação de estado sexual e
mudança de prenome. Propõe o autor que são razões psicológicas e sociais que
suportam o deferimento do pedido. Cumpre-se um princípio da justiça social: impor a
manutenção do nome do sexo à pessoa é cruel. Também acresce à discussão o
argumento de que alteração do prenome para o sexo biológico (reconhecido pela
medicina, fundamento da retificação cirúrgica anatômica) e psíquico implica numa
harmonização do ordenamento a outras instâncias definidoras da identidade do
indivíduo.
Em sede de apelação cível, Maria Berenice Dias[15] acrescentou mais um passo ao
caminhar da jurisprudência: o fato de o apelante não ter se submetido à cirurgia para
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alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração de
nome[16]. Enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a
um determinado grupo familiar, o nome assume fundamental importância individual e
social. Paralelamente a esta conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra
fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo
que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização
do princípio da dignidade da pessoa humana, e o nome atua como uma qualidade
inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente
com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta
realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da
dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da CF, que deve
prevalecer à regra da imutabilidade do prenome.
4 O DIREITO COMO PRÁTICA SOCIAL DISCURSIVA
As discussões acerca da sexualidade e suas implicações nos chamados direitos
de personalidade, que tem sido objeto de processos judiciais nas últimas duas décadas,
apontam para implicações mais amplas acerca do exercício do direito nas sociedades
contemporâneas. As transformações ocorridas no campo dos direitos de personalidade
implicados com a sexualidade não afetam apenas a interpretação das normas jurídicas
acerca dos registros públicos, mas podem atingir todo o sistema jurídico decisório, seus
argumentos, suas técnicas, seus limites, sua racionalidade, enfim a própria composição
do discurso jurídico.
Para tanto é preciso partir da compreensão do direito como uma prática social, dotada
de plasticidade suficiente para abrigar grandes blocos de mudanças em seus conceitos e
categorias. Na verdade é preciso assumir uma posição não essencialista do direito, o que
significa dizer que o campo do jurídico não designa nenhuma essência, nenhum
conteúdo natural e dado aprioristicamente, mas que simplesmente designa um universo
definido de práticas: práticas normativas, práticas de coação e sanção, práticas políticas
e práticas de racionalidade também, que podem ser bem diferentes umas das outras, mas
que abrigam sem mais e em cada uma delas este fenômeno, o direito. Somente assim é
possível justificar profundas transformações na ordem jurídica, não só no conteúdo das
leis, mas mudanças mesmo de racionalidade e de processos de legitimação normativa e
decisória sem deixar de referir-se a uma mesma prática, o direito[17].
Como prática social o direito não existe isoladamente, ele articula-se com outras
práticas sociais, políticas, econômicas, científicas constituindo formas de saber e de
poder sobre os sujeitos. As práticas jurídicas podem assim ser colonizadas e agenciadas
por relações de poder socialmente constituídas, colocando-se a serviço da normalização
e da sujeição dos indivíduos, separando-os e diferenciando-os de acordo com os
marcadores de identidade que apresentam. Assim, as relações de poder que envolvem a
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dominação do homem sobre a mulher não são "jurídicas", mas colonizam as formas
jurídicas e instalam-se no interior do saber jurídico, sendo por elas fortalecidas e
alimentadas. Também nas questões que envolvem os direitos dos homossexuais é
possível visualizar esta dinâmica: a recusa em permitir o casamento e adoção de
crianças não é "jurídica", mas expressa uma relação social de poder que limita e
controla as possibilidades de ação dos indivíduos homossexuais, fortalecida e reforçada
por um conjunto de categorias do saber jurídico (conceito legal de casamento)..
Mas também as práticas jurídicas, se não abrigam uma essência, podem ser espaço de
emancipação e recusa do poder normalizador sobre os sujeitos. Podem ser uma prática
de resistência às relações de poder que objetivam ao mesmo tempo a produção de
sujeitos "normais" (conforme um padrão socialmente imposto) e de "anormais" (fora da
norma), que por isso mesmo devem assumir um lugar de exclusão no campo dos
direitos. Se o direito é estrategicamente assumido pelos indivíduos, que se posicionam
na trincheira desta prática social para resistir e combater os mecanismos e técnicas do
poder que, seja com objetivos políticos ou econômicos, busca produzir e governar as
individualidades, desenha-se a imagem de um "direito novo", que "não é encontrado
originariamente no discurso da norma (norma jurídica) e também não "pré-existe" como
uma evidência antropológica ou natural irrefutável. Ele não é nada além da expressão de
uma prática constituinte".[18]
Nos casos que envolvem a pretensão dos transexuais à modificação do nome e do
sexo é possível localizar uma recusa a ter sua individualidade governada a partir de
normas cuja racionalidade e legitimidade são postas diretamente em discussão. Os
processos judiciais estudados expressam assim uma forma de resistência a certas leis e
códigos que veiculam um poder assujeitador que liga o indivíduo a um marcador de
identidade incompatível com aspectos de sua individualidade. É o exercício das práticas
jurídicas como estratégia de resistência contra a sujeição e também de participação no
jogo mais amplo da regulamentação social.
Neste contexto, as decisões judiciais estudadas, independente de seus resultados,
representam acontecimentos jurídico-discursivos, amálgama de elementos extrajurídicos
que se cruzam com as categorias jurídicas. Só existem como resultado de condições
externas ao próprio direito, como a emergência das tecnologias cirúrgicas de mudança
de sexo, os debates médicos, psicológicos e sociológicos sobre a sexualidade e a
identidade e a movimentação social dos grupos ligados aos direitos dos homossexuais,
transgêneros e transexuais. Múltiplos discursos, olhares e perspectivas são privilegiados
nos fundamentos decisórios. Por enquanto se trata apenas de conhecê-los e percorrer
seus caminhos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
5376
Por onde andou o pensamento jurídico brasileiro no caso do direito ao nome e ao
sexo, quando ambos deixaram de ser uma determinação para tornar-se contingência?
Que caminhos foram percorridos pela jurisprudência pátria, o da legalidade, o do
discurso biologicista, o das lutas sociais, o das teorias psicossociais, os argumentos de
ordem moral/religiosa? A proposta deste trabalho é acima de tudo examinar os
caminhos do Direito. De onde nasce uma decisão judicial? O que a fundamenta? Dessa
discussão podemos tirar algumas conclusões que nos ajudarão a melhor compreender o
Direito na sua condição de prática decisória desenvolvida para solucionar questões
complexas dessa aventura humana chamada convivência social.
Como pudemos verificar, as primeiras decisões que listamos são
fundamentalmente biologicistas. Trata-se de uma argumentação baseada na lógica da
genética, dos hormônios, do aparelho reprodutor. Na concepção de que somos parte de
um reino animal, programados para assegurar a perpetuação da espécie. É uma
perspectiva. É um olhar. É o diálogo do Direito com a teoria evolucionista darwiniana.
Uma articulação de saberes que traduz uma sujeição, mas não às condições genéticas e
naturais, e sim às condições sociais que elegem a genética como um poder sobre o
indivíduo. Assim nascemos, frutos de uma combinação genética imutável, e seremos
sempre o que fomos gerados. Nenhuma outra possibilidade além de ser um indivíduo
normal (conforme a genética) a quem a ordem jurídica "naturalmente" assegura direitos;
ou anormal (desconforme a genética) a quem, também "naturalmente", não se pode
garantir os mesmos direitos dos indivíduos normais.
As decisões mais recentes abandonam o determinismo biológico para adotar um
discurso mais psicossocial. Somos o resultado de um processo socializador que nos
dotou de ferramentas sociais para operar as nossas mais diversas relações interpessoais
e, como somos uma resultante, estamos sempre sujeitos a adaptações, modificações, a
cada possibilidade de escolha podemos fazer diferente. Nascemos com um corpo que
adotará um conjunto gestual para se expressar, um código de uso do corpo (um jeito de
falar, de andar...) ao qual submeteremos (adestraremos) nossa estrutura fisiológica, que
será categorizado como masculino ou feminino para efeitos de identificação do que
somos, de quem somos, que papel de gênero desempenhamos.
A decisão mais citada na doutrina civilista é a do STJ, arrimada na moral cristã, cuja
única citação transcrita é de Santo Agostinho. Amor pela humanidade é um dos
fundamentos do Cristianismo, a grande pedra angular da moral ocidental. Argumentos
que derivam do conjunto de preceitos morais que fundam a moderna civilização
ocidental são capazes de contribuir para um alinhamento da decisão judicial à
expectativa social. Projeção de um poder sobre o indivíduo a partir do discurso
religioso. É um olhar. Uma perspectiva.
5377
Argumentos de diversas ordens podem socorrer o julgador na difícil tarefa de julgar
quando a lei nada diz expressamente, ou mesmo quando o julgador entenda que o que a
lei diz não mais se aplica ao caso em exame. Ao fundamentar uma decisão, o julgador
nos diz quem ele é e que usos faz do direito. O estudo de casos é uma ferramenta
poderosíssima para não só conhecermos nosso Judiciário e o que pensam os nossos
juízes, mas também para divisarmos as condições de emergência de um "direito novo"
que tem na prática seu fundamento e na ação dos indivíduos sua referência. O olhar de
gênero é uma das muitas possibilidades. Para além do Direito.
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[1] FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso, 2 ed. São Paulo: Loyola, 1996. p. 5160.
[2] Normalização e sujeição podem ser entendidas como técnicas e efeitos do exercício
do poder que alguns (indivíduos ou grupos) exercem sobre outros (indivíduos ou
grupos) com o objetivo de definir, limitar e estruturar o seu campo possível de condutas
(FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder, em RABINOW, Paul e DREYFUS, Hubert.
Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da
hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 19951995, p. 245).
[3] Ibidem, p. 234-235.
[4] Cabe aqui retomar as relações entre o direito e os marcadores de identidade que
sinalizam o trânsito do sujeito na convivência social: busca-se a possibilidade jurídica
de afirmar a própria identidade, por diferente que seja, sem que esta seja tomada pelo
direito como um marcador que isola e exclui o indivíduo, fixando coercitivamente um
5379
lugar social limitador de direitos. Um exemplo seria o homossexual que ao afirmar sua
identidade sexual é, por essa mesma razão, legalmente impedido de casar-se.
[5] CARRARA, Sérgio. O Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos
humanos e o "lugar" da Homossexualidade, in GROSSI, Mirian, et al. Movimentos
Sociais, Educação e Sexualidades. Rio de Janeiro: CLAM/Garamond, 2005, p.19.
[6] BITTAR, Carlos Alberto, BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Direito Civil
Constitucional, 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003 p. 47
[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 01: teoria geral do
Direito Civil, 19 ed, rev, São Paulo: Saraiva. 2002.
[8] Processo nº 621/89 citado em DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil
Brasileiro, v. 01: teoria geral do Direito Civil, 19 ed, rev, São Paulo: Saraiva. 2002.
[9] Apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 01: teoria geral
do Direito Civil, 19 ed, rev, São Paulo: Saraiva. 2002
[10] Apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 01: teoria geral
do Direito Civil, 19 ed, rev, São Paulo: Saraiva. 2002
[11] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Sexualidade vista pelos Tribunais. Belo
Horizonte: Del Rey: 2000.
[12] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Sexualidade vista pelos Tribunais. Belo
Horizonte: Del Rey: 2000
[13] STJ, RE nº 678.933 - RS (2004/0098083-5), Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito, julgado em 22/03/2007, DJ de 21/05/2007, p. 571.
[14] VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil: parte geral, 9 ed, São Paulo: Atlas, 2009.
Coleção Direito Civil v.01.
[15]TJSP, Ac. 700139098745-4-2006, Rel. Des. Maria Berenice Dias, 7 CC. , apud
VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil: parte geral, 9 ed, São Paulo: Atlas, 2009.
Coleção Direito Civil v.01. Também estão disponíveis os julgados TJSP, Ap cível
430.069-4/0-00, de 23-5-2007 - 8ª Câmara de Direito Privado; TJRS. Ap cível
70018911594, de 25-4-2007 - 7ª Câmara Cível, TJRS, AP cível 70017037078, de 28-22007, 7ª Câmara Cível e TJRS. Ap Cível 70013580055, de 17-8-2006, 8ª Câmara Cível,
todos no sentido da modificação do registro e do resguardo da intimidade do
requerente).
[16] É importante destacar a inovação trazida pela decisão da desembargadora, pois
aponta para a extensão do direito de modificação do nome não só para a categoria dos
transexuais (indivíduos cujo sexo anatômico é cirurgicamente modificado), mas
também para os chamados transgêneros (indivíduos que transitam entre os gêneros
masculino e feminino sem que se submetam à cirurgia para mudança de sexo).
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[17] EWALD, François apud FONSECA, Marcio Alves da. Michel Foucault e o
Direito. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 33-34
[18] FONSECA, Marcio Alves da. Michel Foucault e o Direito. São Paulo: Max
Limonad, 2002, p. 293.
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5365 gênero e direitos de personalidade: os