VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina El periodista en Antônio Callado: la concepción de un proyecto periodístico de compromiso con Latinoamerica The journalist in Antônio Callado: the conception of a journalistic project of engagement to Latin America Lilian Juliana MARTINS Universidade Estadual Paulista (Brasil) [email protected] Resumen Desdoblamiento del proyecto de pesquisa de Doctoramiento del programa de posgrado en Comunicación Mediática de la Universidad Estadual Paulista de Bauru, este trabajo presenta la producción periodística de Antônio Callado (1917-1997). El consagrado romancista brasileño ten una importante actuación en el periodismo que raramente es estudiada. Además de una calidad narrativa perceptible, las reportajes de Callado traen una concepción de lo que pudiera ser un periodista interesado en presentar discusiones pertinentes para el entendimiento de una identidad latinoamericana. Para estudio de esa perspectiva de compromiso, el libro "Vietnam del Norte: Advertencia a los Agresores" ("Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores") de Callado se presenta como un objeto fecundo. Fue en las vísperas del endurecimiento de la Dictadura Militar en el país que el Jornal do Brasil empezó una de sus más osadas producciones periodísticas, enviando Callado a la Guerra del Vietnam, en 1968. La reportaje del Jornal do Brasil fue, posteriormente, publicada en libro. Como es posible una gran reportaje sobre Vietnam presentar discusiones pertinentes para Latinoamérica? Por medio de comparaciones, de presentación de personajes militantes y percepciones personales indicadas en su narrativa en primer persona, Callado parece indicar orientaciones para una postura de enfrentamiento a las dictaduras militares que se instauraran en los países latinoamericanos. No de forma gratuita, el subtítulo de lo libro que trae la gran reportaje en debate se llama "Advertencia a los Agresores". VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina Los estudios de Boaventura de Sousa Santos ponen luz a esta percepción. Al introducir la necesidad de desarrollo de Epistemologías del Sur (el "sur" acá no está asociado solamente a la cuestión geográfica, pero también a todos los conocimientos contra hegemónicos), Boaventura presenta la necesidad de entendimiento del mundo para allá de la comprensión occidental. Para superación de una "injusticia cognitiva", según el autor, es fundamental la descubierta y el registro de diferentes tipo de conocimiento desarrollados por las prácticas de grupos sociales que han sofriendo, de manera sistemática, opresión, destruición y discriminación ocurridas por el capitalismo, por el colonialismo y por todas las formas de naturalización de desigualdades. Por esa perspectiva, países latino americanos y Vietnam del Norte, a pesar de todas sus peculiaridades, se igualan. Todavía las ideas del teórico sean posteriores a la producción de Callado, las reportajes de el periodistas conversan con Boaventura cuanto las experiencias del "sur". Para Boaventura, el desarrollo de cualquier teoría necesita de una inmersión en la práctica. Callado va hasta el lugar de los vietnamitas, sumerge en ese cotidiano de resistencia y presenta para sus lectores una nueva forma de comprensión de realidad. Por estar en primer persona, la reportaje de Antônio Callado también pode ser estudiada por el entendimiento de como la autorreferencialidad pode contribuir en la estrategia discursiva para la construcción de narrativas de compromiso ideológico. Considerando los estudios de Antônio Fausto Neto e de Eloísa da Cunha Klein, esta investigación indica la técnica narrativa del periodista y presenta caminos para el estudio y para la práctica de reportaje. Resumo Desdobramento do projeto de pesquisa de Doutorado do programa de pós-graduação em Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista de Bauru, este trabalho apresenta a produção jornalística de Antônio Callado (1917-1997). O consagrado romancista brasileiro tem uma importante atuação no jornalismo que raramente é estudada. Além de uma qualidade narrativa perceptível, as reportagens de Callado trazem uma concepção do que seria um jornalista interessado em apresentar discussões pertinentes para o entendimento de uma identidade latino-americana. Para o estudo dessa perspectiva de engajamento, o livro "Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores" de Callado mostra-se como objeto fecundo. Foi às vésperas do endurecimento da Ditadura Militar no país que o Jornal do Brasil empreendeu uma de suas mais ousadas VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina produções jornalísticas, enviando Callado à Guerra do Vietnã, em 1968. A série de reportagens do Jornal do Brasil foi reunida e, posteriormente, publicada em livro. Como poderia uma grande reportagem sobre o Vietnã apresentar discussões pertinentes para a América Latina? Por meio de comparações, da apresentação de personagens militantes e percepções pessoais indicadas na sua narrativa em primeira pessoa, Callado parece indicar orientações para uma postura de enfrentamento às ditaduras militares que se instauraram nos países latino-americanos. Não à toa, o subtítulo do livro que reúne a grande reportagem em questão se chama "Advertência aos Agressores". Os estudos de Boaventura de Souza Santos colocam luz a esta percepção. Ao introduzir a necessidade de desenvolvimento de Epistemologias do Sul (o "sul" aqui não está associado apenas à questão geográfica, mas a todos os conhecimentos contra hegemônicos), Boaventura apresenta a necessidade de entendimento do mundo para muito além da compreensão ocidental. Para superação de uma "injustiça cognitiva", segundo o autor, é fundamental a descoberta e o registro de diferentes tipos de conhecimentos desenvolvidos pelas práticas de grupos sociais que sofreram, de maneira sistemática, opressão, destruição e discriminação causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e por todas as formas de naturalização de desigualdade. Nessa perspectiva, países latino-americanos e Vietnã do Norte, apesar de todas suas peculiaridades, se igualam. Ainda que as ideias do teórico sejam posteriores à produção de Callado, as reportagens do jornalista dialogam com Boaventura quanto à concepção do que seria um intelectual engajado na busca de novos conhecimentos e experiências do "sul". Para Boaventura, o desenvolvimento de qualquer teoria exige um mergulho na prática. O intelectual precisar estar no terreno em que estão os movimentos e às manifestações. Callado vai até o lugar dos vietnamitas, imerge nesse cotidiano de resistência e apresenta pra seus leitores uma nova forma de compreensão da realidade. Por estarem na primeira pessoa, as reportagens de Antônio Callado também são colocadas sob o entendimento de como a autorreferencialidade pode contribuir na estratégica discursiva para a construção de narrativas de engajamento. Considerando os estudos de Antônio Fausto Neto e de Eloísa da Cunha Klein, esta investigação indica a técnica apurada do jornalista e expõe caminhos para o estudo conceitual e para a prática da reportagem. Abstract Consequence of PhD research project of the postgraduate program in Media Communication of the Universidade Estadual Paulista, this work presents the Antônio Callado's journalistic VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina production (1917-1997). Celebrated Brazilian novelist has an important role in journalism that is rarely studied. In addition to a noticeable narrative quality, his articles bring a conception about a journalism interested in introduce pertinent discussions for understanding a Latin American identity. To study this perspective engagement perspective, the Callado's book "North Vietnam: Warming to Aggressors" ("Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores") shows an fruitful object. On the eve of military dictatorship in Brazil, Jornal do Brasil started one of most audacious journalistic productions, sending Callado to Vietnam War, in 1968. The article published in Jornal do Brasil was, posterity, published in book. How could an article about Vietnam submit relevant discussions for Latin America? Through comparisons, the presentation of militants characters and personal perceptions indicated in its first-person narrative, Callado seems to indicate guidelines for coping posture the military dictatorships that have established in Latin American countries. No wonder, the subtitle of the book that gathers the article in question is called "Warning to Aggressors". The Boaventura de Sousa Santos studies put light in this perception. By introducing the need to develop South Epistemologies (the "south" here it is not only associated to the geographic question, but to all knowledge against hegemonic), Bonventura presents the need for understanding of the world far beyond the Western understanding. To overcome a "cognitive injustice," according to the author, is fundamental discovery and registration of different types of knowledge developed by the practices of social groups that have suffered, in a systematic way, oppression, destruction and discrimination caused by capitalism, colonialism and for all forms of inequality naturalization. From this perspective, Latin American countries and North Vietnam, despite all its peculiarities, are the same. Although the theoretical ideas are after the production Callado, the journalist's reporting dialogue with Boaventura about the conception of what would be an intellectual engaged in the pursuit of new knowledge and experiences of the "South". For Boaventura, the development of any theory requires a dip in practice. The intellectual needs to be on the ground where are the movements and manifestations. Callado goes to the place of the Vietnameses, immerse in this daily resistance and presents to his readers a new way of understanding that reality. For being the first person, the Antônio Callado reports are also placed on the understanding of how the self-referentiality can contribute to the discursive strategy for building engaging narratives. Considering the studies of Antonio Fausto Neto and Eloísa da Cunha Klein, this research indicates refined technique of the journalist and exposes ways to the conceptual study and the practice of reporting. VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina Palabras Clave: Periodismo, Latinoamerica, Antônio Callado, Vietnã do Norte, compromiso, autorreferencialidad. Palavras-chave: Jornalismo, América Latina, Antônio Callado, Vietnã do Norteo, engajamento, autorreferencialidade. Key Words: Journalism, Latin America, Antônio Callado, Vietnã do Norte, engagement , selfreferentiality. 1. Antônio Callado: a resistência via reportagem Antônio Callado desembarcou no Vietnã do Norte em 1968. Correspondente do Jornal do Brasil, o único jornalista latino-americano a conseguir chegar até o local do conflito queria contar como agricultores, mulheres e jovens vietnamitas expulsaram os franceses em 1954 e, principalmente, como estavam conseguindo resistir à ofensiva norte-americana em seu território. No mesmo ano, do outro lado do mundo, a América Latina enfrentava suas ditaduras. No Brasil, o endurecimento da Ditadura Militar estava às vésperas de entrar em sua fase mais repressiva. No dia 14 de dezembro de 1968, o Jornal do Brasil, que levou Callado ao Vietnã, estampou na primeira página: "Ontem foi o Dia dos Cegos". Na mesma página, a previsão meteorológica: "Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos". Lá fora, o sol forte e céu azul, mas o jornal queria alertar seus leitores sobre os censores que se alojaram na redação desde a noite anterior (SCHWARCZ; STARLING, 2015). O Ato Institucional de Nº 5, instaurado na noite anterior, encerraria de vez a liberdade de imprensa que já vinha cambaleando desde 1964, ano do Golpe Militar, apoiado e respaldado pelos Estados Unidos. A ferramenta de intimidação pelo medo oprimiria a oposição manifestada pelos movimentos estudantis, pelas greves operárias e pelas articulações políticas e intelectuais, da qual Callado e outros jornalistas brasileiros faziam parte. É esse posicionamento intelectual de resistência à ditadura no Brasil e também às ditaduras na América Latina, que contribuiria para a decisão dos militares pela censura da imprensa meses depois, que se discute nesse trabalho. Ao tentar entender como os vietnamitas do Norte resistiam a ofensiva militar norte-americana, Callado indicaria caminhos para a resistência também em solo latino-americano. Por essa perspectiva, as perguntas que abrem a reportagem de Callado, publicada no Jornal do Brasil, e posteriormente editada no livro "Vietnã do Norte: Advertências aos Agressores", se VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina colocam como guias para as indagações que, respondidas, apontariam caminhos para a tomada de posicionamento ideológico e de enfrentamento: Como conseguiram os vietnamitas derrotar completamente uma grande potência da Europa Ocidental, a França, em 1954, e como conseguiram levar os americanos à mesa de conferência, em Paris, em 1968? Foi o que procurei descobrir no Vietnã, como repórter profissional, falando a todo o mundo, perguntando diretamente aos dirigentes de Hanói, a heróis de guerra, questionandoo indiretamente o povo, componeses em arrozais e roças de mandioca, pilotos americanos no cárcere. Ouvi o troar do incessantes bombardeia americano perto do Paralelo 17, presenciei cenas severas, doces, divertidas. (CALLADO, 1977, p.15). No trecho escolhido, é perceptível que, para responder suas perguntas, Callado escolhe narrar o que viu na primeira pessoa. Ao contrariar a fórmula tradicional da neutralidade do jornalismo, o jornalista reforça sua estratégia em apresentar sua perspectiva sobre a situação. As páginas que seguem apresentam de que forma essa narrativa do jornalista apresenta sua motivação ideológica para estar nas terras vietnamitas e como ela dialoga com as questões sensíveis da América Latina de sua época. 2. A ideologia como passaporte Com o objetivo de tangenciar de que forma a motivação de caráter ideológico leva Callado a cobrir a guerra no Vietnã do Norte, utilizaremos como metodologia a revisão bibliográfica. A hipótese desse trabalho se fundamenta na possibilidade da reportagem sobre Vietnã do Norte ter sido produzida como um guia sobre caminhos de resistência às ditaduras que se instauravam na América Latina. Para começar a se debruçar sobre a hipótese central desse trabalho, é válido mencionar as dificuldades que Callado enfrentou para chegar ao território bombardeado no Sudeste Asiático. Maçicamente coberto por agências internacionais, o conflito era apresentado ao mundo pela perspectiva norte-americana, principalmente pelas investidas da República do Vietnã (ou Vietnã do Sul), apoiada pelos EUA. As barreiras para os jornalistas que tentavam contar o conflito a partir do norte eram imensas. Para conseguir autorização e conhecer o outro lado, Callado empreendeu uma negociação diplomática que durou meses e uma viagem à Inglaterra para um conversa com representantes da resistência vietnamita residentes na terra da Rainha. Só com muita insistência, o jornalista VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina brasileiro conseguiu validar seu passaporte e se tornar o único jornalista da América Latina a chegar ao Vietnã do Norte. Tamanha obstinação se relaciona diretamente à produção intelectual de Callado nos anos anteriores. Escritor conhecido, Callado publica sua obra mais referenciada, Quarup, um ano antes de sua chegada ao Vietnã. Segundo consta, a feitura do romance foi delineada quando esteve preso, em 1965, com os intelectuais Glauber Rocha e Carlos Heitor Cony, por suas manifestações contra os militares. Em Quarup, está a ideia principal de Callado sobre o que seria uma revolução brasileira, identificada com a história de colonização e exploração do país1. Segundo Marcos Martinelli (2006), pesquisador dedicado à produção literária de Callado, nas décadas de 1950 e 1960 se demarcaram vigorosamente os projetos de uma cultura-nacionalpopular capaz de construir unidade social, identidade cultural e, simultaneamente, a ideia de legitimidade dessa cultura. Matéria-prima para as produções de Callado, o projeto de uma cultura-nacional-popular encontram no caso do Vietnã do Norte sua materialização. Impressionado com a organização popular do Vietnã, Callado explica no trecho "A arma secreta de Ho" as bases em que se apoiavam as estratégias de resistência do país: Para ganhar tantas guerras, derrotar tantos inimigos poderosos, Ho Chi Minh precisava, em 1945, de uma arma secreta. Sem computadores, sem indústria, sem nada, forjar sua arma com o último elemento que possuía, elemento considerado hoje bastante obsoleto: o homem. (...). No dia seguinte ao da Independência. Ho fez um discurso propondo a cada vietnamita que se desdobrasse em três: um guerreiro, um aluno ou professor e um produtor de alimentos. (CALLADO, 1977, p.27). A explicação sobre o heroísmo baseado na organização popular continua na entrevista realizada por Callado com Nguyen Thuong Chi, alto funcionário do Ministério da Educação que participou dos dias heroicos contra os países inimigos: - Era assim como se estivéssemos sendo todos dizimados pela varíola, por uma peste mortal, e que o remédio, a vacina e cura tivessem aparecido ao mesmo tempo. Nosso povo é um povo frugal e tradicionalmente habituado a expulsar invasores, desde os 1 A definição de que a história em Quarup apresentaria a ideia do que seria uma revolução brasileira foi feita por Ferreira Gullar ao comentar a 23ª edição do livro, publicada em 2014, pela editora José Olympio. VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina feudais chineses, desde o Kubla-kan mongol. Mas eis que nos encontrávamos no centro do século XX com o povo ainda no centro da era feudal, ou das invasões mongóis: um povo analfabeto, que só sabia ouvir, não sabia ler, e que tinha de lutar contra franceses, ingleses, americanos. O presidente Ho tinha dado seu comando: quem soubesse ler e escrever tinha de começar imediatamente a ensinar aos outros. Os filhos tinham de ensinar aos pais, os proprietários agrícolas, aos camponeses, os capatazes aos operários. A ordem era ensinar e aprender em qualquer lugar, qualquer hora, de qualquer maneira. Nós sabíamos que bastava um mês e meio, dois meses para ensinar um adulto a ler. E que ficava ainda mais fácil de suas primeiras letras estiverem amarradas ao seu trabalho, à sua produção, ou ao seu ofício, à sua guerra. E começamos. (CALLADO, 1977, p.27). Essa educação fundamentada no cotidiano da resistência é colocada por Callado como chave para entender a resistência no Vietnã. Os estudos do brasileiro Paulo Freire podem ser aqui relacionados. Considerado revolucionário, o Método Paulo Freire buscava tirar da situação de submissão e passividade os indivíduos que não conheciam a palavra escrita (CORTEZ, 2005). A preocupação do educador, que foi entrevistado por Callado era criar uma estratégia para politização do povo brasileiro. Para sugerir como as ideias de Freire influenciaram a concepção de Callado sobre a organização popular, vale a observar o trecho de sua reportagem publicada no Jornal do Brasil, entre dezembro de 1963 e janeiro de 1964, retirado da obra de Lucili Grangeiro Cortez (2005): Como existe hoje em Pernambuco uma bela exaltação revolucionária, fala-se menos e dar voto ao analfabeto do que em alfabetizá-lo para que conquiste seu voto contra um país e uma Constituição esnobe. Numa aula dada pelo Sistema Paulo Freire, um lavrador juntou pela primeira vez duas sílabas, ti e to, e bradou: - Tito é nome de gente e o papel que a gente vota! Tinha pescado ao mesmo tempo, do meio do letrume, um ser humano e sua carta de alforria na mão. Um retrato do Brasil possível, futuro. (CALLADO in CORTEZ, 2005, p.75) Tanto em suas reportagens quanto em seus romances, observa-se Callado preocupado com o "Brasil possível, futuro". Na condição de um jornalista-escritor insatisfeito com a realidade política do seu tempo, Callado dizia ser incompreensível um escritor ignorar os problemas sociais e políticos de seu tempo. No artigo "Quando o escritor toma partido: o caso de Antônio Callado", Maria da Conceição Santos Silva insere um trecho em que, na ocasião de uma VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina entrevista a uma jornalista portuguesa, Callado declara: "A literatura, quanto a mim, é 'engajamento', participação, se quiser. Sempre". (PALLA in SILVA, 2005). O jornalista engajado O posicionamento sobre a necessidade de envolver-se nas questões de seu tempo, que leva Callado ao Vietnã do Norte, dialoga com a concepção do que seria um jornalista-intelectual discutida por Fábio Pereira (2011). Para Pereira, o jornalista-intelectual é aquele que coloca a em produção "o pensar crítico sobre o mundo e o engajamento em questões políticos e sociais" (PEREIRA, 2011, p. 17). Sobre esse aspecto, diz Callado à Lígia Chiappini, em entrevista, quanto à produção de sua escrita: Acho que o escritor deve fazer exatamente aquilo que ele deseja fazer. Se a ideia é fazer poesias herméticas, teatro do gênero Ionesco, acho perfeito. Muito pior é ele querer se fazer de outro tipo de escritor, que ele não é. Agora eu acho que um intelectual, sobretudo num país como o Brasil, não tem o direito de se eximir como pessoa, e como intelectual, de opinar sobre a situação do país. (CHIAPPINI, 1984, p.152) A ideia do jornalista-intelectual como aquele engajado nos problemas de seus tempo também está presente no que diz Boaventura de Sousa Santos (1995). Seus estudos sobre a construção multicultural da igualdade e da diferença demarcam a importância da produção de conhecimentos com a perspectiva do "sul". O "sul" de Boaventura não é apenas indicação para os lugares localizados abaixo da linha do Equador, mas também é metáfora que designa grupos que sofreram opressão desde a época da colonização e que tiveram seus conhecimentos marginalizadoas. Em seu texto "Epistemologías del Sur"2, Boaventura contextualiza a necessideade de entendimento do mundo a partir desses movimentos de resistência e enfrentamento aos conhecimentos ocidentais e ao que o autor chama de "injustiça cognitiva". 2Boaventura de Sousa Santos, um dos fundadores do Fórum Social Mundial, sublinha que o "sul" da sua proposta epistemológica não está associado apenas aos países localizados ao sul geográfico mas a todos os grupos presentes em territórios que sofreram com os processos destrutivos da colonização. Os ideais que envolve o Fórum são essenciais nos seus estudos da globalização contra-hegemônica e também na promoção da luta pela justiça cognitiva global que fundamenta o conceito de Epistemologias do Sul. Explica Boaventura: "As Epistemologias do Sul são a reivindicação de novos processos de produção, de valorização de conhecimentos válidos, científicos e não científicos, e de novas relações entre diferentes tipos de conhecimentos, a partir das práticas das classes e grupos sociais que sofrem, de maneira sistemática, destruição, opressão e descriminação causados pelo capitalismo, o colonialismo e todas as naturalizações de desigualdade em que se desdobraram". (BOAVENTURA, p. 16). VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina No conflito do Vietnã do Norte, a cobertura das agências internacionais, focada quase que exclusivamente no enquadramento norte-americano, representaria a "injustiça cognitiva" de que Boaventura fala. Para superação dessa injustiça, é fundamental a descoberta e o registro de diferentes tipos de conhecimentos desenvolvidos pelas práticas de grupos sociais que sofreram, de maneira sistemática, destruição e discriminação causadas pelo capitalismo, pelo colonialismo e por todas as formas de naturalização de desigualdade. (SOUSA SANTOS, 2009). Apesar de suas ideias não serem contemporâneas a Callado, elas colaboram para a compreensão sobre a postura do jornalista no território vietnamita. Para Boaventura, só é possível desenvolver qualquer conhecimento novo se o intelectual mergulhar na prática das movimentos sociais que resistem a diferentes tipos de opressão. É preciso estar no terreno onde estão esses movimentos. Callado finca os pés no cotidiano da resistência do Vietnã do Norte e, em busca de alternativas de enfrentamento aos governos militares do seu país e dos paises vizinhos, apresenta uma nova forma de compreensão do conflito e de conhecimento sobre outras realidades possíveis. Retirado da reportagem, o trecho a seguir mostra como uma realidade que parece tão distante tem elementos muito familiares a seus leitores brasileiros: Foi na localidade de Hoang Hoá, província de Thanh Hoá. A natureza, aqui, era inquietantemente brasileira. E as crianças da roça, que cumprimentam a gente e chamam de Tio, usam no início da frase o saudar vietnamita, que se escreve e se pronuncia Chao: como se fosse o ciao italiano e tão brasileiro. Em torno, as plantações de mandioca e batata doce, com bananeiras e carro de boi ao longe. Íamos andando por uma picada sinuosa, interminável, ao sol. (CALLADO, 1977, p.24) Como estratégia de alteridade possível, o trecho serve de alerta ao leitor: somos mais parecidos do que se imagina. A apresentação de uma nova realidade, de um novo conhecimento capaz de superar a "injustiça cognitiva", acontece justamente na aproximação com o repertório de referências presentes no leitor. A autorreferencialidade como estratégia A proximidade com o leitor reside também na forma com que jornalista escolhe fazer sua narrativa: Callado coloca-se na reportagem. Distanciando-se da pretensa objetividade e imparcialidade que se vinculam tradicionalmente ao texto jornalístico, o repórter faz um VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina testemunho pessoal do que vê no Vietnã do Norte. O trecho a seguir indica as marcas dessa autorreferencialidade3: Diante de mim sentou-se um administrador local, da nacionalidade Muong. Perguntei-lhe por que estavam tão viçosas as lavouras numa província tão castigada pelos franceses até 1954, e pelos americanos, a partir de 1964. Ele bate a cabeça, fita pensativo, no terreiro da aldeia, o sino que convoca os habitantes para reuniões ou repica o alarme antiaéreo. O sino é a parte superior de uma bomba que não explodiu. Indago se é uma bomba americana e meu intérprete de todos os momentos traduz: - Sim, mas jogada pelos franceses no tempo de Dien Bien Phu. Bomba de auxílio americano. Estou diante dele, sentado no chão, meu livro de apontamentos aberto.Ele tira do bolso com orgulho um livro de apontamentos. - Nós éramos, aqui, analfabetos 99 por cento. Eu também era. Quem sabia ler lia vietnamita porque nossa língua não tinha nem escrita. Agora você pode parar na estrada e perguntar que todo mundo sabe ler. E temos nossa escrita também. (CALLADO, 1977, p.17). Callado usa a primeira pessoa para narrar o diálogo com o administrador local: "Diante de mim sentou-se", "Perguntei-lhe por que", "Indago se é uma bomba", "Estou diante dele". Ao planejar as produções de sentido possíveis do seu texto, o jornalista conta que está com seu livro de apontamentos aberto. A intenção é sublinhar o que narra a seguir: "Ele tira do bolso com orgulho um livro de apontamentos". O objeto comum aos dois iguala entrevistador e entrevistado quanto ao conhecimento adquirido. Com a mobilização nacional para levar educação para todos, as informações compartilhadas sobre o aprimoramento das práticas de plantio garantiram as lavouras viçosas. Como aponta Antônio Fausto Neto (2007), leituras como esta só se tornam possíveis de acordo com a forma com que o jornalista decide operar a linguagem de seu texto. Duas possibilidades se colocariam para o jornalista. De um lado, estaria a dimensão "instrumental" da linguagem. Por ela, a linguagem estaria apenas a serviço do "ato de fala", sem considerar as subjetividades existentes no momento em que se decide por um ou outro caminho. É nessa 3 A autorreferencialidade caracteriza-se pelo recurso de se referenciar na construção da narrativa. No estudo em questão, Callado apresenta-se na reportagem ao fazer seu relato na primeira pessoa. VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina "dimensão instrumental" que reside a maior parte dos textos jornalísticos caracterizados como neutros e objetivos. Do outro lado, se coloca a dimensão "construcionista" como aquela que entende o sujeito falante da enunciação jornalística imerso em complexas relações de operação da linguagem. Para explicar tal dimensão, Fausto Neto lembra que as decisões para a construção de um texto jornalístico não se fazem no vazio. Elas se acoplam e se subordinam a complexas situações demarcadas pela subjetividade. Além disso, ao possibilitar aos leitores perceberem o processo produtivo pelo qual passou a reportagem, seria possível, segundo o autor, transformá-los em "co-sujeitos" do ato discursivo. Eloísa Joseana da Cunha Klein (2013)4 assinala de que forma a autorreferencialidade contribui para ampliar as leituras possíveis a partir de uma única pauta. Entendemos que, ao tratar do que "se fez para fazer", os textos midiáticos terminam por fazer outras coisas e exploram a redação contínua com as características contextuais de tempo, sociedade, instituição, com as implicações técnicas e materiais e com as pessoas com as quais interage. (KLEIN, 2013, p.2) As marcas da autorreferencialidade no texto de Antônio Callado localizam sua produção dentro dessa dimensão "construcionista". Ao apresentar os "bastidores" de sua reportagem novas leituras são apresentadas. Reunida em livro publicado pela Civilização Brasileira, a reportagem de Callado sobre Vietnã do Norte pode indicar outras percepções também a partir das imagens utilizadas para ilustrar a produção. A capa do livro "Vietnã do Norte. Advertência aos Agressores" traz o jornalista com a cabeça baixa ao lado de uma mulher vietnamita que segura um fuzil. Símbolo da resistência no Vietnã do Norte, a mulher aparece em todo percurso da reportagem. Na foto, Callado, muito mais alto que a mulher que está ao seu lado segurando um fuzil, parece fazer uma reverência em provável sinal de respeito e admiração. 4 Os estudos de Antônio Fausto Neto, assim como os de Eloísa Joseana da Cunha Klein, que será referenciada em seguida, tratam especialmente da autorreferencialidade nas reportagens televisivas. Em tais estudos, o programa "Profissão Repórter" da Rede Globo é o principal exemplo. Apesar dessa especificidade, tais análises, que consideram o as estruturas formais e tradicionais do fazer jornalístico, abrem espaço para uma dimensão analítica que também se aplica em reportagens impressas. VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina Figura 1. Capa da primeira edição de "Vietnã do Norte. Advertência aos Agressores", publicado pela Civilização Brasileira, em 1969. Callado parece reverenciar a jovem com o fuzil. 5 É uma jovem é o primeiro personagem de sua reportagem. Nguyen Thi Hang, de 24 anos, "uma veterana em derrubar avião e prender piloto", como conta Callado. Ainda sobre a forma como jornalista opera sua linguagem, é valido conhecer como se dá a escolha para contar sobre o heroísmo no Vietnã, a partir da jovem: Na província de Thanh Hoa, a 150 quilômetros ao Sul de Hanói, falei de heroísmo diretamente com uma dona do assunto (...). Perguntei-lhe se não tivera medo no seu primeiro combate quando tinha 20 anos de idade. Thi Hang se lembrava bem da data de 3 de abril de 1965. E da hora: 2 da tarde. E dos velocíssimos B-52 vindos de todas as direções convergindo sobre a ponto de Ham Rong (Mandíbula de Dragão) no Song Ma (Rio do Cavala). Lembrava-se da tensão de esquecer a presença das outras milicianas ao lado. Mas o que tinha sentido? Me pediu um momento para pensar. Um momento. Não se lembrava. Ouve o ruído ensurdecedor dos jatos passando por cima das baterias 5 CALLADO, Antônio (1969). Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC “POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 27 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina das bombas. Nguyen Thi Hang se lembrava de que, passada a primeira vaga do ataque, a ponte continuava intacta mas a aldeia mais próxima, sua aldeia, ardia em chamas. Então pensou nas crianças e nos velhos da aldeia, no arroz da sua cooperativa. Disto se lembrava. E, a seguir, da determinação, do ódio com que esperou que chegasse à sua alça de mira o próximo avião americano. (CALLADO, 1977, p.16). O fragmento quase cinematográfico chama a atenção especialmente para o trecho em que a jovem pede um momento a Callado para se lembrar se sentiu medo no seu primeiro combate: "Me pediu um momento para pensar. Um momento. Não se lembrava. Ouve o ruído ensurdecedor dos jatos passando por cima das baterias das bombas". Ao iniciar um novo período como se estivesse acompanhando o fluxo de consciência6 de Thi Hang (é possível ouvir os jatos ensurdecedores que a jovem ouviu como se fossemos ela), Callado mostra sua acuidade na utilização de recursos literários para a aproximar o leitor de sua narrativa. A utilização de elementos narrativos potenciais mostra, assim, a dimensão "construcionista" de sua linguagem como ferramenta para sensibilização e mobilização possíveis para o enfrentamento das realidades vividas na América Latina. Guardadas às devidas peculiaridades, Vietnã do Norte e América Latina se aproximariam a partir de seus contextos de opressão. A resistência fundamentada na organização popular nas terras vietnamitas se apresentou para Callado como um guia de enfrentamento para as realidades latino-americanas. Se resta alguma dúvida sobre esse engajamento ideológico de Callado, é válido retomar o nome do livro publicado com a reportagem: "Vietnã do Norte: Advertência aos Agressores". Ao voltar do Vietnã com suas histórias, Callado adverte os agressores da América Latina: como os vietnamitas do norte, somos capazes de resistir. Ainda que tenha perdido seus direitos políticos e tenha sido impedido de exercer a profissão de jornalista nos anos de chumbo do Brasil, sua advertência, em forma de reportagem, se transformou em um testemunho histórico sobre a capacidade de articulação e resistência dos povos do "sul". 6 Fluxo de consciência é uma técnica literária introduzida por James Joyce, em que o monólogo interior de um ou mais personagens é transcrito. Nesta técnica, a narrativa apresenta-se como um fluxo de consciência que intercepta presente e passado, quebrando os limites espaço-temporais. No fluxo de consciência há uma quebra da narrativa linear, onde já não é tão claro distinguir entre as lembranças da personagem e a situação presentemente narrada. Na literatura brasileira, a obra de Clarice Lispector é ilustrativa sobre a técnica. 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